Discursos João Paulo II 1999 - Terça-feira, 2 de Dezembro de 1999

À EMBAIXADORA DO PANAMÁ


POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO


DAS CARTAS CREDENCIAIS


: 4 de Dezembro de 1999



Senhora Embaixadora

1. É-me grato receber as Cartas Credenciais que a acreditam como Embaixadora Extraordinária e Plenipotenciária da República do Panamá junto da Santa Sé, enquanto lhe agradeço sinceramente as amáveis palavras que houve por bem dirigir-me neste acto solene, que me oferece também a oportunidade de saudá-la e dar-lhe as minhas mais cordiais boas-vindas.

Desejo também manifestar um particular apreço pelos sentimentos de proximidade e de adesão da Excelentíssima Senhora Presidente da República, Dona Mireya Moscovo, e do Governo do seu País, dos quais Vossa Excelência se fez portadora, enquanto peço que lhe transmita por sua vez a minha deferente e reconhecida saudação, juntamente com os meus melhores votos de paz e bem-estar para todo o querido povo do Panamá.

2. Na realidade, a cordialidade que preside este encontro constitui o reflexo das boas relações existentes entre o Panamá e a Santa Sé, bem como do bom entendimento e da estreita colaboração entre as autoridades públicas e eclesiais no País. Apraz-me constatar que o novo Governo da República manifestou a sua intenção de continuar e fomentar estas relações porque, não obstante a autonomia e a diferença das suas responsabilidades e do rigoroso respeito das respectivas competências, os poderes públicos e a Igreja têm uma finalidade última que converge na promoção concreta das pessoas e no bem comum da sociedade.

Com efeito, o autêntico progresso dos povos não se constrói só com disposições técnicas, por mais que estas sejam judiciosas e necessárias, mas também infundindo uma alma que dê sentido à vida e consistência à convivência, mediante uma participação cívica responsável e um profundo sentido de solidariedade. Para isto já tem contribuído desde há muito tempo a Igreja, que precisamente no Panamá fundou a primeira Diocese em terra continental americana, então denominada de "Santa María la Antigua del Darien", anunciando o Evangelho de Cristo às suas populações, acompanhando-as num processo de educação integral, promovendo os valores mais sublimes, defendendo a dignidade da pessoa e estando próxima nos momentos de dificuldade, especialmente das pessoas mais desafortunadas da sociedade. Impelida pela sua fidelidade à missão recebida de Cristo, ela prossegue e continuará disposta a ajudar os panamenses a enfrentar os desafios que se apresentarem no novo milénio e a encorajá-los a trabalhar juntos por um futuro melhor para todos.

3. Este futuro começa com um acontecimento de grande importância para o Panamá, que é a iminente restituição da soberania sobre o homónimo canal, juntamente com os terrenos adjacentes. Trata-se de um facto que acarreta grandes consequências jurídicas e práticas, económicas e políticas mas reveste também, como Vossa Excelência salientou nas suas palavras, um carácter emblemático, a confirmação da identidade histórica e geográfica do seu País, chamado a desempenhar um importante papel de comunicação e união entre os povos do mundo.

Tudo isto parece um convite a que o Panamá se distinga precisamente como um povo hospitaleiro, amante do diálogo e possuidor de profundas raízes cristãs. Por isso, à reconquista da soberania sobre o território deverá seguir-se uma solicitude especial, para evitar que interesses ou pressões alheias acabem por desvirtuar os benefícios que esta magnífica oportunidade histórica pode oferecer a todos os cidadãos, privilegiando o desenvolvimento de projectos destinados a erradicar a pobreza de que padece uma boa parte da população, a respeitar cada vez mais a dignidade dos vários grupos étnicos, a aperfeiçoar a educação, a favorecer a prática do poder judiciário e a tornar mais humana e justa a situação dos prisioneiros, para que se facilite a sua reinserção na sociedade e, enfim, se proporcionem os instrumentos necessários para o progresso integral do homem panamense.

4. Cabe-lhe, Senhora Embaixadora, a honra de começar a sua missão diplomática em Roma, nas vésperas da abertura do Grande Jubileu do Ano 2000, que constitui um acontecimento de enorme importância para os cristãos do mundo inteiro e no qual a Igreja deposita ingentes esperanças de renovação e de reconciliação. Faço votos de coração por que, também para o Panamá, ele seja uma ocasião propícia para promover o seu futuro espiritual e, como disse na minha Carta Apostólica Tertio millennio adveniente, uma "oportunidade para meditar sobre outros desafios do momento, tais como por exemplo as dificuldades do diálogo entre as diversas culturas e as poblemáticas ligadas ao respeito dos direitos da mulher e à promoção da família e do matrimónio" (n. TMA 51).

5. Com estes votos, reitero cordialmente as minhas boas-vindas à sua pessoa e à sua distinta família. Formulo depois os meus melhores votos pelo bom êxito da missão que Vossa Excelência agora inicia como representante do seu País e da qual esperamos abundantes frutos para o bem espiritual e material da população do Panamá. Penso aqui sobretudo nas mulheres e nos homens comprometidos quotidianamente em levar uma vida digna, orgulhosos de poder contribuir para a construção de um futuro melhor para a própria Nação. Imploro à nossa Mãe celestial que proteja os seus filhos panamenses, infundindo-lhes o alento necessário para progredirem ao longo dos caminhos da solidariedade e da paz.

Senhora Embaixadora, peço-lhe que se faça intérprete dos meus sentimentos de apreço e de proximidade perante as autoridades e o povo do Panamá, a quem abençoo de coração.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NO CONGRESSO


PROMOVIDO PELO PONTIFÍCIO


CONSELHO PARA A FAMÍLIA


Sábado, 4 de Dezembro de 1999

Senhor Cardeal
Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. Tenho o prazer de receber todos vós, participantes no Congresso sobre "A família e a integração do deficiente na infância e na adolescência", organizado pelo Pontifício Conselho para a Família, em colaboração com o "Centro Educación Familiar Especial" (CEFAES), de Madrid, e com o "Programa Leopoldo", da Venezuela. Saúdo o Senhor Cardeal Alfonso López Trujillo, Presidente do Pontifício Conselho para a Família, e agradeço-lhe as cordiais expressões que quis dirigir-me, interpretando os sentimentos dos presentes. Saúdo cada um de vós e agradeço a vossa presença e o empenho com que estais a enfrentar um tema tão importante, que se refere a tantas famílias. Faço votos por que os resultados deste encontro ajudem a melhorar a situação de tantas crianças e adolescentes em dificuldade.

No contexto do Advento, que nos prepara para celebrar o nascimento do Senhor, este vosso Simpósio adquire um relevo singular. À luz do Menino Jesus torna-se, de facto, mais fácil a reflexão sobre a condição das crianças. Quando dificuldades, problemas ou doenças atingem a infância, é então que os valores da fé podem vir em socorro dos valores humanos, para fazer com que seja reconhecida e respeitada a originária dignidade pessoal também dos deficientes. Portanto, é mais do que nunca oportuno este vosso Congresso, que dirige a sua atenção às famílias, para as ajudar a descobrir, também nos filhos portadores de deficiência, um sinal do amor de Deus.

2. A chegada de um filho que sofre é, sem dúvida, um evento desconcertante para a família, que por isso fica intimamente abalada. Também sob este ponto de vista, parece importante encorajar os pais a reservarem "uma especialíssima atenção à criança, desenvolvendo uma estima profunda pela sua dignidade pessoal como também um grande respeito e um generoso serviço pelos seus direitos. Isto vale para cada criança, mas adquire uma urgência singular quanto mais pequena e desprovida, sofredora ou diminuída for a criança" (Familiaris consortio FC 26).

A família é o lugar por excelência, onde o dom da vida é recebido como tal, e a dignidade da criança é reconhecida com expressões de particular cuidado e ternura. Sobretudo quando as crianças são mais necessitadas e estão expostas ao risco de ser rejeitadas por outros, é a família que pode tutelá-las com maior eficácia a igual dignidade em relação às crianças sadias. É claro que nessas situações os núcleos familiares, postos diante de problemáticas complexas, têm direito de ser sustentados. Daqui a importância de pessoas que saibam estar-lhes perto, sejam elas amigos, médicos ou assistentes sociais. Os pais devem ser encorajados a enfrentar a situação certamente não fácil, sem se fecharem em si mesmos. É importante que o problema seja compartilhado, não só pelos familiares mais íntimos, mas também por pessoas competentes e amigas.

São estes "bons samaritanos" do nosso tempo que, com a sua presença generosa e amiga, repetem o gesto de Cristo, o qual fez com que os doentes e as pessoas em dificuldade sentissem sempre a sua confortadora proximidade. A Igreja é grata a estas pessoas que, cada dia e em toda a parte, se esforçam por aliviar os sofrimentos com "gestos quotidianos de acolhimento, de sacrifício e de cuidado desinteressado" (Evangelium vitae EV 27).

3. Se a criança em dificuldade se encontra inserida num lar acolhedor e aberto, ela não se sente sozinha mas no coração da comunidade e pode assim aprender que a vida é sempre digna de ser vivida. Os pais, por sua parte, experimentam o valor humano e cristão da solidariedade. Tive oportunidade de recordar noutras ocasiões que é preciso demonstrar com os factos que a doença não cria abismos intransponíveis, nem impede relações de autêntica caridade cristã com aquele que dela é vítima. Antes, a doença deve suscitar uma atitude de especial atenção para com estas pessoas que pertencem, com pleno direito, à categoria dos pobres aos quais é reservado o reino dos céus.

Penso, neste momento, em exemplos de extraordinária dedicação por parte de inúmeros pais em relação aos próprios filhos; penso nas múltiplas iniciativas de famílias dispostas a acolher com impulso generoso crianças deficientes, em confiança ou em adopção. Quando as famílias são nutridas abundantemente pela Palavra de Deus, acontecem milagres de autêntica solidariedade cristã no seu seio. É esta a resposta mais convincente a quantos consideram as crianças deficientes como um peso ou até como não dignas de viver plenamente o dom da existência. Acolher os mais débeis, ajudando-os no seu caminho, é sinal de civilização.

4. Tarefa dos Pastores e dos Sacerdotes é sustentar os pais, para que compreendam e aceitem que a vida é sempre dom de Deus, mesmo quando é marcada pelo sofrimento e enfermidade. Toda a pessoa é sujeito de direitos fundamentais que são inalienáveis, invioláveis, indivisíveis. Toda a pessoa: portanto também o deficiente, que precisamente por causa da sua deficiência pode encontrar maiores dificuldades no exercício concreto desses direitos. Por isso, há necessidade de não ser deixado sozinho, mas acolhido pela sociedade e nela, segundo as possibilidades, inserido como membro a pleno título.

Diante de todo o ser humano, sempre merecedor do máximo respeito em virtude da própria dignidade de pessoa, a sociedade civil e a Igreja têm papéis específicos a desempenhar, contribuindo para desenvolver na comunidade a cultura da solidariedade. O portador de deficiência, como qualquer outro sujeito débil, deve ser encorajado a tornar-se protagonista da sua existência. Compete, antes de tudo, à família, superado o primeiro momento, compreender que o valor da existência transcende o da eficiência. Se assim não for, ela corre o perigo de permanecer desiludida e desconfiada quando, apesar de toda a tentativa, não se obtêm os resultados esperados de cura ou de recuperação.

5. Evidentemente, a família tem necessidade de um apoio adequado por parte da comunidade. São necessários, às vezes, sistemas de imediata intervenção para os momentos críticos e, por vezes, requerem-se estruturas residenciais à maneira de pequenas comunidades adequadamente aparelhadas, quando a convivência na família já não é possível.

Em todo o caso, é importante manter a comunicação familiar a um nível constantemente elevado, pois sabe-se que falar, escutar, dialogar são factores essenciais para regular e harmonizar o comportamento. É necessário, além disso, que o filho em dificuldade seja capaz de perceber momentos de atenção e de amor para com ele. Nessa função a família é indispensável; mas ela, só com as suas forças, dificilmente conseguirá obter resultados apreciáveis. Abre-se aqui o espaço para a intervenção de associações especializadas e de outras formas de ajuda extrafamiliar, que assegurem a presença de pessoas, com as quais a criança deficiente possa dialogar e instaurar relações educativas e de amizade.

Depois, a vida de grupo e a amizade constituem uma óptima condição para favorecer a libertação de condicionamentos e uma melhor adaptação pessoal e social, graças à instauração de relações abertas e gratificantes.

6. Caríssimos Irmãos e Irmãs, detive-me a reflectir juntamente convosco sobre alguns aspectos práticos de grande importância, concernentes à integração das crianças deficientes na família e na sociedade. Muito foi escrito sobre este argumento e a essas problemáticas a acção pastoral deve reservar grande atenção. As crianças merecem todo o cuidado, e isto vale em particular quando elas se encontram em condições difíceis.

Contudo, para além de toda a profícua investigação científica e de toda a iniciativa social e pedagógica, para o crente é importante a humilde e confiante entrega a Deus. É sobretudo na oração que a família encontrará a energia para enfrentar as dificuldades. No constante recurso ao Senhor os familiares aprenderão a acolher, amar e valorizar o filho ou a filha marcados pelo sofrimento.

Maria, Mãe da esperança, ajude e sustente quantos se encontram envolvidos nestas situações. A Ela confio o vosso digno empenho, enquanto de bom grado vos concedo uma especial Bênção Apostólica, extensiva a todos os vossos entes queridos.



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


POR OCASIÃO DA ABERTURA


DO ANO JUBILAR EM BELÉM




É-me grato saber que, na proximidade do Natal, os mais altos representantes dos cristãos da Terra Santa estão reunidos num acto ecuménico, em preparação para a abertura do Ano jubilar que comemora o bimilenário do nascimento do nosso Senhor e Salvador, quando dirigiremos súplicas sempre mais instantes ao Espírito Santo, para implorar a graça da plena comunhão (cf. Tertio millennio adveniente, TMA 34).

Para os cristãos da Terra Santa e, de facto, para todos os cristãos do mundo, este encontro em Belém confirma que os lugares onde Jesus transcorreu a sua vida terrena, deu o próprio testemunho, morreu e ressuscitou, recordam constantemente a graça que n'Ele recebemos e nos exortam com urgência a revigorar a nossa vontade e o nosso empenho de sermos fiéis à sua oração: Ut omnes unum sint.

Que o Grande Jubileu conduza todos os discípulos de Cristo a expiarem os pecados contra a unidade e a trabalharem por acelerar o advento da hora sagrada em que haveremos de invocar o nosso Pai celeste com uma só voz!

Por uma feliz coincidência, na celebração ecuménica desse dia participam os Secretários das Comunhões mundiais cristãs. Também a eles envio as minhas cordiais saudações e o meu encorajamento para os seus esforços por estreitar os vínculos de fraternidade e de cooperação.

Oro para que este solene evento ecuménico em Belém, na vigília do aniversário do nascimento de Cristo, faça aumentar a nossa consciência do facto que, "tal como então, também hoje Cristo pede que um ímpeto novo reanime o empenho de cada um em ordem à comunhão plena e visível" (Ut unum sint UUS 100). Com esta ardente esperança saúdo-vos a todos no Senhor.

Vaticano, 4 de Dezembro de 1999



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NA PRIMEIRA


ASSEMBLEIA PLENÁRIA


DO MOVIMENTO DE VIDA CRISTÃ


Sala Clementina

Segunda-feira, 6 de Dezembro de 1999



Queridos Irmãos e Irmãs,
membros do Movimento
e do Sodalício de Vida Cristã!

Saúdo-vos com afecto nesta visita que me fazeis por ocasião da vossa primeira Assembleia Plenária, que estais a celebrar em Roma para orar e reflectir junto do túmulo dos Apóstolos Pedro e Paulo. Dirigis o vosso olhar para o mundo desde o centro da catolicidade, meditando no significado da universalidade do Evangelho, que não pode excluir nenhuma cultura ou região da terra, nenhum sector da sociedade. Ao mesmo tempo, renovais a vossa plena adesão ao Sucessor de Pedro, encarregado por Cristo de confirmar na fé os seus irmãos (cf. Lc Lc 22,32).

Nascido em terras peruanas em 1985, com uma projecção eminentemente evangelizadora, o Movimento de Vida Cristã estendeu-se já por numerosos países americanos e superou também os confins do Continente englobando, além do Sodalício, outros grupos e associações comprometidos, a partir das diversas vocações e estados de vida, em proclamar Cristo como Salvador do género humano.

Diante da iminência do Grande Jubileu, exorto-vos a preparar os vossos corações para receber a misericórdia de Deus e favorecer um espírito de vida cristã coerente e profunda nos vossos ambientes e actividades apostólicas. Fazei com que na formação da juventude o espírito de iniciativa esteja unido à fidelidade ao Evangelho, que a cultura se abra ao sentido da transcendência e da pobreza em todas as suas manifestações e receba da caridade e solidariedade efectiva um raio de esperança. Deste modo sereis verdadeiros artífices de reconciliação no mundo actual.

Enquanto confio à Virgem Maria os frutos desta primeira Assembleia Plenária, para que vivifiquem o compromisso cristão e o impulso evangelizador das vossas comunidades e grupos, concedo-vos de coração a Bênção Apostólica, que de bom grado faço extensiva a todos os membros do Movimento de Vida Cristã.





CARTA DE JOÃO PAULO II


POR OCASIÃO DO 125° ANIVERSÁRIO


DA CHEGADA DO QUADRO


DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO A POMPEIA


Ao Venerado Irmão Francesco Saverio TOPPI
Arcebispo-Delegado Pontifício

1. A Igreja que está em Pompeia, no decurso do Grande Jubileu do Ano 2000, regozijar-se-á com um ulterior dom de Graça. No próximo dia 13 de Novembro celebra-se, com efeito, o 125° aniversário da chegada do Quadro de Nossa Senhora do Rosário. Esta "visita" de Maria mudou o rosto espiritual e civil de Pompeia, que desde 1975 se transformou cada vez mais em cidadezinha da oração, centro de irradiação do Evangelho, lugar de numerosas graças e conversões, ponto de referência de piedade mariana, para o qual olham de todas as partes do mundo.

Ao unir-me espiritualmente à Comunidade eclesial de Pompeia nesta feliz circunstância, desejo agradecer ao Senhor os dons com que a enriqueceu, implorando, pela intercessão da Virgem Santa, especiais favores celestes sobre Vossa Excelência, Venerado Irmão, e sobre todos os que estão confiados aos seus cuidados pastorais.

2. O Grande Jubileu e esta vossa especial data evocam-se reciprocamente e oferecem particulares motivos de reflexão e de acção de graças. O Ano Santo coloca no centro da atenção dos crentes o mistério da encarnação do Verbo e convida-os a contemplar Aquele que "tinha a condição divina, mas não se apegou à Sua igualdade com Deus. Pelo contrário, esvaziou-Se a Si mesmo, assumindo a condição de servo e tornando-Se semelhante aos homens" (Ph 2,5-7). Pompeia é a terra do Santo Rosário, onde o fervoroso brotar do coração dos fiéis da oração do Ave Maria leva a contemplar a disponibilidade interior com que a Virgem Santa recebeu na fé o anúncio do nascimento do Filho de Deus na condição humana.

De igual modo o convite, que ecoa no acontecimento jubilar a pôr-se em amorosa escuta da Palavra de Deus e a conformar a própria vida com o Evangelho, encontra um eco feliz na prática dos Quinze Sábados, que Bartolo Longo difundiu entre os fiéis, com a intenção de os estimular à contemplação de Cristo. Como não ver depois uma sintonia eloquente entre o nascimento humilde e pobre do Redentor na manjedoura de Belém e o contexto de igual modo simples e modesto no qual chegou a Pompeia o Quadro de Nossa Senhora?

Também a "mística Coroa", que a todos os que a ela se dirigem a Virgem oferece como "Cadeia doce que reata a Deus", se revela instrumento precioso para compreender melhor e viver as grandes dimensões do Jubileu. O Rosário, que Bartolo Longo considera quase um baluarte contra os inimigos da alma, une aos Anjos, e é "porto seguro no naufrágio comum" (Súplica à Rainha do S. Rosário de Pompeia).

3. O Jubileu, na sua mensagem mais profunda, é chamamento à conversão e estímulo a uma autêntica renovação pessoal e social. Ao entrar no novo milénio a comunidade cristã é convidada a alargar o próprio olhar de fé até horizontes novos para o anúncio do Reino de Deus. A autoconsciência, que ela maturou com o Concílio Vaticano II do próprio mistério e da tarefa apostólica que lhe fora confiada pelo seu Senhor, empenha-a a viver no mundo sabendo que deve ser "o fermento e a alma da sociedade humana, a qual precisa renovar-se em Cristo e transformar-se em família de Deus" (cf. Incarnationis mysterium, 2).

Os cristãos podem encontrar no Rosário uma ajuda eficaz no empenho de realizar na sua vida estes objectivos do Jubileu. Convidando a aceitar com a admiração de Maria, de José, dos Pastores, dos Reis Magos e de todos os pobres de Israel o anúncio do nascimento do Filho de Deus na condição humana, os Mistérios gozosos suscitam nos cristãos, como já acontecera com o Fundador do Santuário de Pompeia e com outros numerosos devotos da Virgem do Santo Rosário, o desejo de levar aos homens do nosso tempo com renovado fervor o jubiloso anúncio do Salvador.

Através da contemplação dos Mistérios dolorosos, o Rosário faz sentir aos fiéis a dor dos pecados e, convidando a ter confiança na ajuda d'Aquela que reza "por nós pecadores agora e na ora da nossa morte", facilita o desejo de receber o Sacramento da Reconciliação a fim de corrigir as estruturas da própria vida. Por este caminho, o Beato Bartolo Longo encontrou a força para reorganizar a própria existência e tornou-se dócil à acção do Espírito Santo, o único que transforma os pecadores em santos.

Através da contemplação de Cristo que ressuscitou e subiu ao céu, os Mistérios gloriosos introduzem no oceano da vida trinitária, comunicada pelo Espírito Paráclito a todos os crentes e, de maneira especial, a Maria nossa Mãe e irmã. Olhando para ela que subiu ao céu e está na glória dos Santos, os cristãos são encorajados a admirar e desejar as "coisas lá do alto", e aspirando pela meta eterna tomam consciência dos meios necessários para a obterem, isto é, a fidelidade aos mandamentos divinos, a frequência aos Sacramentos da Igreja e a humilde adesão à vontade de Deus.

Também o empenho pela unidade dos crentes em Cristo e pela fraterna concórdia entre as Nações, reproposto pelo Grande Jubileu, encontra motivo de especial sintonia com o aniversário que o Santuário de Pompeia celebra este ano. No Jubileu de Novecentos no início deste nosso século XX, o beato Bartolo Longo quis realizar como voto pela paz a fachada monumental do Santuário, recolhendo ofertas e subscrições dos fiéis de todas as partes do mundo. Também a paz é agora, no alvorecer do terceiro milénio, o desejo fervoroso da humanidade e é preciso rezar com confiança pela paz em todas as partes da terra.

4. Venerado Irmão no Episcopado, formulo profundos votos por que, seguindo o exemplo do beato Bartolo Longo, esta Comunidade diocesana saiba captar nestes acontecimentos de graça um premente estímulo para anunciar com renovado fervor Jesus Cristo, Redentor do homem. A este propósito, o plano pastoral elaborado para este ano jubilar demonstra-se como nunca oportuno.

Ele inspira-se na trilogia "humildade, simplicidade, pobreza"; uma trilogia que caracterizou a vida terrena de Jesus, o estilo de Maria e também o programa ascético do beato Bartolo Longo. Como deixar de recordar que do nada e com meios pobres e humildes, ele, guiado pelo Espírito, erigiu em Pompeia um Santuário que hoje tem uma irradiação mundial? Os escritos do Beato, que já então alcançavam pessoas de todas as línguas e nações, continuam a oferecer úteis estímulos para a reflexão e a vida espiritual.

Esta herança preciosa, que representa para vós um singular título de honra, seja por vós acolhida e reproposta à sociedade de hoje, para que no templo de Pompeia, onde a Mãe continua a mostrar o seu Filho divino como único Salvador do mundo, numerosos homens e mulheres em busca da paz possam fazer a experiência jubilosa da "visita" de Cristo, vivida por Isabel e por João Baptista, por ocasião do encontro com a Virgem (cf. Lc Lc 1,39-56).

Com estes votos, invoco, por intercessão do Beato Bartolo Longo, sobre Vossa Excelência, Venerado Irmão, sobre os sacerdotes, os religiosos e as religiosas, sobre toda a Comunidade diocesana, e sobre os peregrinos e devotos, a materna protecção da Rainha do Santo Rosário e, de bom grado concedo a todos uma especial Bênção apostólica.

Vaticano, 8 de Dezembro de 1999, solenidade da Imaculada Conceição da Bem-aventurada Virgem Maria.

PAPA JOÃO PAULO II




ORAÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II


EM HOMENAGEM À IMACULADA CONCEIÇÃO


NA PRAÇA DE ESPANHA


Terça-feira, 8 de Dezembro de 1999



1. Como em todos os anos,
nesta data tão querida ao povo cristão,
encontramo-nos aqui, no coração da Cidade,
para renovar
a tradicional homenagem floreal à Virgem,
aos pés da coluna que os Romanos erigiram
em honra da Imaculada Conceição.
Já na vigília do Grande Jubileu,
a celebração hodierna
constitui uma especial preparação
para o encontro com Cristo,
que "destruiu a morte
e fez brilhar a vida e a imortalidade
por meio do Evangelho" (2Tm 1,10).
Assim a Escritura apresenta
a missão salvífica do Filho de Deus.

2. A Virgem, que hoje contemplamos
no mistério da Imaculada Conceição,
convida-nos a dirigir o olhar para o Redentor,
nascido na pobreza de Belém
para a nossa salvação.
Juntamente com Ela, contemplamos
o dom da encarnação do Filho de Deus,
que veio entre nós
para dar sentido à história dos homens.
Ressoam no nosso espírito
as palavras do profeta Isaías:
"O povo que andava nas trevas
viu uma grande luz" (9, 1).
Maria é a aurora radiosa
deste dia de esperança certa.
Maria é Mãe de Cristo, que se fez homem
para inaugurar os tempos novos
prenunciados pelos profetas.

3. Estamos a viver com Maria,
"aurora da Redenção",
o Advento, tempo de espera jubilosa,
de contemplação e de esperança.
Assim como no firmamento o nascer do sol
é prenunciado pela estrela matutina,
assim também
a encarnação do Filho de Deus,
"luz do alto" (Lc 1,78),
é precedida pela conceição imaculada
da Virgem Maria.
Sublime mistério de graça,
que sentimos ainda mais profundo neste ano,
na conclusão de um milénio
e no início já iminente do Ano jubilar.
Neste dia, com confiança mais profunda,
acorremos aos pés da Virgem,
para Lhe suplicar que nos ajude a cruzar,
com renovado empenho,
o limiar da Porta Santa,
que nos introduzirá
no Grande Jubileu do Ano 2000.

4. Cruzaremos este limiar
de maneira responsável,
sustentados e encorajados pela tua ajuda,
Virgem Imaculada.
Há dois mil anos, em Belém de Judá,
de Ti nasceu
o Triunfador da morte e o Autor da vida,
que por meio do Evangelho
fez resplandecer toda a vida humana.
Cristo veio até nós
para de novo dar dignidade plena
ao homem criado à imagem de Deus.
Sim, o ser humano
não pode permanecer nas trevas:
ele deseja ardentemente a Luz verdadeira,
que ilumine os passos
da sua peregrinação terrena.

5. O homem não ama a morte:
dotado duma natureza espiritual,
ele deseja a imortalidade de todo o seu ser.
Jesus, tendo anulado com o seu sangue
o poder da morte,
tornou realizável
este íntimo desejo do coração do homem.
Ao olharmos para Ti,
Virgem escolhida e repleta de Graça,
nós, peregrinos sobre a terra,
vemos realizar-se a promessa da imortalidade
na plena comunhão com Deus.
Em Ti, Mãe dos viventes,
realizou-se, como primícias de glória,
a palavra do Apóstolo:
o Senhor Jesus "destruiu a morte
e fez brilhar a vida e a imortalidade".
A Igreja repete este anúncio jubiloso
também neste ano,
no limiar de um novo milénio.

6. Eis por que, neste dia,
estamos de novo aos teus pés,
Imaculada cheia de Graça,
para Te suplicarmos,
fazendo-nos voz do inteiro povo cristão,
que acolhas a nossa homenagem,
expressão da nossa fé e da nossa devoção,
enquanto, com íntima gratidão,
transmitimos ao próximo milénio
a bonita tradição
deste devoto encontro Contigo,
junto da coluna da Praça de Espanha.
E Tu, Imaculada Virgem Maria, roga por nós!



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


DURANTE O ENCONTRO COM A DELEGAÇÃO DA


FEDERAÇÃO LUTERANA MUNDIAL


Quinta-feira, 9 de Dezembro de 1999



Senhor Presidente

1. Dou-lhe as cordiais boas-vindas aqui, no Palácio Apostólico, juntamente com os delegados da Federação Luterana Mundial. Transcorreram sete anos desde que tive a alegria de receber no Vaticano o seu ilustre predecessor, o Presidente Gottfried Brakemeier. Naquela data festejámos o XXV ano de existência do diálogo entre católicos e luteranos. Cheios de gratidão, pudemos constatar os numerosos e significativos frutos produzidos pelos colóquios bilaterais. A partir do Concílio Vaticano II, católicos e luteranos aproximaram-se de maneira sensível: com a ajuda de Deus conseguimos lentamente e com paciência eliminar as barreiras que nos dividiam. Ao mesmo tempo, fortaleceram-se também os vínculos visíveis de unidade. A relação ecuménica entre os católicos e os luteranos aumentou de modo constante, a nível quer internacional quer nacional. Os sinais de comunhão na fé tornaram-se um bom hábito. A colaboração no âmbito caritativo e social tornou-se mais estreita.

2. Há poucas semanas foi-nos dado um fruto particular do diálogo teológico em Ausburgo, onde se assinou a Declaração conjunta sobre a doutrina da Justificação pela Fé: um tema que durante séculos foi uma espécie de símbolo da divisão entre católicos e protestantes. Agradecemos a Deus ter-nos concedido pôr uma pedra miliar no difícil caminho da recomposição da plena unidade entre os cristãos (cf. Angelus de 31 de Outubro de 1999).

O Documento é, sem dúvida, um válido ponto de partida para ulteriores passos ecuménicos. Exorta a conduzir a investigação teológica no âmbito ecuménico e a eliminar os obstáculos que ainda se opõem à comunhão na mesa do Senhor, desejada de maneira tão profunda. Por isso devemos esforçar-nos, unindo as nossas forças, por levar o conteúdo da doutrina, que juntos elaborámos, às línguas e à vida dos nossos contemporâneos. São precisos bons anunciadores capazes de transmitir a verdade, em fidelidade à própria identidade e por amor do seu interlocutor.

3. Com o olhar dirigido para o mistério da Encarnação do Filho de Deus, chegamos juntos ao limiar do terceiro milénio. "Jesus é verdadeiramente a realidade nova que supera tudo quanto a humanidade pudesse esperar" (Incarnationis mysterium, 1).

O seu consentimento à celebração cordial do ano jubilar juntos, aqui em Roma, e em todo o mundo é para mim motivo de grande alegria. Dois pontos da reciprocidade ecuménica merecem uma particular consideração. Recordo, em primeiro lugar, a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, por ocasião da qual abrirei a Porta Santa em S. Paulo fora dos Muros. Em segundo lugar, desejaria mencionar a comemoração dos novos mártires cristãos.

Precisamente neste século, atormentado pela violência e pelo terror, o testemunho dos mártires tornou-se significativo em igual medida para os católicos e os luteranos. Ele é "um sinal perene, e hoje particularmente eloquente, da verdade do amor cristão". Os mártires são aqueles que "anunciaram o Evangelho, dando a vida por amor" (Ibid., n. 13). Desta forma, o martírio adquire um significado ecuménico, porque aqueles que crêem em Cristo e estão unidos na longa esteira dos mártires, não podem permanecer divididos (cf. Ut unum sint UUS 1).

4. A festa comum do Grande Jubileu é uma oportunidade para aprofundar o nosso testemunho comum da fé. Precisamente o mundo de hoje deseja que os cristãos se aproximem entre si.

Por esta razão, o calendário do Ano Santo prevê vários encontros a nível ecuménico. Por que percorrer ainda estradas separadas, se já nos encontramos no mesmo caminho? O ano jubilar, enquanto acontecimento espiritual, proporciona aos católicos e aos luteranos várias possibilidades das quais juntos devemos tirar proveito.

As Vésperas ecuménicas, que vivemos por ocasião da elevação de Santa Brígida da Suécia a co-Padroeira da Europa, proporcionaram-nos uma antecipação disso. Naquela ocasião, quando demos graças a Deus com hinos e Salmos, apercebi-me do "espaço espiritual", no qual os cristãos se encontram juntos diante do seu Senhor (cf. Ibid., n. 83). O espaço espiritual comum é maior do que algumas barreiras confessionais que nos dividem no limiar do terceiro milénio. Se os cristãos, apesar das suas divisões, souberem cada vez mais unir-se em oração comum à volta de Cristo, aumentará a sua consciência de quanto é limitado aquilo que os divide em comparação com o que os une (cf. Ibid., n. 22).

Quem está consciente disto, não pode considerar o ecumenismo como mero "apêndice", que se acrescenta à actividade tradicional da Igreja (cf. Ibid., n. 20). A plena unidade é uma finalidade pela qual vale a pena empenhar-se. É um estímulo para a actividade espiritual de toda a Igreja.

5. A propósito destas reflexões cheias de esperança, tenho a certeza de que as boas relações existentes entre a Igreja Católica e a Federação Luterana Mundial lançarão as bases sobre as quais se poderão enfrentar ulteriores diálogos, com a finalidade de encontrar soluções para as questões ainda abertas.

Assim como a oração é a alma da renovação ecuménica e da aspiração pela unidade (cf. Ibid., n. 28), de igual modo o nosso diálogo comum acerca das questões fundamentais da doutrina seja amparado, também no futuro, por uma fervorosa oração nas nossas comunidades. A oração dos fiéis é, por assim dizer, o vento que impele o diálogo ecuménico.

Queira Deus que possamos alcançar imediatamente aquela unidade que é a vontade de Jesus! Esta oração será oferecida pela nossa acção de graças ao Senhor da História. Não devemos olhar apenas para os dois mil anos depois de Cristo mas, em vista do ano 2000, proceder também confiantes com Cristo rumo ao futuro.

Para a solenidade do nascimento de Jesus Cristo, nosso Senhor ontem, hoje e sempre, desejo-vos a paz e a bênção do Filho de Deus encarnado!




Discursos João Paulo II 1999 - Terça-feira, 2 de Dezembro de 1999