Discursos João Paulo II 1999 - Quinta-feira, 20 de Maio de 1999

Caríssimos Irmãos no Episcopado!

1. «A paz esteja com todos vós que estais em Cristo» (1P 5,14). Apraz-me saudar-vos com estas palavras do apóstolo Pedro neste nosso encontro, que tem lugar como é habitual durante a vossa Assembleia plenária, mas que este ano reveste um especial significado, porque se realiza no final das Visitas «ad limina Apostolorum», por vós realizadas nos meses passados em grupos, constituídos de acordo com as diversas Conferências Episcopais regionais.

Sinto-me feliz por vos ver agora todos juntos e convosco fazer como que um balanço ideal do que pude ouvir nestes encontros, das esperanças e preocupações que nos comunicamos de modo familiar. Saúdo – e ao mesmo tempo agradeço as palavras que me dirigiu – o Senhor Cardeal Camillo Ruini, vosso Presidente, juntamente com os outros Cardeais italianos. Saúdo os Vice-Presidentes, o Secretário-Geral e cada um de vós, amados e venerados Irmãos no Episcopado. O Senhor vos recompense a generosidade e a constância com que vos dedicais às Igrejas que vos estão confiadas e a solicitude que mostrais pelo inteiro corpo eclesial.

2. A impressão que tive dos nossos colóquios durante as Visitas «ad Limina» foi amplamente positiva, como de resto para mim são sempre enriquecedoras as experiências que faço quando vou visitar as vossas Dioceses. Dou graças a Deus, queridos Irmãos, pela vitalidade espiritual e pastoral da Igreja na Itália e pela fidelidade com que os seus componentes, desde os sacerdotes até aos religiosos e aos leigos, procuram viver a própria vocação específica.

Sem dúvida não faltam as dificuldades e os perigos. Também na Itália estão presentes e são ameaçadoras as tendências a recusar Deus e Jesus Cristo ou a pô-los, por assim dizer, entre parênteses tanto na cultura como na vida social e nos próprios comportamentos pessoais. Simultaneamente, difunde-se a nível moral um subjectivismo que muitas vezes equivale, na realidade, à falta de quaisquer princípios autênticos e critérios éticos, deixando espaço livre ao prevalecer do egoísmo, às modas consumistas e a um desregrado clima de erotismo.

Mas precisamente perante estas dificuldades, a Igreja na Itália está a tomar consciência cada vez mais clara da obra de missão e nova evangelização à qual é chamada. Aliás, já foram postas em prática, sobretudo nestes últimos anos, no âmbito da preparação imediata para o Grande Jubileu, grandes e envolvedoras iniciativas missionárias, entre as quais me apraz recordar a «Missão da Cidade», na qual a Diocese de Roma se empenhou com óptimos resultados. Aliás, o Congresso nacional missionário, que se celebrou no passado mês de Setembro em Bellaria, com a participação e o entusiasmo que o distinguiram, confirmou que a missão ad gentes está inscrita no coração e na tradição da comunidade eclesial italiana.

Agora trata-se de dar continuidade a este duplo empenho evangelizador e de o tornar mais detalhado e penetrante: no interior desta amada Nação, para que não perca a sua índole cristã e católica, mas ao contrário a renove e a reforce; e nas regiões do mundo em que o anúncio do Evangelho ainda está a começar, para que o milénio que vai iniciar seja caracterizado por uma renovada oferta da salvação que provém de Cristo.

3. O tema central desta vossa Assembleia são as vocações para o ministério ordenado e para a vida consagrada: alegro-me com esta escolha, que corresponde muito bem às preocupações que me foram manifestadas por muitos de vós durante as Visitas «ad Limina». Ele enfrenta um capítulo fundamental da vida e da missão da Igreja.

Famílias autenticamente cristãs e comunidades paroquiais e juvenis fervorosas são também hoje o ambiente natural no qual podem melhor nascer e desenvolver-se vocações genuínas. O exemplo de sacerdotes e de pessoas consagradas, felizes da própria opção de vida e capazes de desempenhar um sério trabalho formativo, constitui depois o estímulo mais eficaz para fazer maturar e tornar explícita e consciente a chamada interior. Neste âmbito, continua a ser importantíssimo o papel da direcção espiritual.

De igual modo se revela cada vez mais necessária uma orgânica pastoral vocacional diocesana, que se ocupe de modo harmonioso das diversas vocações e disponha pessoas, ocasiões e lugares formativos adequados para estimular e sustentar os itinerários vocacionais. Mas a legítima preocupação de enfrentar a diminuição do número dos sacerdotes e das pessoas consagradas nunca faça esquecer que é principalmente importante a autenticidade das vocações, o estímulo no seguimento de Cristo e a idoneidade para assumir as tarefas do ministério.

4. Caríssimos Bispos italianos, estamos todos apreensivos devido à tristíssima situação de guerra e de prepotência étnica que desde há muito tempo se está a viver na República Federal da Jugoslávia. Ao agradecer a coral oração com que as vossas Igrejas estão a responder ao apelo por mim lançado no início deste mês de Maio, desejo exprimir profundo apreço pelos numerosíssimos testemunhos e iniciativas de solidariedade concreta que estão a ser feitos por parte dos Institutos religiosos, das Caritas e dos organismos do voluntariado, antes de mais nos lugares aonde chegam os refugiados e depois em muitas outras partes da Itália.

Renovo convosco o apelo formulado em Bucareste juntamente com o Patriarca Ortodoxo Teoctisto: «Em nome de Deus, Pai de todos os homens, pedimos de maneira instante às partes interessadas no conflito que deponham definitivamente as armas, e exortamos de coração as partes presentes a realizar gestos proféticos», para que se torne possível «um novo estilo de vida nos Balcãs, caracterizado pelo respeito de todos, pela fraternidade e pela convivência». Queira o Senhor, o único que converte os corações, tornar rapidamente eficazes estas palavras.

5. O meu olhar detém-se agora na querida nação italiana, pela qual compartilho, estimados Irmãos no Episcopado, a vossa solicitude. De facto, faz parte do nosso ministério peculiar oferecer o contributo da sabedoria do Evangelho e do ensinamento social da Igreja para a resolução dos problemas, muitas vezes novos e complexos, que as actuais sociedades são chamadas a enfrentar. Trata-se de estimular as diversas categorias e componentes políticas e sociais a terem em vista o bem comum e a encontrarem as motivações mais genuínas para uma acção concorde, que fortaleça nos cidadãos o sentido de pertença e o gosto da participação.

De modo particular, é dever das comunidades eclesiais, conscientes das suas responsabilidades específicas no âmbito social, económico e político, dedicar uma atenção prioritária ao trabalho e ao emprego, que são o caminho obrigatório para restituir, em muitas regiões da Itália, segurança às famílias e coragem e confiança à juventude. À luz dos princípios de solidariedade e de subsidiariedade, pode-se fazer muito neste campo, empenhando-se por um renovado progresso da economia e da produção, no âmbito de uma sincera colaboração a nível nacional e internacional.

6. A Igreja italiana está empenhada com coragem profética nos grandes temas da família e da vida, sobretudo promovendo uma pastoral familiar que alargue cada vez mais os horizontes e na medida do possível alcance os núcleos familiares em situações de dificuldade ou, contudo, menos partícipes na vida eclesial.

Muito justamente, vós favoreceis também a admissão de responsabilidades sociais por parte das próprias famílias e das suas associações, para que na legislação, nas políticas sociais e nas normas e decisões administrativas sejam salvaguardados os direitos da família fundada no matrimónio, em sintonia com o conteúdo constitucional (cf. art. 29), não a confundindo com outras formas de convivência, e sejam tomadas medidas idóneas para apoiar a própria família nas suas tarefas essenciais, começando pela procriação e educação dos filhos. Depois, que dizer do benemérito empenho daqueles que, nas delicadíssimas questões referentes à bioética, defendem uma legislação que tutele a família legítima e o embrião humano? Não há quem não veja que o que está em jogo são escolhas que poderiam comprometer gravemente o carácter humanista da nova civilização.

7. Na vossa solicitude de Pastores ocupam um lugar privilegiado também a escola e a formação das jovens gerações, às quais dedicastes em particular a vossa Assembleia do passado mês de Novembro.

Como não sentir amargura e preocupação ao constatar que, enquanto se procura actualizar e restabelecer a ordem geral da escola italiana, não se consegue encontrar o caminho para uma efectiva igualdade entre todas as escolas? Não são estas, porventura, as medidas mais necessárias e significativas para adequar aos níveis europeus o sistema escolar italiano? Também por isto, é oportuna como nunca a grande Assembleia nacional sobre a escola católica que se está a preparar e que será celebrada em Roma no final de Outubro: sinto-me feliz por garantir desde já a minha participação pessoal.

Em relação a cada uma destas temáticas de elevado perfil social e cultural, e mais em geral em relação à tarefa fundamental da evangelização, renovo o mais caloroso encorajamento a cultivar o projecto cultural iniciado durante estes anos pela Igreja que está na Itália. Exorto-vos também a manter vivo o empenho necessário para incrementar a presença cristã no âmbito das comunicações sociais.

8. Caríssimos Bispos italianos, o Grande Jubileu já está deveras muito próximo. Exprimo-vos o meu regozijo pelo modo com que as vossas Dioceses se estão a preparar para este acontecimento providencial, no qual juntas darão graças ao Pai celeste pelo dom supremo do seu Filho, feito homem para a nossa salvação no seio da Virgem Maria. Intensifiquemos a nossa oração para que este especial Ano Santo traga consigo um aumento da fé, da esperança e do amor cristão. Oxalá o Jubileu, graças ao empenho de todos, faça com que os cristãos dêem ulteriores passos em frente no caminho da plena unidade e difunda no mundo uma consciência nova da necessidade e da possibilidade de paz.

Os encontros que nos esperam no Ano 2000, desde o Congresso Eucarístico Internacional até ao Dia Mundial da Juventude e aos outros numerosos acontecimentos muito significativos, serão uma nova oportunidade para vivermos juntos a alegria da nossa comunhão.

Venerados Irmãos no Episcopado, daqui a poucos dias celebraremos a solenidade de Pentecostes. Eleve-se com mais frequência nestes momentos, dos lábios e do coração, a invocação ao Espírito Santo, a fim de que nos cumule com a abundância dos seus dons, bem como à inteira comunidade cristã.

Dirigimos a Maria, Rainha da Paz, a nossa súplica humilde e confiante pelo fim da guerra e das violências nos Balcãs, no continente africano e em todas as partes do mundo.

Sobre vós e sobre o povo que a Providência divina confiou aos vossos cuidados pastorais desça abundantemente a Bênção divina.

Deus proteja a Itália e a mantenha fiel à sua grande herança cristã!



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL


DO QUÉNIA POR OCASIÃO DA VISITA


"AD LIMINA APOSTOLORUM"


: Quinta-feira, 20 de Maio de 1999



Dilectos Irmãos Bispos

1. É com afecto no Senhor ressuscitado que vos saúdo, membros da Conferência Episcopal do Quénia, e da mesma forma que vós me recebestes de maneira tão amável no Quénia há quatro anos, assim também eu vos dou hoje as boas-vindas ao Vaticano. Efectivamente, é uma grande alegria para mim encontrar-me de novo convosco, e por ocasião da vossa visita ad limina Apostolorum dou sinceras graças ao nosso Deus e Pai pela «parte que tomastes na difusão do Evangelho» (Ph 1,5), a qual é também nossa no serviço do povo de Deus. Peço-vos que assegureis ao clero, aos religiosos e aos leigos das vossas Dioceses que eles permanecem sempre no meu coração: não cesso de rezar pe- lo seu permanente crescimento na graça e na santidade.

É com gratidão ao Senhor da messe que observo o vigor e a vitalidade da Igreja que está no Quénia, enquanto ela continua a crescer, «aumentando todos os dias o número dos que entram no caminho da salvação» (cf. Act Ac 2,47). Desde a vossa última visita aos túmulos dos Apóstolos, duas novas Dioceses foram criadas e erigiu-se um novo Vicariato Apostólico. Estou deveras feliz por saudar o Bispo de Kericho, o Bispo de Kitale e o Vigário Apostólico de Isiolo, por ocasião da sua primeira visita ad Limina. Analogamente, saúdo aqueles de entre vós que, nos últimos cinco anos, foram consagrados para o Episcopado: os Bispos de Kisii, de Kitui, de Bungoma e do Ordinariato Militar. «O Deus da paz esteja com todos vós. Amém!» (Rm 15,33).

2. Nas Cartas Pastorais que publicastes nestes últimos anos, demonstrastes a digna solicitude pelo bem-estar espiritual e religioso do vosso povo, no contexto da inteira situação política, social e económica do vosso país. Este contexto tem repercussões imediatas na vida dos fiéis, efectivamente na vida de todos os quenianos, e as iniciativas a níveis paroquial e diocesano, destinadas a abordar as situações inerentes não só correspondem a uma necessidade muito real da parte da nação, mas também oferece fóruns efectivos para a apresentação do ensinamento social da Igreja. Com efeito, a sólida ordem social à qual os cidadãos do Quénia aspiram exige uma renovada cultura moral e política da responsabilidade; o vigoroso sistema democrático a que eles anelam depende de uma ampla resposta positiva às exigências de uma renovação ética. Uma exigência fundamental neste campo, como observei na Carta Encíclica Centesimus annus,é a «promoção quer dos indivíduos através da educação e da formação nos verdadeiros ideais, quer da iusubjectividadel. da sociedade, mediante a criação de estruturas de participação e co-responsabilidade» (n. 46). Sem uma sólida formação moral, nenhum cidadão seria capaz de exercer de maneira adequada as suas funções políticas. Só com a prudência, a justiça, a temperança e a fortaleza (cf. Sb Sg 8,7) é que podem ser feitas as opções – em relação tanto à selecção dos responsáveis como à escolha das políticas – que tenham realmente em vista o bem-estar da nação.

Como muitos de vós indicastes nos relatórios quinquenais, as mudanças na economia e em outros segmentos do ambiente social apresentam aos católicos alguns desafios no que se refere ao exercício do seu compromisso cristão, de maneira especial na área da vida familiar. As dificuldades económicas, vinculadas à rápida e intensa urbanização da sociedade, fazem surgir situações em que a tentação de dar respostas imorais às consequentes pressões exerce uma influência poderosa. Por conseguinte, é imperativo que no vosso serviço de pastores e guias espirituais reserveis um lugar de especial prioridade ao cuidado pastoral das famílias. Encorajo-vos a nunca vos cansardes de exortar e de encorajar os fiéis a esforçarem-se sempre por abraçar de bom grado os ideais do matrimónio e da vida familiar cristãos. É também oportuno que se procure incrementar o diálogo e a cooperação nestas mesmas áreas com outras Igrejas cristãs e Comunidades eclesiais, pois estas problemáticas dizem respeito à vida de todos os quenianos, e estes esforços e esta colaboração conjunta hão-de oferecer um testemunho mais clarividente de Cristo e do Evangelho.

Uma vez que os valores dos quais estamos a falar aqui são transmitidos em primeiro lugar na família e sucessivamente são consolidados na escola, tanto a família como a educação deveriam ser objecto da vossa constante solicitude pastoral. A própria família deve ser salvaguardada e promovida, dado que permanece como «a célula básica da sociedade» (Familiaris consortio FC 46 cf. ibid., 42); e «no âmbito da educação, a Igreja tem um papel específico a desempenhar... que não é questão apenas de confiar à Igreja a educação religiosa e moral da pessoa, mas de promover todo o processo educativo da pessoa "juntamente" com a Igreja (Carta às Famílias LF 16). Por conseguinte, o papel da Igreja na educação – especialmente através das escolas e dos programas católicos de educação religiosa – deve ser tutelado e promovido.

3. É neste contexto que uma significativa imagem, evidenciada durante os trabalhos da Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos, adquire uma importância cada vez maior: o conceito da Igreja como família de Deus. Esta expressão acerca da natureza da Igreja é particularmente apropriada ao vosso continente, uma vez que «acentua a atenção pelo próximo, a solidariedade, as calorosas relações de acolhimento, de diálogo e de mútua confiança» (Ecclesia in Africa ). Assim a nova evangelização, que constitui uma parte deveras integrante da missão da Igreja na preparação para o terceiro milénio cristão, terá em vista «edificar a Igreja como família, excluindo todo o etnocentrismo e o excessivo particularismo, procurando pelo contrário promover a reconciliação e uma verdadeira comunhão entre as diversas etnias, favorecendo a solidariedade e a partilha de recursos e pessoas entre as Igrejas particulares, sem indevidas considerações de ordem étnica» (Ibidem).

Este conceito deve constituir uma parte integrante de toda a formação no seio da Igreja, de forma especial dos fiéis leigos: deveis ajudá-los a considerar-se a si mesmos como membros activos da família que é a Igreja, e a compreender que lhe pertencem de maneira muito real, e que a Igreja também lhes pertence; eles compartilham a responsabilidade dela! Esta compreensão e este compromisso hão-de ajudar os católicos a evitar que as outras tradições religiosas e as seitas, que se estão a tornar cada vez mais numerosas no Quénia, os afastem da prática da própria fé. Isto há-de constituir um elemento inestimável nos programas destinados à formação da juventude, porque talvez não haja outro grupo na sociedade queniana que seja mais susceptível às atitudes materialistas, consumistas e mesmo entorpecedoras do espírito, hoje muito prevalecentes e com frequência promovidas até mesmo pelos mass media.

4. A formação que se realiza nos vossos Seminários e Institutos de Vida Consagrada devem ser também uma das vossas solicitudes prioritárias como Pastores. O aumento do número dos candidatos ao sacerdócio e à vida religiosa constitui uma grande dádiva e exige um discernimento cuidadoso na selecção e na formação daqueles que se preparam para uma vida de serviço à Igreja. Além disso, considerando a necessidade de formar um laicado cada vez mais activo, deve-se procurar evitar de oferecer modelos do sacerdócio que sejam demasiado clericais ou autoritários na sua natureza, dado que isto levaria os futuros sacerdotes a encontrar dificuldades para trabalhar em estreita relação com os leigos e reconhecer as funções e os talentos dos mesmos. Pelo contrário, os vossos colaboradores no sacerdócio devem ser encorajados a comprometer o maior número de leigos possível numa comum responsabilidade pela vida paroquial: o pároco permanece o principal responsável, mas não pode – e não deveria – fazer tudo sozinho. Como observei na Exortação Apostólica pós-sinodal Pastores dabo vobis: «É particularmente importante preparar os futuros sacerdotes para a colaboração com os leigos. Estejam prontos... a escutar o parecer dos leigos, considerando com interesse fraterno as suas aspirações e aproveitando a sua experiência e competência» (n. 59).

Podeis estar persuadidos de que se os vossos seminários se conformarem às exigências fundamentais do programa católico da formação presbiteral, de maneira especial como é apresentado no Decreto conciliar Optatam totius e na Exortação Apostólica pós-sinodal Pastores dabo vobis, eles hão-de dar muitos frutos para as gerações vindouras. Entre as mais importantes atitudes e disposições a serem cultivadas nos seminaristas, estes documentos evidenciam a amorosa aceitação da vida celibatária, o espírito de pobreza e de simplicidade, além de uma imorredoura solicitude e zelo pela «salus animarum», de modo particular pela salvação daquelas pessoas que foram desviadas ou caíram no pecado. No progresso dos candidatos rumo às Ordens sagradas, o Bispo tem uma responsabilidade a exercer pessoalmente. Para o bem da Igreja, ele não deveria admitir candidatos à ordenação sem estar convencido, sob o ponto de vista moral, do seu compromisso amadurecido no ideal presbiteral.

A vossa solicitude pela formação sacerdotal não termina no dia em que ordenais os vossos filhos espirituais. Pelo contrário, deveis continuar a procurar maneiras de promover a sua formação permanente, como forma de assegurar que os vossos presbíteros sejam «generosamente fiéis ao dom e ao ministério recebidos, tal como o Povo de Deus o quer e tem o "direito" de ter» (Pastores dabo vobis PDV 79). Devíeis estar particularmente próximos daqueles sacerdotes que podem vacilar contra a fidelidade à sua vocação, e jamais deveis cansar-vos de insistir no facto de que o ministério sacerdotal não constitui uma profissão ou um instrumento de progresso social. Ao contrário, é um ministério sagrado. O Evangelho exige que os Bispos abordem imediata, franca e decididamente qualquer situação que represente um escândalo para o rebanho ou debilite a credibilidade do testemunho da Igreja. Seguindo o exemplo de Cristo Bom Pastor, haveis de ir em busca daqueles que se encontram em dificuldade e, com amabilidade, «admoestá-los como filhos muito amados» (cf. 1Co 4,14). Deveis sobretudo rezar incessantemente pelos vossos sacerdotes a fim de que o dom de Deus, que eles receberam através da imposição das mãos, possa ser sempre estimulado.

5. Analogamente, enquanto respeita a autonomia legítima dos Institutos de vida religiosa e apostólica, o Bispo tem responsabilidades específicas no que concerne ao cuidado daqueles que pertencem a tais comunidades. Devíeis demonstrar sempre boa vontade em assistir os jovens quenianos que aspiram a consagrar toda a própria vida ao serviço dos seus irmãos e irmãs através da observação dos conselhos evangélicos. De particular valor é o apoio que ofereceis aos Superiores na delicada tarefa de discernir com prudência a idoneidade dos candidatos à vida religiosa. Uno-me a vós na expressão do apreço pelos generosos sacerdotes missionários, religiosos e religiosas que, receptores das inspirações do Espírito, foram ao Quénia para dar testemunho daquela permuta de dons espirituais entre as Igrejas particulares, que constitui um fruto natural da comunhão eclesial. De igual modo e com a mesma satisfação, observo que muitos sacerdotes e religiosos do Quénia também responderam ao chamamento do Espírito e agora estão a servir como missionários fora das suas Dioceses de origem e até mesmo para além das fronteiras do próprio país.

Também não podemos deixar de reconhecer com grande gratidão o papel indispensável dos catequistas na transmissão das verdades da fé e na aproximação do próximo ao Senhor. Estou consciente dos importantes testemunhos que eles oferecem e da abnegação com que se consagram a Cristo e à sua Igreja na labuta que consiste em tornar o Evangelho cada vez mais conhecido e aceite. Não se deveria poupar quaisquer esforços para assegurar que recebam uma educação e formação apropriadas, exigidas para o cumprimento dos seus deveres; tão-pouco lhes deveria faltar apoio e encorajamento, tanto material como espiritual.

6. Queridos Irmãos no Episcopado, consolam-me a sabedoria e o zelo mediante os quais apascentais a grei de Deus que está no Quénia. Rezo para que a vossa peregrinação à Cidade onde os Apóstolos Pedro e Paulo derramaram o próprio sangue em testemunho do Evangelho vos encha de renovada força para o desempenho do ministério apostólico que vos foi confiado, de tal maneira que jamais vos canseis de pregar a palavra de Deus, de celebrar os Sacramentos e de orientar o rebanho que depende do vosso cuidado. Estou particularmente feliz por tomar conhecimento da fundação em Subukia de um Santuário nacional consagrado a Maria, Mãe de Deus, e da instituição do programa das peregrinações marianas, que se hão-de realizar durante o inteiro ano jubilar em todas as Dioceses.

Enquanto confio cada um de vós e o vosso clero, juntamente com os religiosos e os leigos das vossas Igrejas particulares, à protecção amorosa da Bem-Aventurada Virgem Maria, Mãe de Cristo e nossa Mãe, concedo-vos a minha Bênção Apostólica como penhor de graça e de paz no seu Filho, nosso Salvador ressuscitado.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A OITO NOVOS EMBAIXADORES ACREDITADOS


JUNTO DA SANTA SÉ POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO


DAS CARTAS CREDENCIAIS


Quinta-feira, 20 de Maio de 1999

: Excelências

É-me grato acolher-vos hoje no Palácio Apostólico e receber as Cartas que vos acreditam como Embaixadores Extraordinários e Plenipotenciários junto da Santa Sé dos vossos respectivos países: Ucrânia, Austrália, Iêmen, Malta, Barbados, Mónaco, Islândia e Tailândia. Desejo agradecer-vos profundamente as mensagens cordiais que me transmitistes da parte dos vossos Chefes de Estado. Ficar-vos-ia grato se vos dignásseis exprimir-lhes as deferentes saudações que lhes retribuo e os meus votos cordiais pelas suas pessoas e pela nobre missão ao serviço dos seus povos. O nosso encontro proporciona-me a ocasião para saudar os Responsáveis das vossas nações bem como os vossos compatriotas, e para dirigir as minhas saudações fervorosas aos católicos dos vossos países, que participam com empenho em todos os sectores da vida com os seus concidadãos.

Nesta circunstância solene, desejaria fazer de novo, por vosso intermédio, um apelo a todas as Nações, a fim de que, em todos os Continentes, as Autoridades civis e todos os homens de boa vontade prossigam e intensifiquem os seus esforços em favor da paz, da cooperação, da solidariedade e do entendimento entre os povos. Conheceis bem o empenho da Sé Apostólica nestes âmbitos, para que as armas se calem e cedam o lugar às negociações, a fim de que cada país, no respeito do direito, seja assistido na actuação das suas instituições e ajudado na integração das diferentes culturas e etnias que o compõem. De facto, não se pode conceber um Estado como uma realidade que recusa uma parte da sua população, em função de critérios que levam à segregação. Os Responsáveis pela sociedade são chamados a estar atentos às condições dum «viver bem em comum», para que a fraternidade prevaleça sobre o ódio e sobre a violência.

Compete a nós preparar uma terra habitável para as gerações futuras, dando aos jovens razões para terem esperança e para se empenharem na gestão da cidade, fundando a sua acção nos princípios fundamentais da justiça, honestidade e respeito das pessoas. De igual modo, seria bom fazer descobrir aos homens do nosso tempo, sobretudo à juventude, os valores morais e espirituais que permitem compreender o sentido da sua existência pessoal e da história, que são motores tanto da vida interior como da vida social.

No momento em que iniciais a vossa missão, apresento-vos os meus melhores votos e invoco sobre vós a abundância das Bênçãos divinas, bem como sobre as vossas famílias, os vossos colaboradores e as nações que representais.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO NOVO EMBAIXADOR DA AUSTRÁLIA


JUNTO DA SANTA SÉ POR OCASIÃO


DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


Quinta-feira, 20 de Maio de 1999



Senhor Embaixador

É com prazer que lhe dou as boas-vindas no início da sua missão como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da Comunidade da Austrália junto da Santa Sé. Ao receber as suas Cartas Credenciais, agradeço-lhe as saudações que me transmitiu da parte do Governador-Geral, Sua Excelência o Senhor William Deane, e do Primeiro-Ministro, Sua Excelência o Ilustre Senhor John Howard. Pediria que lhes comunicasse, bem como ao povo australiano, os meus bons votos e a certeza das minhas orações pela paz e a prosperidade da nação.

Nas suas relações diplomáticas, a Santa Sé procura oferecer a todos os povos um serviço muito distintivo, em benefício de uma vida plenamente humana, na paz e na harmonia, considerando também o bem comum e o desenvolvimento integral dos indivíduos e das nações. Senhor Embaixador, é-me grato observar que Vossa Excelência falou da «busca da obtenção da dignidade fundamental para todos», dado que esta ocupa um lugar central na actividade diplomática da Santa Sé. Uma vez que a Austrália e a Santa Sé empreendem juntas esta busca podemos falar, como Vossa Excelência fez, de «valores compartilhados e da comum abordagem da salvaguarda da vida dos cidadãos e dos seus direitos».

À luz disto, a Santa Sé acompanha com interesse as preparações na Austrália para a celebração do centenário da Federação. O centenário oferece à Austrália uma oportunidade para abordar a problemática da identidade nacional, que inevitavelmente compreende a questão dos valores fundamentais. De certa forma, a chegada de um novo milénio apresenta a todos este problema crucial; contudo, neste momento ele parece especialmente pertinente na história da Austrália.

No cerne da questão dos valores fundamentais existe o problema ainda mais profundo da visão do ser humano, sobre a qual está fundamentada a sociedade australiana e que se exprime num documento como a Constituição. Trata-se porventura de uma visão que em última análise nega a dignidade humana e por conseguinte subverte o bem comum? Ou trata-se acaso de uma visão que alimenta o sentido da dignidade da pessoa e consequentemente beneficia o bem comum?

Tais interrogativos são mais do que teóricos, quando passamos a considerar um tema tão concreto quanto a reconciliação do povo aborígene da sua terra com aquelas populações que ali se estabeleceram em tempos mais recentes. Quem é que pode esquecer a dolorosa história dos primeiros habitantes da Austrália e a actual necessidade de reconciliação e cura? Todavia, mesmo entre pessoas de boa vontade existem desacordos no que se refere às modalidades de alcançá-las. Mas no meio de tão grande complexidade uma coisa é certa: a questão não se resolverá senão com base numa visão inequivocável da dignidade de cada ser humano (cf. Discurso aos Aborígenes e aos Habitantes do Estreito de Torres, Alice Springs, 1986; cf. ed. port. de L'Osservatore Romano de 14 de Dezembro de 1986, PP 8-9) e do firme sentido dos direitos humanos que nenhum indivíduo, grupo ou governo pode pretender conceder ou negar, dado que os direitos do homem são transcendentes, inatos em cada homem e mulher.

A questão da dignidade humana e dos direitos do homem é abordada de maneira não menos evidente por problemáticas vinculadas ao início e ao termo da vida humana. A Santa Sé esclareceu que considera com preocupação a tendência de as legislações sancionarem a morte dos nascituros e daquelas pessoas cujas vidas estão a aproximar-se do próprio fim. E fá-lo porque a Santa Sé considera o aborto e a eutanásia ofensivas contra a dignidade humana e subversivas no que se refere ao bem comum. Um dos grandes paradoxos de hoje é o facto de, às vezes, a retórica dos direitos humanos se fazer acompanhar pela negação do direito mais elementar de todos, isto é, o direito à própria vida. Este século demonstrou que quando se nega o direito à vida de algumas categorias de pessoas, então todos os direitos humanos estão em perigo. A Austrália goza de uma liberdade conquistada a alto preço, mas a liberdade é sempre um bem efémero e jamais pode ser considerada com gratuidade. O respeito pelo direito à vida é decisivo porque em última análise corresponde ao respeito da liberdade. Uma visão sólida e integral do ser humano oferecerá também o melhor fundamento para o exercício das responsabilidades regionais por parte da Austrália. Não é insignificante o facto de a Austrália ter alcançado tão grande estabilidade e prosperidade num lapso de tempo relativamente breve e perante enormes dificuldades. Todavia, esta estabilidade e prosperidade conferem também obrigações especiais, numa região que conhece tanto a pobreza como a incerteza política. Sob um ponto de vista pragmático, é do interesse da Austrália ter vizinhos estáveis e prósperos; todavia, o pragmatismo de per si não pode definir a plena finalidade da resposta da Austrália aos desafios que toda essa região está a enfrentar. É verdade que cada nação deve defender e promover os seus interesses, mas o interesse egocêntrico por si só não pode determinar o papel da Austrália nessa região. Para além do pragmatismo e do interesse egoísta, as pessoas atingidas pela instabilidade e pela pobreza têm o direito de ser assistidas por aqueles que não são tão afligidos; e este direito de ser auxiliado implica o dever de ajudar.


Discursos João Paulo II 1999 - Quinta-feira, 20 de Maio de 1999