AUDIÊNCIAS 1999 - AUDIÊNCIA


JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA

Quarta-feira, 10 de Novembro de 1999

O Senhor torne fecundas as sementes lançadas

durante a recente Viagem Apostólica




Caríssimos Irmãos e Irmãs!

Saúdo-vos com afecto.

Ontem à noite, retornei da minha peregrinação apostólica na Índia e na Geórgia. Em Nova Deli encontrei- me com numerosos Bispos e fiéis asiáticos; em Tblissi visitei a comunidade católica e o seu Administrador Apostólico. Com todos orei, compartilhando as respectivas expectativas e esperanças.

Peço também a vós, caríssimos Irmãos e Irmãs, que vos unais a mim na súplica a Deus para que torne fecundas as sementes lançadas durante esta Viagem Apostólica. Confiemos esta oração a Maria Santíssima, Estrela da evangelização.

Falarei sobre esta viagem na próxima quarta-feira, durante a Audiência geral, mas desde agora desejo exprimir aos Presidentes e às Autoridades governativas da Índia e da Geórgia o meu reconhecimento.

Dirijo um agradecimento particular ao Patriarca-Catholicos Elias II pela cordialidade que quis reservar-me.

Agradeço-vos a presença e, de coração, abençoo todos vós.



JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA

Quarta-feira 17 de Novembro de 1999


O Papa recorda a Viagem Apostólica na Índia e na Geórgia




1. Desejo hoje deter-me sobre a Visita que, nos dias passados, realizei na Índia e na Geórgia. Retornar a esta viagem oferece-me a oportunidade de agradecer, antes de tudo, ao Pai celeste «para quem são todas as coisas e por quem todos existem» (He 2,10). Com a sua ajuda, pude enfrentar também esta tarefa do meu serviço ao Evangelho e à causa da unidade dos cristãos.

A primeira etapa desta minha peregrinação foi a cidade de Nova Deli, na Índia, para a assinatura e a promulgação da Exortação Apostólica pós-sinodal Ecclesia in Asia, na qual recolhemos o fruto do estudo e das propostas da Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Ásia, que se realizou em Roma em 1998. A Índia é berço de antigas culturas, religiões e tradições espirituais, que continuam a plasmar a vida de milhões de pessoas, num contexto social caracterizado durante séculos por um notável grau de tolerância recíproca. O Cristianismo, que constitui uma parte considerável dessa história de relações pacíficas, está ali presente, segundo os cristãos da Índia meridional, desde a pregação do próprio apóstolo Tomé.

Hoje, aquele espírito de respeito recíproco está por alguns aspectos em dificuldade, e era portanto importante reafirmar o vivo desejo da Igreja de um diálogo frutuoso entre os seguidores de todas as religiões, que leve a renovadas relações de compreensão e de solidariedade ao serviço da inteira família humana.

2. O documento sinodal Ecclesia in Asia ajuda-nos a compreender que este diálogo inter-religioso e o mandato da Igreja de difundir o Evangelho até aos confins da terra não se excluem reciprocamente, antes completam-se. Por um lado, a proclamação do Evangelho da salvação em Jesus Cristo deve sempre ser feita no profundo respeito pela consciência daqueles que escutam, e no respeito por tudo aquilo que de bom e de santo está presente na cultura e na tradição religiosa a que eles pertencem (cf. Nostra aetate NAE 2). Por outro, a liberdade de consciência e o livre exercício da religião na sociedade são direitos humanos fundamentais, que afundam as suas raízes no valor e na dignidade ínsita em toda a pessoa, reconhecida em muitos Documentos e Acordos internacionais, inclusive a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Recordo com grande prazer a Missa que concelebrei com numerosos Bispos da Índia e de muitos países da Ásia no Estádio «Jawaharlal Nehru», no domingo 7 de Novembro. Agradeço mais uma vez ao Arcebispo Alan de Lastic e à Arquidiocese de Nova Deli a organização da solene liturgia, caracterizada por intensa e devota participação, reavivada por cânticos escolhidos com grande cuidado e por variegadas danças tradicionais locais. O tema da Missa foi: Jesus Cristo verdadeira luz do mundo, que se fez carne na terra da Ásia. Naquela Celebração eucarística a comunidade católica da Índia representava, em certo sentido, todos os católicos da Ásia, aos quais confiei a Exortação Apostólica pós-sinodal Ecclesia in Asia, como guia para o seu crescimento espiritual, no limiar do novo milénio. Estou certo de que, com a graça de Deus, saberão ser firmes e fiéis!

3. A segunda etapa da minha viagem foi a Geórgia, para retribuir as visitas que o Presidente Shevardnadze e Sua Santidade Elias II, Catholicos-Patriarca de toda a Geórgia, precedentemente haviam realizado em Roma. Era meu ardente desejo prestar homenagem ao testemunho que a Igreja da Geórgia deu ao longo dos séculos e construir novos pontos de contacto entre os cristãos de maneira que, ao iniciar o terceiro milénio cristão, eles possam juntos esforçar-se por proclamar ao mundo o Evangelho com um só coração e uma só alma.

A Geórgia está a viver um período muito importante. Com efeito, enquanto se está a preparar para celebrar os 3000 anos da sua história num contexto de reencontrada independência, tem diante de si grandes desafios económicos e sociais. Contudo, está determinada a enfrentá-los com coragem, para se tornar membro confiável de uma Europa unida. A Geórgia cristã conta com uma história milenária e gloriosa, que tem início no século IV, quando o testemunho de uma mulher, Santa Nino, converteu o rei Mirian e a inteira Nação a Cristo. A partir de então, uma florescente tradição monástica deu àquela terra duradouros monumentos de cultura, civilização e arquitectura religiosa, como a Catedral de Mtsketa, que pude visitar em companhia do Catholicos-Patriarca, depois do encontro cordial que tive pessoalmente com ele.

4. E agora, após setenta anos de repressão comunista soviética, durante os quais muitos mártires, ortodoxos e católicos, deram heróico testemunho da sua fé, a pequena mas fervorosa comunidade católica do Cáucaso está a revigorar de maneira progressiva a sua vida e as suas estruturas. A alegria que observei entre os sacerdotes, os religiosos e os leigos, que se reuniram em número inesperado para a Missa no estádio de Tbilissi, constitui um sinal de segura esperança para o futuro da Igreja em toda aquela região. O encontro na igreja dos Santos Pedro e Paulo em Tbilissi, a única igreja católica que permaneceu aberta no período do totalitarismo, foi uma ocasião particularmente jubilosa. Oro para que os católicos da Geórgia sejam sempre capazes de oferecer o seu específico contributo à construção da própria pátria.

Momento intenso de reflexão foi o encontro com homens e mulheres do mundo da cultura, da ciência e da arte, presidido pelo Presidente Shevardnadze e que se realizou com a presença também do Catholicos-Patriarca, para reflectir sobre a vocação específica da Geórgia, como encruzilhada entre o Leste e o Oeste. Como recordei durante aquele encontro, o século que está para se concluir, caracterizado por muitas sombras, mas também repleto de luzes, ergue-se como testemunho da força irreprimível do espírito humano, que consegue triunfar sobre tudo o que tem em vista sufocar a aspiração irresistível do homem à verdade e à liberdade.

5. Agradeço às Autoridades civis e a quantos em ambos os Países trabalharam para tornar esta visita profícua e serena. Com ânimo comovido e reconhecido, penso nos Bispos, nos sacerdotes, nos religiosos e nos leigos da Índia e da Geórgia, e de todos conservo uma inesquecível recordação.

A Maria, Mãe da Igreja, confio aqueles que tive ocasião de encontrar; a Ela recomendo a Igreja na Ásia e no Cáucaso, «com a plena confiança de que os seus ouvidos sempre nos escu- tam, o seu coração sempre nos acolhe e as suas preces nunca falham» (Ecclesia in Asia, ).

Saudações

Caríssimos Irmãos e Irmãs!

Grato pela vossa presença, queridos peregrinos de língua portuguesa, invoco a Jesus Cristo aquele seu olhar amoroso e criador de horizontes eternos sobre a vida e a família de todos, com uma saudação especial à Directoria do UNIBANCO provinda do Brasil com os seus funcionários; que a vossa visita à Cidade Eterna reavive a fé em Jesus Cristo, que por amor nos redimiu e nos chamou a ser filhos de Deus e a viver como ir- mãos na justiça e na paz. A todos, de coração, dou a minha bênção que faço extensiva aos vossos familiares e pessoas amigas.

Acolho com prazer os peregrinos de língua francesa. Saúdo de modo particular os alunos e professores da Escola Nossa Senhora das Missões de Charenton-le-Pont, assim como todos os jovens. Desejo-lhes que revigorem sempre mais o amor a Cristo e à Igreja. A todos concedo, com grande afecto, a Bênção Apostólica.

Apresento especiais boas-vindas aos membros do Colégio de Defesa da NATO e exorto-os a sempre considerar o seu empenho como um serviço de paz. Oro para que os peregrinos de Los Angeles, São Bernardino e Brooklin revigorem a sua profissão de fé junto do túmulo de Pedro. Sobre todos os peregrinos e visitantes de língua inglesa, de modo especial os da Inglaterra, Quénia, Filipinas, Japão e Estados Unidos da América, invoco as abundantes bênçãos de Deus Omnipotente.

Saúdo com afecto os fiéis de língua espanhola; de modo especial o grupo de sacerdotes latino-americanos, que participam num curso no CIAM. Saúdo também os participantes na Semana Europeia de Gastroenterologia, os membros da Banda Juvenil de La Paz, de Barrancabermeja (Colômbia), e a Delegação da Gendarmaria Nacional da Argentina. A todos desejo que a vossa permanência em Roma reafirme a vossa fé e o vosso compromisso cristão em todos os ambientes. Muito obrigado pela vossa atenção!

Caros Irmãos e Irmãs, somos chamados não só a amar-nos uns aos outros, como Deus ama cada um de nós (cf. Jo Jn 13,34), mas também a ser misericordiosos como Ele é misericordioso (cf. Lc Lc 6,35-36), suportando-nos reciprocamente e perdoando-nos uns aos outros (cf. Cl CL 3,13). Somente assim poderemos dizer com sinceridade ao nosso Pai que está nos céus (cf. Mt Mt 6,9-13), Pai misericordioso e Deus de toda a consolação (cf. 2Co 1,2): Perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido! Saúdo cordialmente os fiéis da Paróquia da Bem-aventurada Virgem da Assunção em Peýèenica e os peregrinos croatas. Invoco sobre todos a bênção de Deus. Louvados sejam Jesus e Maria!

Dirijo agora uma saudação cordial aos peregrinos de língua italiana.

Com grande alegria saúdo todos vós, caros jovens presentes. Em particular saúdo os três mil soldados da Cidade militar da Cecchignola, em Roma, acompanhados pelo Ordinário Militar da Itália, D. Giuseppe Mani, pelos Comandantes dos Quartéis e os Capelães.

Caríssimos jovens, estou-vos grato pela presença. Estais a viver um período da vossa vida, que pode oferecer singulares oportunidades de crescimento humano e cristão. O serviço militar apresenta, sem dúvida, dificuldades conexas com as exigências e a disciplina que o caracterizam. Porém, ele traz consigo notáveis possibilidades de amadurecimento interior, quer pelos sacrifícios que comporta quer pelo horizonte mais vasto em que introduz. Caríssimos, fazei com que este período da vossa existência seja uma autêntica escola de formação, que vos torna homens conscientes, profissionais capazes e honestos, e cristãos corajosos.

Saúdo todos vós, caros jovens presentes. Estamos a aproximar-nos do Grande Jubileu, no qual celebraremos os dois mil anos desde o nascimento de Cristo. Este evento convida-nos a olhar para Jesus como centro da nossa existência, a renovar a vida à luz do seu Evangelho para nos tornarmos construtores de um mundo de autêntica paz e de esperança solidária. Esta tarefa é confiada de modo particular a vós, caríssimos jovens. Também da vossa fé corajosa e capacidade de amar com coração generoso e fiel, dependerão os destinos da humanidade futura.

Dirijo, por fim, o meu cordial pensamento aos Doentes e aos jovens Casais presentes.

A vós, queridos doentes, que estais a experimentar o cansaço e o sofrimento, desejo que sintais Cristo ao vosso lado, e que colaboreis com Ele na salvação do mundo inteiro; e exorto-vos, prezados jovens esposos, que há pouco recebestes no sacramento do matrimónio a efusão do Espírito do amor, a encontrardes quotidianamente força e coragem em Deus. Vivereis assim em plenitude a vossa vocação.



JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA

Quarta-feira 24 de Novembro de 1999


Empenho pela promoção da mulher



1. Entre os desafios do actual momento histórico, sobre os quais a ocasião do grande Jubileu nos impele a reflectir, indiquei na Carta Apostólica Tertio millennio adveniente, o desafio conexo com o respeito pelos direitos da mulher (cf. n. 51). Desejo hoje evocar alguns aspectos da problemática feminina, sobre a qual, aliás, não deixei de intervir já noutras ocasiões.

Sobre o tema da promoção da mulher lança grande luz a Sagrada Escritura, indicando o projecto de Deus sobre o homem e a mulher nas duas narrações da criação.

Na primeira, afirma-se: "Deus criou o homem à Sua imagem, criou-o à imagem de Deus; Ele os criou homem e mulher" (Gn 1,27). É uma afirmação que está na base da antropologia cristã, pois indica o fundamento da dignidade do homem enquanto pessoa no seu ser criado "à imagem" de Deus. Ao mesmo tempo, o texto diz com clareza que nem o homem nem a mulher separadamente são imagem do Criador, mas o homem e a mulher na sua reciprocidade. Eles representam, em igual medida, a obra-prima de Deus.

Na segunda narração da criação, através do simbolismo da criação da mulher da costela retirada do homem, a Escritura põe em evidência que a humanidade não é de facto completa, enquanto não é criada também a mulher (cf. Gn Gn 2,18-24). Esta recebe um nome que, desde a assonância verbal na língua hebraica, diz relação ao homem (is/issah). "Criados juntamente, o homem e a mulher são, na vontade de Deus, um para o outro" (Catecismo da Igreja Católica, CEC 371). O facto de a mulher ser apresentada como uma "auxiliar semelhante a ele" (Gn 2,18) não deve ser entendido no sentido que a mulher seja serva do homem - "auxiliar" não equivale a "servo"; o Salmista diz a Deus: "Vós sois a minha ajuda" (Ps 70,6 cf. Ps 115,9 Ps 115,10 Ps 115,11 Ps 118,7 Ps 146,5) -; a expressão quer antes dizer que a mulher é capaz de colaborar com o homem porque é a sua correspondência perfeita. A mulher é outro tipo de "eu" na comum comunidade, constituída pelo homem e pela mulher, em perfeita igualdade de dignidade.

2. Devemos alegrar-nos pelo facto que o aprofundamento do "feminino" tenha contribuído, na cultura contemporânea, para uma reflexão do tema da pessoa humana em função do recíproco "ser para o outro" na comunicação interpessoal. Hoje, o conceber a pessoa na sua dimensão oblativa está a tornar-se uma aquisição de princípio. Infelizmente, ela é muitas vezes desatendida no plano prático. Com vigor portanto, entre as inúmeras agressões à dignidade humana, deve ser esconjurada aquela difundida violação da dignidade da mulher, que se manifesta com a exploração da sua pessoa e do seu corpo. É preciso contrastar com vigor toda a praxe que ofende a mulher na sua liberdade e feminilidade: o chamado "turismo sexual", a compra e venda das jovens moças, a esterilização maciça e, em geral, toda a forma de violência em relação ao outro sexo.

Bem diversa é a atitude requerida pela lei moral, que prega a dignidade da mulher como pessoa criada à imagem de um Deus-Comunhão! Hoje, mais do que nunca, é necessário repropor a antropologia bíblica de relacionamento, que ajuda a captar de modo autêntico a identidade da pessoa humana na sua relação com as outras pessoas e, em particular, entre homem e mulher. Na pessoa humana, pensada em termos de "relacionamento", encontra-se um vestígio do próprio mistério de Deus, revelado em Cristo como unidade substancial na comunhão de três Pessoas divinas. À luz deste mistério, compreende-se bem a afirmação da Gaudium et spes, segundo a qual a pessoa humana, "única criatura sobre a terra a ser querida por Deus por si mesma, não se pode encontrar plenamente a não ser no sincero dom de si mesma" (n. 24). A diversidade entre homem e mulher evoca a exigência da comunhão interpessoal, e a meditação sobre a dignidade e vocação da mulher corrobora a concepção de comunhão do ser humano (cf. Mulieris dignitatem, MD 7).

3. Precisamente esta atitude de comunhão que o feminino evoca com vigor, consente reflectir sobre a paternidade de Deus, evitando aquelas projecções figurativas de tipo patriarcal tão contestadas, não sem motivo, nalgumas correntes da literatura contemporânea. Com efeito, trata-se de captar o rosto do Pai no interior do mistério de Deus enquanto Trindade, isto é, perfeita unidade na distinção. A figura do Pai deve ser de novo meditada no seu vínculo com o Filho, o qual desde a eternidade está orientado para Ele (cf. Jo Jn 1,1), na comunhão do Espírito Santo. É preciso também ressaltar que o Filho de Deus se fez homem na plenitude dos tempos e nasceu da Virgem Maria (cf. Gl Ga 4,4), e isto projecta luz também sobre o feminino, mostrando em Maria o modelo de mulher querido por Deus. N'Ela e mediante Ela se realizou o maior acontecimento da história dos homens. A paternidade de Deus-Pai está relacionada não só com Deus-Filho no mistério eterno, mas também com a sua Encarnação ocorrida no seio de uma mulher. Se Deus-Pai, que "gera" o Filho desde a eternidade, para "O gerar" no mundo, valorizou uma mulher, Maria, tornando-a assim "Theotokos", Mãe de Deus, isto não é sem significado para captar a dignidade da mulher no projecto divino.

4. O anúncio evangélico da paternidade de Deus portanto, longe de ser restritivo em relação à dignidade e ao papel da mulher, põe-se ao contrário como garantia daquilo que o "feminino" simboliza de maneira humana, isto é, o acolher, o cuidar do homem, o gerar para a vida. Com efeito, tudo isto está arraigado de modo transcendente no mistério do eterno "gerar" divino. A paternidade em Deus é com certeza inteiramente espiritual. Contudo, ela exprime aquela eterna reciprocidade e relacionamento propriamente trinitário, que está na origem de toda a paternidade e maternidade e fundamenta a comum riqueza do masculino e do feminino.

A reflexão sobre o papel e a missão da mulher, por conseguinte, coloca-se bem neste ano dedicado ao Pai, impelindo-nos a um empenho ainda mais decisivo, para que à mulher seja reconhecido todo o espaço que lhe é próprio na Igreja e na sociedade.

Queridos Irmãos e Irmãs!

Dou as boas-vindas aos peregrinos de língua portuguesa, de modo particular ao grupo vindo de Portugal para se juntar aos seus Bispos em visita ad Limina, esperando que esta romagem e este encontro, claras expressões de união com o Sucessor de Pedro, favoreçam em todos uma maior renovação do espírito e revigorem o dom precioso da fé.

Com afecto vos concedo, a vós e aos vossos familiares, a minha Bênção Apostólica.

Saúdo com afecto o Arcebispo de Espálato-Makarska, D. Ante Juric, juntamente com os representantes de Solin. Bem-vindos!

Caríssimos, a vossa presença hodierna aqui, junto do túmulo de Sao Pedro, suscita em mim belíssimas recordaçoes da minha permanencia na vossa cidade e no Santuário de Nossa Senhora da Ilha, no dia 4 de Outubro de 1998, onde, na vigília do novo milénio, orei pela Igreja nas regioes croatas e pelo vosso povo, e me encontrei com os catequistas, os professores, os representantes dos movimentos eclesiais e os jovens.

Repito-vos quanto eu disse naquele lugar, no qual se encontram as profundas raízes da vossa identidade religiosa e nacional: "Sede orgulhosos dos tesouros de fé que a história vos confiou. Conservai-os com zelo!".



Dirijo, enfim, a minha cordial saudaçao aos Jovens, aos Doentes e aos jovens Casais.
Hoje, ao recordar Santo André Dung-Lac e companheiros mártires vietnamitas, convido-vos, caros jovens, a lutar para permanecerdes sempre fiéis ao Senhor; exorto-vos, queridos doentes, a saber acolher com sereno abandono quanto o Senhor dá em qualquer situaçao da vida; a vós, prezados jovens esposos, desejo que formeis uma família verdadeiramente crista, haurindo da Palavra de Deus e da Eucaristia a força necessária para realizar esse projecto.



                                                                     Dezembro de 1999

JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA GERAL

Quarta-feira, 1 de Dezembro de 1999

Empenho pela promoção da família





1. Para uma adequada preparação em vista do grande Jubileu, na comunidade cristã não pode faltar um sério empenho de redescoberta do valor da família e do matrimónio (cf. Tertio millennio adveniente, TMA 51). Isto é tanto mais urgente, uma vez que hoje este valor é posto em discussão por uma grande parte da cultura e da sociedade.

Não são contestados apenas alguns modelos de vida familiar, que mudam sob a pressão das transformações sociais e das novas condições de trabalho. É a própria concepção da família, como comunidade fundada sobre o matrimónio entre um homem e uma mulher, a ser questionada em nome de uma ética relativista que ganha terreno em amplos sectores da opinião pública e da própria legislação civil.

A crise da família torna-se, por sua vez, causa da crise da sociedade. Não poucos fenómenos patológicos da solidão à violência e à droga explicam-se também por que os núcleos familiares perderam a sua identidade e função. Onde a família cede, a sociedade perde o seu tecido conectivo, com consequências desastrosas que investem a pessoa, em particular as mais frágeis: das crianças aos adolescentes, aos portadores de deficiência, aos doentes, aos idosos...

2. Portanto, é preciso promover uma reflexão que ajude não só os crentes, mas todos os homens de boa vontade, a redescobrirem o valor do matrimónio e da família. No Catecismo da Igreja Católica lê-se: "A família é a célula originária da vida social. É ela a sociedade natural em que o homem e a mulher são chamados ao dom de si no amor e no dom da vida. A autoridade, a estabilidade e a vida de relações no seio da família constituem os fundamentos da liberdade, da segurança, da fraternidade no seio da sociedade. A família é a comunidade em que, desde a infância, se podem aprender os valores morais, começar a honrar a Deus e a fazer bom uso da liberdade. A vida da família é a iniciação na vida na sociedade" (n. 2207).

À redescoberta da família pode chegar a própria razão, escutando a lei moral inscrita no coração humano. Comunidade "fundada e vivificada pelo amor" (cf. Exort. Apost. Familiaris consortio FC 18), a família haure a sua força da aliança definitiva de amor com que um homem e uma mulher se doam reciprocamente, tornando-se juntos colaboradores no dom da vida.

Baseadas nesta original relação de amor, também as relações, que se estabelecem com e entre os outros membros da família devem inspirar-se no amor e ser caracterizadas pelo afecto e apoio mútuos. Longe de fechar a família em si mesma, o amor autêntico abre-a para a inteira sociedade, pois a pequena família doméstica e a grande família de todos os seres humanos não estão em oposição, mas em íntima e originária relação. Na raiz de tudo isto encontra-se o próprio mistério de Deus, que precisamente a família evoca de modo especial. Com efeito, como eu escrevia há alguns anos na Carta às Famílias, "à luz do Novo Testamento, é possível vislumbrar como o modelo originário da família deve ser procurado no próprio Deus, no mistério trinitário da sua vida. O "Nós" divino constitui o modelo eterno do "nós" humano e, em primeiro lugar, daquele "nós" formado pelo homem e pela mulher, criados à imagem e semelhança de Deus" (n. 6).

3. A paternidade de Deus é a fonte transcendente de qualquer outra paternidade e maternidade humanas. Ao contemplá-la com amor, devemos sentir-nos empenhados em redescobrir aquela riqueza de comunhão, de geração e de vida que caracteriza o matrimónio e a família.

Nesta se desenvolvem relações interpessoais, nas quais a cada um é confiada, embora sem esquemas rígidos, uma tarefa específica. Não desejo aqui referir-me àqueles papéis sociais e funcionais que são expresses de particulares contextos históricos e culturais. Penso, antes, na importância que revestem, na relação recíproca esponsal e no comum empenho dos pais, a figura do homem e a da mulher enquanto chamados a pôr em prática as suas naturais características no âmbito de uma comunhão profunda, enriquecedora e respeitosa. "A esta "unidade dos dois" está confiada por Deus não só a obra da procriação e a vida da família, mas a construção mesma da história" (n. 8).

4. Depois, o filho deve ser sentido como a expressão máxima da comunhão do homem e da mulher, ou seja, do recíproco acolhimento/doação que se realiza e se supera num "terceiro", precisamente no filho. O filho é a bênção de Deus. Ele transforma o marido e a esposa em pai e mãe (cf. Exort. Apost. Familiaris consortio FC 21). Ambos "saem de si" e se exprimem numa pessoa, que embora seja fruto do seu amor, vai para além deles mesmos.

Aplica-se de modo especial à família o ideal expresso na oração sacerdotal, na qual Jesus pede que a sua unidade com o Pai envolva os discípulos (cf. Jo Jn 17,11) e aqueles que hão-de crer na sua palavra (cf. ibid., vv. 20-21). A família cristã, "igreja doméstica" (cf. Lumen gentium LG 11), é chamada a realizar de modo especial este ideal de perfeita comunhão.

5. Ao aproximar-nos da conclusão deste ano dedicado à meditação sobre Deus Pai, redescobrimos por conseguinte a família à luz da paternidade divina. Da contemplação de Deus Pai podemos deduzir sobretudo uma urgência, que corresponde de modo particular aos desafios do actual momento histórico.

Olhar para Deus Pai significa conceber a família como o lugar do acolhimento e da promoção da vida, laboratório de fraternidade onde, com a ajuda do Espírito de Cristo, se cria entre os homens "uma nova fraternidade e solidariedade, verdadeiro reflexo do mistério de recíproca doação e acolhimento, próprios da Santíssima Trindade" (Evangelium vitae EV 76).

Da experiência de famílias cristãs renovadas, a própria Igreja poderá aprender a cultivar, entre todos os membros da comunidade, uma dimensão mais familiar, adoptando e promovendo um estilo de relações mais humano e fraterno (cf. FC, FC 64).



JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA

Quarta-feira 15 de Dezembro de 1999


Empenho pela edificação da "civilização do amor"




1. "Lembrados da palavra do Senhor: "nisto reconhecerão todos que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros" (Jn 13,35), os cristãos nada podem desejar mais ardentemente do que servir sempre com maior generosidade e eficácia os homens do mundo de hoje" (Gaudium et spes GS 93).

Esta tarefa que o Concílio Vaticano II nos entregou no encerramento da Constituição pastoral sobre "A Igreja no mundo actual" responde ao fascinante desafio de construir um mundo animado pela lei do amor, uma civilização do amor, "fundada sobre os valores universais de paz, solidariedade, justiça e liberdade, que encontram em Cristo a sua plena actuação" (Tertio millennio adveniente, TMA 52).

Na base desta civilização encontra-se o reconhecimento da soberania universal de Deus Pai como fonte inexaurível de amor. Precisamente sobre a aceitação deste valor fundamental é que se deve fazer um sincero exame de fim de milénio, por ocasião do Grande Jubileu do Ano 2000, para partir novamente com maior rapidez para o futuro que nos espera.

Assistimos ao declínio de ideologias que esvaziaram de referências espirituais muitos dos nossos irmãos, mas os frutos nefastos de um secularismo que gera indiferença religiosa continuam a persistir, sobretudo nas regiões mais desenvolvidas. Com certeza, a esta situação não é uma resposta válida o retorno a uma religiosidade vaga, motivada por frágeis instâncias compensativas e pela busca de um equilíbrio psicocósmico, como se revela em muitos dos novos paradigmas religiosos, que proclamam uma religiosidade sem referência a um Deus transcendente e pessoal.
Ao contrário, é preciso analisar com atenção as causas da perda do sentido de Deus e com coragem repropor o anúncio do rosto do Pai revelado por Jesus Cristo na luz do Espírito. Esta revelação não diminui mas exalta a dignidade da pessoa humana enquanto imagem de Deus Amor.

2. Nos últimos decénios a perda do sentido de Deus coincidiu com o avançar de uma cultura niilista que empobrece o sentido da existência humana e torna relativos, em campo ético, até mesmo os valores fundamentais da família e do respeito da vida. Tudo isto muitas vezes se realiza não de modo vistoso, mas com a subtil metodologia da indiferença que faz passar por normais todos os comportamentos, de maneira que já não possa emergir nenhum problema moral. Exige-se paradoxalmente que o Estado reconheça como "direitos" muitos comportamentos que vão contra a vida humana, sobretudo a mais débil e indefesa. Para não falar das imensas dificuldades de aceitação do próximo porque é diferente, incómodo, estrangeiro, doente, deficiente. Precisamente a rejeição sempre mais forte do outro, enquanto outro, interroga a nossa consciência de crentes. Como eu dizia na Encíclica Evangelium vitae: "Estamos perante uma realidade mais vasta, que se pode considerar como uma verdadeira e própria estrutura de pecado, caracterizada pela imposição de uma cultura anti-solidária, que se configura em muitos casos como verdadeira "cultura de morte"" (n. 12).

3. Diante desta cultura necrófila, a nossa responsabilidade de cristãos exprime-se no empenho da "nova evangelização", entre cujos frutos mais importantes deve-se incluir a civilização do amor.
"O Evangelho, e consequentemente a evangelização, não se identificam por certo com a cultura, e são independentes em relação a todas as culturas" (Evangelii nuntiandi EN 20), entretanto possuem uma força regeneradora que pode influir de maneira positiva sobre as culturas. A mensagem cristã não mortifica as culturas destruindo as suas características peculiares; ao contrário, age nelas a partir de dentro, valorizando aquelas potencialidades originais que o seu génio é capaz de exprimir. A influência do Evangelho sobre as culturas purifica e eleva o humano, fazendo resplandecer a beleza da vida, a harmonia da convivência pacífica, a genialidade que cada povo oferece à comunidade dos homens. Essa influência tem a sua força no amor, que não impõe mas propõe, baseando-se na livre adesão, numa atmosfera de respeito e acolhimento recíprocos.

4. A mensagem de amor que é própria do Evangelho liberta instâncias e valores humanos, como a solidariedade, o ardente desejo de liberdade e de igualdade, o respeito pelo pluralismo das formas expressivas. O fundamento da civilização do amor é o reconhecimento do valor da pessoa humana e, de maneira concreta, de todos os homens. O grande contributo do cristianismo reconhece-se mesmo neste terreno. Com efeito, precisamente da reflexão sobre o mistério de Deus trinitário e a pessoa do Verbo feito carne, brotou de maneira gradual a doutrina antropológica da pessoa humana como ser relacional. Esta preciosa aquisição fez maturar a concepção de uma sociedade que estabelece na pessoa o seu ponto de partida e o objectivo a alcançar. A doutrina social da Igreja, que o espírito do Jubileu convida a meditar de novo, contribuiu para fundar sobre o direito da pessoa as próprias leis da convivência social. De facto, a visão cristã do ser humano como imagem de Deus implica que os direitos da pessoa se imponham pela própria natureza ao respeito da sociedade, que não os cria, mas simplesmente os reconhece (cf. Gaudium et spes GS 26).

5. A Igreja está consciente de que esta doutrina pode permanecer letra morta se a vida social não for animada pelo sopro de uma autêntica experiência religiosa e, em particular, pelo testemunho cristão continuamente alimentado pela acção criadora e reparadora do Espírito Santo. Com efeito, ela está consciente de que a crise da sociedade e do homem contemporâneo é motivada, em grande parte, pela redução da dimensão espiritual específica da pessoa humana.

O cristianismo oferece o seu contributo à construção de uma sociedade à medida do homem, precisamente assegurando-lhe uma alma e proclamando as exigências da lei de Deus, na qual toda a organização e legislação da sociedade se devem ancorar, se têm em vista garantir a promoção humana, a libertação de todo o tipo de escravidão, o progresso autêntico.

Este contributo da Igreja passa sobretudo através do testemunho oferecido pelos cristãos, e em particular pelos leigos, na sua vida quotidiana. Com efeito, o homem contemporâneo acolhe a mensagem do amor mais das testemunhas do que dos mestres, e destes últimos quando se apresentam como autênticas testemunhas (cf. EN 41). É este o desafio a enfrentar, para que se abram novos cenários para o futuro do cristianismo e da própria humanidade.

Saudações

Queridos Irmãos e Irmãs!

Amados peregrinos de língua portuguesa, a minha saudação cordial a todos os presentes.
Como sabeis, durante as festividades do Jubileu do nascimento de Jesus Cristo, serão celebrados os 500 anos do descobrimento e da evangelização do Brasil; daqui envio ao querido povo brasileiro a minha Bênção especial e uma mensagem de esperança no seu futuro.



AUDIÊNCIAS 1999 - AUDIÊNCIA