Discursos João Paulo II 1999 - Sexta-feira, 5 de Fevereiro de 1999

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DA JUNTA


E DO CONSELHO MUNICIPAL DE ROMA


6 de Fevereiro de 1999



Senhor Presidente
da Câmara Municipal
Ilustres Representantes
da Administração Capitolina
Meus Senhores e minhas Senhoras!

1. Sinto-me feliz em receber-vos por ocasião do tradicional encontro no início do novo ano e, a cada um de vós, apresento os votos mais cordiais pela empenhativa tarefa que vos foi confiada. Saúdo o Senhor Presidente da Câmara Municipal, os Componentes da Junta e do Conselho Municipal e quantos prestam o seu serviço, desempenhando diversas funções, no âmbito da Administração Capitolina.

A vossa presença hoje na casa do Papa faz-me recordar a visita que tive a alegria de realizar a 15 de Janeiro do ano passado ao Capitólio. Agradeço mais uma vez aquela memorável jornada, à qual o Senhor Presidente da Câmara há pouco se referiu. Ao dirigir-me gentis palavras em nome de todos os presentes, Vossa Excelência evocou também os objectivos e propósitos da Administração Municipal, sobretudo em vista duma preparação adequada do Grande Jubileu, extraordinário acontecimento espiritual e social.

2. Já faltam poucos meses para a solene abertura da Porta Santa, que nos introduzirá nas celebrações jubilares do Ano 2000. Trata-se dum encontro histórico que diz respeito a toda a humanidade, e que terá em Roma o seu principal ponto de convergência e de realização. Desde há muito tempo a Igreja da Urbe deu vida a um intenso caminho de preparação espiritual, de acordo com as indicações que propus na Carta apostólica Tertio millennio adveniente. A Missão da Cidade, que já foi iniciada há alguns anos, está orientada para viver o Jubileu, que reveste um grande significado para crentes e não crentes. Eis por que ela deseja dirigir-se a cada pessoa, penetrar em qualquer ambiente e entrar em diálogo com todas as componentes culturais, sociais e de trabalho da Cidade. De facto, depois de se ter dirigido nos anos passados às famílias, este ano tem por objectivo alcançar de maneira especial os ambientes onde as pessoas vivem e trabalham.

Precisamente para esta nova fase da Missão da Cidade escrevi uma Carta aos irmãos e às irmãs que trabalham em Roma. Apraz-me, nesta solene e familiar ocasião, oferecer-vos uma cópia, querendo com este gesto como que antecipar o que realizarão os missionários, um pouco em toda a parte, nos próximos meses. Faço votos por que, assim como as famílias, também os ambientes de vida e de trabalho de Roma abram imediatamente e de bom grado as portas ao Senhor que bate aos corações de todos: a boa nova de Cristo é também e de modo específico o «Evangelho do trabalho», que infunde força moral e vitalidade renovada à nossa actividade quotidiana.

3. Enquanto é fervorosa em cada paróquia a preparação espiritual, Roma, como Vossa Excelência, Senhor Presidente da Câmara Municipal, evidenciou muito oportunamente, está a empenhar- se para se predispor ao evento jubilar a nível prático e organizativo. Vossa Excelência mencionou as numerosas obras que estão a ser feitas, algumas das quais em estreita cooperação entre as Instituições civis e a Santa Sé. Manifesto o meu apreço a quantos estão activamente empenhados nelas e apercebo-me das dificuldades que, dia a dia, devem ser enfrentadas e resolvidas a fim de as poder realizar. Faço votos por que as construções em curso e as que estão para iniciar possam ser completadas a tempo, para preparar um ambiente que favoreça uma digna celebração do Ano Santo em benefício quer dos peregrinos quer dos habitantes da Cidade.

Como não ter presente os benefícios duradouros que estas estruturas renovadas trarão à cidade de Roma? Graças a este esforço, ela será ainda mais capaz de desempenhar a missão universal que a Providência lhe confiou e que vai muito além da data jubilar. Por isso é importante que, por ocasião do Jubileu, Roma possa repropor duma forma nova e criativa o seu tradicional rosto de Cidade aberta e hospitaleira, na qual convivem de forma harmoniosa e construtiva uma altíssima e perene mensagem espiritual e as mais recentes modalidades de acolhimento, organização e comunicação.

Sem dúvida, estes objectivos podem ser facilmente partilhados por todos, mesmo se cada um permanece no âmbito das suas competências e responsabilidades. Mas para que se possam concretizar, é necessário um espírito de colaboração concreta por parte de todos.

4. No seu discurso, Vossa Excelência ressaltou dificuldades e problemas que impedem o desenvolvimento desta nossa Cidade. Também eu desejaria recordar algumas preocupações que me estão particularmente a peito.

Penso, em primeiro lugar, na situação das famílias e nas suas concretas perspectivas de vida. Como noutras grandes cidades, infelizmente também aqui os vínculos familiares recebem sempre menos apoio na totalidade do contexto social, devido ao anonimato e à solidão em que se encontram na realidade tantos núcleos familiares. É importante não os deixar sozinhos a enfrentar estas condições, por vezes de sério e preocupante mal-estar.

Eis por que a Igreja de Roma preferiu dar prioridade à pastoral da família, não limitando a atenção aos que participam na vida eclesial, mas alargando a própria acção a todos. Peço a vós, que tendes responsabilidades directas no governo da Cidade, que façais todo o possível por garantir, sobretudo às jovens famílias que se estão a formar, condições concretas para uma sadia vida familiar, começando pela disponibilidade de casas e iniciativas que favoreçam os núcleos familiares e a educação dos filhos. Sobretudo, preocupai-vos por que nos bairros não faltem estruturas de acolhimento para a primeira infância, escolas e serviços sociais.

5. Os jovens são para mim outro pensamento constante: eles constituem o futuro da sociedade. Devemos dedicar-lhes a nossa atenção concreta. É preciso ter confiança neles e ajudá-los a acreditar em si próprios e na vida. Por conseguinte, devem ser encorajadas todas as iniciativas da Cidade que tenham por objectivo oferecer à juventude espaços suficientes para exprimir aquele grande tesouro de novidade, de esperança e de bem que encerram em si.

Um dos grandes acontecimentos previstos durante o próximo Jubileu é o Dia Mundial da Juventude, que verá confluir para Roma jovens e moças de todas as partes da Itália, da Europa e do mundo. Sem dúvida, eles serão recebidos pelos seus coetânos romanos, mas a cidade inteira está convidada a mobilizar-se para este extraordinário encontro dos jovens com a Roma cristã e a Roma mestra em civilização.

6. Naturalmente, falar dos jovens é dirigir o olhar para o futuro da Cidade, um futuro que já é realidade na crescente presença dos imigrados, muitos dos quais são precisamente jovens. A imigração é um sério desafio, que também pode constituir uma grande oportunidade. Em Roma, que tem o número mais elevado de imigrantes de toda a Itália e por conseguinte maior é a complexidade dos problemas relacionados com a sua presença, a Igreja esforça-se por ajudar os que se encontram em necessidade, sem diferença de cultura nem de religião. Para esta finalidade, ela renova a sua disponibilidade para uma colaboração construtiva com as Instituições civis. O objectivo é o de não se acontentar com responder às necessidades primárias destes nossos irmãos, mas favorecer uma sua inserção social e de trabalho mais estável. Sem dúvida isto requer, por parte dos imigrantes, o respeito das regras da convivência civil e precisa, por sua natureza, de tempos e formas adequadas.

Na perspectiva do Jubileu, o modo com que se souber exercer este acolhimento, contribuirá para delinear o rosto civil e espiritual da Roma do Terceiro Milénio.

7. Senhor Presidente da Câmara Municipal e Senhores Administradores de Roma!

As problemáticas relativas à família, aos jovens e aos imigrantes, às quais me referi, representam simplesmente exemplos, apesar de serem muito evocativos, dum pedido mais geral que emerge da Cidade: um pedido de nobres perspectivas ideais e duma profunda renovação espiritual.

A Igreja estende a sua mão a qualquer outra componente religiosa e cultural, para que se faça de Roma a Pátria da fraternidade e da paz, perseguindo um projecto de ideais comuns e partilhados.

Roma, guardiã dos túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo, conserva as mais insignes memórias e relíquias do Cristianismo e hospeda a Sede do Sucessor de Pedro. No confronto com as diversas culturas e tradições religiosas, hoje Roma ainda é mais estimulada a oferecer o seu rosto cristão e o testemunho daqueles valores que brotaram do Evangelho e vivificaram o caminho da sua história milenária.

A face misericordiosa do Pai celeste resplandeça sobre esta nossa Cidade e ilumine os que são responsáveis pelo seu destino. Eis os votos que de coração vos renovo, ao confiar os projectos e as esperanças de todos vós, das vossas famílias e dos vossos colaboradores a Maria, «Salus Populi Romani». Que a minha afectuosa saudação chegue, através de vós, a toda a população romana, que tenho presente nas minhas orações quotidianas e à qual envio de coração uma especial Bênção Apostólica.



DISCURSO DO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES


NA RECITAÇÃO DO ROSÁRIO


POR OCASIÃO DA «FESTA DA FAMÍLIA»



Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. Uno-me espiritualmente a vós, que vos reunis neste primeiro sábado de Fevereiro na Sala Paulo VI para celebrar a festa da família, na vigília da Jornada pela Vida. Saúdo-vos a todos com grande afecto. Saúdo, em particular, o Cardeal Vigário, a quem confio a tarefa de se fazer intérprete junto de vós dos meus sentimentos de bons votos. Saúdo o Cardeal Alfonso López Trujillo, Presidente do Pontifício Conselho para a Família, que quis participar no encontro. Saúdo, além disso, D. Luigi Moretti, Bispo Auxiliar e Director do centro para a Pastoral familiar da diocese de Roma, e Mons. Renzo Bonetti, Director do Departamento nacional da CEI para a pastoral da família.

Com a recitação do santo Rosário, vós quereis confiar à Mãe celeste todas as famílias da nossa Cidade, para que todas as suas expectativas e esperanças sejam escutadas e elas, fiéis ao desígnio de Deus, respondam plenamente à sua peculiar vocação na Igreja e na sociedade. Este significativo momento de oração, que se segue à assembleia de estudo «Genoma e envelhecimento. A esperança do homem», que se realizou ontem na Universidade «La Sapienza», prepara a celebração da Jornada da Vida, que amanhã verá a inteira comunidade diocesana recolher-se em orante contemplação do grande dom da paternidade e maternidade e das tarefas empenhativas que dele derivam. Alegro-me convosco por estas interessantes iniciativas, que põem em evidência o esforço da nossa Diocese de proclamar e testemunhar o «evangelho da vida e da família» no contexto da Missão da cidade.

2. A recitação do santo Rosário foi precedida por cânticos e testemunhos sobre a família, que oferecem a todos a possibilidade de pôr em evidência quanto é importante a defesa deste dom especialíssimo para a comunidade civil e eclesial. Quereria, a respeito disso, meditar juntamente convosco sobre um texto tirado do Antigo Testamento, que narra a vicissitude de Rute e nos ajuda a compreender mais ainda qual deve ser a vocação e a missão da família.

O autor sagrado refere estas palavras de Rute à sogra Noemi: «Irei para onde fores, e, onde habitares, eu habitarei. O teu povo é o meu povo, e o teu Deus, o meu Deus» (Rt 1,16).

Na história complexa e às vezes dolorosa de Rute o Antigo Testamento oferece-nos um esplêndido quadro que fala da maternidade e da paternidade. Mostra-nos como a sociedade deve ajudar uma família numa situação difícil. Rute, mulher jovem, fica viúva, mas depressa encontra ajuda por parte da sogra Noemi que, apesar de ser uma mãe ferida duramente pela morte dos próprios filhos, continua a sua vocação à maternidade adoptando a nora como uma filha. Um homem, Booz, casa-se com a viúva Rute segundo a praxe de Israel, restituindo-lhe o bem preciosíssimo da família e garantindo-lhe um futuro seguro.

«Irei para onde fores e o teu Deus será o meu Deus».

Rute confia-se a Deus. Ouviu falar d'Ele, conheceu-O através da fé da sogra que crê no Deus de Israel. Deixa as divindades pagãs para seguir o único Deus verdadeiro. Deus Pai, fonte da vida, é o protagonista da história de Rute, pobre de elementos narrativos excepcionais, mas rica de uma quotidianidade impregnada de fé e de amor. Da providência de Deus provêm a fecundidade da terra e a fecundidade do homem e da mulher. Deus é o protagonista de toda a maternidade e paternidade, mediante a qual o casal de esposos se abre ao dom de uma nova vida.

3. Na Familiaris consortio, eu anotava que «o amor é essencialmente dom e o amor conjugal, enquanto conduz os esposos ao conhecimento recíproco que os faz uma só carne, não se esgota no interior do casal, já que os habilita para a máxima doação possível, pela qual se tornam cooperadores com Deus no dom da vida a uma nova pessoa humana» (n. 14).

«Maternidade e paternidade. Dom e empenho». Este é o tema da Jornada pela Vida que a Igreja italiana celebra amanhã, 7 de Fevereiro. Ninguém pode rejeitar o dom da paternidade e da maternidade. Nem para si mesmo, nem para os outros. É tarefa específica de cada pessoa viver este dom segundo a própria vocação.

Há paternidade e maternidade também sem a procriação, mas a procriação não pode ser dividida pela paternidade e a maternidade. Ninguém a pode separar do amor de um homem e de uma mulher que, no matrimónio, se doam reciprocamente formando «uma só carne». Caso contrário, corre-se o perigo de tratar o homem e a mulher não como pessoas mas como objectos.

Observei ainda na citada Exortação Apostólica sobre a família que, «tornando-se pais, os esposos recebem de Deus o dom de uma nova responsabilidade. O seu amor conjugal é chamado a tornar-se para os filhos o sinal visível do próprio amor de Deus, do qual deriva toda a paternidade no céu e na terra» (ibid.).

O amor dos pais é o elemento que qualifica a sua tarefa educativa. É um direito-dever original, primário, insubstituível e inalienável.

4. «...onde habitares, eu habitarei. O teu povo é o meu povo...».

A sociedade ajuda Rute: apesar de provir de um povo estrangeiro, Moab, que depois do exílio na Babilónia tinha repelido os exilados de Israel. Segundo a lei do tempo, a viúva podia colocar-se atrás dos segadores e era-lhe consentido apanhar as espigas caídas no terreno. Os segadores, por ordem do senhor dos campos, deixam de propósito cair as espigas, para que Rute as possa apanhar na medida suficiente. A sua generosidade e solidariedade, portanto, supera a justiça que as leis garantiam. Rute não é somente assistida: vem-lhe consentido trabalhar e ela fá-lo com sentido de responsabilidade.

Eis uma lição de vida para a sociedade de hoje: as leis da comunidade tutelam a instituição familiar fundada sobre o matrimónio e as famílias ajudam as outras famílias.

O carácter associativo entre as famílias é, nas circunstâncias actuais, um meio para se tornar interlocutor eficaz e fermento a nível social, político e cultural. A convite dos Bispos do Lácio, as associações familiares católicas da Região constituíram o Comité regional das Associações familiares. De coração faço votos por que este Comité trabalhe para a promoção da família fundada sobre o matrimónio e para a defesa da vida, desde a concepção até à morte natural. Desejo que cresça na nossa Cidade a participação dos cristãos nestas associações, que dão força à família.

Acompanho estes votos com a certeza de uma constante lembrança na oração e, enquanto invoco a protecção de Maria, Rainha da Família, sobre todos os núcleos familiares da nossa Cidade e do mundo, de coração envio uma especial Bênção Apostólica a cada um de vós e à inteira comunidade diocesana, que é família de famílias.

Vaticano, 6 de Fevereiro de 1999.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL


CONJUNTA DO LAOS E DO CAMBOJA


EM VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM"


Quinta-feira, 11 de Fevereiro de 1999



Estimados Irmãos no Episcopado
Dilecto Padre Administrador

1. É com grande alegria que vos recebo no momento em que realizais a vossa peregrinação ao túmulo dos Apóstolos. Vós, que sois os pastores da Igreja católica no Laos e no Camboja, vindes juntos pela primeira vez para vos encontrar com o Sucessor de Pedro por ocasião da vossa visita ad Limina.Formulo cordialíssimos votos por que a vossa permanência aqui vos permita tornar ainda mais vivo no meio de vós o espírito de colegialidade, em comunhão com o Bispo de Roma. Oxalá este seja um tempo de graça para vos ajudar a fazer com que as comunidades confiadas à vossa solicitude pastoral cresçam na fé, na esperança e na caridade, em íntima união com a Igreja universal!

Estou grato ao Presidente da vossa Conferência Episcopal, D. Yves Ramousse, pelas cordiais palavras que me dirigiu em vosso nome. Elas evocam com emoção as provações que os vossos povos conheceram no decorrer dos últimos anos e põem em evidência a vitalidade das vossas comunidades, que estão a experimentar um renascimento espiritual repleto de esperança para o futuro.

Nestes privilegiados momentos de comunhão com as vossas Igrejas locais, dirijo-me aos sacerdotes, religiosos, religiosas e a todos os fiéis dos vossos países. Quando regressardes, levai-lhes a saudação afectuosa do Papa, bem como os seus encorajamentos, a fim de que eles continuem a ser generosas testemunhas do amor do Pai por todos os homens! De igual forma, transmiti as minhas calorosas saudações aos povos do Camboja e do Laos, dos quais conheço a coragem e a vontade de construir nações fraternas e prósperas!

2. Juntamente convosco, dou graças ao Senhor pela fidelidade heróica de que os discípulos de Cristo deram prova no período em que as vossas nações foram submetidas a sofrimentos terríveis e conheceram inumeráveis vítimas inocentes da violência cega e da negação da dignidade do homem. Numerosos sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos deram a própria vida no seguimento do Senhor, amalgamando o seu sangue com aquele dos seus irmãos e irmãs, e enfrentando as provações com dignidade e força de espírito. Ninguém jamais esqueça um testemunho tão admirável! Este recorda que a pertença a Cristo constitui um sinal de contradição para o mundo, tanto hoje como ontem, e que «Deus escolheu o que é fraqueza no mundo, para confundir o que é forte» (1Co 1,27).

Prezados Irmãos no Episcopado, bem sei com que abnegação servistes e continuais a servir a Igreja nos vossos países. Muitos de entre vós conheceram a prisão ou o exílio, enquanto alguns dos vossos irmãos já tinham dado a própria vida pelo seu rebanho, segundo o exemplo do Bom Pastor. Hoje deveis frequentemente exercer o vosso ministério episcopal em situações difíceis. Tende a certeza de que o Sucessor de Pedro permanece próximo de cada um de vós, tanto nos sofrimentos apostólicos como nas alegrias e nas esperanças.

3. Enquanto as novas situações que os vossos países estão a conhecer permitem às comunidades cristãs renascer, encorajo-vos a ser sempre e em toda a parte ardentes testemunhas da esperança que anunciais e que vos faz viver. A fim de conservardes em vós esta dádiva do Senhor e dardes à Igreja dos vossos países um novo impulso apostólico, apascentai a grei de Deus que vos é confiada, vigiando sobre ela de bom grado, em conformidade com Deus, com a veemência do coração e tornando-vos modelos para o rebanho (cf. 1P 5,2-3)!

Enviados por Cristo para a Igreja particular a que presidis, sois os primeiros responsáveis pelo anúncio do Evangelho. Por isso, numa atitude de servidores da verdade, deveis proclamar com humildade e perseverança que Cristo é o único Salvador do homem e que acreditar n'Ele «significa crer que o amor está presente no mundo e que este amor é mais forte do que toda a espécie de mal em que o homem, a humanidade e o mundo estão envolvidos» (Carta Encíclica Dives in misericordia DM 7).

Recebestes também a missão de conduzir os fiéis ao longo do caminho da santidade e de fazer com que eles possam beneficiar o mais amplamente possível dos sacramentos, de forma particular da Eucaristia, memorial da morte e da ressurreição do Senhor que edifica a Igreja. Ao presidirdes ao ministério da caridade, através da qual a comunidade inteira dá testemunho da sua participação na missão de Cristo, enviado «para anunciar a Boa Notícia aos pobres» (Lc 4,18), sede os imitadores do Bom Pastor que se compadece da miséria e da fragilidade do seu povo, tornando-se próximo de todos os que sofrem.

4. Em vista de cooperarem na vossa árdua missão apostólica, com frequência os vossos sacerdotes, ainda pouco numerosos, conhecem difíceis situações de vida e de ministério. Saúdo-os com afecto e encorajo-os a continuar com confiança e audácia o seu serviço generoso ao Povo de Deus e a sua contribuição para o anúncio da Boa Nova da salvação. Recordem-se de que, podendo sempre contar com o poder divino, nunca estão sozinhos na sua acção! Cristo, que os chamou a participar na sua missão, assiste-os com a sua graça a fim de que eles possam dedicar-se com total confiança ao próprio ministério. Oxalá eles sejam os homens de fé e de oração de que o mundo tem necessidade! Convido-os a promover cada vez mais entre eles um espírito de fraternidade sacerdotal e de colaboração, em vista de uma acção pastoral de conjunto que dê frutos. Em conformidade com a sua vocação de pastores, que eles dêem prioridade ao serviço espiritual dos fiéis que lhes são confiados, a fim de os conduzir rumo Àquele que eles representam, permanecendo homens de missão e de diálogo para todos!

Queridos Irmãos no Episcopado, considerai os vossos sacerdotes «como filhos e amigos, assim como fez Cristo, que aos seus discípulos não chamou servos, mas amigos» (Constituição dogmática Lumen gentium LG 28). Para favorecer uma comunhão sempre maior na Igreja, exorto-vos também a associá-los fraternalmente à direcção das circunscrições eclesiásticas, no respeito das orientações do Concílio Vaticano II e das normas do Direito Canónico.

Os religiosos e as religiosas originários dos vossos países ou provindos de outras partes participam plenamente, com abnegação e coragem, na obra de evangelização da Igreja, reservando um lugar de predilecção ao cuidado das pessoas mais pobres e mais frágeis da sociedade. Em nome da Igreja, agradeço-lhes de todo o coração o eloquente testemunho de caridade que eles oferecem através da oferta total de si mesmos por amor a Deus e aos próprios irmãos. A vida consagrada contribuiu enormemente para a implantação e o desenvolvimento da Igreja nos vossos países; formulo votos por que ela seja cada vez mais o objecto da vossa solicitude especial, a fim de a promoverdes nas suas formas activas e contemplativas, salvaguardando o carácter que lhes é próprio, em vista do serviço do Reino de Deus.

Estou feliz por saber que hoje as vocações sacerdotais e religiosas aumentam numericamente. Felicito-vos pela atenção que dedicais às vocações e pelos esforços meritórios que empreendeis em vista da formação dos jovens que aceitam caminhar na sequela de Cristo para servir a Igreja. A organização de um seminário é preciosa para o futuro do ministério presbiteral e da fraternidade sacerdotal.

A todos os jovens que respondem ao apelo do Senhor, bem como às suas famílias, transmiti o reconhecimento do Papa pela generosa dádiva que eles aceitam dedicar à Igreja e a Cristo! Dizei- lhes que o Sucessor de Pedro dá graças a Deus por todos aqueles que aceitam tornar-se obreiros da messe e pelas pessoas que os acompanham!

5. Estimados Irmãos no Episcopado, quereria aproveitar o nosso encontro para transmitir aos leigos das vossas dioceses o meu profundo apreço pela sua fidelidade por vezes heróica a Cristo, em particular quando em determinadas regiões eles foram privados de sacerdotes durante longos anos. Hoje, não obstante o seu número exíguo e às vezes a sua distância de um centro paroquial, eles participam com devotamento na vida das suas comunidades, assumindo com coragem as responsabilidades que lhes são próprias na missão da Igreja. Oxalá eles nunca deixem «de manter desperta... no coração e na vida, a consciência eclesial, isto é, a consciência de serem membros da Igreja de Jesus Cristo, participantes no seu mistério de comunhão e na sua energia apostólica e missionária» (Exortação apostólica Christifideles laici CL 64)!

Para permitir aos fiéis, jovens e adultos, «a descoberta cada vez mais clara da própria vocação e a disponibilidade sempre maior para a viver no cumprimento da sua missão» (Ibid., n. 58), é necessário que eles possam beneficiar de uma sólida catequese sobre as verdades da fé e acerca das implicações concretas destas na sua vida. Assim, serão auxiliados a viver a própria existência criando a unidade entre as exigências do seu compromisso na sequela de Cristo e a sua actividade familiar e social. Esta formação, dada e recebida na Igreja, há-de permitir a constituição de comunidades cristãs sólidas e missionárias.

Durante os períodos difíceis que vivestes, a família cristã desempenhou um papel essencial para preservar a fé. Por isso, é indispensável que os pais transmitam aos seus filhos aquilo que eles mesmos receberam. Fundamentando a vida familiar no amor, na simplicidade, no compromisso concreto e no testemunho quotidiano, defender-se-ão os valores essenciais que a constituem, contra a desagregação que com demasiada frequência nos nossos dias ameaça esta instituição primordial da sociedade. Por conseguinte, convido-vos a ajudar as famílias a serem «na fé, "um só coração e uma só alma", através do espírito apostólico comum que os anima e mediante a colaboração que os empenha nas obras de serviço à comunidade eclesial e civil» (Exortação apostólica Familiaris consortio FC 50).

6. Nos vossos países desenvolveram-se antigas e nobres civilizações. Estas foram profundamente assinaladas pelas grandes tradições religiosas da Ásia, portadoras de sabedoria e de cultura, de maneira particular o Budismo que constitui a religião tradicional da maioria dos habitantes dessa região. O próprio Cristianismo está presente ali há mais de quatro séculos.

No espírito do Concílio Vaticano II, a Igreja considera com respeito e estima as riquezas culturais e espirituais que estão arraigadas nos vossos povos e que fazem também parte do património da humanidade. Enquanto crê firmemente que Cristo é o único Salvador do mundo, ela exorta a que «com prudência e caridade, por meio do diálogo e da colaboração com os seguidores de outras religiões e dando testemunho da fé e da vida cristã, reconheçam, conservem e promovam os bens espirituais e morais, assim como os valores sócio-culturais nelas existentes» (Declaração Nostra aetate NAE 2). Numa atitude fraterna e respeitosa da liberdade de cada um, ela deseja partilhar com os homens de boa vontade a mensagem de esperança e de paz que recebeu do seu Fundador, e colaborar com eles numa compreensão mútua, na defesa da vida e da dignidade humanas, bem como na promoção da reconciliação, da justiça e da concórdia entre todos. Ela quer também expressar a sua vontade de contribuir, no lugar que lhe compete, para a edificação de uma sociedade cada vez mais solidária e conforme com a grandeza da pessoa humana.

A mensagem evangélica não pode considerar-se como uma cultura estrangeira que se teria implantado a partir de fora, pois o desígnio de salvação de Deus abarca todos os homens e povos. Por conseguinte, é importante que o Evangelho seja proclamado e acolhido na cultura dos vossos povos, e que nela se encarne profundamente. Estou feliz pela recente publicação da primeira tradução ecuménica da Bíblia em língua khmer, que permite a numerosos cristãos da vossa região receber a Palavra de Deus na sua própria língua.

7. Durante os últimos anos, com a ajuda generosa de voluntários provenientes de numerosos países, a Igreja tem-se consagrado de várias maneiras em favor dos refugiados e das pessoas necessitadas, independentemente das opções políticas dos indivíduos. Ela tem contribuído para a reinserção destes no próprio país, tomando também cuidado daqueles que vivem no estrangeiro. Hoje, lá onde lhe é concedido, ela trabalha com coragem em benefício da reabilitação das pessoas que são lesadas no seu ser pela violência dos homens, e inclusivamente das vítimas das catástrofes na- turais que têm atingido essa região. Além disso, ela dá continuidade ao seu firme empenhamento em ordem à abolição definitiva das minas anti-homem, das armas anti-humanas que ainda provocam inumeráveis vítimas nos vossos países.

Mediante os seus compromissos de solidariedade em favor do homem e segundo o exemplo do seu Senhor, a Igreja quer lutar contra tudo aquilo que pode subjugar a pessoa humana e que ameaça a sua vida, participando assim juntamente com todos na reconstrução da nação. Encorajo-vos do íntimo do coração a continuar a vossa obra generosa e altruísta ao serviço das populações dos vossos países, de modo particular em benefício das pessoas mais frágeis. Desta forma, contribuireis para a promoção dos valores do Reino de Deus, tornando-vos sinais de esperança para muitos. Além disso, é com satisfação que hoje podemos receber os esforços despendidos em prol de uma maior liberdade, permitindo à Igreja prosseguir o seu empenhamento em ordem ao progresso e ao bem-estar de todos.

8. Caríssimos Irmãos no Episcopado, no termo do nosso encontro, exorto-vos de novo a progredir com coragem ao longo das veredas do porvir. No meio dos povos do Laos e do Camboja, os católicos sejam sinais da esperança que faz viver! Formulo votos por que as vossas nações progridam, juntamente com os seus governantes, na fundação de uma sociedade cada vez mais fraterna e solidária, na qual uma paz duradoura permita a todos alcançar a prosperidade e amadurecer sob o ponto de vista tanto humano como espiritual.

Assegurai a cada uma das vossas comunidades, bem como aos seus membros que ainda vivem longe da própria pátria, a proximidade espiritual do Papa! Enquanto nos preparamos para entrar no terceiro milénio, convido-os a depositar toda a sua esperança em Cristo salvador e a deixarem-se guiar por Ele. Aos jovens das vossas comunidades, reitero aqui com vigor que a Igreja conta com a sua generosidade e o seu dinamismo.

Confio os vossos fiéis, dos quais conheço a grande devoção mariana que não raro se exprime através de magníficas formas artísticas, à protecção da Mãe do Salvador, Mãe de todos os homens, e do íntimo do coração concedo a cada um de vós a Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM GRUPO DE BISPOS E AMIGOS


DO MOVIMENTO DOS FOCOLARINOS


Sexta-feira, 12 de Fevereiro de 1999



Senhores Cardeais
Venerados Irmãos no Episcopado!

1. É motivo de renovada alegria receber-vos na conclusão da já tradicional Assembleia que vê reunidos, como todos os anos, junto do «Centro Mariápolis» de Castel Gandolfo, Cardeais e Bispos amigos do Movimento dos Focolarinos provenientes de diversos Continentes.

Agradeço ao Senhor Cardeal Miloslav as palavras de homenagem que me dirigiu em nome de todos, apresentando-me o intenso programa por vós enfrentado nestes dias de vida em comum, de oração e de reflexão no contexto da espiritualidade do Opus Mariae. Saúdo e abraço cada um de vós, enquanto dirijo o meu pensamento cordial a Chiara Lubich e aos outros Representantes do Movimento, que estão próximos de nós com a oração.

O encontro deste ano, que se inscreve no contexto do itinerário de preparação para o já iminente Grande Jubileu do Ano 2000, inspirou-se no Congresso mundial dos Movimentos eclesiais e das novas Comunidades e no encontro sucessivo, que se realizou no passado Pentecostes na Praça de São Pedro. Guiou-vos na reflexão a referência ao único Deus e Pai, cujo amor nos é transmitido pela presença viva de Cristo no meio do Seu povo e pela perene acção do Espírito Santo, fonte de santificação dos crentes e estímulo incessante para a edificação da única família humana.

Neste contexto, ressaltastes oportunamente a importância vital da oração e da meditação cristã, como experiência de amor que eleva a alma e une a Deus. «Abbá, Pai» é a invocação que surge espontânea do coração do crente, iluminado pelo Espírito Santo.

2. Na nossa existência quotidiana é importante que nunca falte o diálogo íntimo com o Pai celeste. Tudo deve adquirir sentido e valor desta comunhão de vida, para que o nosso ser e o nosso agir manifestem o amor misericordioso de Deus, fonte de unidade e de comunhão. Se isto vale para todo o baptizado, mais ainda é necessário para quem é chamado pela Providência a ser reflexo luminoso da paternidade divina em relação ao povo cristão, confiado aos seus cuidados apostólicos.

O Movimento está inteiramente inspirado no amor: amor que Deus tem por nós e que somos chamados a retribuir; amor pelos irmãos, aos quais se deve fazer com que experimentem a solicitude do coração de Cristo. Este ardente desejo de divina caridade torna-se fulcro de uma acção eficaz dos crentes para a construção da única família humana. Torna-se, além disso, serviço em favor dos pobres e dos necessitados.

Nesta luz, assumem particular relevo as iniciativas promovidas pelo Movimento dos Focolarinos não só no âmbito ecuménico, mas também nos contactos com as comunidades judaicas e muçulmanas. Importantes são também os desenvolvimentos do projecto de uma «economia de comunhão», iniciado no Brasil e noutras Nações. Uma menção particular merece depois a experiência dos Focolarinos no âmbito da comunhão conjugal, edificado sobre a rocha estável dos valores cristãos. Da correcta disposição da instituição familiar, segundo o originário projecto do Criador, derivam atitudes de acolhimento e de respeito pela vida humana, e também de apoio recíproco, que constituem um modelo genuíno para a actual sociedade afligida por não poucos problemas.


Discursos João Paulo II 1999 - Sexta-feira, 5 de Fevereiro de 1999