AUDIÊNCIAS 1999 - AUDIÊNCIA


JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA

Quarta-feira 3 de Março de 1999

A experiência do Pai em Jesus de Nazaré




1. «Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo» (Ep 1,3). Estas palavras de Paulo introduzem-nos na grande novidade do conhecimento do Pai como emerge do Novo Testamento. Deus aparece aqui no Seu rosto trinitário. A Sua paternidade já não se limita a indicar a relação com as criaturas, mas exprime o relacionamento fundamental que caracteriza a Sua vida íntima: já não é um traço genérico de Deus, mas propriedade da primeira Pessoa em Deus. Com efeito, no Seu mistério trinitário Deus é pai por essência, pai desde sempre, uma vez que desde a eternidade gera o Verbo, a Ele consubstancial e a Ele unido no Espírito Santo, «que procede do Pai e do Filho». Com a sua encarnação redentora, o Verbo faz-Se solidário connosco precisamente para nos introduzir nesta vida filial, que Ele possui desde a eternidade. «A todos os que O receberam - diz o evangelista João - deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus» (1, 12).

2. Na base desta específica revelação do Pai está a experiência de Jesus. Das Suas palavras e atitudes transparece que Ele experimenta a relação com o Pai, duma maneira muito singular. Podemos constatar nos Evangelhos que Jesus diferenciou «a sua filiação da dos Seus discípulos: nunca disse "Pai nosso", a não ser para lhes ensinar: "Vós, quando rezardes, dizei assim: Pai nosso", (Mt 6,9); e sublinhou esta distinção: "Meu e vosso Pai" (Jn 20,17)» (Catecismo da Igreja Católica [CIC], n. 443).

Desde criança, a Maria e a José que O estavam a procurar com angústia, responde: «Não sabíeis que devia estar em casa de Meu Pai?» (Lc 2, 48•s.). Aos Judeus que continuavam a persegui-l'O porque no sábado tinha realizado uma cura milagrosa, Ele responde: «Meu Pai trabalha continuamente e Eu também trabalho» (Jn 5,17). Na cruz, invoca o Pai para que perdoe os Seus algozes e acolha o Seu espírito (Lc 23,34 Lc 23,46). A distinção entre o modo como Jesus percebe a paternidade de Deus em relação a Ele e a que se refere a todos os outros seres humanos está arraigada na Sua consciência e por Ele é reafirmada com as palavras que dirige a Maria de Magdala após a ressurreição: «Não Me detenhas, porque ainda não subi para Meu Pai; mas vai ter com os Meus irmãos e diz-lhes que vou subir para Meu e vosso Pai, Meu Deus e vosso Deus» (Jn 20,17).

3. A relação de Jesus com o Pai é única. Ele sabe que é atendido sempre, sabe que o Pai manifesta através d'Ele a sua glória, mesmo quando os homens podem duvidar d'Ele e têm necessidade de ser convencidos por Ele mesmo. Constatamos tudo isto no episódio da ressurreição de Lázaro: «Tiraram, pois, a pedra e Jesus, levantando os olhos ao Céu, disse: "Pai, graças Te dou por Me haveres ouvido. Eu bem sei que sempre Me ouves, mas disse isto por causa da multidão que está em redor, para que creiam que Tu Me enviaste"» (Jn 11, 41•s.). Em virtude deste singular entendimento, Jesus pode apresentar-Se como o revelador do Pai, com um conhecimento que é fruto de uma íntima e misteriosa reciprocidade, como Ele sublinha no hino de júbilo: «Tudo Me foi entregue por Meu Pai, e ninguém conhece o Filho senão o Pai, como ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar» (Mt 11,27) (cf. CIC CIC 240). De sua parte, o Pai manifesta esta relação singular que o Filho mantém com Ele, chamando-O seu «predilecto»: assim no baptis- mo no Jordão (cf. Mc Mc 1,11) e na Transfiguração (cf. ibid., 9, 7). Jesus reflecte-se também como filho de modo especial na parábola dos maus vinhateiros, que maltratam em primeiro lugar os dois servos e, depois, o «filho predilecto» do senhor, enviados para recolher os frutos da vinha (cf. Mc Mc 12, 1-11, especialmente v. 6).

4. O Evangelho de Marcos conservou- nos o termo aramaico «Abbá» (cf. 14, 36), com o qual Jesus, na hora dolorosa do Getsémani, invocou o Pai, pedindo- Lhe que afastasse d'Ele o cálice da paixão. O Evangelho de Mateus relatou-nos no mesmo episódio a tradução «Meu Pai» (cf. 26, 39; cf. também v. 42), enquanto Lucas usa simplesmente «Pai» (cf. 22, 42). O termo aramaico, que po- deríamos traduzir nas línguas modernas com a palavra «papai», «querido pai», exprime a ternura afectuosa de um filho. Jesus usa-o de maneira original para Se dirigir a Deus e indicar, na plena maturidade da Sua vida que está para se concluir na cruz, a estreita relação que também naquela hora dramática O une a Seu Pai. «Abbá» indica a extraordinária proximidade entre Jesus e Deus Pai, uma intimidade sem precedentes no contexto religioso bíblico ou extrabíblico. Em virtude da morte e ressurreição de Jesus, Filho singular deste Pai, também nós, segundo as palavras de São Paulo, somos elevados à dignidade de filhos e possuímos o Espírito Santo, que nos impele a clamar «Abbá, Pai!» (cf. Rm Rm 8,15 Ga 4,6). Esta simples expressão da linguagem infantil, em uso quotidiano no ambiente de Jesus e junto de todos os povos, assumiu assim um significado doutrinal de profunda relevância, para exprimir a singular paternidade divina em relação a Jesus e aos Seus discípulos.

5. Apesar de Se sentir unido ao Pai de modo tão íntimo, Jesus declarou que ignorava a hora do advento final e decisivo do Reino: «Quanto àquele dia e àquela hora, ninguém o sabe, nem os anjos do Céu, nem o Filho; só o Pai» (Mt 24,36). Este aspecto mostra-nos Jesus na condição de humilhação própria da Encarnação, que oculta à Sua humanidade o termo escatológico do mundo. Desse modo, Jesus dissuade dos cálculos humanos para nos convidar à vigilância e à confiança na providencial intervenção do Pai. Por outro lado, na perspectiva dos evangelhos, a intimidade e o absoluto do seu ser «filho» não são de modo algum prejudicados por este não-conhecimento. Ao contrário, precisamente o facto de Se ter feito tão solidário connosco O torna decisivo para nós diante do Pai: «Todo aquele que se declarar por Mim diante dos homens, também Me declararei por ele diante do Meu Pai que está nos Céus. Mas aquele que Me negar diante dos homens, negá-lo-ei também diante do Meu Pai que está nos Céus» (Mt 10, 32•s.). Reconhecer Jesus diante dos homens é indispensável para poder ser reconhecido por Ele diante do Pai. Por outras palavras, a nossa relação filial com o Pai celeste depende da nossa corajosa fidelidade a Jesus, Filho predilecto.

Apelo

Depois das tristes notícias de cruéis e sangrentos combates entre a Etiópia e a Eritreia, ocorridos nos dias passados, tem-se agora conhecimento de que ambos os Países desejam aderir às propostas de paz formuladas pela Organização da Unidade Africana. Louvo esta sábia decisão, que acompanho com fervorosas preces. Ela é a única capaz de pôr fim à luta fratricida, de tranquilizar os ânimos e de promover um novo estilo de governo e de convivência no Continente africano.

Saudações

Caríssimos Irmãos e Irmãs!

Saúdo com afecto os peregrinos de língua portuguesa que aqui se encontrem eventualmente, desejando a todos felicidades e muita paz em vossas famílias. Deus Omnipotente e Misericordioso vos conceda a graça de manifestar nesta Quaresma, mediante a penitência e a caridade fraterna, a decisão de vos unir- des definitivamente a Ele na vida futura. Com a minha Bênção Apostólica.

Saúdo cordialmente os peregrinos francófonos presentes nesta manhã, de modo particular as Pequenas Irmãs de Jesus, do Padre de Foucauld, que vivem um ano de renovação, assim como os seminaristas de Puy. Faço votos por que se preparem com um novo ardor para as celebrações das festas pascais. Do íntimo do coração concedo a todos a Bênção Apostólica.

Faço extensiva uma saudação especial ao grupo dos Cavaleiros de Colombo, bem como aos Cavaleiros e Damas do Santo Sepulcro. Dou calorosas boas-vindas aos visitantes luteranos de Estocolmo, aos estudantes e professores da Universidade Teológica de Elsínquia e aos estudantes de Steubenville. Sobre todos os peregrinos e visitantes de língua inglesa, em particular aos da Inglaterra, Irlanda, Suécia, Finlândia e Estados Unidos, invoco a alegria e a paz de nosso Senhor Jesus Cristo.

Saúdo com afecto os peregrinos da Espanha, México, Argentina e demais Países da América Latina, de modo particular os fiéis da Paróquia dos Desamparados, de Sevilha. Ao exortar todos neste tempo quaresmal a intensificar a própria relação com o Pai celeste, escutando as palavras de Jesus, o Filho predilecto, invoco sobre vós e as vossas famílias a abundância da graça divina e abençoo-vos de coração. Cordiais boas-vindas aos meninos do Coro da Paróquia de Zidlochovice, na República Tcheca. No domingo passado, foram-nos propostas as palavras do Evangelho de Mateus: «Este é o Meu Filho muito amado, no Qual pus o Meu enlevo. Escutai-O!» (17, 1-9). Ao obedecermos a Jesus tornamo-nos partícipes da verdadeira Transfiguração, a eterna. Concedo-vos de coração a Bênção Apostólica. Louvado seja Jesus Cristo!

Saúdo com muito afecto os fiéis da Paróquia da Santíssima Trindade de Preèko, em Zagrábia. Bem-vindos! Caríssimos, com os votos por que a fé, que vos trouxe aqui, cresça e produza abundantes frutos, concedo a Bênção Apostólica a cada um de vós, às vossas famílias e à inteira Comunidade paro- quial. Louvados sejam Jesus e Maria!

Dirijo agora cordiais boas-vindas aos peregrinos de língua italiana; em particular os fiéis da Arquidiocese de Bari-Bitonto, guiados pelo Arcebispo D. Andrea Mariano Magrassi, que vieram aqui para recordar o décimo quinto aniversário da minha visita à sua Comunidade diocesana. Saúdo o Cardeal Colasuonno, vosso conterrâneo. Caríssimos, agradeço a vossa presença tão numerosa e asseguro-vos a minha oração para que se revigore em vós o firme desejo de anunciar a todos Jesus Cristo, único Salvador do mundo.

Saúdo, além disso, a peregrinação da Acção Católica da Diocese de Sora-Aquino-Pontecorvo, o pessoal do Centro de Altos Estudos da Defesa, os engenheiros e arquitectos dos Bombeiros, os membros da Associação de Cozinheiros de Bari e os da Associação «Memória», assim como o Conselho Nacional da Federação de Mestres do Trabalho da Itália.

Por fim, como sempre, a minha cordial saudação aos Jovens, aos Doentes eaos jovens Casais. Em particular, aos numerosos grupos de estudantes e de meninos, muitos dos quais vieram a Roma para fazer a sua profissão de fé em Cristo, por ocasião da Primeira Comunhão ou da Confirmação. Caros meninos e meninas, preparai- vos para enfrentar as importantes etapas da vida com empenho espiritual, edificando cada um dos vossos projectos sobre as sólidas bases da fidelidade a Deus em todas as circunstâncias. Queridos doentes, estai sempre conscientes de que contribuís de modo misterioso para a construção do Reino de Deus, oferecendo com generosidade os vossos sofrimentos ao Pai celeste, em união com os de Cristo. E vós, prezados jovens esposos, sabei edificar quotidianamente a vossa família na escuta de Deus, no fiel amor reciproco e no acolhimento dos mais necessitados, seguindo o exemplo da Sagrada Família de Nazaré. A todos a minha afectuosa Bênção.





JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA

A relação de Jesus com o Pai, revelação do mistério trinitário

Quarta-feira 10 de Março de 1999



Queridos irmãos e irmãs,

1. Como vimos na catequese precedente, com as Suas palavras e obras Jesus entretém com o «Seu» Pai uma relação muito especial. O evangelho de João sublinha que tudo o que Ele comunica aos homens é fruto desta união íntima e singular: «Eu e o Pai somos um» (Jn 10,30). E ainda: «Tudo quanto o Pai tem é Meu» (Jn 16,15). Existe uma reciprocidade entre o Pai e o Filho, naquilo que conhecem de Si mesmos (cf. Jo Jn 10,15), naquilo que são (cf. Jo Jn 14,10), naquilo que fazem (cf. Jo Jn 5,19 Jn 10,38) e naquilo que possuem: «Tudo o que é Meu é Teu, e tudo o que é Teu é Meu» (Jn 17,10). Trata-se dum intercâmbio recíproco que encontra a sua expressão plena na glória, que Jesus obtém do Pai no mistério supremo da morte e da ressurreição, depois de a ter Ele mesmo conseguido do Pai durante a vida terrena: «Pai, chegou a hora: Glorifica o Teu Filho para que também o Teu Filho Te glorifique... Glorifiquei-Te na Terra... Agora glorifica-Me Tu, ó Pai, junto de Ti» (Jn 17,1 Jn 17,4).

Esta união essencial com o Pai não só acompanha a actividade de Jesus, mas qualifica o Seu ser inteiro. «A Encarnação do Filho de Deus revela que Deus é o Pai eterno, e que o Filho é consubstancial ao Pai, quer dizer que n'Ele e com Ele é o mesmo e único Deus» (Catecismo da Igreja Católica [CIC], n. 262). O evangelista João põe em evidência que precisamente a esta pretensão divina reagem os chefes religiosos do povo, não tolerando que Ele chame a Deus seu Pai e Se faça portanto igual a Deus (cf. Jo Jn 5,18 cf. Jn 10,33 Jn 19,7).

2. Em virtude desta consonância no ser e no agir, Jesus revela o Pai tanto com as palavras como com as obras: «Ninguém jamais viu a Deus; o Filho único que está no seio do Pai é que O deu a conhecer» (Jn 1,18). A «predilecção» de que Cristo goza é proclamada no seu baptismo, segundo a narração dos Evangelhos sinópticos (cf. Mc Mc 1,11 Mt 3,17 Lc 3,22). Ela é reconduzida pelo evangelista João à sua raiz trinitá- ria, ou seja, à misteriosa existência do Verbo «junto» do Pai (cf. Jo Jn 1,1), que O gerou na eternidade.

Partindo do Filho, a reflexão do Novo Testamento, e depois a teologia nela arraigada, aprofundaram o mistério da «paternidade» de Deus. O Pai é Aquele que na vida trinitária constitui o princípio absoluto, Aquele que não tem origem e do Qual provém a vida divina. A unidade das três Pessoas é partilha da única essência divina, mas no dinamis- mo de relações recíprocas que, no Pai, têm a fonte e o fundamento. «É o Pai que gera, o Filho que é gerado, o Espírito Santo que procede» (IV Concílio de Latrão: DS 804).

3. Deste mistério que supera infinitamente a nossa inteligência, o apóstolo João oferece-nos uma chave, quando na primeira carta proclama: «Deus é amor» (4, 8). Este vértice da revelação indica que Deus é ágape, isto é, dom gratuito e total de Si, cujo testemunho foi-nos dado por Cristo com a Sua morte na cruz. No sacrifício de Cristo, revela-se o infinito amor do Pai pelo mundo (cf. Jo Jn 3,16 Rm 5,8). A capacidade de amar de maneira infinita, doando-Se sem reservas e sem medida, é própria de Deus. Em virtude deste seu ser Amor Ele, ainda antes da livre criação do mundo, é Pai na própria vida divina: Pai amante que gera o Filho amado e, com Ele, dá origem ao Espírito Santo, a Pessoa-Amor, vínculo recíproco de comunhão.

Sobre esta base a fé cristã compreende a igualdade das três Pessoas divinas: o Filho e o Espírito são iguais ao Pai não como princípios autónomos, como se fossem três deuses, mas enquanto recebem do Pai toda a vida divina, distinguindo-Se d'Ele e reciprocamente só na diversidade das relações (cf. CIC CIC 254).

Mistério grande, mistério de amor, mistério inefável, diante do qual a palavra deve dar lugar ao silêncio da admiração e da adoração, porque a participação da vida trinitária nos foi oferecida pela graça, através da encarnação redentora do Verbo e do dom do Espírito Santo: «Se alguém Me ama, guardará a Minha Palavra: Meu Pai amá-lo-á e viremos a ele e faremos nele morada» (Jn 14,23).

4. A reciprocidade entre o Pai e o Filho torna-se assim para nós crentes princípio de vida nova, que nos consente participar da própria plenitude da vida divina: «Todo aquele que confessar que Jesus Cristo é o Filho de Deus, Deus está nele e ele em Deus» (1Jn 4,15). O dinamismo da vida trinitária é vivido pelas criaturas, de tal modo que tudo converge para o Pai, mediante Jesus Cristo, no Espírito Santo. É quanto ressalta o Catecismo da Igreja Católica: «Toda a vida cristã é comunhão com cada uma das pessoas divinas, sem de modo algum as separar. Todo aquele que dá glória ao Pai, fá-lo pelo Filho no Espírito Santo» (n. 259).

O Filho tornou-Se «Primogénito de muitos irmãos» (Rm 8,29); através da Sua morte o Pai nos regenerou (cf. 1P 1,3 cf. também Rm 8,32 Ep 1,3), de maneira que no Espírito Santo possa- mos invocá-l'O com o mesmo termo usado por Jesus: «Abbá» (Rm 8,15 Ga 4,6). São Paulo ilustra mais ainda este mistério, dizendo que «o Pai nos fez dig- nos de participar da sorte dos santos na luz. Ele livrou-nos do poder das trevas e transferiu-nos para o Reino de Seu Filho muito amado» (CL 1,12-13). E o Apocalipse assim descreve a sorte escatológica daquele que luta e, com Cristo, vence o poder do mal: «Ao que vencer, conceder-lhe-ei que se sente Comigo no Meu trono, assim como Eu venci e Me sentei com Meu Pai no Seu trono» (3, 21). Esta promessa de Cristo abre-nos uma perspectiva maravilhosa de participação na sua intimidade celeste com o Pai.

Saudações

Queridos Irmãos e Irmãs! Saúdo com afecto a todos vós, peregrinos de língua portuguesa, desejando que, no vosso itinerário quaresmal, vos dei- xeis guiar pela voz de Deus que vos chama, através da consciência, a uma vida santa e rica de boas obras. Confiando à Virgem Mãe esta vossa caminhada para a Páscoa invoco, com a minha Bênção sobre os vossos passos e a vossa família, a abundância das graças da Redenção.

Saúdo cordialmente os peregrinos francófonos, em particular o grupo de sacerdotes de Montreal e os jovens do liceu de Abijão. A todos os fiéis presentes concedo a Bênção Apostólica.

Dirijo uma especial saudação aos Irmãos Maristas e aos sacerdotes que participam no Instituto para a Educação Teológica Permanente, no Pontifício Colégio Norte-Americano. Oxalá redescubram, em cada dia da sua vida, a presença amorosa da Santíssima Trindade. Sobre todos os peregrinos e visitantes de língua inglesa, de modo especial aos da Inglaterra, Irlanda do Norte, Dinamarca, Singapura, Japão e Estados Unidos da América, invoco a ale- gria e a paz de nosso Senhor Jesus Cristo.

De todo o coração saúdo os peregrinos vindos da Espanha e da América Latina, de modo particular os estudantes de Castellón e os fiéis argentinos de Rosário. Exorto todos vós a converterdes-vos neste tempo da Quaresma ao amor de Cristo, para poderdes participar na sua intimidade celeste com o Pai. Com estes votos, invoco sobre vós e as vossas famílias a abundância da graça divina e abençoo-vos de coração.

Saúdo de coração os vários grupos de peregrinos croatas provenientes de Zagrábia e de outras localidades. Caríssimos, a vossa peregrinação a Roma no contexto deste tempo da Quaresma vos ajude a redescobrir aquele «íntimo e vital vínculo do homem com Deus» (Gaudium et spes GS 19), que por amor nos criou e nos remiu em Cristo.

Concedo de bom grado a Bênção Apostólica a vós e aos vossos familiares. Louvados sejam Jesus e Maria!

Ao dirigir agora uma saudação aos peregrinos de língua italiana, desejo antes de tudo recordar as crianças romenas hóspedes da Associação com os «Fatebenefratelli» para os doentes distantes e a delegação do Comité promotor da Segunda Jornada Nacional da doação e do transplante de órgãos. A minha mais cordial saudação dirige-se, por fim, aos Jovens, aos Doentes e aos jovens Casais.

Caros jovens, também hoje tão numerosos, o caminho quaresmal que estamos a percorrer seja ocasião de conversão autêntica, que vos conduza à maturidade da fé em Cristo.

Queridos doentes, ao participardes com amor no próprio sofrimento do Filho de Deus encarnado, possais compartilhar desde agora a glória e a alegria da Sua ressurreição.

E vós, prezados jovens esposos, encontrai na aliança que, à custa do Seu sangue, Cristo estreitou com a sua Igreja, o apoio do vosso pacto conjugal e da vossa missão ao serviço do Evangelho.

A todos concedo de coração a Bênção Apostólica.



JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA

Quarta-feira 17 de Março de 1999


«Conhecer» o Pai




1. Na hora dramática em que se prepara para enfrentar a morte, Jesus conclui o seu grande discurso de despedida (cf. Jo Jn 13 ss.), dirigindo uma estupenda súplica ao Pai. Ela pode ser considerada um testamento espiritual, no qual Jesus entrega nas mãos do Pai o mandato recebido: faz conhecer o Seu amor ao mundo, através do dom da vida eterna (cf. ibid., 17, 2). A vida que Ele oferece é significativamente explicada como um dom de conhecimento: «A vida eterna consiste nisto: que Te conheçam a Ti, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a Quem enviaste» (Ibid., 17, 3).

Na linguagem bíblica do Antigo e do Novo Testamento, o conhecimento não diz respeito apenas à esfera intelectual, mas normalmente implica uma experiência vital que compromete a pessoa humana na sua globalidade e, por conseguinte, na sua capacidade de amor. É um conhecimento que faz «encontrar» Deus, pondo-se dentro daquele processo a que a tradição teológica oriental gosta de chamar «divinização» e que se efectua mediante a acção interior e transformadora do Espírito de Deus (cf. S. Gregório de Nissa, Oratio catech., 37: B). Já tratámos desses temas na catequese para o ano do Espírito Santo. Ao retornarmos agora à citada frase de Jesus, queremos aprofundar o que significa conhecer Deus Pai de modo vital.

2. Pode-se conhecer Deus como pai a diversos níveis, segundo a perspectiva de que se fala e o aspecto do mistério que se considera. Há um conhecimento natural de Deus a partir da criação; esse leva a reconhecer n'Ele a origem e a causa transcendentes do mundo e do homem e, neste sentido, a intuir a Sua paternidade. Este conhecimento aprofunda-se à luz progressiva da Revelação, isto é, tendo como base as palavras e as intervenções histórico-salvíficas de Deus (cf. Catecismo da Igreja Católica [C.I.C.], n. 287).

No Antigo Testamento, conhecer Deus como Pai significa remontar às origens do povo da aliança: «Não é Ele o teu Pai, o teu Criador? Não foi Ele que te formou e te consolidou?» (Dt 32,6). A referência a Deus enquanto Pai garante e conserva a unidade dos membros duma mesma família: «Porventura, não temos nós um Pai único? Não foi o mesmo Deus que nos criou?» (Mt 2,10). Reconhece-se Deus como pai também no momento em que repreende o filho para o seu bem: «O Senhor castiga aquele a quem ama, como um pai a um filho querido» (Pr 3,12). E obviamente um pai pode ser sempre invocado na hora do desalento: «Invoquei o Senhor, Pai do meu Senhor, para que não me abandonasse no dia da minha aflição, sem socorro, durante o domínio dos soberbos» (Si 51,10). Em todas estas formas, aqueles valores que se experimentam na paternidade humana são aplicados por excelência a Deus. Contudo, percebe-se que não é possível conhecer profundamente o conteúdo dessa paternidade divina, senão na medida em que Deus mesmo a manifesta.

3. Nos eventos da história da salvação revela-se sempre mais a iniciativa do Pai que, com a Sua acção interior, abre o coração do crente a acolher o Filho encarnado. Ao conhecerem Jesus, eles poderão conhecer também a Ele, o Pai. É quanto ensina o próprio Jesus, ao responder a Tomé: «Se vós Me conhecêsseis, também conheceríeis Meu Pai» (Jn 14,7 cf. vv. Jn 7-10).

É preciso então crer em Jesus e olhar para Ele, luz do mundo, a fim de não se permanecer nas trevas da ignorância (cf. Jo Jn 12,44-46) e conhecer que a Sua doutrina vem de Deus (cf. ibid. 7, 17 s.). Sob esta condição, podemos conhecer o Pai, ao tornarmo-nos capazes de O adorar «em espírito e verdade» (Ibid., 4, 23). Este conhecimento intenso é inseparável do amor. É comunicado por Jesus, como Ele disse na Sua oração sacerdotal: «Pai justo... dei-lhes a conhecer o Teu nome e dá-lo-ei a conhecer, para que o amor com que Me amaste esteja neles» (Jn 17,25-26).

«Quando oramos ao Pai, estamos em comunhão com Ele e com o seu Filho Jesus Cristo. É então que O reconhecemos num encantamento sempre novo» (CIC 2781). Conhecer o Pai, portanto, significa encontrar n'Ele a fonte do nosso ser e da nossa unidade, enquanto membros de uma única família, mas significa também estar imerso nu- ma vida «sobrenatural», na própria vida de Deus.

4. Por conseguinte, o anúncio do Filho permanece a via-mestra para conhecer o Pai; com efeito, como recorda uma sugestiva expressão de Santo Ireneu, «o conhecimento do Pai é o Filho» (Adv. haer., 4, 6, 7: B). É a possibilidade oferecida a Israel, mas também aos gentios, como Paulo ressalta na Carta aos Romanos: «Porventura Deus só é dos judeus? Não o é também dos gentios? Sim, também dos gentios, pois há um só Deus, que justificará pela fé os incircuncisos» (Rm 3,29 s.). Deus é único, e é Pai de todos, desejoso de oferecer a todos a salvação operada por meio de Seu Filho: é aquilo a que o evangelho de João chama o dom da vida eterna. Este dom precisa de ser acolhido e comunicado, conforme o reconhecimento que fazia São Paulo dizer, na Segunda Carta aos Tessalonicenses: «Por isso, damos incessantes graças a Deus por vós, irmãos queridos no Senhor, porque Deus vos escolheu desde o princípio para serdes salvos mediante a santificação do Espírito, e da fé na verdade» (2Th 2,13).

Saudações

Caríssimos Irmãos e Irmãs!

Saúdo com especial afecto os peregrinos de expressão portuguesa, que porventura aqui se encontrem. O Deus da paz, fonte de toda a misericórdia, infunda em vossos corações a alegria em Cristo ressuscitado, causa de esperança nos bens futuros. Deus abençoe todos vós e as vossas famílias.

Cordiais boas-vindas aos «Amigos Salesianos de Dom Bosco», de Praga. Caríssimos, a Solenidade de depois de amanhã apresentar-nos-á São José, como homem de Deus que viveu ao lado de Jesus e de Maria, com disponibilidade sempre pronta e generosa atenção. Imitemo-lo! Abençoo-vos a todos de coração! Louvado seja Jesus Cristo!

Dirijo cordiais boas-vindas a todos os peregrinos de língua italiana. Saúdo, em particular, o Arcebispo de Núrsia-Espoleto, D. Riccardo Fontana, os Abades Ordinários de Subiaco e de Montecassino, e juntamente com eles a delegação nacional que retorna da Macedónia onde foi aceso o «Facho beneditino» da paz. Possa esse empreendimento, animado pelo lema «pro Europa una», contribuir para a formação de uma consciência atenta à solidariedade e à cultura da paz, seguindo o exemplo de São Bento, incansável apóstolo entre os povos da Europa.

Saúdo, ainda, o grupo das Edições Paulinas e da Sony Classical que, em colaboração com a Rádio Vaticano, editaram o CD «Abba Pater», e invoco sobre cada um deles copiosos dons celestes, a fim de que continuem com generoso impulso o seu empenho cultural. E agora a minha saudação dirige-se aos jovens aqui presentes. Caros jovens, encontrar-vos é para mim sempre motivo de consolação e de esperança, porque a vossa idade é a primavera da vida. Sede sempre fiéis ao amor que Deus tem por vós.

Dirijo agora um pensamento afectuoso a vós, queridos doentes. Quando sofremos, toda a realidade em nós e à nossa volta parece robustecer-se mas, no íntimo do nosso coração, isto não deve extinguir a luz consoladora da fé. Com a sua cruz, Cristo sustém-nos na provação.

E vós, prezados jovens esposos, que saúdo cordialmente, sede gratos a Deus pelo dom da família. Contando sempre com a Sua ajuda, fazei da vossa existência uma missão de amor fiel e generoso.

O Senhor vos acompanhe e vos proteja sempre!



JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA

Quarta-feira 24 de Março de 1999


Deus Pai: amor providente

1. Prosseguindo a nossa meditação sobre Deus Pai, hoje queremos deter-nos sobre o Seu amor generoso e providente. «É unânime, a este respeito, o testemunho da Escritura: a solicitude da divina Providência é concreta e imediata, cuida de tudo, desde os mais insignificantes pormenores até aos grandes acontecimentos do mundo e da história» (Catecismo da Igreja Católica [C.I.C.], 303). Podemos partir de um texto do Livro da Sabedoria, no qual a Providência divina é contemplada em acção para ajudar uma barca no meio do mar: «Mas a Vossa Providência, ó Pai, é que a governa, porque Vós até no mar abristes caminho e uma rota segura no meio das ondas. Desta maneira mostrais que podeis salvar do perigo, de tal modo que, mesmo sem o conhecimento da arte, os homens podem meter-se no mar» (Sg 14,3-4).


Num salmo encontra-se ainda a imagem do mar, sulcado pelos navios e no qual se agitam animais pequenos e grandes, para recordar o alimento que Deus fornece a todos os seres vivos: «Todos eles esperam de Vós que lhes deis de comer a seu tempo. Vós dais-lhes e eles o recolhem, abris a Vossa mão e saciam-se de bens» (Ps 104,27-28).

2. A imagem da barca no meio do mar, bem representa a nossa situação diante do Pai providente. Ele - como diz Jesus - «faz que o sol se levante sobre os bons e os maus e faz cair a chuva sobre os justos e os pecadores» (Mt 5,45). Contudo, diante desta mensagem do amor providente do Pai, vem espontâneo perguntar-se como se pode explicar o sofrimento. E é preciso reconhecer que o problema do sofrimento constitui um enigma, diante do qual a razão humana se perde. A divina Revelação ajuda-nos a compreender que ele não é querido por Deus, tendo entrado no mundo por causa do pecado do homem (cf. Gn Gn 3,16-19). Deus permite-o para a própria salvação do homem, tirando do mal o bem. «Deus omnipotente..., sendo sumamente bom, jamais permitiria que qualquer mal existisse nas Suas obras, se não fosse suficientemente poderoso e bom, a ponto de tirar do próprio mal o bem» (Santo Agostinho, Enchiridion de fide, spe et caritate, 11, 3: PL 40, 236). Significativas, a este respeito, são as palavras tranquilizadoras, dirigidas por José aos seus irmãos, que o tinham vendido e agora dependiam do seu poder: «Não, não fostes vós que me fizestes vir para aqui. Foi Deus... Meditastes contra mim o mal: Deus aproveitou-o para o bem a fim de que acontecesse o que hoje aconteceu e um povo numeroso foi salvo» (Gn 45,8 Gn 50,20).

Os projectos de Deus não coincidem com os do homem; são infinitamente melhores, mas muitas vezes permanecem incompreensíveis à mente humana. Diz o Livro dos Provérbios: «O Senhor é Quem dirige os passos do homem; como poderá o homem compreender o seu próprio destino?» (Pr 20,24). No Novo Testamento, Paulo pronunciará este princípio consolador: «Deus coopera em tudo para o bem daqueles que O amam» (Rm 8,28).

3. Qual deve ser a nossa atitude diante desta próvida e clarividente acção divina? Não devemos, certamente, esperar de maneira passiva aquilo que Ele nos manda, mas colaborar com Ele, a fim de que leve a cumprimento tudo o que iniciou a fazer em nós. Devemos ser solícitos sobretudo na busca dos bens celestes. Estes devem ocupar o primeiro lugar, como o exige Jesus: «Procurai primeiro o Seu reino e a Sua justiça» (Mt 6,33). Os outros bens não devem ser objecto de preocupações excessivas, porque o nosso Pai celeste conhece quais são as nossas necessidades; é o que nos ensina Jesus quando exorta os Seus discípulos a «um abandono filial à Providência do Pai celeste, que cuida das mais pequenas necessidades de seus filhos» (CIC 305): «Não vos inquieteis com o que haveis de comer ou de beber, nem andeis ansiosos, pois os homens do mundo é que andam à procura de todas estas coisas; mas o vosso Pai sabe que tendes necessidade delas» (Lc 12,29 s.).

Portanto, somos chamados a colaborar com Deus, em atitude de grande confiança. Jesus ensina-nos a pedir ao Pai celeste o pão quotidiano (cf. Mt Mt 6,11 Lc 11,3). Se o recebermos com reconhecimento, virá também espontâneo recordar que nada nos pertence, e devemos estar prontos adá-lo: •«Dá a todo aquele que te pede, e ao que se apodera do que é teu, não lho reclames» (Lc 6,30).

4. A certeza do amor de Deus faz-nos confiar na Sua providência paterna também nos momentos mais difíceis da existência. Esta plena confiança em Deus Pai providente, também no meio das adversidades, é expressa de modo admirável por Santa Teresa de Jesus: «Nada te perturbe, nada te cause medo. Tudo passa, Deus não muda. A paciência obtém tudo. A quem tem Deus nada falta. Só Deus basta» (Poesias, 30).

A Escritura oferece-nos um exemplo eloquente de total entrega a Deus, quando narra que Abraão maturara a decisão de sacrificar o filho Isaac. Na realidade, Deus não queria a morte do filho, mas a fé do pai. E Abraão demonstra-a plenamente, pois quando Isaac lhe pergunta onde está o cordeiro do holocausto, ousa responder-lhe que «Deus providenciará» (Gn 22,8). E, justamente, logo depois ele experimentará a benévola providência de Deus, que salva o jovenzinho e lhe recompensa a fé, cumulando-o de bênçãos.

É preciso, então, interpretar semelhantes textos à luz da inteira revelação, que alcança a sua plenitude em Jesus Cristo. Ele ensina-nos a repor em Deus uma imensa confiança, também nos momentos mais difíceis: pregado na Cruz, Jesus abandona-Se totalmente ao Pai: «Pai, nas Tuas mãos entrego o Meu espírito» (Lc 23,46). Com esta atitude, Ele eleva a um nível sublime quanto Job sintetizara nas conhecidas palavras: «O Senhor mo deu, o Senhor mo tirou; bendito seja o nome do Senhor!» (Jb 1,21). Mesmo aquilo que humanamente é uma desventura, pode entrar naquele grande projecto de amor infinito, com o qual o Pai provê à nossa salvação.



AUDIÊNCIAS 1999 - AUDIÊNCIA