Discursos João Paulo II 1999

MENSAGEM DO SANTO PADRE


AO PRESIDENTE DA CONFERÊNCIA NACIONAL


DOS BISPOS DO BRASIL








Não podia ser de melhor auspício a iniciativa de vir a Roma, junto à Sé de Pedro e ao seu Sucessor, para que fossem por Ele benzidas as cruzes que a Conferência Episcopal Portuguesa vos doou, fazendo reproduzir a cruz diante da qual foi celebrada a primeira Missa na alvorada do descobrimento do Brasil.

Com aquela cruz iniciou-se há quinhentos anos a evangelização do Brasil, graças à generosa dedicação de missionários portugueses que vieram ao novo Continente, para anunciar às suas populações a Boa Nova de Cristo, «o Alfa e o Ômega, o primeiro e o último, o princípio e o fim» (Ap 22,13). No limiar de um novo milênio, com uma providencial iniciativa pastoral foi decidido levar em peregrinação aquela cruz através dos Regionais que compõem a CNBB, para lembrar que o Emmanuel – Deus conosco – continua fecundando os caminhos da Terra da Santa Cruz com a fé que redime e salva. Jesus Cristo, «ontem e hoje, o mes- mo também pelos séculos» (He 13,8), Senhor da história, convida-nos a renovar nossa «gratidão pelo grande dom da fé» (Ecclesia in America, ), a reconhecê-Lo como nosso Salvador e a levá-Lo por todos os caminhos da terra com sentimentos de justiça e de paz.

Que Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, acompanhe os peregrinos, com sua proteção maternal, até Porto Seguro, aos pés do Altar, no local da Primeira Missa celebrada em solo brasileiro, para a solene Celebração Eucarística do dia vinte e seis de abril do Ano 2000. Na certeza de permanecer naquela ocasião unido espiritualmente a todo o Episcopado, ao clero, aos religiosos, aos fiéis dessa amada Nação e aos seus governantes, envio a todos uma particular Bênção apostólica.

Vaticano, 27 de março de 1999.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO NOVO EMBAIXADOR DA COREIA


JUNTO DA SANTA SÉ POR OCASIÃO


DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


Sábado, 27 de Março de 1999



Excelência

Dou-lhe as boas-vindas ao Vaticano e estou feliz por aceitar as Cartas Credenciais que o nomeiam Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República da Coreia junto da Santa Sé. Estou-lhe grato pelas amáveis palavras que me transmitiu da parte do Senhor Presidente Kim Dae-jung e pediria que lhe comunicasse a certeza das minhas orações pelo seu país e povo.

A sua presença hoje aqui põe em evidência os estreitos vínculos de amizade que existem entre o seu país e a Santa Sé. Vossa Excelência recordou-me a minha primeira visita à Coreia em 1984, quando a Igreja católica celebrava o Bicentenário da própria presença nessa terra. As minhas lembranças do seu país são inseparáveis da experiência dos encontros com inumeráveis dos seus concidadãos, cujas amizade, hospitalidade e vitalidade deixaram em mim uma impressão duradoura. No decurso dessa primeira visita, também compartilhei os sofrimentos e as esperanças de toda a população da Península, e continuo a rezar para que um dia essa se reúna como uma única família. A este propósito, encorajo os esforços do seu Governo no sentido de resolver as actuais dificuldades através da confiança mútua, da assistência concreta e do diálogo aberto. Trabalhar em prol da paz exige esforços pacientes e perseverantes, dado que a verdadeira paz não é uma questão de poder nem de força, mas requer uma reconciliação genuína entre os povos.

Ao prepararmo-nos para entrar num novo milénio, a resolução de muitos conflitos entre países e grupos étnicos representa um dos maiores desafios que se apresentam à comunidade internacional. Os meus pensamentos dirigem-se a todas as pessoas que, no mundo inteiro, continuam a sofrer em virtude da violência, da discriminação, da destruição da propriedade e da perda dos próprios meios de subsistência. Na minha Mensagem para a celebração do Dia Mundial da Paz de 1999, escrevi que «quando os direitos humanos são ignorados ou desprezados, quando a procura de interesses particulares prevalece injustamente sobre o bem comum, então é inevitável que se está a semear os germes da instabilidade, da revolta e da violência» (n. 1). A fim de se assegurar uma paz edificada sobre fundamentos sólidos e duradouros, é preciso um concertado esforço internacional em vista de promover e garantir uma cultura dos direitos humanos, e apraz-me saber que o seu Governo compartilha esta opinião. Nesta tarefa, a promoção da dignidade da pessoa deve ser um princípio-guia, enquanto que a busca do bem comum há-de constituir um compromisso primordial.

No ano passado, a celebração do cinquentenário da promulgação da Declaração universal dos direitos humanos centrou a própria atenção nesta mesma necessidade de assegurar que os direitos sejam reconhecidos, respeitados e salvaguardados em toda a parte. A Declaração chama a atenção para uma série de características essenciais dos direitos humanos, que às vezes são subestimados e ignorados. Essa salienta o facto de que o reconhecimento da dignidade inata de cada um dos membros da família humana, assim como da igualdade e do carácter inalienável dos seus direitos, é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz (cf. Preâmbulo).

Consequentemente, os direitos humanos não são conferidos por uma autoridade externa, mas derivam da dignidade e do valor inerentes à pessoa humana; esses constituem uma simples consequência do facto que a pessoa é humana, e por isso são comuns a todos. Além disso, são válidos em todas as etapas da vida, e em cada uma das situações políticas, sociais, económicas e culturais. Eles «formam um conjunto unitário, visando resolutamente a promoção do bem em todos os seus aspectos, da pessoa e da sociedade» (Mensagem para a celebração do Dia Mundial da Paz de 1999, n. 3). Se se quiser assentar a paz entre as nações e os grupos sobre um fundamento sólido, e se os indivíduos, os povos e as nações quiserem desenvolver-se, é essencial que se defendam a universalidade e a indivisibilidade dos direitos humanos.

O desafio consiste em edificar uma nova estrutura de relacionamentos a todos os níveis, baseada sobre a salvaguarda do respeito pelos direitos humanos e pela liberdade do homem. Em virtude da sua singular missão espiritual, a Santa Sé procura ser um parceiro positivo e útil nesta imensa e crucial tarefa. A Igreja defende os direitos humanos e contribui para o estabelecimento da ordem política, social, económica e cultural, promovendo a dignidade transcendental de cada pessoa humana e afirmando que a liberdade religiosa constitui o âmago mesmo dos direitos humanos, pois a religião «exprime as aspirações mais profundas da pessoa humana, determina a sua visão do mundo, orienta o seu relacionamento com os outros» (Mensagem para a celebração do Dia Mundial da Paz de 1999, n. 5).

Senhor Embaixador, a cultura do seu país foi profundamente forjada pelas tradições religiosas do Budismo e do Confucionismo. Nos últimos tempos, o Cristianismo tem contribuído em grande medida para o bem da nação. O respeito que a Coreia tem pela religião é indubitavelmente influenciado pela convicção segundo a qual no cerne de cada cultura se encontra a atitude do homem em relação ao maior de todos os mistérios, isto é, o mistério de Deus. «As culturas das diversas Nações constituem fundamentalmente modos diferentes de enfrentar a questão sobre o sentido da existência pessoal: quando esta questão é eliminada, corrompem-se a cultura e a vida moral das Nações» (Carta Encíclica Centesimus annus CA 24). A genuinidade da democracia de uma sociedade e as justas relações entre as nações dependem da atitude que se toma perante a dimensão religiosa da existência humana e do interrogativo da verdade transcendental e objectiva. O bem das nações e dos povos exige o exercício da liberdade em obediência àquela verdade. Como medida da dignidade e da grandeza do homem, a liberdade possui uma «lógica» interior que a distingue e enobrece: «Ela (a liberdade) está orientada para a verdade e realiza-se na busca e na actuação (humana) da verdade... Longe de constituir uma limitação ou uma ameaça à liberdade, a referência à verdade acerca do homem – verdade universalmente inteligível através da lei moral inscrita no coração de cada um – é, na realidade, a garantia do futuro da liberdade» (Discurso de João Paulo II por ocasião da 50ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, 5 de Outubro de 1995; ed. port. de L'Osservatore Romano de 14.X.1995, pág. 3, n. 12).

Senhor Embaixador, a minha prece e esperança é de que o novo milénio constitua o testemunho de um renovado florescimento do espírito humano. Desenvolvendo uma autêntica cultura da liberdade, fundamentada sobre os direitos humanos e o reconhecimento da verdade, homens e mulheres, grupos e nações hão-de aprender a vencer a ansiedade e o medo, enfrentando o futuro com confiança. Faço votos por que o povo coreano, trabalhando sabiamente em benefício da superação das dificuldades herdadas por este século muitas vezes trágico, viva uma nova era de paz, harmonia e progresso.

Estou persuadido de que, enquanto o Senhor Embaixador desempenhar as tarefas da sua excelsa missão, os vínculos de amizade existentes entre a República da Coreia e a Santa Sé serão ulteriormente fortalecidos. Formulo-lhe os meus bons votos, assegurando-lhe que os vários Departamentos da Cúria Romana estarão sempre prontos a assisti-lo no cumprimento dos seus deveres. Sobre Vossa Excelência e os seus compatriotas, invoco as abundantes bênçãos de Deus Todo-Poderoso.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS


DA "WORLD FEDERATION OF SCIENTISTS"


Sábado, 27 de Março de 1999

Ilustríssimo Presidente
Distintos Membros
da «World Federation of Scientists»!

1. Bem-vindos! É-me grato dirigir a vós, que vos empenhais de várias maneiras no estudo e na investigação, a minha mais sincera e calorosa saudação. Agradeço ao Prof. Antonino Zichichi as palavras com que se fez intérprete dos comuns sentimentos ilustrando, ao mesmo tempo, os objectivos e os progressos da vossa benemérita Federação.

O encontro hodierno, que me traz à memória aquele de há vinte anos, nos primeiros meses do meu Pontificado, constitui uma válida ocasião para dirigir o olhar rumo ao futuro, analisando tudo o que foi realizado no âmbito da ciência neste nosso século, que registrou um progresso científico, como jamais se verificou ao longo de todo o arco da história. Tendes em vista traçar um balanço, parcial mas significativo, desse progresso.

Dele emerge, antes de tudo, uma componente cultural, articulada e diversificada, que consiste principalmente numa nova visão da ciência, caracterizada pelo fim do «mito do progresso», segundo o qual a ciência teria sido capaz de resolver em tempos breves qualquer problema do homem.

Outro factor que interessa a vossa actividade científica, é o aspecto económico, conexo tanto com a investigação como com a aplicação tecnológica das descobertas. Para isto, são destinados e despendidos ingentes recursos financeiros, com legítimas preocupações concernentes ao seu uso e à validade dos projectos.

De importância capital aparece, depois, a dimensão política da ciência, devido às consequências que ela comporta na construção da paz. A vossa Federação propõe-se favorecer, quanto a isto, um intercâmbio concreto e uma participação generosa, entre estudiosos provenientes de diferentes Países e diversos contextos culturais.

2. Não se deve desvalorizar a crescente aproximação que se verifica entre experiência científica e concepção religiosa da realidade, à qual procurei oferecer um contributo na recente Encíclica «Fides et ratio». Embora denunciando o grave risco de um esmagamento exclusivamente científico dos dados fenomenais (cf. FR FR 88), eu quis exprimir admiração e encorajamento pelo trabalho do cientista como incansável investigador da verdade (cf. ibid., n. 106). Com efeito, mais do que nunca é necessário que fé e ciência, libertando-se dos equívocos e mal-entendidos que, infelizmente, existiram ao longo dos séculos, se abram a uma compreensão recíproca sempre mais profunda, ao serviço da vida e da dignidade do homem.

É aqui que o olhar se amplia rumo ao futuro, rico de desafios e de emergências. Como Vossa Excelência evidenciou há pouco, o planeta Terra apresenta alguns deles que já não podem ser adiados, pois a saúde de todos e de cada um, assim como a própria sobrevivência dos povos, está sujeita a ameaças de grande proporção. Tornam-se necessários, por conseguinte, projectos adequados que, envolvendo o voluntariado científico e a responsável cooperação dos agentes culturais, económicos e políticos, contribuam para elaborar projectos que tenham em vista a salvaguarda da criação e o benefício do autêntico desenvolvimento humano.

3. Dentro de poucos dias, durante a Vigília pascal, a liturgia far-nos-á escutar de novo a narração bíblica da criação, tirada do livro do Génesis. Deus, Criador do universo, confia o mundo ao homem, a fim de que o conserve e o cultive. Ao assumir esta tarefa, ele não pode deixar de advertir toda a sua responsabilidade diante de uma missão tão empenhativa. Com as iniciativas promovidas pela «World Federation of Scientists» vós, ilustres Cientistas, propondes-vos oferecer um contributo específico à sua actuação concreta. Trata-se de projectos-piloto no âmbito das emergências planetárias que, com coragem e clarividência, não vos cansais de aprofundar e propor, pondo em acção um «voluntariado científico» ao serviço do bem comum.

Encorajo-vos de coração a prosseguir neste caminho e acompanho-vos com a minha oração, para que o vosso trabalho seja fecundo e rico de frutos. Ao invocar sobre cada um de vós a materna protecção de Maria, Sede da Sabedoria, abençoo todos vós, as vossas famílias e a obra que quotidianamente realizais.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DA ASSEMBLEIA


PARLAMENTAR DO CONSELHO DA EUROPA


Segunda-feira, 29 de Março de 1999



Senhor Presidente
Senhoras e Senhores!

1. Sinto-me feliz por acolher os Membros da Comissão da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e os Membros dos diversos Comités parlamentares: para os Assuntos políticos, os Assuntos jurídicos e os Direitos do Homem, para as Migrações, os Refugiados e a Demografia. Saúdo de modo particular o vosso Presidente, Lorde Russel Hohnston, agradecendo-lhe as benévolas palavras que teve a gentileza de me dirigir. Saúdo também cordialmente o Chanceler da Assembleia, Senhor Bruno Haller.

Vós celebrais neste ano o quinquagésimo aniversário da criação do Conselho da Europa. O trabalho realizado neste meio século foi um eminente serviço prestado aos povos da Europa. Ainda que as dificuldades encontradas no caminho da democracia e do homem tenham sido e continuem consideráveis, mantivestes a orientação fixada desde a origem dos Estatutos do Conselho da Europa: unir de maneira mais estreita os povos europeus, tendo como base o património de valores que lhes são comuns.

2. No decurso destes cinquenta anos, os valores morais e espirituais manifestaram a sua fecundidade e a sua capacidade de transformar a sociedade, como demonstraram os eventos que se verificaram há quase dez anos na Europa. Eles devem ser, ainda hoje, o sulco sobre o qual é preciso continuar a edificar o projecto europeu.

É oportuno, em primeiro lugar, recordar que não pode existir vida política, económica e social justa, sem o respeito pela dignidade de cada um, com todas as consequências que dele é preciso haurir em matéria de direitos do homem, de liberdade, de democracia, de solidariedade e liberdade.

Estes valores estão arraigados profundamente na consciência europeia; eles representam as aspirações mais fortes dos cidadãos europeus. Devem inspirar qualquer projecto que tenha a nobre ambição de unir os povos deste continente. Os esforços que fazeis para traduzir estes valores e estas aspirações em termos de direito, de respeito pelas liberdades e de progresso democrático são fundamentais; é pondo de maneira incansável a pessoa humana e a sua dignidade inalienável no centro das vossas preocupações e decisões, que oferecereis uma colaboração duradoura à construção da Europa e servireis o homem e a humanidade inteira.

3. Desejo mencionar aqui o conflito que tem lugar às nossas portas, no Kossovo, e que fere o conjunto da Europa. Peço insistentemente que tudo seja feito para que se instaure a paz nessa região e as populações civis possam viver em fraternidade, na sua terra. Em resposta à violência, uma ulterior violência jamais é uma via futura para sair de uma crise. Portanto, é oportuno fazer calar as armas e os actos de vingança, a fim de empreender negociações que obriguem as partes, com o desejo de chegarem quanto antes a um acordo que respeite os diversos povos e as diferentes culturas, chamados a edificar uma sociedade comum respeitosa das liberdades fundamentais. Semelhante atitude poderá então inscrever-se na história como um novo e promissor elemento para a construção europeia.

4. Além disso, uno a minha voz à do Conselho da Europa, pedindo que o direito mais fundamental, o direito à vida para cada pessoa, seja reconhecido em todo o espaço europeu e que a pena de morte seja abolida. Este primeiro e imprescritível direito de viver não significa apenas que todo o ser humano possa sobreviver, mas também que possa viver em condições justas e dignas. Em particular, quanto tempo deveremos ainda conhecido como um direito fundamental em toda a Europa e seja aplicado por todos os responsáveis da vida pública? Muitos homens são obrigados a viver no temor e na insegurança. Aprecio os esforços feitos pela Assembleia Parlamentar da Europa e pelas outras Organizações europeias, a fim de fazer aplicar este direito à paz e de aliviar os sofrimentos dos povos provados pela guerra e a violência. Os direitos do homem devem, além disso, encontrar o seu prolongamento na vida social. A esse respeito, é digno de apreço o facto que, desde a segunda Reunião de Cúpula de Estrasburgo (1997), o Conselho da Europa tenha querido conferir um novo impulso à sociedade.

5. No mesmo espírito, é importante não transcurar a aplicação de uma política familiar séria, que garanta os direitos dos casais e dos filhos; isto é particularmente necessário para a coesão e a estabilidade sociais. Convido os Parlamentares nacionais a intensificarem os esforços para sustentar aquela célula fundamental da sociedade que é a família, e para lhe dar o lugar que lhe pertence; ela constitui o âmbito primordial de socialização, assim como um capital de segurança e confiança para as novas gerações europeias. Também me alegro por ver desenvolver-se uma nova solidariedade entre os povos da Europa, pois o Continente constitui uma unidade, rica duma grande diversidade cultural e humana, apesar das barreiras ideológicas artificiais, construídas no tempo para o dividir.

6. A vossa Assembleia declarou recentemente que «a democracia e a religião não são incompatíveis, ao contrário [...]. A religião, em nome do seu empenho moral e ético, dos valores que defende, do seu sentido crítico e da sua expressão cultural, pode ser um precioso parceiro da sociedade democrática» (Recomendação 1396 [1999], n. 5). A Santa Sé aprecia esta recomendação, pois ela dá à vida espiritual e ao empenhamento das religiões na vida social e no serviço ao homem, o lugar que lhes corresponde. Isto recorda que as religiões têm um contributo particular a oferecer à construção europeia e representam um fermento para a realização de uma união mais estreita entre os povos.

No termo do nosso encontro, encorajo-vos a prosseguir a vossa missão, a fim de que a Europa de amanhã seja, antes de tudo, a Europa dos cidadãos e dos povos, que construirão juntos uma sociedade mais justa e mais fraterna, da qual serão eliminadas a violência e a rejeição da dignidade fundamental de todo o homem. Ao confiar-vos à intercessão dos Santos Bento, Cirilo e Metódio, Patronos da Europa, concedo-vos de bom grado a Bênção Apostólica, que faço extensiva às vossas famílias e a todos os vossos entes queridos.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DO "CÍRCULO DE SÃO PEDRO"


Segunda-feira, 29 de Março de 1999



Caríssimos Sócios
do Círculo de São Pedro!

1. É para mim motivo de renovada alegria receber-vos mais uma vez no encontro que se tornou tradicional, o qual também este ano me proporciona a grata ocasião de exprimir apreço e reconhecimento pela vossa dedicação aos pobres e pelo serviço solícito que prestais à Igreja e ao Papa.

Ao dirigir a cada um de vós as minhas cordiais boas-vindas, saúdo com particular afecto o vosso Assistente Espiritual, Arcebispo Ettore Cunial, incansável e zeloso animador da Associação, e o vosso Presidente, Marquês Marcello Sacchetti, a quem agradeço a gentil saudação de homenagem que pronunciou em nome de todos. Com as suas palavras, quis descrever as interessantes e louváveis iniciativas da vossa benemérita Associação, que este ano celebra cento e trinta anos de fundação.

2. Entre as numerosas actividades que caracterizam a vossa Instituição, uma diz respeito à recolha nas Igrejas de Roma do «Óbolo de São Pedro», que hoje viestes entregar: o Senhor vos gratifique por este gesto de efectiva solicitude para com a Sé Apostólica!

Neste terceiro ano de preparação para o Grande Jubileu do Ano 2000, dedicado a Deus Pai, tive várias vezes ocasião de convidar os cristãos a fazerem-se voz dos pobres do mundo, evidenciando de maneira mais decidida a opção preferencial da Igreja pelos marginalizados (cf. Tertio millennio adveniente, TMA 51).

Os meus votos são por que todos os baptizados se sintam solicitados a um impulso generoso de caridade, à imagem do extraordinário amor com que o Pai entregou o próprio Filho Unigénito pela salvação do mundo. Trata-se de aceitar este admirável exemplo divino como dom de graça, recordados da Palavra de Jesus: «Há mais felicidade em dar do que em receber» (Ac 20,35).

Através do vosso empenho de solidariedade, recentemente enriquecido pela inauguração do Centro de acolhimento para a assistência gratuita de doentes em fase terminal, sobretudo de indigentes, e do vosso serviço à Sé Apostólica, sois chamados a tornar-vos portadores daquela cuidadosa ternura que Deus nutre em relação a cada homem.

Caríssimos, fazei com que a vossa acção seja sempre vivificada pela constante referência ao exemplo de Jesus, o qual enquanto curava as doenças do corpo, às quais muitas vezes se pode associar a pobreza, revelava o aspecto delicado e amoroso do rosto misericordioso do Pai.

3. O Evangelista João diz: «Ninguém jamais viu a Deus. Se nos amamos uns aos outros, Deus está connosco» (1Jn 4,12). A Palavra de Deus recorda-nos que a nossa missão é a seguinte: comunicar aos outros o amor divino através do nosso amor fraterno e prestativo. Quando um gesto, uma palavra, um sorriso, uma mão estendida, uma presença atenta surgem do amor autêntico, podem tornar-se facilmente, para quantos são beneficiados, ocasiões propícias e fecundas para acender ou robustecer a chama da fé. Quanto bem se pode realizar também com gestos simples e humildes! O Senhor vos ajude no vosso trabalho quotidiano. O Pai celeste vos encha com uma abundante efusão de graças, para que desempenhando a vossa actividade possais irradiar em vosso redor serenidade e confiança e contribuir de modo sensível para a obra da nova evangelização, à qual todos os crentes são chamados, de maneira especial no limiar do Terceiro Milénio.

Com estes sentimentos, enquanto renovo a minha gratidão pela hodierna visita e pelo vosso serviço eclesial, invoco sobre vós a celeste protecção de Maria, «Salus Populi Romani», e dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, e concedo de coração a cada um de vós e às vossas respectivas famílias uma especial Bênção.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NO ENCONTRO UNIVERSITÁRIO


INTERNACIONAL "UNIV-99"


Terça-feira, 30 de Março de 1999



Caríssimos!

1. Dou a todos vós as minhas afectuosas boas-vindas! Ao mundo dos jovens unem-me profundos vínculos, e grande é a minha alegria todas as vezes que os posso encontrar. A Audiência do Congresso UNIV já se tornou um encontro anual. Bem-vindos, caros jovens de diversas nacionalidades! Este nosso encontro ocorre durante a Semana Santa e é iluminado pela perspectiva das celebrações dos próximos dias, os últimos da Quaresma. A liturgia alimenta em nós a expectativa da Ressurreição e consolida-nos na consciência de que o amor vence o mal. Sim, em Cristo o amor prevaleceu sobre o ódio, a misericórdia triunfou sobre o pecado. Ressoam no nosso espírito as palavras: «O Pai ama-vos!», que constituem o tema central da recente Mensagem aos jovens. É esta uma luminosa certeza, que confere uma dimensão ampla ao tema por vós escolhido para o vosso Congresso: «Solidariedade e cidadania».

2. Quero iniciar com a segunda destas duas palavras. Num livro do Beato Josemaria, que bem conheceis, encontramos um capítulo inteiro justamente com este título: «Cidadania». Nele lemos o seguinte: «É vosso dever como cidadão cristão: contribuir para tornar o amor e a liberdade de Cristo preeminentes em cada um dos aspectos da vida moderna – na cultura, na economia, no trabalho e no lazer, na vida familiar e na vida social» (Sulco, n. 302). O Beato Josemaria fala do amor e da liberdade de Cristo: trata-se da liberdade do pecado, da luta que, por amor a Cristo e sustentada pela Sua graça, os cristãos travam em si mesmos contra tudo o que os separa de Deus e os distancia dos seus irmãos e irmãs que, como eles, são igualmente filhos de Deus. Nunca o esqueçais, é aqui que está a ser empreendida a batalha decisiva para o futuro de sociedade: «O primeiro e maior trabalho realiza-se no coração do homem, e o modo como ele se empenha em construir o seu futuro depende da concepção que tem de si mesmo e do seu destino» (Centesimus annus CA 51).

3. Juntamente com a palavra «cidadania» encontramos a «solidariedade». Como não vos convidar a reflectir sobre o imenso potencial humano de paz, concórdia e fraternidade, que uma vida cristã coerente, desejosa de encontrar pessoalmente Cristo na oração e no compromisso de caridade fraterna, pode projectar sobre a transformação do mundo? Diante de uma análise mais atenta, a solidariedade cristã apresenta- se, mais do que uma virtude em si mesma, uma atitude espiritual para a qual convergem diversas virtudes e, de maneira particular, a justiça e a caridade. A justiça pode reduzir as diferenças, eliminar as discriminações, assegurar as condições para o respeito pela dignidade da pessoa. A justiça, contudo, precisa de uma alma. E a alma da justiça é a caridade que se faz serviço a todo o homem. Ser cristão, hoje, supõe crescer na consciência de «estar ao serviço de uma redenção que abranja todas as dimensões da existência humana» (Santità e mondo, Atti del Convegno teologico sugli insegnamenti del Beato Josemaría Escrivá, Roma 1994, pág. 10). O primeiro e fundamental contributo que cada crente é chamado a oferecer à nova evangelização, é encarnar fielmente o Evangelho na própria vida: ser santo. Com efeito, quem busca sem reservas a santidade pessoal, contribui de maneira eficaz para difundir o bem no mundo inteiro.

Este é um modo concreto, e ao alcance de todos, de ser apóstolo do Evangelho e artífice de uma nova humanidade. A respeito disso, tendes um mestre que vos guia neste caminho: é o Beato Josemaria, cuja mensagem constitui um dos impulsos carismáticos mais significativos, oferecidos pelo Espírito Santo a esta consciência do serviço, que a Igreja e cada fiel são chamados a prestar em favor do homem todo e de todos os homens.

4. Caríssimos jovens, este é o último Congresso UNIV antes do Grande Jubileu. Aproveitai esta ocasião e todas as oportunidades que este encontro vos oferece. Respondei de maneira generosa à chamada do Senhor: a vocação cristã, como bem sabeis, vai para além da intimidade privada da vossa alma, mas dilata o espírito para as dimensões ilimitadas do amor. O dom de si a Deus, ápice dum processo de conversão do egoísmo ao amor, tornar-vos-á partícipes da missão salvífica de Cristo. É nesta solidariedade total com Cristo que os filhos de Deus podem descobrir plenamente a raiz da fraternidade humana.

Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe, vos ajude a orientar de maneira decisiva a vossa vida para Deus e para os irmãos, e vos torne dispostos a cultivar o único ideal deveras digno de um filho de Deus: servir os irmãos, como Jesus e com Jesus, que disse de Si mesmo: «O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir» (Mt 20,28).

Ao formular-vos, a vós e às pessoas que vos são queridas, ardentes votos de Santa Páscoa, asseguro-vos a minha lembrança na oração e, de coração, abençoo todos vós.



Abril de 1998

CARTA DO PAPA JOÃO PAULO II


AO BISPO DA DIOCESE DE SAINT-FLOUR


NO MILENÁRIO DA ELEVAÇÃO


DO MONGE GERBERTO COM O NOME


DE SILVESTRE II AO SÓLIO PONTIFÍCIO




D. René SEJOURNE
Bispo de Saint-Flour

1. Há mil anos, no dia 2 de Abril, Gerberto tornou-se Papa com o nome de Silvestre II. Por ocasião da comemoração deste evento, desejo unir-me mediante o pensamento e a oração a todas as pessoas que o hão-de celebrar na Diocese de Saint-Flour, em particular aos participantes nas Jornadas de Estudos organizadas pela Associação do Cantal. Era na cidade de Aurillac que se encontrava o mosteiro beneditino fundado por São Geraldo, que recebeu o jovem pastor Gerberto e nele forjou o homem e o cristão.

2. Homem notável, o monge Gerberto dominou o seu século de maneira singular. A vastidão do seu saber, as suas qualidades pedagógicas, a erudição sem precedentes, a rectidão moral e o sentido espiritual fizeram dele um verdadeiro mestre. Os imperadores e os Papas recorreram a ele. Humanista sábio, filósofo versado e autêntico promotor da cultura, Gerberto colocou a sua inteligência ao serviço do homem, formando o seu espírito e o seu coração, sempre em busca da verdade através da leitura de obras profanas e da meditação da Escritura. Tudo despertava o seu interesse: se ignorava, aprendia; se sabia, transmitia.

Em virtude do seu espírito de abertura e de grande generosidade, Gerberto soube pôr o seu saber e as suas qualidades morais e espirituais ao serviço do homem e da Igreja. Ele recorda-nos que a inteligência é uma maravilhosa dádiva do Criador, que tem em vista fazer com que o homem seja cada dia mais responsável pelos talentos recebidos e sirva o próximo, cumprindo desta forma a sua verdadeira vocação.

3. Homem de Igreja activo e fiel, Gerberto prodigalizou-se ao serviço dos seus irmãos. Como Pastor genuíno, defendeu os interesses da Igreja, combateu a simonia e salvaguardou os mosteiros contra as várias usurpações. Homem de unidade e de paz, sabia repreender paternalmente aqueles que se afastavam do bem, denunciava os abusos e perdoava, chegando a eclipsar-se quando havia o perigo das divisões. Com zelo apostólico, favoreceu a implantação da Igreja na Hungria e na Polónia. Gerberto foi um reformador singular, e a consciência que ele tinha do próprio ministério fez dele um Papa dotado de espírito missionário, desejoso de anunciar o Evangelho através da sua palavra e durante a vida inteira. No limiar do terceiro milénio, enquanto grassam a violência e as guerras, e os cristãos ainda estão desunidos, a figura de Gerberto convida-nos a buscar incansavelmente a paz e a unidade através da via do diálogo, solícitos pela verdade e pelo perdão. A este propósito, como eu já disse na Carta Apostólica Tertio millennio adveniente, o Jubileu deve ser «a ocasião propícia para uma frutuosa colaboração, visando colocar em comum as muitas coisas que nos unem e que seguramente são mais do que aquelas que nos dividem» (n. TMA 16).

4. Gerberto manifestava incessantemente a sua preferência pela investigação da verdade e a sua vontade de a servir. Ele demonstrou que o homem é convidado a seguir o caminho, cujo «ponto de partida está na capacidade de a razão superar o contingente para se estender até ao infinito» (Carta Encíclica Fides et ratio FR 24). Para Gerberto, bem como para todos os crentes, a verdade revela-se em Cristo, Palavra eterna na qual todas as coisas foram criadas, e Palavra encarnada que revela o Pai (cf. ibid., n. 34). E a Palavra em que acreditamos esclarece o nosso conhecimento do homem e da história, e faz-nos descobrir a salvação e a felicidade para as quais somos chamados.


Discursos João Paulo II 1999