AUDIÊNCIAS 1999 - AUDIÊNCIA

Neste desígnio divino, o presente é o tempo do «já e ainda não», tempo da salvação já realizada e do caminho rumo à sua perfeita actuação: «Até que cheguemos todos à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus ao estado de homem perfeito, à medida da estatura completa de Cristo» (Ep 4,13).

4. O crescimento em direcção a essa perfeição em Cristo, e por isso para a experiência do mistério trinitário, implica que a Páscoa só se realizará e será celebrada plenamente no reino escatológico de Deus (cf. Lc Lc 22,16). Mas o evento da encarnação, da cruz e da ressurreição constitui já a revelação definitiva de Deus. A oferta de redenção que esse evento implica inscreve-se na história da nossa liberdade humana, chamada a responder ao apelo de salvação.

A vida cristã é participação no mistério pascal, como caminho de cruz e de ressurreição. Caminho de cruz, porque a nossa existência está continuamente sob o crivo purificador que leva à superação do antigo mundo marcado pelo pecado. Caminho de ressurreição, porque ao ressuscitar Cristo, o Pai derrotou o pecado, razão por que o «juízo da cruz» se torna «justiça de Deus», isto é, triunfo da sua Verdade e do seu Amor sobre a perversidade do mundo.

5. A vida cristã é, em suma, um crescimento rumo ao mistério da Páscoa eterna. Ela exige, portanto, que tenhamos fixo o olhar na direcção da meta, das realidades últimas, mas ao mesmo tempo que nos empenhemos nas realidades «penúltimas»: entre estas e a meta escatológica não há oposição, mas ao contrário uma relação de fecundação mútua. Se devemos afirmar sempre a primazia do Eterno, isto não impede que vivamos de maneira correcta, à luz de Deus, as realidades históricas (cf. CIC CIC 1048 s.).

Trata-se de purificar toda a expressão do humano e todas as actividades terrenas, para que nelas transpareça sempre mais o Mistério da Páscoa do Senhor. Como de facto nos recordou o Concílio, a actividade humana, que traz sempre consigo o sinal do pecado, é purificada e elevada à perfeição pelo mistério pascal, de maneira que «todos estes valores da dignidade humana, da comunhão fraterna e da liberdade, fruto da natureza e do nosso trabalho, depois de os termos difundido na terra, no Espírito do Senhor e segundo o seu mandamento, voltaremos de novo a encontrá-los, mas então purificados de qualquer mancha, iluminados e transfigurados, quando Cristo entregar ao Pai o reino eterno e universal» (Gaudium et spes GS 39).

Esta luz de eternidade ilumina a vida e a inteira história do homem sobre a terra.

Saudações

Não posso deixar de recordar que precisamente amanhã se comemora o cinquentenário das Convenções de Genebra, adoptadas no final da segunda Guerra Mundial para assegurar protecção aos civis, aos prisioneiros e a todas as vítimas dos conflitos armados.

Este aniversário repropõe à atenção da Comunidade internacional a situação das vítimas das guerras que, ainda hoje, ensanguentam numerosos Estados.

Aquele mínimo de protecção à dignidade de todo o ser humano, garantido pelo direito internacional humanitário, é com muita frequência violado em nome de exigências militares ou políticas, que jamais deveriam prevalecer sobre o valor da pessoa humana.

Sente-se hoje a necessidade de encontrar um novo consenso sobre os princípios humanitários e de consolidar os fundamentos, a fim de impedir o repetir-se de atrocidades e abusos.

A Igreja não se cansa de reafirmar que é indispensável a educação para o respeito de toda a vida humana, colaborando activamente com quantos trabalham para garantir o respeito da dignidade e a assistência dos que sofrem, tanto civis como militares.

Sobre todos os que se prodigalizam a favor das inúmeras e inocentes vítimas dos conflitos, dos prisioneiros, dos civis à mercê das violências, invoco a bênção do Senhor.

Saúdo com afecto os peregrinos de língua portuguesa: a todos desejo graça e paz no Senhor. Em particular, desejo saudar os portugueses da Paróquia do Padrão da Légua do Porto, que estão a acompanhar o seu pároco junto ao túmulo de S. Pedro; grato pela vossa presença, e que Roma vos confirme na fé e nos propósitos de vida e de testemunho cristãos. É o que peço para todos, na perspectiva da Assunção de Nossa Senhora, com a Bênção Apostólica.



JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA

Quarta feira 18 de agosto de 1999


O caminho de conversão como libertação do mal




Queridos irmãos e irmãs,

1. Entre os temas propostos de modo especial à consideração do povo de Deus neste terceiro ano de preparação para o Grande Jubileu do Ano 2000, encontramos a conversão, que inclui a libertação do mal (cf. TMA TMA 50). É um tema que toca profundamente a nossa experiência. Com efeito, toda a história pessoal e comunitária se apresenta em grande parte como uma luta contra o mal. A invocação «Livrai-nos do mal» ou do «maligno», contida no Pai Nosso, marca a nossa oração para que nos afastemos do pecado e estejamos livres de toda a cumplicidade com o mal. Ela evoca-nos a luta quotidiana, mas sobretudo recorda-nos o segredo para a vencer: a força de Deus que se manifestou e nos foi oferecida em Jesus (cf. Catecismo da Igreja Católica [CIC], n. 2853).

2. O mal moral provoca o sofrimento que é apresentado, sobretudo no Antigo Testamento, como castigo ligado a comportamentos em contraste com a lei de Deus. Por outro lado, a Sagrada Escritura evidencia que, depois do pecado, se pode pedir a Deus a sua misericórdia, isto é, o perdão da culpa e o fim das penas por ela provocadas. O retorno sincero a Deus e a libertação do mal são dois aspectos de um único percurso. Assim, por exemplo, Jeremias exorta o povo: «Convertei-vos, filhos rebeldes, e Eu sararei vossos extravios» (3, 22). No Livro das Lamentações sublinham-se a perspectiva do retorno ao Senhor (cf. 5, 21) e a experiência da sua misericórdia: «É grande a Sua misericórdia, não se esgotou a Sua misericórdia; cada manhã ela se manifesta; e grande é a Sua fidelidade» (3, 22, cf. v. 32).

Toda a história de Israel é relida à luz da dialéctica «pecado, castigo, arrependimento - misericórdia» (cf. por ex. Juízes 3, 7-10): é este o núcleo central da tradição deuteronómica. A própria derrota histórica do reino e da cidade de Jerusalém é interpretada como casti- go divino por causa da falta de fidelidade à aliança.

3. Na Bíblia o lamento, dirigido a Deus quando se é atormentado pelo sofrimento, é acompanhado pelo reconhecimento do pecado cometido e pela confiança na sua intervenção libertadora. A confissão da culpa é um dos elementos através do qual emerge essa confiança. A respeito disso, são muito indicativos alguns salmos, que exprimem com vigor a confissão da culpa e a tristeza pelo próprio pecado (cf. Sl Ps 38,18 Ps 41,5). Semelhante admissão de culpabilidade, descrita de modo eficaz no Salmo 51, é imprescindível para iniciar uma vida nova. A confissão do próprio pecado faz ressaltar indirectamente a justiça de Deus: «Contra Vós apenas é que eu pequei, pratiquei o mal perante os Vossos olhos, para que Vos manifesteis justo na Vossa palavra, e se veja a Vossa rectidão em Vosso juízo» (v. 6). Nos Salmos retorna continuamente a invocação de ajuda e a espera confiante da libertação de Israel (cf. Sl Ps 88 Ps 130). Na cruz, o próprio Jesus orou com o Salmo 22 para obter a intervenção amorosa do Pai na ora suprema.

4. Ao dirigir-Se ao Pai com aquelas expressões, Jesus dá voz àquela expectativa de libertação do mal que, segundo a perspectiva bíblica, acontece através duma pessoa que acolhe o sofrimento com o seu valor expiatório: é o caso da figura misteriosa do Servo do Senhor em Isaías (42, 1-9; 49, 1-6; 50, 4-9; 52, 13-53, 12). Também outras personagens assumem a mesma função, como o profeta que desconta e expia as iniquidades de Israel (cf. Ez Ez 4,4-5), aquele a quem trespassaram para o qual se dirigirá o olhar (cf. Zc Jo 19, 37; cf. também Ap 1,7), os mártires que aceitam o próprio sofrimento em expiação dos pecados do seu povo (cf. 2M 7,37-38).

Jesus retoma todas estas figuras e reinterpreta-as. Só n'Ele e através d'Ele tomamos consciência do mal e invocamos o Pai para que dele sejamos libertados.

Na oração do Pai Nosso faz-se explícita a referência ao mal; o termo ponerós (Mt 6,13), que em si é uma forma adjectival, aqui pode indicar uma personalização do mal. Este é provocado no mundo por aquele ser espiritual, chamado pela revelação bíblica Diabo ou Satanás, que de maneira deliberada se pôs contra Deus (cf. CIC, n. 2851s.). A «malignidade» humana constituída pelo demónio ou suscitada pela sua influência, apresenta-se também nos nossos dias de forma atraente, seduzindo as mentes e os corações, de maneira a fazer perder o próprio sentido do mal e do pecado. Trata-se daquele «mistério de iniquidade» de que fala São Paulo (cf. 2Th 2,7). Este está certamente ligado à liberdade do homem, «mas por dentro da realidade desta experiência humana agem factores, pelos quais ela se situa para além do humano, na zona limite onde a consciência, a vontade e a sensibilidade do homem estão em contacto com forças obscuras que, segundo São Paulo, agem no mundo até ao ponto de quase o senhorearem» (Reconciliatio et paenitentia RP 14).

Infelizmente os seres humanos podem tornar-se protagonistas de maldade, isto é, «geração má e adúltera» (Mt 12,39).

5. Nós cremos que Jesus venceu definitivamente Satanás e nos subtraiu assim do temor em relação a ele. A cada geração a Igreja apresenta de novo, como o apóstolo Pedro no discurso a Cornélio, a imagem libertadora de Jesus de Nazaré, «o Qual andou de lugar em lugar, fazendo o bem e curando todos os que eram oprimidos pelo Diabo; porque Deus estava com Ele» (Ac 10,38).

Se em Jesus aconteceu a derrota do maligno, a sua vitória contudo deve ser livremente acolhida por cada um de nós, enquanto o mal não for eliminado completamente. A luta contra o mal, portanto, requer empenho e vigilância contínua. A libertação definitiva só é prevista numa perspectiva escatológica (cf. Ap Ap 21,4).

Para além das nossas fadigas e dos nossos próprios fracassos permanece es- ta consoladora palavra de Cristo: «No mundo tereis aflições, mas tende confiança! Eu venci o mundo» (Jn 16,33).

Apelo

A notícia do sequestro de D. José de Jesus Quintero Díaz, Bispo de Tibú, na Colômbia, ocorrido por obra de grupos armados no dia da Assunção, leva-nos com o pensamento e a oração àquela querida Nação, renovando o nosso premente apelo à pacificação do País, que até agora ficou desatendido.

Nas mãos dos sequestradores ainda permanecem dezenas de pessoas inocentes. A elas e a todas as vítimas desta violência absurda, exprimo a minha proximidade e a minha oração para que sejam restituídas quanto antes às suas famílias.

Faço votos por que as partes envolvidas respeitem o direito sagrado da vida humana, continuem o processo de paz e assegurem a aplicação do direito humanitário.

Saudações

Amados peregrinos de língua portuguesa, dou-vos as boas-vindas com uma saudação afectuosa a todos, nomeadamente aos membros da paróquia de Santiago de Cassurrães. Esta romagem até à cidade, onde os apóstolos Pedro e Paulo confessaram Jesus até à morte, reforce a vossa fé em Cristo, que vos redimiu e chamou a viver em santidade e justiça todos os dias da vossa vida. Sede santos e fazei santos os vossos familiares, com a minha Bênção.

Saúdo com afecto o grupo de peregrinos surdos de Barcelona, Sevilha e Madrid, e exorto-os a continuar a dar testemunho da esperança cristã na nossa sociedade. Saúdo também os jovens da Adoração Nocturna de Calahorra, assim como os demais grupos vindos da Espanha e da América Latina. Ao invocar sobre vós e as vossas famílias o nome de Jesus, vencedor do pecado e da morte, abençoo-vos a todos de coração.

Quereria agora saudar os peregrinos belgas e holandeses. Desejo que esta peregrinação aos túmulos dos Apóstolos enriqueça espiritualmente cada um de vós, e vos dê um novo impulso para contribuirdes com o testemunho de fé para enriquecer a vossa igreja local. De coração concedo a Bênção Apostólica. Louvado seja Jesus Cristo!

Saúdo agora os peregrinos provenientes da Lituânia. Caríssimos Irmãos e Irmãs, desejo a vós presentes nesta audiência, aos vosos entes queridos e à vossa Pátria inteira todo o bem no nome de Cristo, nosso Salvador. Que a Sua graça vos ajude a reafirmar a identidade histórica e cultural do vosso País, baseada desde sempre sobre a tradição cristã e sobre a fidelidade à Igreja! Concedo de coração a Bênção Apostólica a todos os habitantes da Lituânia, sobretudo às crianças, aos doentes e àqueles que sofrem. Louvado seja Jesus Cristo!

Saúdo cordialmente os peregrinos eslovacos provenientes de Bratislava e o coro «Adoremus». Caros peregrinos, depois da solenidade da Assunção, recordaremos no próximo domingo a Bem-aventurada Virgem Maria Rainha. Como nos recomenda São Bernardo, dirijamo-nos a Ela em todas as nossas necessidades. De coração abençoo todos vós e os vossos entes queridos. Louvado seja Jesus Cristo!

Desejo agora dirigir uma saudação cordial aos peregrinos de língua italiana e, em particular, aos seminaristas do Seminário Episcopal de Bérgamo. Esta peregrinação romana seja para vós, caríssimos, uma ocasião propícia para viverdes juntos uma singular experiência de fé, que vos encoraje a prosseguir com renovada confiança no caminho vocacional empreendido.

Uma saudação, depois, vai aos jovens de Turim que, tendo partido de Malta, concluem em Roma junto do túmulo dos Apóstolos a sua peregrinação «sob os passos de São Paulo». Caríssimos, se- ja sempre o Evangelho a orientar a vossa escolha e decisão.

Uno na recordação todos os outros Jovens, os Doentes e os jovens Casais, presentes neste nosso encontro.

No domingo passado celebrámos a Solenidade da Assunção de Maria Virgem ao céu, que dá um singular significado mariano a estes dias de «Ferragosto».

A todos vós, caros jovens, queridos doentes e prezados jovens esposos desejo que experimenteis a maternal protecção de Maria, nossa Mãe celeste, e que sejais por Ela sustentados na existência quotidiana.

Acompanhe-vos, além disso, a Bênção que concedo com afecto a todos vós e faço extensiva às pessoas que vos são queridas.



JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA

Quarta-feira 25 de agosto de 1999


Combater o pecado pessoal e as «estruturas de pecado»




Caríssimos Irmãos e Irmãs:

1. Continuando a reflectir sobre o caminho de conversão, sustentados pela certeza do amor do Pai, queremos hoje dedicar a nossa atenção ao sentido do pecado, tanto pessoal como social.

Olhemos, antes de tudo, para a atitude de Jesus que veio precisamente para libertar os homens do pecado e da influência de Satanás.

O Novo Testamento sublinha fortemente a autoridade de Jesus sobre os demónios, que Ele expulsa «pelo dedo de Deus» (Lc 11,20). Na perspectiva evangélica, a libertação dos endemoninhados (cf. Mc Mc 5,1-20) assume um significado mais amplo do que a simples cura física, uma vez que o mal físico é posto em relação com um mal interior. A doença da qual Jesus liberta é, antes de tudo, a do pecado. Jesus mesmo o explica por ocasião da cura do paralítico: «Pois bem, para que saibais que o Filho do Homem tem na terra poder de perdoar os pecados, ordeno-te - disse ao paralítico - levanta-te, toma o teu catre e vai para tua casa» (Mc 2,10-11). Antes ainda que nas curas, Jesus venceu o pecado superando Ele próprio as «tentações» que o diabo Lhe apresentava no período por Ele transcorrido no deserto, depois do baptismo recebido de João (cf. Mc Mc 1,12-13 Mt 4,1-11 Lc 4,1-13). Para combater o pecado que se abriga dentro de nós e ao redor de nós, devemos pôr-nos nas pegadas de Jesus e aprender o gosto do «sim», por Ele continuamente pronunciado ao projecto de amor do Pai. Este «sim» requer todo o nosso empenho, mas não o poderíamos pronunciar sem a ajuda da graça, que Jesus mesmo nos obteve com a sua obra redentora.

2. Ao olharmos para o mundo contemporâneo, devemos constatar que nele a consciência do pecado se debilitou de maneira notável. Por causa de uma difundida indiferença religiosa, ou da rejeição de quanto a recta razão e a Revelação nos dizem a respeito de Deus, diminui em muitos homens e mulheres o sentido da aliança de Deus e dos seus mandamentos. Com muita frequência, depois, a responsabilidade humana é ofuscada pela pretensão de uma liberdade absoluta, que se reputa ameaçada e condicionada por Deus legislador supremo.

O drama da situação contemporânea, que parece abandonar alguns valores morais fundamentais, depende em grande parte da perda do sentido do pecado. Sobre este ponto percebemos quão grande deve ser o caminho da «nova evangelização». É preciso restituir à consciência o sentido de Deus, da sua misericórdia, da gratuidade dos seus dons, para que ela possa reconhecer a gravidade do pecado, que põe o homem contra o seu Criador. A consistência da liberdade pessoal deve ser reconhecida e defendida como dom precioso de Deus, contra a tendência a dissolvê-la na cadeia dos condicionamentos sociais ou a separá-la da sua irrenunciável referência ao Criador.

3. É também verdade que o pecado pessoal tem sempre um valor social. Enquanto ofende a Deus e prejudica a si mesmo, o pecador torna-se também responsável pelo mau testemunho e pelas influências negativas ligadas ao seu comportamento. Mesmo quando o pecado é interior, produz em todo o caso um agravamento da condição humana e constitui uma diminuição daquele contributo que todo o homem é chamado a dar ao progresso espiritual da comunidade humana.

Para além de tudo isto, os pecados dos indivíduos consolidam aquelas formas de pecado social, que são precisamente fruto da acumulação de muitas culpas pessoais. As verdadeiras responsabilidades continuam a ser, obviamente, das pessoas, dado que a estrutura social enquanto tal não é sujeito de actos morais. Como recorda a Exortação Apostólica pós-sinodal Reconciliatio et paenitentia, «a Igreja, quando fala de situações de pecado ou denuncia como pecados sociais certas situações ou certos comportamentos colectivos de grupos sociais, mais ou menos vastos, ou até mesmo de Nações inteiras e blocos de Nações, sabe e proclama que tais casos de pecado social são o fruto, a acumulação e a concentração de muitos pecados pessoais... As verdadeiras responsabilidades, portanto, são das pessoas» (n. 16).

Contudo, é um facto incontestável, como várias vezes tive ocasião de reafirmar, que a interdependência dos sistemas sociais, económicos e políticos, cria no mundo de hoje múltiplas estruturas de pecado (cf. Sollicitudo rei socialis SRS 36 Catecismo da Igreja Católica, n. 1869). Existe uma tremenda força de atracção do mal que faz julgar «normais» e «inevitáveis» muitas atitudes. O mal aumenta e faz pressão com efeitos devastadores sobre as consciências, que permanecem desorientadas e nem sequer são capazes de discernir. Se se pensa depois nas estruturas de pecado que detêm o desenvolvimento dos povos mais desfavorecidos sob o aspecto económico e político (cf. Sollicitudo rei socialis SRS 37), chegar-se-ia como que a ceder diante de um mal moral que parece irresistível. Muitas pessoas percebem a impotência e a desorientação diante de uma situação esmagadora que parece sem solução. Mas o anúncio da vitória de Cristo sobre o mal dá-nos a certeza de que também as estruturas mais consolidadas do mal podem ser vencidas e substituídas por «estruturas de bem» (cf. ibidem, 39).

4. A «nova evangelização» enfrenta este desafio. Ela deve empenhar-se para que todos os homens recuperem a consciência de que, em Cristo, é possível vencer o mal com o bem. É preciso formar para o sentido da responsabilidade pessoal, intimamente conexa com os imperativos morais e com a consciência do pecado. O caminho de conversão implica a exclusão de toda a conivência com aquelas estruturas de pecado que hoje, de modo particular, condicionam as pessoas nos diversos contextos de vida.

O Jubileu pode constituir uma ocasião providencial para que os indivíduos e as comunidades caminhem nesta direcção, promovendo uma autêntica «metanoia», ou seja, uma mudança de mentalidade, que contribua para a criação de estruturas mais justas e mais humanas, em proveito do bem comum.

Apelo

Também neste dia desejo confiar à oração da Igreja inteira a paz no mundo, evocando em particular algumas situações que, embora geograficamente distantes, estão sempre presentes no meu coração. Com fé, peçamos ao Senhor que conceda um futuro de paz à querida população de Timor Oriental: que todos os seus habitantes e quantos estão envolvidos nas vicissitudes daquele território sejam animados pelo sincero propósito de trabalhar em favor da reconciliação e de contribuir para sanar, com o respeito e o amor recíproco, as dolorosas feridas do passado!

Também as tensões de carácter étnico-religioso entre cristãos e muçulmanos, que de novo se aguçaram na ilha indonesiana de Ambon, solicitam a nossa atenção orante. Juntamente com a firme condenação, exprimo um premente apelo a fim de que se detenha a violência, que até agora causou inúmeras vítimas e ingentes prejuízos. Faço votos por que se saibam reconstruir, no perdão e na justiça, aquelas relações pacíficas que durante tanto tempo caracterizaram a convivência das duas comunidades.

Maria, Rainha da paz, corrobore com a sua poderosa intercessão as nossas súplicas!

Saúdo os peregrinos de língua portuguesa: desejo a todos felicidades, paz e graça no Senhor! Sejam bem-vindos os grupos de visitantes portugueses e de brasileiros aqui presentes. Agradeço a vossa visita e invoco a protecção de Maria Santíssima pelas vossas famílias, vossos trabalhos e preocupações, e que o Deus de misericórdia vos console em vossas necessidades materiais e espirituais. Com a minha Bênção.



                                                                          Setembro de 1999

JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA

Quarta-feira 1 de Setembro de 1999


A Igreja pede perdão pelas culpas dos seus filhos


Queridos irmãos e irmãs,


1. «Sede bendito e louvado, Senhor, Deus dos nossos pais [...] pecámos, prevaricámos afastando-nos de Vós; em tudo temos procedido mal. Não temos obedecido aos Vossos preceitos...» (Da 3,26 Da 3,29). Assim oravam os hebreus depois do exílio (cf. também Ba 2,11-13), assumindo as culpas cometidas pelos seus pais. A Igreja imita o exemplo deles e pede perdão pelas culpas também históricas dos seus filhos.

Com efeito, no nosso século o evento do Concílio Vaticano II suscitou um impulso significativo de renovação da Igreja, para que como comunidade dos que foram salvos se torne sempre mais transparência viva da mensagem de Jesus no meio do mundo. Fiel ao ensinamento do último Concílio, a Igreja está sempre mais consciente de que só com uma contínua purificação dos seus membros e das suas instituições, pode oferecer ao mundo um coerente testemunho do Senhor. Por esta razão, «simultaneamente santa e sempre necessitada de purificação, ela exercita continuamente a penitência e a renovação» (Lumen gentium LG 8).

2. O reconhecimento das implicações comunitárias do pecado impele a Igreja a pedir perdão pelas culpas «históricas» dos seus filhos. Induz a isto a preciosa ocasião do grande Jubileu do Ano 2000 que, na esteira dos ensinamentos do Vaticano II, pretende iniciar uma nova página de história, na superação dos obstáculos que ainda dividem os seres humanos e os cristãos em particular.

Por isso, na Carta Apostólica Tertio millennio adveniente pedi que no final deste segundo milénio, «a Igreja assuma com maior consciência o peso do pecado dos seus filhos, recordando todas aquelas circunstâncias em que, no arco da história, eles se afastaram do espírito de Cristo e do seu Evangelho, oferecendo ao mundo, em vez do testemunho de uma vida inspirada nos valores da fé, o espectáculo de modos de pensar e agir que eram verdadeiras formas de antitestemunho e de escândalo» (n. 33).

3. O reconhecimento dos pecados históricos supõe uma tomada de posição em relação aos eventos, tais como realmente aconteceram, e que reconstruções históricas serenas e completas podem fazer emergir. Por outro lado, o juízo sobre eventos históricos não pode prescindir de uma consideração realista dos condicionamentos constituídos por cada um dos contextos culturais, antes de atribuir aos indivíduos específicas responsabilidades morais.

Certamente, a Igreja não teme a verdade que emerge da história e está pronta a reconhecer os erros, lá onde se verificaram, sobretudo quando se trata do respeito devido às pessoas e às comunidades. Ela está propensa a desconfiar das sentenças generalizadas de absolvição ou de condenação a respeito das várias épocas históricas. Confia a investigação sobre o passado à paciente e honesta reconstrução científica, livre de preconceitos de tipo confessional ou ideológico, quer a respeito de quanto se refere às imputações que lhe são feitas, quer das injustiças por ela sofridas.

Quando são verificadas por uma séria investigação histórica, a Igreja sente o dever de reconhecer as culpas dos próprios membros e de pedir perdão a Deus e aos irmãos. Este pedido de perdão não deve ser entendido como ostentação de humildade fingida, nem como renegação da sua história bimilenária, certamente rica de méritos nos sectores da caridade, da cultura e da santidade. Ao contrário, ela responde a uma irrenunciável exigência de verdade que, ao lado dos aspectos positivos, reconhece os limites e as debilidades humanas das várias gerações dos discípulos de Cristo.

4. A aproximação do Jubileu chama a atenção para alguns tipos de pecados presentes e passados, sobre os quais de modo particular é preciso invocar a misericórdia do Pai.

Penso, antes de tudo, na dolorosa realidade da divisão entre os cristãos. As lacerações do passado, certamente não sem culpas de ambas as partes, permanecem um escândalo perante o mundo. Um segundo acto de arrependimento refere-se à condescendência a métodos de intolerância e até mesmo de violência no serviço à verdade (cf. TMA TMA 35). Ainda que muitos o tenham feito de boa fé, não era certamente evangélico pensar que a verdade tenha de ser imposta com a força. Depois, faltou o discernimento de não poucos cristãos a respeito de situações de violação dos direitos humanos fundamentais. O pedido de perdão vale para tudo o que foi omitido ou calado por debilidade ou avaliação errónea, por aquilo que foi feito ou dito de modo indeciso ou pouco idóneo.

Sobre estes e outros pontos, «a consideração das circunstâncias atenuantes não exonera a Igreja do dever de lastimar profundamente as fraquezas de tantos filhos seus, que lhe deturparam o rosto, impedindo-a de reflectir plenamente a imagem do seu Senhor crucificado, testemunha insuperável de amor paciente e de humilde mansidão» (Ibidem).

A atitude penitencial da Igreja do nosso tempo, no limiar do Terceiro Milénio, não quer portanto ser um cómodo revisionismo historiográfico, que aliás seria suspeito e de igual modo inútil. Antes, volta o olhar para o passado e o reconhecimento das culpas, a fim de que isto sirva de lição para um futuro de testemunho mais puro.



Oremos pela Paz no mundo!

Precisamente hoje recordamos os 60 anos desde o trágico dia em que rebentou a Segunda Guerra Mundial. A invasão nazista da Polónia deu início ao triste período marcado pela morte e pelos sofrimentos das pessoas e de inteiras nações.

Com particular gratidão recordamos hoje os heróicos defensores da nossa Pátria, os quais durante a campanha de Setembro derramaram o seu sangue para a salvar. Peçamos a Deus que na sua glória lhes recompense o sacrifício.

Ao retornarmos com a memória àqueles dolorosíssimos dias, oremos hoje pedindo o dom da paz para a nossa Pátria e para todas as nações da Europa e do mundo.

«Bem-aventurados os operadores de paz, porque serão chamados filhos de Deus» (Mt 5,9).

Saudações especiais

Queridos Irmãos e Irmãs! Uma saudação afectuosa e a minha Bênção para os vários grupos vindos do Brasil e de Portugal, e demais peregrinos de língua portuguesa, sobre todos invocando a graça do Espírito santificador que purifique e renove os vossos corações e os passos da vossa vida, fazendo resplandecer a glória de Jesus Cristo que habita em vós.

É-me grato saudar os peregrinos de língua espanhola, de modo especial os grupos vindos da Espanha, Argentina e de outros Países da América Latina. Ao agradecer a vossa presença aqui, concedo-vos a minha Bênção. Muito obrigado!

Desejaria agora apresentar as boas-vindas a todos os peregrinos holandeses e belgas. Caríssimos Irmãos e Irmãs em Cristo! Faço votos por que a vossa peregrinação aos túmulos dos Apóstolos aprofunde o vosso amor por Jesus Cristo, Caminho, Verdade e Vida para todos (cf. Jo Jn 14,6). De coração concedo a Bênção Apostólica. Louvado seja Jesus Cristo!

Dirijo cordiais boas-vindas aos peregrinos da Lituânia: em particular, ao grupo dos seminaristas de Vilna e aos cantores do coro «Dagilélis». Caríssimos, desejo que esta vossa peregrinação na cidade dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo seja para cada um uma importante experiência espiritual. Invoco sobre vós, as vossas famílias e a vossa inteira Pátria a abundância dos dons celestes e, confiando todos à materna protecção de Maria Santíssima, concedo com afecto a Bênção Apostólica. Louvado seja Jesus Cristo!

Sede bem-vindos, caros peregrinos da «Associação de Deficientes - Petýrkov», de Praga! Chegastes a Roma aonde, desde sempre, os cristãos de todo o mundo vêm para ser reconfirmados na fé, diante do Sucessor de Pedro. Também este encontro é uma manifestação da vossa fé em Cristo e na sua Igreja. Abençoo todos vós de coração! Louvado seja Jesus Cristo!

Saúdo cordialmente os peregrinos eslovacos de Bratislava, Letanovce e Vel'ké Rovné. Caros Irmãos e Irmãs, nestes dias abrem-se as portas das escolas para os alunos e os seus mestres. Recordai que Jesus Cristo é Mestre supremo da nossa vida e contemporaneamente a luz no nosso caminho. Tende confiança n'Ele! Com estes votos abençoo-vos, a vós e aos vossos entes queridos na Pátria. Louvado seja Jesus Cristo!

Caros Irmãos e Irmãs croatas, o Reino de Deus foi inaugurado na terra com a vinda de Cristo e a realização do seu Mistério Pascal. Ele cresce e desenvolve-se, dia após dia, na Igreja, sob o constante impulso do Espírito Santo e com a colaboração efectiva dos homens, à espera do retorno glorioso de Cristo, quando Ele «entregar ao Pai o reino eterno e universal» (cf. Gaudium et spes GS 39), de maneira que «Deus seja tudo em todos» (1Co 15,28). Saúdo de coração todos os peregrinos croatas e concedo-lhes a Bênção Apostólica. Louvados sejam Jesus e Maria!

Dirijo agora cordiais boas-vindas a todos os peregrinos de língua italiana. Em particular, saúdo o grupo de seminaristas da Diocese de Régio da Emília - Guastalla, acompanhados dos seus Superiores, assim como os jovens da primeira Comunhão e da Confirmação, da paróquia de S. João Baptista em Quinto (Verona). Caríssimos, ao exprimir-vos os votos por que este encontro fortaleça a vossa adesão a Cristo, asseguro-vos uma lembrança na oração, para que o Senhor vos cumule dos seus dons de graça.

Saúdo os outros Jovens presentes, os Doentes e os jovens Casais.

Caros jovens, ao retornardes das férias de verão, retomai com generosidade os vossos empenhos, preocupando-vos sempre em ser fiéis discípulos de Jesus.

A vós, queridos doentes, de coração faço votos por que experimenteis o conforto do Senhor, que continua a sua obra de redenção na vida de cada homem.

E convido-vos, prezados jovens esposos, a esforçar-vos por tornar o vosso amor sempre mais verdadeiro, duradouro e solidário.

A todos a minha Bênção.



JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA

Quarta-feira 8 de Setembro de 1999

«Creio na remissão dos pecados»




Caríssimos Irmãos e Irmãs:


AUDIÊNCIAS 1999 - AUDIÊNCIA