Discursos João Paulo II 1999

Sem dúvida, as problemáticas contemporâneas são diferentes daquelas que Gerberto enfrentou, mas a sua atitude intelectual e espiritual constitui um apelo aos pastores e fiéis do tempo moderno: ir à busca da verdade, encontrar a força interior na oração, ser solícitos pela investigação moral e colocar-se ao serviço dos homens. Que os cristãos tenham este mesmo desejo, não de se mostrar aos olhos dos homens, mas de ser exemplos e modelos, testemunhando deste modo que Cristo é a fonte da felicidade!

5. A Igreja prepara-se para celebrar o Grande Jubileu do Ano 2000, recordando que Cristo, alfa e ómega, nos conduz rumo ao Pai das misericórdias. Não nos podemos esquecer de que a primeira passagem de milénio foi portadora de numerosas esperanças. Apraz-me sublinhar que Silvestre II uniu os seus esforços aos do imperador Otão III para administrar a cristandade, como já o Papa Silvestre I tinha feito, colaborando com o imperador Constantino. Portanto, devemos considerar que a solicitude pela unidade e a harmonia entre os povos pertencia ao pensamento de Gerberto e deve inspirar sempre a acção da Igreja e dos homens responsáveis pela vida social. A paz é uma tarefa comum e a Igreja quer dar-lhe a sua contribuição, pois ela constitui um serviço ao homem e portanto um serviço a Deus. Enquanto o nosso mundo, submetido a transformações cada vez mais numerosas, aspira a uma paz profunda, Gerberto deixa-nos uma mensagem que D. Paul Lecoeur, Bispo de Saint-Flour e antigo predecessor de Vossa Excelência, na sua carta pastoral por ocasião do milénio do nascimento do Papa Silvestre II, resumiu assim: «Pacificar, congregar e unir em Cristo». Esta paz deve realizar-se nos sectores mais diversificados, pois o campo de actividade do homem é vário. Essa só é possível se ele tiver em conta o Evangelho e os valores humanos e morais fundamentais, no respeito de todas as pessoas.

6. Por conseguinte a acção pastoral de Gerberto, e não só a do seu Pontificado relativamente breve, impressiona em virtude da sua multiplicidade e actualidade. Essa pode ser apreciada através do seu serviço às questões da Igreja, dos seus esforços de renovação, da sua solicitude pela comunhão e do seu sentido de diálogo. O Concílio Vaticano II salientou todos estes aspectos, em vista de uma nova evangelização. Oxalá a figura de Gerberto, o primeiro Papa francês, ilumine todos nós no serviço à Igreja e aos nossos irmãos, para a glória de Deus e a salvação do mundo!

Enquanto o confio à intercessão da Mãe de Deus e de São Flour, primeiro evangelizador e padroeiro da sua Diocese, concedo-lhe de todo o coração, bem como aos seus diocesanos e àqueles que participarem nesta comemoração, a minha Bênção apostólica.

Vaticano, 7 de Abril de 1999.

PAPA JOÃO PAULO II


MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DA "PAPAL FOUDATION"




Aos Membros da «Papal Foundation»

Mais uma vez tenho a alegria de acolher os membros da Papal Foundation e exprimir a minha gratidão pelo apoio que a Fundação ofereceu de novo, neste ano, ao Sucessor de Pedro no seu ministério apostólico de «solicitude por todas as Igrejas» (2Co 11,28).

O nosso encontro realiza-se no início do tempo pascal, quando a Igreja inteira, num certo sentido, retorna às origens: ao sepulcro vazio e ao Cenáculo em Jerusalém, onde o Senhor Ressuscitado apareceu aos Apóstolos e lhes prometeu a efusão do Espírito Santo. Durante este tempo sagrado a Igreja recorda também a missão que Cristo confiou a Pedro e aos outros Apóstolos, encarregando-os de anunciar o Evangelho e ser Suas testemunhas até aos confins da terra (cf. Act Ac 1,7). Esta grande missão é levada avante em todas as épocas pelos Sucessores dos Apóstolos, tendo Pedro como cabeça. É minha esperança e oração que esta visita ao Sucessor de Pedro renove em cada um de vós um sentido de comunhão jubilosa com o Senhor da Vida e também uma determinação mais firme de cooperar para a missão universal da sua Igreja.

Durante os anos desde a sua instituição, a Papal Foundation demonstrou uma solicitude particular pelas exigências da Igreja nos países em vias de desenvolvimento. Aprecio profundamente este empenho de solidariedade efectiva para com os nossos irmãos e irmãs no mundo, que olham com esperança para o testemunho da Igreja ao Evangelho e os seus esforços por promover a justiça, a reconciliação e a cooperação fraterna entre os membros da família humana. Na expectativa do tempo de graça que é o Grande Jubileu do Ano 2000, convido-vos a continuar a trabalhar e orar para que a Igreja se torne, na vida dos seus membros, sempre mais plenamente o sinal e o instrumento da unidade de toda a família humana e da sua união salvífica com Deus (cf. Lumen gentium LG 1).

Com grande afecto confio-vos, bem como as vossas famílias, à intercessão amorosa de Maria, Mãe da Igreja. A todos os que estão unidos na obra da Papal Foundation, concedo de coração a minha Bênção Apostólica, como penhor de alegria e de paz em Nosso Senhor Jesus Cristo.

Vaticano, 12 de Abril de 1999.

PAPA JOÃO PAULO II




DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PEREGRINOS DA DIOCESE


DE VIGEVANO (ITÁLIA)


Sábado, 17 de Abril de 1999



Caríssimos Irmãos e Irmãs
da Diocese de Vigevano!

1. A cada um de vós as minhas cordiais boas-vindas. Saúdo com afecto o vosso zeloso Pastor, D. Giovanni Locatelli, a quem agradeço as calorosas palavras com que se fez intérprete dos comuns sentimentos. Saúdo os sacerdotes que vos acompanham, as religiosas, assim como os membros da Assembleia sinodal e os agentes pastorais, que representam a inteira Igreja que está em Vigevano.

Na conclusão do Sínodo diocesano, evento de extraordinária importância que envolveu nestes três anos a inteira diocese, quisestes fazer uma peregrinação a Roma, junto dos túmulos dos Apóstolos. Desejastes encontrar-vos com o Papa e escutar dele uma palavra de encorajamento e de confirmação na fé e no empenho apostólico.

Obrigado por esta vossa visita! Acolho-vos com prazer e congratulo-me convosco pelo vosso fervor. De coração faço votos por que dos trabalhos sinodais derive um renovado entusiasmo missionário na inteira Comunidade diocesana. De modo particular, as Constituições sinodais, como uma bússola, deverão indicar a cada fiel o caminho a percorrer neste tempo rico de desafios sociais e religiosos.

2. «Faze-te ao largo; e vós lançai as redes» (Lc 5,4).

Durante o itinerário sinodal, quantas vezes escutastes e meditastes estas palavras. Repito-as também eu, neste dia, a vós.

Igreja que estás em Vigevano, faze-te ao largo; não tenhas medo de te lançar no mar aberto! Não tenhas medo diante dos grandes desafios do momento presente! Avança confiante na vereda da nova evangelização, no serviço amoroso dos pobres e no testemunho corajoso no interior das várias realidades sociais. Sê consciente de que és portadora duma mensagem que se destina a todo o homem e ao homem todo; sê construtora de fraternidade autêntica e de solidariedade universal.

Este convite é, em primeiro lugar, para vós, caros sacerdotes, configurados a Cristo «Cabeça e Pastor» com o sacramento da Ordem e postos como guias do Seu povo. Reconhecidos pelo imenso dom recebido, desempenhai com generosidade a vossa missão, procurando apoio numa intensa oração e numa aprofundada actualização teológica e pastoral.

O convite é, depois, dirigido a vós, religiosas, que constituís um precioso recurso espiritual para o povo cristão, e a todos vós, queridos fiéis leigos presentes em tão grande número. Sabei em toda a parte «responder aos que perguntam a razão da esperança que está em vós» (cf. 1P 3,15).

3. Durante os trabalhos sinodais dedicastes especial cuidado aos jovens e à família. Continuai a sustentar as famílias e a ajudá-las, para que sejam comunidades autênticas de vida e de amor. Com solicitude incessante não poupeis energias na formação cristã das crianças, dos adolescentes e dos jovens. Eles têm necessidade de válidos pontos de referência: sede para eles exemplos de coerência humana e cristã. As vocações ao sacerdócio e à vida consagrada nascem e desenvolvem-se num contexto de fidelidade ao Evangelho. Graças a Deus, na vossa diocese está a ser realizado um confortador despertar vocacional e todos os seminaristas estão aqui presentes, juntamente com a Comunidade diaconal. O Senhor, que os chamou, os ajude a perseverar até ao fim.

Durante o Sínodo preocupastes-vos, com razão, em fazer chegar o anúncio vivo do Evangelho àqueles que estão «afastados», não temendo enfrentar os desafios da cultura pós-moderna. Prossegui neste esforço, servindo-vos de todo o instrumento útil a esta finalidade. E, quanto a isto, como não recordar que neste ano celebrais outra feliz ocorrência: o centenário do semanário católico «L'Araldo Lomellino»? Este benemérito jornal não só deve ser sustentado, mas potenciado oportunamente. Com ele, seja vosso cuidado valorizar todos os meios de comunicação social modernos ao serviço da evangelização.

4. Caríssimos Irmãos e Irmãs! Há pouco o Bispo recordou que foi recentemente devolvido à vossa Catedral o esplendor original. Ela é o coração e a imagem da Comunidade cristã. Sede vós as «pedras vivas» do edifício espiritual que é a Igreja em Vigevano. Caminhai unidos rumo ao Grande Jubileu do Ano 2000, para que ele seja tempo providencial de conversão e de despertar espiritual.

Maria Santíssima, que vós venerais como Nossa Senhora do Casulo, vele, como Mãe solícita, sobre as vossas famílias. Os Santos Padroeiros da diocese, Ambrósio e Carlos, vos protejam. Sirva-vos de conforto e de encorajamento também a minha Bênção, que de coração faço extensiva à vossa inteira Comunidade diocesana.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PEREGRINOS VINDOS PARA A CANONIZAÇÃO


DE MARCELINO CHAMPAGNAT, JOÃO CALÁBRIA


E AGOSTINHA LÍVIA PIETRANTONI


Segunda-feira, 19 de Abril de 1999



Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. Sinto-me feliz por acolher de novo todos vós, vindos para a cononização de Marcelino Champagnat, João Calábria e Agostinha Lívia Pietrantoni. O encontro hodierno oferece-nos a feliz ocasião para prolongar a festa de ontem, no clima da alegria pascal característica deste tempo litúrgico.

Dêmos graças ao Pai que está nos céus, origem e fonte de toda a santidade, por ter dado à Igreja e ao mundo estes Seus filhos predilectos. Neles, Deus realizou grandes coisas, plasmando neles, com a força suave do Espírito Santo, a imagem estupenda do seu Filho Unigénito. Enquanto vemos delinear-se no horizonte a meta do Ano 2000, como não pensar na plêiade numerosa de Beatos e de Santos que a Graça divina fez germinar e frutificar nos sulcos destes dois milénios? Na vida dos Santos já se faz presente e actuante neste mundo o Reino dos céus.

2. Queridos peregrinos, que viestes celebrar a canonização de Marcelino Champagnat. A vossa presença é indicativa da vossa atenção ao carisma sempre actual deste Santo, ao qual aderem inúmeras vocações. Saúdo o Senhor D. Pierre Joatton, Bispo de Saint-Étienne, e os membros das organizações civis do Departamento de La Loire onde viveu São Marcelino. Saúdo em particular os Irmãos Maristas, Instituto por ele fundado, assim como os membros de outros Institutos da família marista. Caros jovens, vindos sobretudo da Espanha, México e França, para manifestar a adesão ao espírito da educação ministrada pelo Padre Champagnat, encorajo-vos a permanecer fiéis no caminho rumo a Deus que ele indicou.

Saúdo também os professores que asseguram uma missão partilhada com os Irmãos Maristas e vieram manifestar a sua admiração por Marcelino Champagnat, apóstolo da juventude, e o desejo de prestarem o seu mesmo serviço educativo, no respeito pelos jovens e pela sua evolução. Saúdo, enfim, os membros maristas dos ramos leigos que querem viver segundo o espírito de São Marcelino, através de todos os seus empenhos. Ao pordes-vos na escola de Maria, possais seguir Cristo e ter a preocupação de O tornar conhecido!

Podemos dar graças pelos numerosos discípulos do Padre Champagnat que viveram com fidelidade a sua missão até ao testemunho do martírio. Recordamos, de modo especial, os onze Irmãos, testemunhas da verdade e da caridade, mortos tragicamente durante estes últimos cinco anos, na Argélia, em Ruanda e na República Democrática do Congo. Escondidas testemunhas da esperança, eles unem-se ao longuíssimo martirológio dos Irmãos Maristas, que começou desde o início com o Irmão Jacinto. Pensamos ainda em São Pedro Chanel, Padre marista, primeiro mártir da Oceânia.

A todos os fiéis presentes, assim como a todos os Irmãos Maristas do mundo, às pessoas que trabalham com eles no sector educativo e a todos os jovens que beneficiam do seu apostolado, concedo do íntimo do coração a Bênção Apostólica.

3. No ano em que a Igreja, a caminho rumo ao Grande Jubileu, fixa o olhar na infinita ternura de Deus Pai, reconhecemos em S. João Calábria, sacerdote veronês fundador dos Pobres Servos e das Pobres Servas da Divina Providência, um admirável reflexo da paternidade divina. Ele mesmo, aliás, assim concebeu, desde o início, a missão que lhe fora confiada pelo Senhor: sentia que era chamado a «mostrar ao mundo que a divina Providência existe, que Deus não é estrangeiro, mas é Pai, e pensa em nós, com a condição de que pensemos n'Ele e façamos a nossa parte, que é a de procurar em primeiro lugar o santo Reino de Deus e a sua justiça» (Cartas aos seus sacerdotes, III, 19 de Março de 1933). A alma de toda a sua intensa actividade apostólica e caritativa foi a descoberta, através do Evangelho, do amor do Pai celeste e de Cristo pelo homem.

A caridade evangélica foi a virtude que caracterizou em grande medida a sua vida. Uma doutora judia, por ele escondida entre as suas Irmãs para a subtrair aos nazi-fascistas, testemunhou que todos os momentos da existência dele pareciam como que uma personificação do hino do apóstolo Paulo à caridade. De coração faço votos aos seus filhos e filhas espirituais, aos quais dirijo uma saudação calorosa, por que prolonguem e estendam sempre mais o irreprimível amor que transbordava do coração deste santo sacerdote, conquistado por Cristo e pelo seu Evangelho.

4. A Igreja rejubila, hoje, juntamente com a inteira família religiosa das Irmãs da Caridade de Santa Joana Antida Thouret, pelo dom de Santa Agostinha Lívia Pietrantoni. A poucos dias da celebração do segundo centenário de fundação do Instituto, louvamos o Senhor pelas maravilhas por Ele operadas na vida desta fiel discípula de Santa Joana Antida. Ao mesmo tempo, queremos agradecer-Lhe também os abundantes frutos de bem maturados nestes dois séculos de vida da Congregação, através da humilde e generosa obra de tantas Irmãs da Caridade.

Crescida numa família habituada à fa- diga e arraigada na fé, a nova Santa abraçou o ideal vicentino, feito de caridade, humildade e simplicidade, e expresso no respeito pelo outro, na cordialidade, no sentido do dever «bem cumprido». Durante os anos de serviço no Hospital «Santo Espírito» aos doentes de tuberculose, a Irmã Agostinha encontra o homem que sofre e que implora o reconhecimento da dignidade da própria integridade física e espiritual. Numa época caracterizada por um vento de laicização, Agostinha Lívia Pietrantoni faz-se testemunha dos valores do espíri- to. A respeito dos seus doentes, então incuráveis e muitas vezes exasperados e difíceis de serem tratados, ela diz: «Neles sirvo Jesus Cristo... sinto-me inflamada de caridade por todos, pronta a aguentar qualquer sacrifício, também a derramar o sangue pela caridade». O sacrifício supremo do sangue será o selo definitivo da sua vida, inteiramente despendida no indiviso amor a Deus e aos irmãos.

Possa o seu exemplo inflamar as Coirmãs da Congregação de Santa Antida e impeli-las a um ardente testemunho daquela caridade, que constitui a síntese da lei divina e é vínculo de toda a perfeição (cf. Cl Col 3,14).

5. Caríssimos Irmãos e Irmãs! Olhemos para os novos Santos, e aprendamos deles o segredo da santidade. Aprofundemos os seus carismas, assimilemos o espírito que deixaram como herança e imitemos os seus exemplos. E a paz de Cristo reinará nos nossos corações! A Mãe do Redentor, Rainha de todos os Santos, obtenha isto para cada um de nós.

Com estes sentimentos, de coração concedo a vós e aos vossos entes queridos a Bênção Apostólica.



CARTA DO PAPA JOÃO PAULO II


AO BISPO DE NICE POR OCASIÃO


DOS 300 ANOS DA CONSAGRAÇÃO DA CATEDRAL




A D. Jean BONFILS
Bispo de Nice

No momento em que a Diocese de Nice celebra o terceiro centenário da consagração da basílica-catedral de Santa Maria – Santa Reparadora, que teve lugar no dia 2 de Maio de 1699, uno-me de coração à alegria e à acção de graças da comunidade cristã que se reúne nesse lugar particularmente expressivo para a Igreja diocesana, sinal da sua unidade, em redor do Bispo. Actualmente a Catedral de Nice é dedicada à Virgem Maria, Mãe da Igreja, e à Santa Reparadora, que o martirológio romano nos apresenta como virgem, originária de Cesareia da Palestina, e mártir que recusou sacrificar-se aos ídolos.

Mediante um solene acto litúrgico, a consagração tornou a catedral o centro da vossa diocese, pois reflecte a sua vida, como uma casa reflecte a vida da família que nela mora. Ela é esse lugar, aberto a todos, onde cada um encontra Cristo que convoca os seus discípulos para os nutrir com a sua palavra e o seu Corpo. Ponto de referência permanente de todos os diocesanos, ela tem por finalidade reunir os fiéis na «Igreja-conjunto» e na «Igreja-comunidade».

A catedral deve ser vista como o centro da vida litúrgica da diocese: «Mediante a majestade da sua construção, (ela) evoca o templo espiritual que se edifica interiormente nas almas e resplandece da magnificência da graça divina, como afirma o Apóstolo Paulo: "Vós sois o templo de Deus vivo" (2Co 6,16)» (Constituição apostólica Mirificus eventus, 1965). A catedral não é unicamente o símbolo duma parte da Igreja mas, ao contrário, da totalidade da Igreja. De facto, em cada igreja local está presente a Igreja de Cristo, e nela reside a presença de Cristo. Não recorda porventura a oração da consagração que uma igreja «significa o mistério da Igreja, a qual Cristo santificou mediante o seu sangue para fazer dela a sua esposa resplandecente, virgem admirável devido à integridade da sua fé, mãe fecunda pelo poder do Espírito»? Desta forma, todos os fiéis são convidados a aprofundar em primeiro lugar o mistério da Igreja. Em particular, eles recordar-se-ão de que a catedral é a Igreja, é o lugar onde se situa a sede do Bispo, a catedral, que é o «sinal do magistério e do poder do Pastor da Igreja particular, sinal também da unidade dos crentes na fé que o Bispo, enquanto pastor do seu rebanho, anuncia» (Cerimonial dos Bispos, 42). Na Catedral de Nice, desde os primeiros séculos, sucederam-se os «transmissores do múnus apostólico» (Lumen gentium LG 20). Em redor da sede do Bispo são chamados a reunir-se os ministros ordenados e os fiéis, pois «lá onde está o Bispo, ali também está a Igreja» (S. Inácio de Antioquia, Carta aos Esmirneus, 8, 2).

Faço votos por que os católicos da sua Diocese possam afluir em grande número a essa Catedral, sobretudo durante o Grande Jubileu, a fim de confirmarem a sua fé, sentirem-se sobretudo membros da Igreja, converterem-se e tornarem-se missionários da nova evangelização (cf. Bula de proclamação do Grande Jubileu do Ano 2000, Incarnationis mysterium, 6). Eles terão a solicitude de reforçar os vínculos da comunhão eclesial, indo a esse lugar aos domingos para celebrar o memorial do Senhor morto e ressuscitado. Ao entrarem nessa casa de Deus, cuja decoração arrebata o olhar para o alto e canta o mistério da revelação em Jesus Cristo, eles irão ouvir a Sua chamada permanente a conhecê-l'O e a segui-l'O, como diz o Salmo: «Ó Deus, nós meditamos o Teu amor no meio do Teu templo» (48, 10). Na perspectiva jubilar, irão também haurir a força do perdão, a fim de encontrar a paz que vem do Ressuscitado.

Ao invocar a Virgem Maria e a Santa Reparadora a fim de que este aniversário reforce nos seus diocesanos a fé em Deus, o amor à Igreja, os vínculos de comunhão e o desejo da missão, concedo-vos de todo o coração a Bênção apostólica, bem como a quantos participarem na celebração da consagração e a todos os fiéis que celebram nesse lugar os Santos Mistérios ou nela se recolhem para orar.

Vaticano, 20 de Abril de 1999.



PAPA JOÃO PAULO II


DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DO COLÉGIO DOS PADRES ESCRITORES


DA COMPANHIA DE JESUS


POR OCASIÃO DOS 150 ANOS DA FUNDAÇÃO


DA REVISTA "LA CIVILTÀ CATTOLICA"


Quinta-feira, 22 de Abril de 1999



Caríssimos Irmãos!

1. É-me grato dar as minhas cordiais boas-vindas a cada um de vós, ao agradecer-vos esta visita, que quisestes fazer-me na fausta comemoração do centésimo quinquagésimo aniversário da fundação de La Civiltà Cattolica. Desejo unir-me à vossa acção de graças ao «Pai da Luz», do qual «desce todo o dom perfeito» (Jc 1,17), pelo bem realizado neste século e meio ao serviço da fé católica e da Santa Sé.

La Civiltà Cattolica, que hoje é a mais antiga entre as revistas publicadas na Itália, foi querida pelo meu predecessor o Papa Pio IX, de venerada memória, que com o Breve Gravissimum supremi, de 12 de Fevereiro de 1866, a dotou de um particular estatuto. Ele estabeleceu que o periódico, destinado a defender «com todas as forças e incessantemente a religião católica com a sua doutrina e os seus direitos», fosse redigido por um particular Colégio de Escritores que, designados pelo Superior-Geral da Companhia de Jesus, vivessem e trabalhassem juntos numa própria casa. Depois de Pio IX, a obra realizada pela Revista continuou a obter encómios e reconhecimentos dos Romanos Pontífices, que quiseram de novo aprovar-lhe o estatuto. Olhando para o longo itinerário percorrido, podemos bem dizer, como recordei na última audiência concedida ao vosso Colégio, a 5 de Abril de 1982, que La Civiltà Cattolica «institucionalmente posta ao serviço do Papa e da Sé Apostólica», «embora tenham mudado os homens, os acontecimentos e as situações históricas, se manteve sempre fiel» (L'Osserv. Rom 11/4/82, pág. Rm 7).

2. Ao repercorrer os cento e cinquenta anos da vossa Revista, observa-se uma grande variedade de posições, devidas quer ao mudar das circunstâncias históricas, quer à personalidade de cada um dos escritores. Contudo, no amplo e complexo panorama das vicissitudes religiosas, sociais e políticas que, desde 1850 até hoje, interessaram a Igreja e a Itália, emerge nos volumes de La Civiltà Cattolica um aspecto fundamental, que jamais veio a faltar: a adesão plena, ainda que às vezes sofrida, aos ensinamentos e às directrizes da Santa Sé, o amor e a veneração pela pessoa do Papa. Estou certo de que, como já os vossos predecessores, também vós continuareis a fazer dessa peculiaridade um motivo de honra e a razão de ser da vossa Revista. Além disso, estou persuadido de que a Sé Apostólica poderá encontrar em vós colaboradores competentes e fiéis, sobretudo nos momentos difíceis, que jamais faltam na vida da Igreja.

Entre os méritos da Revista, é-me grato recordar a prontidão com que ela acolheu a renovação eclesial iniciada pelo Concílio Vaticano II, e o empenho em fazer com que um vasto público conhecesse as vicissitudes, as questões debatidas e os documentos. Digno de nota, depois, é o esforço com que nos anos sucessivos ela procurou aprofundar os documentos conciliares, em vista de um melhor acolhimento da doutrina neles contida e da renovação da vida cristã por eles almejada.

3. Diante dos desafios do momento presente e em vista do novo milénio, desejaria hoje exortar-vos a fazer-vos intérpretes da urgência de uma retomada do espírito e dos ensinamentos do Concílio, em particular sobre temas como a cristologia, a eclesiologia e o Magistério da Igreja, o papel do laicado e a especificidade do cristianismo no diálogo inter-religioso, a liberdade religiosa, a relação entre as culturas e o ecumenismo, os instrumentos de comunicação de massa e o seu problemático impacto sobre a mentalidade e os comportamentos do homem contemporâneo.

É este um vasto campo de acção que solicita todos vós a perseverar no vosso empenho em «combater pela fé que foi dada aos santos de uma vez para sempre» (cf. Jud 3). As grandes transformações que se verificam no mundo contemporâneo tornam urgente um corajoso empenho em educar para uma fé convicta e adulta, capaz de dar sentido à vida, a fim de resistir aos ataques duma cultura muitas vezes secularizada e oferecer respostas convincentes a quantos, embora não creiam, estão em busca de Deus.

Essa tarefa, que pertence à Igreja inteira, requer de cada um de vós, membros da Companhia de Jesus, «instituída com a finalidade principal de se ocupar especialmente da defesa e propagação da fé» (Júlio III, Carta Apostólica Exposcit debitum de 21 de Julho de 1550, n. 1), um empenho sempre mais total e corajoso «no ensino da verdade cristã» (ibid.), em plena fidelidade e comunhão com o Magistério.

Hoje, a fé cristã é chamada a confrontar-se com culturas não cristãs, com o progresso das ciências, com filosofias marcadas pelo imanentismo e o agnosticismo, pela rejeição da metafísica e pelo cepticismo na capacidade de a razão humana alcançar a verdade. Na Encíclica Fides et ratio, eu quis mostrar como esta desconfiança na razão humana torna difícil o acolhimento da fé e priva a própria razão do contributo da Revelação, para um conhecimento mais profundo do mistério do homem, da sua origem, da sua natureza espiritual e do seu destino. Nesse contexto, La Civiltà Cattolica é chamada a contribuir para a superação da divergência entre fé e cultura moderna, entre fé e comportamentos morais, com especial atenção aos problemas evocados nas Encíclicas Veritatis splendor e Evangelium vitae, que constituem aspectos essenciais sobre os quais se mede a fidelidade dos crentes ao ensinamento de Jesus, conservado na Tradição autêntica da Igreja.

4. Como não recordar, depois, que a vossa Revista seguiu sempre com especial cuidado a doutrina social da Igreja, sustentando o empenho do Magistério em prol da difusão, aprofundamento e renovação desse fundamental instrumento de evangelização? No contexto actual, parece sempre mais evidente que os problemas sociais, financeiros e económicos não são estranhos à evangelização e à dignidade da pessoa humana. As injustiças sociais, o domínio do dinheiro, uma economia global sem controles podem ferir a dignidade pessoal de inteiros povos e continentes e tornar mais difícil o acolhimento da mensagem evangélica. Encorajo-vos, portanto, a prosseguir no louvável empenho de aprofundamento e difusão da doutrina social da Igreja, que as mutações em acto na sociedade e no mundo do trabalho tornam sempre mais actual e urgente. O papel da Igreja, que sois chamados a ampliar e difundir, é proclamar o «evangelho da caridade e da paz», promovendo a justiça, o espírito de fraternidade e a consciência do destino comum dos homens, premissas indispensáveis para a construção da autêntica paz entre os povos.

5. Caríssimos Padres escritores, ao aproveitardes o longo e louvável caminho percorrido por La Civiltà Cattolica, prossegui no vosso precioso serviço eclesial, em especial e cordial consonância com a Santa Sé e o Papa ao qual, como membros da Companhia de Jesus, vos une um voto particular.

Confio o vosso trabalho quotidiano à Virgem, Mãe da Igreja e Padroeira da Companhia. Maria obtenha de seu Filho para cada um de vós um profundo espírito de fé. Conceda-vos perscrutar as vicissitudes da história humana com sabedoria evangélica e captar na história os «sinais dos tempos». Ajude-vos a empenhar-vos com generosidade na tarefa que a Igreja vos confiou por meio dos Romanos Pontífices.

Com estes votos, de coração concedo ao Padre Director, a cada um de vós e aos vossos colaboradores uma especial Bênção Apostólica, em penhor do meu constante afecto. Superar a divergência entre fé e cultura moderna, entre fé e comportamentos morais



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DA "FUNDAÇÃO GORBACHEV"


Quinta-feira, 22 de Abril de 1999



Senhor Presidente
Senhoras e Senhores

1. É-me grato dar as boas-vindas à distinta assembleia dos Prémios Nobel para a Paz, reunida em Roma para importantes dias de reflexão sobre os desafios políticos do próximo século. Saúdo, em particular, Sua Excelência o Senhor Mikhail Gorbachev, Presidente da Fundação para a Investigação Política, Económica e Social, que organizou este colóquio internacional. Aprecio muito a saudação cordial que me dirigiu em vosso nome.

2. A questão da paz está no centro da vida política. Por este motivo, o vosso encontro realiza-se num momento particularmente trágico para a Europa. Como poderíamos deixar de renovar um vigoroso apelo para o fim dos conflitos étnicos nos Balcãs e do combate armado, para o retorno ao diálogo e ao respeito pela dignidade de todas as pessoas e de todas as comunidades, no nome dos direitos humanos fundamentais! Nem podemos esquecer as tragédias humanas que se verificam em tantas outras áreas do mundo, em particular na África e na Ásia. A importante obra que realizastes ao serviço da paz e da reconciliação, atribuiu-vos uma constante responsabilidade na luta pelo reconhecimento do valor inestimável de todo o ser humano, pela formação das consciências e o crescimento da coexistência fraterna e pacífica entre indivíduos e povos. Visto que provindes de diferentes culturas e nações, o vosso encontro é um sinal daquela paz que só se pode realizar quando forem superadas visões do homem e da sociedade baseadas na raça, religião, nacionalismo ou, mais em geral, na exclusão dos outros. A busca da paz requer uma abertura à experiência dos nossos irmãos e irmãs e um empenho eficaz em respeitar a sua dignidade e liberdade.

3. Ao preparar-se para entrar no novo milénio, a humanidade deve ser encorajada a progredir com determinação ao longo das veredas de uma paz real e duradoura, e a edificar uma civilização baseada no desejo de uma coexistência, que respeite a diversidade dos povos, as suas histórias, as suas culturas e as suas tradições espirituais. Em vez de alimentar novos antagonismos, a globalização deve conduzir à rejeição do conflito armado, do mesquinho nacionalismo e de todas as formas de violência.

Esta é a condição para o crescimento de uma solidariedade autêntica, que permite a todos compreender que a paz requer a aceitação da diversidade, a rejeição do comportamento agressivo contra os outros e o desejo de edificar uma sociedade sempre mais justa e fraterna, através do diálogo e da cooperação. A paz não é uma vaga ideia ou um sonho; ela é uma realidade que deve ser construída com fadiga, dia após dia, mediante os esforços de todos. Buscar a paz é um dos mais nobres objectivos, pelos quais um indivíduo pode lutar no âmbito de si mesmo ou da sua nação e da comunidade internacional. Aqueles que buscam ser artífices de paz, deveriam ser apoiados com vigor, pois os seus esforços têm em vista criar uma vida melhor para todos, uma sociedade na qual cada pessoa tenha o seu lugar e todos possam viver em paz e em harmonia, desenvolvendo os dons recebidos do Criador para o seu desenvolvimento pessoal e o bem comum.

4. Para os cristãos, a base da dignidade humana está no amor de Deus por todas as pessoas, sem excepção; a paz autêntica é um dom constantemente oferecido e recebido. Apesar da violência e das numerosas ameaças à vida que o nosso mundo está a experimentar durante este ano, que os católicos dedicaram a Deus Pai de misericórdia, a Igreja deseja proclamar uma mensagem de esperança quanto ao futuro da humanidade. Ela exorta com vigor todas as pessoas de boa vontade a unirem-se, sem temor, para edificar a «civilização do amor, fundada sobre os valores universais de paz, solidariedade, justiça e liberdade» (Tertio millennio adveniente, TMA 52) e a jamais desanimarem diante dos obstáculos ou insucessos.

Deus vos abençoe, a vós e às vossas famílias, e oriente os vossos esforços ao serviço da paz, da reconciliação e da fraternidade entre os povos!




Discursos João Paulo II 1999