Discursos João Paulo II 1998 - 17 de Dezembro de 1998

À DELEGAÇÃO ALEMÃ DE BAD SÄCHINGEN


QUE DOOU A ÁRVORE DE NATAL


19 de Dezembro de 1998



Venerados Irmãos no Episcopado Dilectos Irmãos e Irmãs

1. Com a árvore de Natal que trouxestes a Roma do vosso país, todos nós nos sentimos profundamente homenageados. O abeto da Floresta Negra constitui um sinal da vossa união com o Sucessor de Pedro e, ao mesmo tempo, uma saudação expressiva da Igreja que está em Friburgo a quantos no Natal se unem ao centro do cristianismo da cidade de Roma e de toda a terra.

Agradeço a todos aqueles que se fizeram beneméritos desta dádiva. Saúdo de modo particular D. Wolfgang Kirchgässner, que guia o vosso grupo em nome do Arcebispo D. Oskar Saier. Peço que lhe transmita os meus melhores votos para o seu imediato restabelecimento. Em representação de toda a Delegação, quereria citar em especial algumas personalidades: o Presidente do Conselho Regional de Baden-Württemberg, o Presidente da Região de Waldshut e o Burgomestre de Bad Säckingen. Estou feliz pelo facto de lançardes uma ponte entre vários países da Europa. Dou cordiais boas-vindas aos representantes das vossas cidades geminadas.

2. Quando nos dias passados olhei para a Praça de São Pedro da janela do meu escritório, a árvore suscitou-me algumas reflexões espirituais. Já na minha Pátria eu gostava das árvores. Quando alguém as olha, elas começam a falar. Um poeta, que nasceu perto do vosso país e viveu à beira do lago de Constança, via as árvores como pregadoras incisivas: «Elas não oferecem ensinamentos ou receitas, mas anunciam a lei essencial da vida». Com o florescimento na Primavera, a maturidade no Verão, os frutos no Outono e a morte no Inverno, a árvore narra o mistério da vida. Por este motivo, desde a antiguidade os homens recorreram à imagem da árvore para abordar as questões fundamentais da própria vida.

3. Infelizmente, na nossa época a ár- vore constitui também um reflexo eloquente do modo como o homem às vezes se comporta em relação ao meio ambiente, que é a criação de Deus. As árvores que morrem são tácitas admoestadoras da existência de pessoas que evidentemente não consideram a vida e a criação como um dom, mas têm em vista apenas a sua utilidade. Pouco a pouco, torna-se evidente que onde as árvores secam, também o homem acaba por conhecer a ruína.

4. Assim como as árvores, também os homens têm necessidade de raízes profundas, pois só quem está fortemente arraigado num terreno fértil pode per- manecer firme e crescer na superfície para receber a luz do sol e, ao mesmo tempo, resistir ao vento que o sacode. Entretanto, a existência de quem acredita que pode renunciar a esta base per- manece constantemente suspensa no ar, como raízes sem terra. A Sagrada Escritura cita o fundamen- to em que devemos arraigar a nossa vida, para podermos permanecer sólidos. O Apóstolo Paulo oferece-nos o bom conselho: ficai firmes e radicai-vos em Jesus Cristo, sede sólidos na fé como vos foi ensinado (cf. Cl Col 2,7).

5. O abeto na Praça de São Pedro orienta o meu pensamento também ru- mo a outra direcção: colocaste-lo perto da manjedoura e adornaste-lo. Então, não se deve acaso pensar no Paraíso, na árvore da vida e inclusive na árvore da ciência do bem e do mal? Com o nascimento do Filho de Deus, teve início a nova criação. O primeiro Adão quis ser sempre como Deus e comeu da árvore da ciência. Jesus Cristo, o novo Adão, era como Deus; contudo, não quis ser como Deus, mas despojou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo e tornando-se semelhante aos homens (cf. Fl Ph 2, 6s.): desde o nascimento até à morte, desde a manjedoura até à Cruz. Da árvore do Paraíso derivou a morte, da árvore da Cruz brotou a vida. Portanto, a árvore está próxima da manjedoura e indica precisamente a Cruz, o madeiro da vida.

6. Senhor Bispo, prezadas Irmãs e estimados Irmãos! Uma vez mais, exprimo-vos a minha profunda gratidão pelo vosso dom natalício. Aceitai a mensagem da árvore, assim como a resumiu o salmista: «O seu prazer está na lei de Javé e [o homem] medita a Sua lei, dia e noite. Ele é como árvore plantada junto da água corrente: dá fruto no tempo de- vido e as suas folhas nunca murcham. Tudo o que ele faz é bem sucedido» (Ps 1, 2s.). Com este pensamento desejo a vós, aos vossos entes queridos e amigos um Natal abençoado e feliz. Com a ajuda de Deus, tudo o que começardes no início do ano novo alcance bom êxito!

O Padroeiro do vosso país, São Fridolim, seja o vosso poderoso intercessor. Concedo-vos de coração a minha Bênção apostólica!




AO NOVO PATRIARCA DA IGREJA DE


ANTIOQUIA DOS SÍRIOS


Sábado, 19 de dezembro de 1998





Sua Beatitude Ignace Moussa I

1. É com imensa alegria que o Bispo de Roma o recebe pela primeira vez, após a sua eleição e entronização como Patriarca de Antioquia dos Sírios. No santo ósculo de paz que hoje permutamos, Roma, a cidade que os Santos Apóstolos Pedro e Paulo glorificaram mediante o próprio martírio, abre os braços para acolher a sua pessoa e a Igreja a que Vossa Beatitude preside, e para reconhecer o especial lugar de honra que lhe cabe na comum adesão à herança apostólica. Foi em Antioquia que, pela primeira vez, os discípulos do Senhor foram chamados cristãos. Foi de Antioquia que São Pedro veio a Roma. Através da sua pessoa, venero o tesouro de fé que pertence à sua gloriosa Sede. Beatitude, estou-lhe grato por este gesto de comunhão e de afecto que quis tornar uma prioridade do seu novo ministério de Patriarca.

2. Desejei que a plena comunhão se exprimisse não já mediante a imposição do pálio, mas de uma maneira mais apta para fazer reconhecer a dignidade do múnus patriarcal. Efectivamente, a Eucaristia é por natureza o símbolo que exprime da melhor forma a plena comunhão, da qual ela é ao mesmo tempo o manancial inexaurível. Eis por que motivo, no solene sacrifício eucarístico celebrado na quarta-feira passada na Basílica de Santa Maria Maior, Vossa Beatitude ofereceu os santos Corpo e Sangue vivificadores do Senhor ao Cardeal Achille Silvestrini, que nomeei Legado para essa circunstância, e ele por sua vez apresentou as sagradas Dádivas a Vossa Beatitude. Este gesto, que ficará gravado na memória dos fiéis, repetir-se-á por ocasião da primeira visita dos novos Patriarcas das Igrejas orientais em plena comunhão com a Sé de Roma.

3. Beatitude, a solicitude do Sucessor de Pedro pela sua Igreja, além de ser um compromisso de ajuda concreta, ex- prime-se numa súplica de oração, a fim de que ela possa resplandecer pelo seu testemunho evangélico, nas condições de vida deveras difíceis que um bom número dos seus fiéis experimenta. Volto a formular votos por que Vossa Beatitude cultive a liturgia que o une estreitamente às origens mesmas do cristianismo, que procure nos Padres e nos Doutores um alimento sólido para a sua fé e encontre na coragem dos mártires e na ascese dos monges um estímulo para se dedicar somente àquilo que é necessário. A sua Igreja compartilha este património com a Igreja sírio-malancar católica, que trabalha activamente em prol da evangelização na Índia. Determinadas partes deste património são comuns à Igreja maronita. O vínculo da tradição comum com a Igreja sírio-ortodoxa é particularmente estreito. Sinto-me muito feliz por saber que se dá continuidade ao caminho ecuménico e que existem perspectivas concretas de colaboração, a começar pelo sector litúrgico.

4. Formulo votos por que o compromisso futuro da vossa Igreja se realize no pleno respeito da tradição que lhe é própria, bem como na busca de uma compreensão e participação cada vez maiores da parte dos fiéis de hoje. A todos os Bispos, sacerdotes, diáconos, pessoas consagradas e fiéis, em particular aos que sofrem no corpo e no espírito, e a todos aqueles que são provados também nestes dias de amargura, concedo de todo o coração a Bênção apostólica, pedindo a Vossa Beatitude que lhas transmita quando se encontrar com eles, assegurando-lhes o afecto do Papa. Concedo-lhe um novo ósculo de paz e faço votos por que Vossa Beatitude seja um ícone de Cristo, Chefe e Pastor, para a Igreja que lhe está confiada.




AO NOVO EMBAIXADOR DA BULGÁRIA


JUNTO À SANTA SÉ


21 de Dezembro de 1998



Senhor Embaixador
Svetlozar Dimitrov Raev

1.Sinto-me feliz em acolher Vossa Excelência por ocasião da apresentação das Credenciais como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República da Bulgária junto da Santa Sé. Ficar-lhe-ia grato se transmitisse a Sua Excelência o Senhor Petar Stoïanov, Presidente da Bulgária, os meus agradecimentos pela mensagem que me enviou por seu intermédio, e lhe exprimisse os meus ardentes votos pela sua pessoa e alta missão ao serviço da nação búlgara.

Faço votos por que todos os habitantes do país realizem as suas aspirações mais profundas, numa sociedade cada vez mais unida e solidária. Muito me sensibilizam as palavras que acaba de me dirigir, nas quais Vossa Excelência manifesta os sentimentos que o animam, no momento em que inicia a sua missão como segundo Em- baixador junto da Santa Sé. Vossa Excelência inscreve-a na longa história das relações do seu país com a Sé Apostólica. Vossa Excelência dignou-se fazer menção do meu predecessor, o Papa João XXIII, que foi Delegado Apostólico em Sófia, deixando no coração dos seus compatriotas a lembrança de um homem cordial, a ponto de chegarem a chamar-lhe o Papa búlgaro. Alegro-me pela atenção sua e do seu Governo em relação à acção do Sucessor de Pedro e da Santa Sé na vida europeia e internacional.

2. Desde a fundação do seu Estado até hoje, o povo búlgaro desenvolveu uma cultura humanista e religiosa, rica na sua profundidade e expressão literária, teatral e musical. Graças aos discípulos dos Santos Cirilo e Metódio, a evangelização deu um novo impulso aos valores espirituais e morais, que já fazem parte da tradição e da herança da nação búlgara (cf. Carta Apostólica Slavorum apostoli, 24). Trata-se dum tesouro de sabedoria no qual os seus compatriotas podem ir beber, para ali encontrar a inspiração que os há-de animar, iluminar e fortificar nas dificuldades por que actualmente passam. Ao aprofundarem o seu contacto com o que constitui a sua identidade própria, eles encontrarão vias novas, a fim de responderem às questões que se lhes apresentam e corroborarem a vida social, no respeito das sensibilidades particulares e com a preocupação pela unidade da sociedade.

Na busca do bem comum, os dirigentes têm uma parte importante para que, através da estabilidade das instituições, todo o povo possa beneficiar dos bens primordiais. Com efeito, eles são chamados pelos seus concidadãos a conduzir a res publica num espírito de serviço e com um sentido perspicaz do bem comum, atribuindo uma atenção particular por aqueles que são os mais débeis e pobres. O desenvolvimento económico, a que todos aspiram e para o qual cada um deve concorrer, será deste modo um progresso humano, pois estará ao serviço da dignidade de toda a pessoa, dos direitos da família e do bem comum. No decurso dos séculos, o seu povo foi duramente provado por inúmeros dramas que atingiram de maneira profunda o continente europeu.

A sua nação conta com testemunhas da paz e da reconciliação, que são modelos e exemplos para o futuro. Um deles, símbolo para todos, é o Bispo mártir Evgenij Bossilkov, que proclamei Beato no dia 15 de Março passado, na presença de um grande número dos seus concidadãos. Como eu dizia naquele dia, «ele faz parte das inúmeras vítimas que o comunismo ateu sacrificou [...] ao longo do seu programa de aniquilamento. Numa carta que escreveu por volta do final de 1948, D. Bossilkov dizia que o sangue derramado pelo povo abrirá ibo caminho a um futuro esplêndido; e ainda que não o derramemos, outros colherão o que tivermos semeado nos sofrimentos. Oxalá os nossos contemporâneos vejam chegar hoje este período, para o bem de todos!».

3. Vossa Excelência evocou as relações frutuosas, fundadas sobre a estima recíproca, que desde há séculos unem a Bulgária e a Santa Sé. A comunidade católica búlgara é pouco numerosa, mas está profundamente enraizada na vida da nação. Os leigos católicos têm o desejo de se empenhar na vida pública da nação e de ver abrirem-se diante deles justas possibilidades de servir o país, ao lado de todos os seus compatriotas. Deste modo, desejam perseguir cordiais relações ecuménicas com os seus irmãos ortodoxos, favorecendo um leal conhecimento recíproco e as acções comuns, no plano espiritual e da ajuda mútua, como o Concílio Vaticano II já convidava os cristãos para isto (cf. Decreto sobre o ecumenismo Unitatis redintegratio, UR 2-4). A Igreja quer estar próxima dos menos afortunados, através das múltiplas obras sociais, e atribui uma importância capital à tarefa da educação. Todos os seus compatriotas são também convidados a colaborar na formação das jovens gerações, para que tomem consciência dos valores do próprio património, das suas responsabilidades na construção do seu país e das presentes possibilidades de acção, a fim de realizarem a civilização do amor e da verdade. Em particular, é importante dar-lhes uma educação espiritual, moral e cívica, que os torne jovens capazes de levar uma existência pessoal rica de sentido e de se empenhar em favor da pátria.

4. As diferentes tradições religiosas são uma riqueza que deve ser compartilhada sempre mais. A figura eminente de D. Bossilkov deve ser um exemplo para todos, devido à sua constante preocupação ecuménica. Por sua parte, os católicos querem empenhar-se com todas as forças para que as relações entre as Igrejas sejam um apoio para o desenvolvimento material e espiritual do país. Vossa Excelência sabe que a co-catedral de São José de Sófia, que actualmente tem necessidade de ser reconstruída, é um sinal importante da presença multissecular da Igreja católica no seu país. É preciso que os fiéis se reúnam nos lugares de culto para a oração à volta dos seus pastores. Deve-se desejar que tudo seja feito para que todos os crentes possam beneficiar, não só em teoria mas também na sua vida quotidiana, da liberdade de culto que é um dos aspectos significativos dos direitos do homem.

É neste espírito que recentemente eu disse na mensagem para o Dia da Paz de 1 de Janeiro de 1999: «A religião exprime as aspirações mais profundas da pessoa humana, determina a sua visão do mundo, orienta o seu relacionamento com os outros: fundamentalmente oferece a resposta à questão do verdadeiro significado da existência, tanto no âmbito pessoal como social. Por isso mesmo, a liberdade religiosa constitui o coração dos direitos humanos» (n. 5).

Outra forma de liberdade essencial, especialmente no momento em que o continente europeu se transforma, consiste no direito natural de toda a pessoa a desenvolver-se livremente no interior do seu país e de um país para outro, no respeito pela cultura local e pelas instituições legítimas, sem contudo impor restrições em função da raça ou da religião. Os europeus, no seu conjunto, devem estar atentos aos direitos das pessoas deslocadas e das suas famílias.

5. A história recente, que viu tantas vítimas das ideologias, convida-nos em particular a promover sempre o respeito da vida, que tem um carácter sagrado, e da dignidade de toda a pessoa. Neste espírito, regozijo-me pela decisão tomada recentemente pelos seus dirigentes, de abolir a pena de morte, manifestando por isso que a vida de todo o homem, mesmo a dum pecador e dum criminoso, tem um valor incomensurável e que «os casos de absoluta necessidade de suprimir um culpado [...] já são praticamente inexistentes» (cf. Catecismo da Igreja Católica, CEC 2267 cf. Evangelium vitae EV 56).

6. Com Vossa Excelência, faço votos por que o grande Jubileu seja um convite à justiça e à paz no mundo. Possa a Bulgária fazer ouvir a sua voz no concerto das nações e ser reconhecida pelo seu significativo contributo neste sector! No momento em que começa a sua missão de Representante da Bulgária junto da Santa Sé, permita-me apresentar-lhe os meus melhores votos de êxito na sua missão. Esteja certo, Senhor Embaixador, que haverá de encontrar junto dos meus colaboradores a compreensão atenta e o apoio sincero, de que Vossa Excelência poderá precisar para levar avante as suas actividades. Sobre Vossa Excelência, os seus colaboradores e a sua família, sobre o povo búlgaro e os seus dirigentes, invoco de todo o coração a abundância das Bênçãos divinas.


. DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NO TRADICIONAL ENCONTRO DE NATAL

COM OS CARDEAIS, A FAMÍLIA PONTIFÍCIA,


A CÚRIA E A PRELATURA ROMANA


22 de Dezembro de 1998

1. «Quam dilecta tabernacula tua, Domine virtutum! Concupiscit et deficit anima mea in atria Domini» (Ps 84 [83], 2-3).

Estes versículos do Salmo, que recitamos em preparação da Santa Missa, introduzem- nos bem na atmosfera do Natal do Senhor. Eles, de facto, evocam a trépida busca por parte de Maria e José, na Noite Santa, de um tabernaculum, de uma morada adequada para o nascimento de Jesus. Uma busca infrutífera, «por não haver lugar para eles na hospedaria » (Lc 2,7). O Filho de Maria virá à luz num estábulo, enquanto também Ele deveria ter, como é direito de toda a criança, uma casa própria e um tecto acolhedor.

Quantos sentimentos evoca esta consideração! O Natal traz à mente o lar, faz pensar no clima familiar no seio do qual a criança é acolhida como dom e fonte de grande alegria. A tradição quer que o Natal seja vivido em família, juntamente com as pessoas queridas. No Natal, costuma- se trocar felicitações, agradecer e pedir o perdão recíproco, numa atmosfera de autêntica espiritualidade cristã.

2. Quereria que esta atmosfera caracterizasse também o encontro hodierno convosco, Senhores Cardeais, Venerados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio, caríssimos consagrados, consagradas e leigos que trabalham na Cúria Romana. Agradeço ao querido Cardeal Bernardin Gantin o afectuoso discurso que me dirigiu, interpretando os sentimentos de todos vós, chamados a participar de modo singular no mistério da casa e da família que é a Igreja. O Concílio Ecuménico Vaticano II justamente comparou a Igreja a uma casa e a uma família. Definiu-a casa de Deus, da qual nós somos as «pedras vivas» e na qual habitamos (cf. Lumen gentium ), chamou-lhe família de Deus (cf. ibid., nn. 6.28.32 e 51), da qual nós fazemos parte. Deste «lugar hospitaleiro», a Cúria Romana constitui uma expressão privilegiada. Com efeito, por aqui passam os Bispos do mundo inteiro para a visita ad Limina e para outros encontros ordinários ou extraordinários, como recentemente aconteceu por ocasião da Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Oceânia, e antes por ocasião dos outros Sínodos continentais. Sim, a Sé Apostólica quer ser a casa de toda a Igreja, casa na qual se espera com particular intensidade o nascimento do Filho de Deus.

3. «Ecce quam bonum et quam iucundum habitare fratres in unum!» (Ps 133 [132], 1).

O iminente evento jubilar deve encontrar na Igreja inteira, e de maneira especial na Cúria Romana, um clima de expectativa e de fervor espiritual. Em 1999, a terceira e última etapa de preparação imediata convida-nos a penetrar com o olhar o mistério de Deus Pai, que «amou de tal modo o mundo que lhe deu o Seu Filho único» (Jn 3,16). Nos anos transcorridos - graças ao generoso empenho do Comité Central, dos Dicast érios da Cúria Romana, das Comissões nacionais e das Comunidades diocesanas - a celebração do Jubileu e a sua dimensão espiritual foram-se definindo e caracterizando cada vez mais.

Este trabalho teve o seu momento culminante na publicação da Bula «Incarnationis mysterium», com a qual proclamei oficialmente o Ano Santo. Precedentemente, contudo, tiveram a própria relevância alguns momentos de reflexão, como os Simpósios acerca do antijudaísmo e da Inquisição, durante os quais foi possível reflectir sobre alguns factos dolorosos do passado, a fim de oferecer um testemunho eclesial sempre mais livre e coerente. Depois, outras iniciativas floresceram em todas as Comunidades eclesiais do mundo. Na Diocese de Roma, por exemplo, a Missão da Cidade, que se realiza sob a guia do Cardeal Vigário e dos Bispos Auxiliares, está a produzir numerosos e significativos frutos apostólicos e missionários. Trata-se de um fervor espiritual, que faço votos por que cresça sempre mais, a fim de que a Igreja possa oferecer ao mundo um coral testemunho evangélico, proclamando Cristo ontem, hoje e sempre (cf. Hb He 13,8), único Salvador do mundo. Senti-me circundado pelo afecto da inteira Igreja católica

4. «Confitemini Domino, quoniam bonus, quoniam in saeculum misericordia eius» (Ps 118 [117], 1).

No mês de Outubro, o Senhor concedeu- me a graça de celebrar os vinte anos da minha eleição a Bispo de Roma e a Pastor da Igreja universal. Uma vez mais dou-Lhe graças pelos dons com que colmou a minha pessoa. Nessa comemoração jubilar senti-me circundado pelo afecto da inteira Igreja católica, que esteve muito próxima de mim mediante a oração e inumeráveis gestos de participação devota. Além daquelas da Comunidade eclesial, chegaram-me as agradáveis felicitações de representantes das outras Confissões religiosas, de Chefes de Estado, de personalidades da cultura e da economia, assim como votos de pessoas individualmente, entre as quais muitas crianças e anciãos, doentes e sofredores, jovens e famílias. Desejo exprimir a todos o meu vivo reconhecimento enquanto, reflectindo sobre a pergunta dirigida por Jesus a Pedro: «Simão, filho de João, amas-Me?» (Jn 21,16), peço a todos que continuem a orar, para que eu possa servir todos os dias, com amor renovado, o Senhor e os irmãos que Ele me confiou. As Viagens Apostólicas

5. «Omnium me servum feci, ut plures lucrifacerem» (1Co 9,19).

A solicitude pela Igreja universal impeliu- me também neste ano a realizar algumas Viagens Apostólicas, como o Senhor Cardeal Decano sublinhou. Elas constituíram momentos de grande emoção e alegria espiritual. Como não recordar antes de tudo aquela, tão vivamente esperada, à Ilha de Cuba, onde a presença do Sucessor de Pedro suscitou tanto entusiasmo e estimulou um promissor impulso de renovação espiritual? Ou a peregrinação apostólica na Nigéria, onde tive a alegria de proclamar Beato o Padre Cyprian Michael Iwene Tansi, propondo-o como modelo de evangelização e reconciliação, precisamente na terra onde ele nasceu, e que o viu ser incansável pregador da Boa Nova e pacificador?

No passado mês de Junho, pude ir de novo à Áustria para proclamar Beatos três filhos daquela Nação - Irmã Restituta Kafka, Padre Schwartz e Padre Kern -, enquanto na última parte do ano fui mais uma vez à Croácia, onde tive a alegria de propor à veneração dos fiéis o Beato Aloizije Stepinac, heróico Cardeal Arcebispo de Zagrábia, que enriqueceu com a oferta da sua vida a gloriosa plêiade dos mártires daquela Terra. Diante do contínuo suceder-se de vexações por parte do regime comunista, ele soube tornar-se corajosamente um invencível dom a Cristo e aos irmãos, sacrificando-se pela unidade da Igreja.

Ao dar graças à divina Providência pelas peregrinações que pude levar a cabo ao longo de 1998, confio ao Senhor aquelas que, com a Sua ajuda, poderei realizar no próximo ano, a começar pela Viagem pastoral ao México onde, se Deus quiser, entregarei a Exortação Apostólica na qual reuni os resultados da Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a América.

6. «Vae enim mihi est, si non evangelizavero! » (1Co 9,16).

A consciência de dever evangelizar sempre guia constantemente a Igreja, chamada a proclamar em todos os tempos Cristo, Verdade do homem. Para corresponder a essa exigência, quis publicar alguns importantes documentos, sendo que o de maior relevo é a Carta Encíclica «Fides et ratio», com a qual desejei exprimir confiança nos esforços do pensamento humano, convidando os contemporâneos a redescobrirem o papel da razão e a reconhecerem na fé uma aliada preciosa no seu caminho rumo à verdade.

Testemunhos da verdade evangélica são, além disso, os Beatos e os Santos que me foi dado elevar às honras dos altares. Entre todos, gostaria de recordar a Irmã Benedita da Cruz, Edith Stein, judia, filósofa, monja e mártir. Num século conturbado como este em que nos foi concedido viver, ela levanta-se diante de nós para nos convidar a entrar pela porta estreita do discernimento e da aceitação da Cruz, sem jamais separar o amor e a verdade para não nos expormos ao risco da mentira destruidora. Outro precioso testemunho da Verdade foi oferecido por todos os que - Bispos, sacerdotes, consagrados, consagradas e leigos - ao longo deste ano e em vários países da África, Ásia e América sofreram e às vezes pagaram também com a efusão do sangue a própria fidelidade a Cristo e à Igreja. Faço votos por que o seu sacrifício encoraje os fiéis e contribua para construir no mundo um clima de autêntica liberdade e paz.

7. «Filius hominis non venit ut ministraretur ei...» (Mc 10,45).

Consciente da sua missão, a Igreja torna-se partícipe das alegrias e esperanças da humanidade, para continuar a mesma obra de Cristo, «que veio ao mundo para dar testemunho da verdade, para salvar e não para julgar, para servir e não para ser servido» (Gaudium et spes GS 3). Este ardente anélito apostólico e missionário impele a Igreja a fazer-se partícipe dos problemas e dramas da humanidade em todos os recantos do mundo. Durante este ano, a assinatura de acordos entre a Santa Sé e alguns Estados contribuiu para a presença respeitosa e concreta da Igreja entre os povos.

O meu pensamento reconhecido dirige-se de maneira especial a quantos se esforçam por tornar tangível a ternura de Deus por todos os homens, através de um serviço fiel muitas vezes oculto e humilde. Esta admirável dedicação tornou- se mais generosa e tempestiva por ocasião de dolorosas calamidades naturais, que atingiram diversas zonas do globo. Basta recordar a acção devastadora do furacão Mitch, mencionado pelo Cardeal Decano. Nas várias circunstâncias escreveram-se maravilhosas páginas de solidariedade humana e cristã.

8. «Ut omnes unum sint... ut credat mundus» (Jn 17,21).

O clima familiar evocado pelas Festas de Natal, a aproximação do início do Terceiro Milénio cristão e a urgência da nova evangelização tornam cada vez mais premente o apelo de Cristo à unidade de quantos Lhe pertencem, em virtude do único Baptismo.

Numerosos encontros e iniciativas ecuménicas contribuíram, no decurso deste ano, para fortalecer este clima de atenção, diálogo e serena busca da unidade entre as Igrejas cristãs, premissa necessária para realizar um ecumenismo positivo e frutuoso.

Com ânimo grato a Deus, evoco os encontros com os Chefes das Confissões cristãs por ocasião das Viagens Apostólicas e a participação dos Observadores da Santa Sé na VIII Assembleia do Conselho Ecuménico das Igrejas.

Ao relevar com alegria a serena colaboração que se está a instaurar entre os crentes em Cristo, faço votos por que se possa viver um novo período ecuménico sob o impulso do Grande Jubileu.

9. Senhores Cardeais, venerados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio, consagrados e consagradas, dilectos colaboradores leigos, esta rápida resenha dos aspectos mais relevantes da acção da Santa Sé no ano que se encaminha para o seu termo - segundo a tradição desta reunião anual - põe em evidência o serviço quotidiano que cada um de vós presta, para que o alegre anúncio da Encarnação do Verbo chegue a cada homem e a todos os recantos da terra.

A vossa presença ao lado do Bispo de Roma permite-lhe exercer de maneira concreta a missão de ser a «pedra», sobre a qual se edifica a Igreja de Cristo (cf. Mt Mt 18,18), e de confirmar, sustentar e guiar na fé os irmãos (cf. Lc Lc 22,31). Por isso desejo agradecer-vos singularmente a generosidade, a competência e a discrição com que servis a Sé Apostólica. Formulo votos por que cada um seja sempre mais consciente e intimamente feliz pelo serviço que oferece à Igreja e ao Evangelho e divise no trabalho quotidiano o amor de Cristo que, graças também a vós, transmite a jubilosa mensagem da salvação aos pobres, encarcerados, cegos, oprimidos e a quantos procuram a verdade e a paz (cf. Lc Lc 4,28).

O Santo Natal encontre todos nós, como Maria, repletos de admiração diante d'Aquele que, «era de condição divina, não reivindicou o direito de ser equiparado a Deus. Mas despojou-Se a Si mesmo tomando a condição de servo, tornando-Se semelhante aos homens» (Ph 2,6-7). O mistério da Natividade suscite em cada um os sentimentos de humildade e de amor presentes no coração de Cristo, tornando todos filhos dignos do único Pai.

Com estes votos, imploro sobre cada um o dom natalino da alegria e, enquanto formulo ardentes felicitações também para o Novo Ano, de coração concedo a vós e às pessoas que vos são queridas uma especial Bênção Apostólica.

Bom Natal!



DISCURSO DO SANTO PADRE

AOS MENINOS DA ACÇÃO CATÓLICA ITALIANA

22 de Dezembro de 1998





1. Acolho-vos com alegria, caríssimos Meninos e Meninas da Acção Católica! Viestes de várias Dioceses da Itália para trazer ao Papa as felicitações da Acção Católica. Agradeço-vos de coração a vossa presença e o vosso entusiasmo. Sei que amais muito a Acção Católica, que na Igreja vos ensina a ser apóstolos generosos e fiéis de Cristo. Juntamente convosco saúdo os vossos Educadores, os Responsáveis e os Assistentes da inteira Associação, que acaba de viver a sua décima Assembleia.

2. Agrada-me o tema do vosso programa deste ano: «Tenho tempo para ti». Ele faz pensar, antes de tudo, em Deus: sim, Deus tem tempo para nós, e amou- nos de tal modo que enviou o Seu Filho ao mundo. Ao lermos o Evangelho, aprendemos como deve ser usado o nosso tempo: devemos seguir o exemplo de Jesus, que viveu inteiramente dedicado ao Pai celeste e aos irmãos.

Recordais aquilo que Ele fez quando tinha mais ou menos a vossa idade? Permaneceu no templo de Jerusalém e depois explicou à Sua mãe, Nossa Senhora, e a São José, que a Sua missão era dedicar a vida às coisas do Seu Pai (cf. Lc Lc 2,49). Esta foi, com efeito, a Sua missão: despender a existência inteira por todos os homens e mulheres, até morrer na cruz. Com o Baptismo e a Confirmação, cada crente é chamado a seguir os passos do divino Mestre. Isto significa fazer um caminho de crescimento. Eis por que existe a Acção Católica: para vos ajudar a percorrer este caminho juntos, na associação, na paróquia, na Igreja. Deste modo, aprende-se a despender tempo e energias em favor dos outros, estejam eles próximos ou distantes, como os meninos com os quais provavelmente jamais haveis de encontrar-vos, mas que sentis como vossos irmãos, porque são filhos do único Pai, que está nos céus.

3. Sede sempre fiéis a Jesus, que vos quer como Seus discípulos. Desejo-vos um santo e sereno Natal, assim como um Novo Ano rico de frutos de bem. Deus cumule do Seu amor cada um de vós e todos os meninos da Acção Católica! Estou sempre perto de vós com a oração e agora, com grande afecto, abençoo-vos. Bom Natal!




AOS PARTICIPANTES NO


CONGRESSO INTERNACIONAL


PROVOMOVIDO PELOS FOCOLARINOS


30 de dezembro de 2000

Caríssimos Seminaristas!

1. Recebo-vos de muito bom grado por ocasião do vosso Congresso anual, promovido pelo Movimento dos Focolarinos. Saúdo Chiara. Saúdo-vos com grande afecto e congratulo-me com os Organizadores desta bonita iniciativa, com a qual se tem em vista oferecer aos jovens, encaminhados na via do Sacerdócio nas várias partes do mundo, a oportunidade de se conhecerem, encontrarem, trocarem experiências e olharem juntos para os numerosos e inéditos desafios do mundo actual.

O clima de alegria e de festa, típico das solenidades natalícias, favorece ulteriormente a instauração de relações mais fraternas e cordiais entre vós: sentis-vos parte duma família que celebra na alegria o nascimento do Redentor, meditando sobre a Sua mensagem de amor que deve ser anunciada e testemunhada a todos os homens. Precisamente por este motivo, o vosso objectivo é fixar o olhar em Jesus, o nosso único Salvador.

2. Como recorda o tema escolhido para o Congresso: «Jesus crucificado e abandonado, ponte entre o céu e a terra», quereis deter-vos a contemplar a pessoa e a missão salvífica de Cristo. Na realidade, Ele está no centro de todo o caminho vocacional, e isto vale de maneira especial para aqueles que se preparam para o sacerdócio ministerial. Não é, porventura, o fascínio da pessoa de Cristo, a intensidade das Suas palavras e a força sedutora dos Seus gestos proféticos que ainda hoje atraem muitos jovens para a estrada da vida evangélica e do serviço humilde e generoso ao Reino de Deus e ao bem das pessoas?

Caríssimos, aprofundai o conhecimento de Cristo com a oração e a ajuda dos vossos formadores. No momento supremo da morte, Jesus crucificado e abandonado revela-se como a verdadeira ponte que liga o céu e a terra: através da Sua total oferta de amor, Ele manifesta a todos os homens o rosto misericordioso do Pai celeste. O Sacerdote é chamado a ser, como Jesus, ministro da misericórdia de Deus, tornando viva e activa a Sua mediação salvífica, ponte suprema que une Deus à humanidade.

Maria, Mãe da Unidade, que aos pés da Cruz acolheu o Discípulo predilecto que lhe foi confiado por Cristo, vos aju- de a ser sempre mais conformes com a imagem do seu divino Filho. A Ela confio todos os vossos desejos, projectos e empenhos. Ela vos acompanhe e vos proteja com a sua intercessão materna e torne o vosso caminho sempre rico de frutos espirituais. Sirva-vos de sustento também a Bênção que, com afecto, concedo a vós aqui presentes, às vossas famílias e às vossas Comunidades formativas.

Seminaristas e Focolarinos, um esplêndido binómio. Em Castel Gandolfo, ele torna-se ainda melhor. Estamos no período do Natal. Hoje é o dia 30 de Dezembro, amanhã é último dia do ano. Desejo-vos um bom ano. Brasileiros, polacos, espanhóis, italianos e outros ainda. Sois uma multinacional.


Discursos João Paulo II 1998 - 17 de Dezembro de 1998