Discursos João Paulo II 1999 - Sábado, 11 de Dezembro de 1999

Isto emerge especialmente na obra de Perugino, centrada na entrega das chaves. Nela, através do símbolo da vistosa chave, o artista ressalta a grandeza da autoridade conferida ao primeiro dos Apóstolos. Por outro lado, como que a equilibrá-la, é delineada no rosto de Pedro a tocante expressão de humildade com que recebe o símbolo do seu ministério, estando de joelhos e quase retrocedendo diante do Mestre. Dir-se-ia um Pedro encolhido na sua pequenez, trepidante, surpreendido com esta imensa confiança e desejoso, por assim dizer, de desaparecer, para que só o Mestre permaneça visível na sua pessoa. Um rápido olhar deixa adivinhar nos seus lábios não só a confissão de Cesareia de Filipe "Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo" (Mt 16,16) mas também a declaração de amor feita ao Ressuscitado depois da amarga experiência da renegação: "Tu sabes que Te amo" (Jn 21,15). É o rosto de quem está consciente de ser pecador (cf. Lc Lc 5,8) e de precisar de se arrepender continuamente a fim de confirmar os seus irmãos (cf. Lc Lc 22,31). É um rosto que manifesta absoluta dependência do olhar e dos lábios do Salvador, exprimindo desta forma admiravelmente o sentido do serviço universal de Pedro, conferido à Igreja, com os apóstolos dos quais é chefe, em representação visível de Cristo, o "Pastor supremo das ovelhas" (He 13,20), sempre presente no meio do seu povo.

4. Por conseguinte, desde este ciclo originário, a arte desta Capela apresenta-se como um fruto maduro de espiritualidade bíblica. É uma arte que se manifesta capaz como é típico da autêntica arte sagrada "de captar os diversos aspectos da mensagem, traduzindo-os em cores, formas (...) sem privar a própria mensagem do seu valor transcendente e do seu halo de mistério" (Carta aos Artistas, 12).

Por este motivo podemos alegrar-nos, se hoje esta tão significativa expressão de arte de '400 volta a resplandecer no seu conjunto de cores originais, restauradas por um diligente e moderno trabalho de restauração. Ela continua a transmitir vibrações do mistério, com uma linguagem que não envelhece, porque diz respeito ao que, no homem, é universal.

Os meus votos, recentemente expressos também na Carta aos Artistas (cf. n. 10), são por que, na esteira de quanto é testemunhado neste "santuário" único no mundo, se restabeleça no nosso tempo a fecunda aliança de fé e arte, para que o "belo", epifania da beleza suprema de Deus, possa iluminar o horizonte do Milénio que está para iniciar.

Enquanto agradeço ao Senhor, que me dá a possibilidade de presidir esta celebração com a qual esta jóia de arte é entregue perfeitamente restaurada ao mundo, invoco a constante protecção divina sobre vós aqui presentes, sobre quantos trabalham nos Museus do Vaticano e os numerosos visitadores que ininterruptamente vêm, de todas as partes do mundo, admirar estas obras de arte.

A todos concedo a minha bênção.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO PATRIARCA DA CILÍCIA DOS ARMÉNIOS


E AOS BISPOS DA IGREJA ARMÉNIO-CATÓLICA


Segunda-feira, 13 de Dezembro de 1999

Beatitude
Dilectos Bispos
da Igreja arménio-católica
Irmãos e Irmãs

1. É com sentido afecto que vos dou as boas-vindas nesta "Alma Urbe", santificada pelo sangue dos Apóstolos Pedro e Paulo, Sede daquele Bispo que, edificado ele mesmo sobre a pedra que é o fundamento da Igreja, tem a missão de confirmar os irmãos na fé.

Dou-lhe especiais boas-vindas no ósculo da fraternidade, venerado Irmão Nerses Pedro XIX, que a poucos dias da sua eleição como Patriarca da Cilícia dos arménios católicos, e depois de ter recebido de mim a comunhão eclesiástica, está aqui presente para significar e manifestar com júbilo esta comunhão da sua pessoa e da sua Igreja com o Sucessor de Pedro. Este evento celebra a bondade do Senhor, que nos amou a tal ponto de nos conceder a plena partilha da mesma fé. Manifestámos esta gratidão da maneira mais excelsa e solene que se consente aos cristãos: concelebrando a mesma Eucaristia e permutando as sagradas dádivas do Corpo e do Sangue do Senhor, nossa comum esperança.

Estou-lhe particularmente grato pelas afectuosas palavras que quis dirigir-me. Como já fez na sua primeira Carta pastoral, também no hodierno discurso Vossa Beatitude citou o Santo doutor arménio Nerses o Gracioso, do qual Vossa Santidade quis assumir o nome, no acto de receber a sua nova responsabilidade de pai e chefe da Igreja arménio-católica, juntamente com o nome de Pedro que, em virtude de uma bela e significativa tradição de amor a esta Sede Apostólica, todos os Patriarcas católicos recebem.

São Nerses é-me particularmente querido, não só pela profundidade da doutrina e pelo edificante testemunho da própria vida, mas também pela grande abertura ecuménica, que o levou a amar e valorizar o encontro com as outras Igrejas cristãs e a desejar de modo ardente que a primeira comunhão entre essas fosse novamente estabelecida.

Beatitude, formulo-lhe votos por que possa continuar a seguir as pegadas daquele que se tornou o seu santo Padroeiro e que seja um incansável promotor de comunhão, em primeiro lugar no interior da sua própria Igreja, e sucessivamente na admirável sinfonia da catolicidade e, enfim, no tão almejado caminho rumo à plena comunhão com os amados irmãos da Igreja arménia apostólica, da qual Vossa Santidade quis fazer menção no seu discurso de saudação, e à qual também eu envio o ósculo da paz e a minha saudação na iminência do Santo Natal.

2. Vossa Santidade assume a sua delicada responsabilidade num momento de particular graça, mas também de não indiferente dificuldade. Enorme alegria nos é dada na vigília do Grande Jubileu do Ano 2000, tempo de graça que revela à fé o verdadeiro significado da história e o itinerário da humanidade rumo ao Senhor que vem. Esta exultação aumenta em virtude do facto de que no ano 2001 o povo arménio celebrará mil e setecentos anos da sua conversão ao cristianismo. A história dos arménios seria verdadeiramente incompreensível se se prescindisse deste evento que assinalou a sua vida de maneira tão profunda, caracterizando as suas vicissitudes de forma particular mediante o heróico testemunho do martírio. Como Vossa Santidade escreveu: "Para compreendermos bem a nossa história, devemos lê-la com olhos cristãos... Cada homem procura a felicidade, todos os homens têm direito a ela, mas não existe verdadeira felicidade sem a Luz, sem Cristo" (Carta pastoral, n. 6).

Portanto, a alegria ainda se caracteriza pelas dificuldades em que vive o povo arménio, sobretudo na mãe-pátria, provada também recentemente por trágicos eventos. Ao seu povo ofereço a certeza do afecto da proximidade e da oração do Papa.

3. O seu ministério exige da sua pessoa uma vigorosa força espiritual. Espera-o uma apaixonante tarefa de reorganização da Igreja arménio-católica, cujo ponto de partida consiste em confirmá-la e consolidá-la na fé. Não há verdadeira renovação, nem autêntico progresso, senão na fé. Uma fé que deve ser primeiramente conhecida, aprofundada e celebrada. A pregação de São Gregório o Iluminador está inscrita nos vossos corações: ela há-de ser animada, tornada consciente e testemunhada. Desta forma, a tradição de santidade que pertence ao seu povo não será apenas uma ocasião de orgulho, como se fosse uma parte do passado, mas constituirá um manancial de compromisso no presente, em vista de um coerente testemunho de vida. O nosso mundo, as suas ilusões e os seus falsos deuses exigem um novo "martírio": o da coerência! E não existe coerência sem uma assimilação cada vez mais profunda do Evangelho de Jesus Cristo. Isto só poderá alcançar-se mediante um retorno do coração e da mente à Escritura, à vossa Liturgia, aos vossos Padres que enriqueceram muitíssimo o património cristão.

Esta tarefa compete sobretudo a Vossa Santidade, Beatíssimo Irmão, que já é reconhecido e estimado pelo consenciente compromisso de trabalho, vigorosamente sustentado pela abnegação à vontade de Deus, mas cabe também ao Sínodo ao qual Vossa Beatitude preside. Uma forma importante de celebrar os eventos de salvação do tempo que nos espera consiste em fazer com que o Sínodo dos Bispos se torne deveras um órgão propulsor da comunhão na fé e na vida eclesial. Para que isto aconteça, pede-se que todos tenham um grande sentido de responsabilidade e consciência de que o bem da Igreja vai muito além dos horizontes pessoais e supera até mesmo aqueles importantes contextos de cada ambiente pastoral: trata-se de um bem do povo e da Igreja, e deve poder actuar-se na vastidão de horizontes que ele exige.

O povo tem necessidade da solícita preocupação dos seus pastores. Nenhum Bispo pode deixar de sentir-se vigorosamente comprometido em relação às expectativas das pequenas ovelhas da sua grei. O Santo doutor Nerses recorria a estas expressões para fazer Cristo falar a respeito do ministério episcopal: "Assim como Eu não me dediquei aos prazeres, mas assumi o sacerdócio em benefício do género humano, suportando a cruz e a morte, assim também vós deveis combater até à morte pelas ovelhas do vosso rebanho, que resgatei com o meu sangue" (Carta encíclica, cap. IV).

4. Os sacerdotes serão o principal objecto da sua solicitude: eles pedem-lhe ajuda para encontrar verdadeira e concretamente em Cristo, e não na posição social ou no prestígio pessoal, a raiz e o sentido do próprio ministério. No mundo contemporâneo, o orgulho pela posição que se ocupa na Igreja, além de contradizer de maneira evidente o mandato do Senhor, é considerado pelos mesmos fiéis como uma forma inútil de separação e de insensibilidade pastoral. Então, do que podemos orgulhar-nos, nós homens da Igreja, conhecendo o nosso pecado e a nossa debilidade? Orgulhar-nos-emos de uma só coisa: da Cruz de Cristo, que venceu a morte. Aos sacerdotes, aos quais ele chama "formadores dos filhos de Deus" (Ibidem, cap. V), o Santo Patriarca Nerses apresenta duas indicações preciosas: em primeiro lugar, crescer no conhecimento de Deus e na sua Palavra. Muito concretamente, ele pede-lhes que não deixem escorrer "distraidamente, como a água através de um cano, as místicas palavras da oração que ofereceis... mas sempre com a máxima atenção e, se for possível, com lágrimas e grande temor, como se as haurísseis neste momento do vosso coração e da vossa mente" (Ibidem).

Renovar a própria resposta a Cristo significa também operar para aprofundar, na oração e no estudo, o significado da própria vocação. Para o fazer, será importante aprender com diligência e frequentar com assiduidade, assimilando com humildade os instrumentos para os penetrar, em primeiro lugar aqueles tesouros de espiritualidade que são próprios da tradição arménia, porque Deus é melhor compreendido quando as pessoas se aproximam da sua Palavra através da língua e da sensibilidade dos próprios Padres.

Isto vale em particular para a Liturgia, cuja pureza e dignidade será vosso cuidado salvaguardar, persuadidos de que ela falará de maneira maravilhosa ao coração dos vossos filhos. Com efeito, a primeira reforma litúrgica é a assimilação e o conhecimento da tradicional oração comum.

5. O segundo compromisso indicado por Nerses é o da concórdia na caridade: "Suplico a todos vós ele escreve a fim de que não vos abandoneis apressadamente aos debates e discursos inúteis; pelo contrário, estais prontos e sede solícitos à reconciliação e à paz" (Ibidem). O povo de Deus tem necessidade de ver sacerdotes que se amam e porfiam por se estimar reciprocamente. Esta é a primeira condição para que possam amar quantos lhes são confiados. Trata-se de um vigoroso testemunho a fim de que os jovens os considerem possíveis modelos a imitar. Com a ajuda de Deus, a penúria de vocações poderá passar, quando a Igreja aparecerá verdadeiramente transparente no seu testemunho, credível no seu anúncio, ardente no seu amor fraterno. Não faltam jovens que querem seguir Cristo. Não devemos desiludi-los!

Ao seu cuidado assíduo confio também os monges, os religiosos e as religiosas que o Santo Catholicos define como "pilares do mundo, anjos revestidos de carne e estrelas que resplandecem na terra" (Ibidem, cap. III). Como acontece de maneira particular com todas as Igrejas do Oriente, os arménios encontram no monaquismo aquilo que os reconfirma na fé, a alma orante, a referência aos últimos tempos e um modelo de vida fraterna. Em tempos de dificuldade para o inteiro povo arménio e ao serviço deste, os religiosos e as religiosas arménio-católicos colaboraram, sem distinção de pertença eclesial, para criar personalidades sólidas e harmoniosas, caracterizadas pela honestidade dos costumes, pela profundidade da cultura e pelo amor pátrio. Este tesouro não seja comprometido! O património de inteiras gerações não se pode dispersar! É isto que vos pede, não só o Papa, mas inclusivamente todo o povo arménio, para o qual o serviço à cultura é também garantia de sobrevivência.

6. Beatitude, os seus filhos e filhas confiam em Vossa Santidade e contam com a sua palavra paterna e orientação eficaz. Possa o Espírito guiar os seus passos, sustentar os seus propósitos e inspirar as suas opções.

Quando retornardes à vossa Sede no Líbano e quando percorrerdes o mundo para confirmar na fé os arménios que vos são confiados, e em toda a parte estão presentes com a sua laboriosidade inteligente, transmiti-lhes não só a vossa saudação e bênção, mas também o afecto e a prece do Papa.

Enfim, com as palavras do vosso celestial Padroeiro São Nerses, "peço a vós, aos Bispos, aos sacerdotes e aos monges que vos pertencem, que rezem pelas minhas múltiplas necessidades Àquele que em toda a parte está próximo de todas as pessoas que O invocam na verdade... a fim de que todos nós, pastores e rebanho, obtenhamos os bens celestiais em vista de possuirmos o paraíso em Cristo. A Ele sejam dadas glória e virtudes, com o Pai e o Espírito Santo, nos séculos. Amém" (cf. Discurso para a sua consagração como Catholicos).



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DO SÍNODO DO PATRIARCADO


DA CILÍCIA DOS ARMÉNIOS


Segunda-feira, 13 de Dezembro de 1999



Beatitude,
Venerados Irmãos

Os vossos passos conduziram-vos até à casa do Papa, para celebrardes com ele a Eucaristia, sinal da plena e perfeita comunhão na fé. Sinto-me feliz por vos acolher aqui, na intimidade desta Capela que exprime adequadamente o sentimento de afecto e de fraternidade que me vincula à sua pessoa, Beatitude, e àquela dos Bispos da Igreja arménio-católica aqui presentes.

A casa do Papa é a vossa casa. Os braços do Bispo de Roma e da Igreja católica abrem-se para vos acolher com alegria. Todos os filhos e filhas da vossa Igreja participam espiritualmente nesta Eucaristia. Esta comunhão, que é dádiva de Deus, constitui a nossa força. É Ele que nos dá o seu Corpo e Sangue, que permutaremos em sinal de plena partilha na fé. Confio-Lhe a sua pessoa, Beatitude, e o caminho da sua Igreja.

Maria, a Santa Mãe de Deus, os Santos Pastores, os Monges e sobretudo os Mártires arménios vos acompanhem nos próximos passos do vosso ministério, em todo o tempo que Deus vos conceder para o serviço da Santa Igreja.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


POR OCASIÃO DO 130° ANIVERSÁRIO


DA FUNDAÇÃO DO HOSPITAL PEDIÁTRICO


"BAMBINO GESÙ" DE ROMA


Segunda-feira, 13 de Dezembro de 1999

Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. É-me grato dirigir as minhas cordiais boas-vindas a cada um de vós. Agradeço-vos de coração esta visita, que me quisestes fazer por ocasião das celebrações do 130° aniversário de fundação do Hospital "Bambino Gesù". A vossa presença testemunha o hábito de atenção e de apoio que une o actual Sucessor do Apóstolo Pedro, como os Seus Venerados Predecessores, a essa benemérita Instituição, sobretudo a partir de 1924, ano em que a nobre Família romana dos Salviati a quis doar à Santa Sé.

Saúdo, em particular, o Presidente do Hospital, Professor Adriano Bompiani, e agradeço-lhe as amáveis palavras que me quis dirigir em vosso nome. Com ele saúdo os ilustres Membros do Conselho de Administração. Dirijo, depois, o meu afectuoso pensamento aos Médicos, ao Pessoal e às Filhas da Caridade, manifestando cordial estima e apreço pelo empenho, por todos prodigalizado ao serviço das crianças doentes.

2. O 130° aniversário do Hospital "Bambino Gesù", celebrado no limiar do ano 2000 com importantes manifestações científicas nacionais e internacionais, constitui uma ocasião preciosa para sublinhar a relevância que essa Instituição assumiu no âmbito da moderna pediatria infantil. Este evento torna manifesto, além disso, o espírito de amorosa dedicação às crianças doentes, que sempre caracterizou a longa vicissitude do vosso Centro de Saúde. Iniciado pouco antes do final do Estado Pontifício, graças à clarividente iniciativa da Família Salviati, ele atravessou os difíceis anos do final do século XIX romano e o inteiro século XX, permanecendo sempre fiel à sua missão. Nesta linha, ele desenvolveu progressivamente as competências científicas e a dimensão sociocaritativa, graças ao constante e iluminado empenho do pessoal médico e religioso e ao empenhamento de um crescente número de pessoas boas e de Entidades públicas e privadas.

Ao considerarmos as origens humildes da vossa história no Quarteirão "Regola", ficamos surpreendidos ao constatar os sucessivos desenvolvimentos graças aos quais, com a transferência para a sede do Janícolo, a doação à Santa Sé e a nova configuração jurídica e estrutural, o Hospital "Bambino Gesù" se tornou uma das mais prestigiosas instituições europeias do sector.

3. Está a crescer na sociedade hodierna a atenção pelo mundo da infância e consolida-se a consciência do imperioso respeito pelo seu inalienável direito à vida, à família, à saúde, à instrução e à educação religiosa e civil, assim como à rigorosa defesa da sua inocência. Apesar disto, não raro as crianças ainda sofrem graves afrontas e violências, em especial nas regiões mais pobres do mundo e nos países atingidos pela guerra e pela fome. Estão ameaçadas pelo egoísmo e pela corrida ao bem-estar material, que às vezes fascina os pais, subtraindo-os ao dever de uma presença educativa, feita de solícita proximidade aos filhos e de escuta dos problemas conexos com o seu crescimento e inserção na sociedade.

A Igreja continua a proclamar, sob todas as latitudes, a centralidade da criança, objecto de particular amor por parte de Jesus, que n'Ele divisa o modelo de quantos são chamados a acolher o Reino de Deus (cf. Mc Mc 10,14). Testemunham esse especial cuidado as frequentes intervenções do Magistério e as inúmeras Instituições educativas e de saúde católicas, presentes no mundo inteiro, sobretudo onde em maior medida estão ameaçados a vida e o futuro da infância.

O Hospital "Bambino Gesù" insere-se nesse contexto, realizando uma preciosa obra em favor da infância doente, através do quotidiano serviço nas três sedes de Roma, Polidoro e Santa Marinella, assim como através das missões humanitárias nalguns países do Terceiro Mundo e da Europa oriental e do significativo contributo oferecido pelos seus ilustres Médicos à pesquisa científica. Desse modo, ele está a ser reconhecido como expressão concreta e significativa do amor da Igreja pela infância.

4. Caríssimos Irmãos e Irmãs, enquanto agradeço ao Senhor a louvável e benemérita obra realizada, desde as origens, pelo Hospital "Bambino Gesù", desejo, além disso, manifestar a minha satisfação pelo generoso e diuturno empenho, prodigalizado pelos Agentes de saúde em favor das crianças doentes e das suas famílias. Encorajo todos a prosseguir com constante dedicação num serviço tão precioso e necessário.

Formulo ardentes votos por que o vosso competente trabalho contribua para a obtenção de metas sempre mais promissoras no âmbito da Medicina e da Cirurgia infantil. Oro para que a vossa generosidade saiba constantemente testemunhar a ternura do Deus da vida e dar esperança a quantos são obrigados a confrontar-se com o mistério do sofrimento inocente.

Confio esses votos Àquela que o Povo cristão invoca como "Saúde dos enfermos" e o evangelista Lucas apresenta prontamente solícita para com a vida nascente. Com estes sentimentos concedo de coração uma especial Bênção Apostólica ao Conselho de Administração, aos ilustres Médicos, ao Pessoal, aos amigos do Hospital "Bambino Gesù" e, de modo especial, aos pequeninos ali internados e às suas famílias.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS ARTISTAS DA SÉTIMA EDIÇÃO


DO CONCERTO "NATAL NO VATICANO"


Quinta-feira, 16 de Dezembro de 1999



Ilustres Senhores
Gentis Senhoras!

Tenho a alegria de apresentar a todos vós uma saudação cordial. Este encontro oferece-me a oportunidade de vos manifestar o meu apreço por terdes acolhido o convite a participar na sétima edição do Concerto "Natal no Vaticano", que se realizará depois de amanhã na Sala Paulo VI.
A minha gratidão dirige-se a quantos, mais uma vez, tornaram possível este evento: aos artistas, aos grupos musicais, aos componentes da orquestra, aos coristas e aos maestros que os dirigirão; aos apresentadores e aos organizadores do sarau. Formulo votos por que também neste ano uma exibição tão interessante constitua um momento de alegria e de serena distensão para todos.

O Concerto "Natal no Vaticano", como se sabe, é uma manifestação de carácter cultural com o objectivo de sensibilizar a opinião pública sobre a necessidade de ulteriores lugares de culto e de catequese na Diocese de Roma. O vosso contributo ao bom êxito deste evento, portanto, manifesta a vossa generosa partilha de um problema que está muito a peito ao Bispo de Roma: urge dotar as comunidades paroquiais, de maneira especial nas periferias que ainda não a têm, duma própria estrutura pastoral. Este é um projecto que se insere no mais vasto programa da nova evangelização, na qual toda a Igreja se encontra empenhada e da qual o Grande Jubileu representa uma etapa fundamental.

O objectivo de cinquenta edifícios sagrados a construir até ao final do ano 2000 está, graças a Deus, quase alcançado. Depois será necessário prosseguir este esforço. A cidade de Roma, que se prepara para viver como protagonista o Grande Jubileu do Ano 2000, poderá contar com a abertura de lugares de culto, de encontro, de catequese e de estruturas para actividades sociais, culturais e desportivas, em especial lá onde surgiram nestes últimos anos novos aglomerados humanos. Obrigado, pois, pelo vosso precioso contributo! Por meu intermédio, a inteira Igreja de Roma deseja exprimir um sentido agradecimento, não só a vós, mas também a todos os que partilharam este nosso anseio apostólico.

Formulo votos por que o sarau possa ter pleno sucesso e, enquanto aproveito esta circunstância para apresentar a cada um de vós e às vossas famílias cordiais votos de serenas festividades natalícias, concedo a todos uma especial Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


DURANTE A CERIMÓNIA DA APRESENTAÇÃO


DAS CARTAS CREDENCIAIS DE CINCO NOVOS


EMBAIXADORES JUNTO DA SANTA SÉ


Quinta-feira, 16 de Dezembro de 1999

Excelências!

1. Tenho o prazer de vos acolher e de receber as Cartas que vos acreditam como Embaixadores Extraordinários e Plenipotenciários dos vossos Países: Dinamarca, Burundi, Singapura, Ruanda e Paquistão. Agradeço-vos as mensagens que me transmitistes da parte dos vossos Chefes de Estado. Ficar-vos-ei grato se lhes exprimirdes os meus calorosos votos para a alta missão que eles desempenham ao serviço dos seus concidadãos. Através de vós, dirijo uma saudação cordial às Autoridades das vossas nações e aos vossos compatriotas, em particular aos povos da África aos quais asseguro o meu apoio.

A proximidade do novo milénio é um convite para todos os homens a prestarem uma atenção sempre maior aos seus irmãos em humanidade, um convite sobretudo para as pessoas que são chamadas a exercer importantes cargos políticos, económicos ou sociais, tarefas que constituem antes de tudo um serviço ao conjunto da comunidade humana. É sob esta condição que os nossos contemporâneos conservarão a esperança de um futuro melhor e se empenharão de maneira resoluta a favor dos seus irmãos.

2. A globalização não deveria conduzir a um crescente empobrecimento dos povos mais necessitados, muitas vezes constrangidos a dobrar-se às regras económicas dos países ricos. É também necessário que a economia seja determinada por políticas sociais nos planos nacional e internacional, e não só submetida a factores financeiros, o que conduz a situações dramáticas numerosos povos, cujas dívidas tornam impossível qualquer desenvolvimento. As nações que têm uma longa história democrática e tecnológica, e uma antiga vitalidade económica e social, adquiriram saber e habilidade. Elas podem pô-los ao serviço dos países que têm dificuldade em gerir as suas infra-estruturas e as organizações indispensáveis ao crescimento económico, às exigências de saúde e às necessidades fundamentais das pessoas. Ao agirem assim, não procurarão obter vantagens mas preocupar-se-ão em sustentar a edificação de uma nação e de favorecer uma justa liberdade de empreendimento, para o bem da inteira colectividade. É também importante promover a assistência aos países que se empenham em prosseguir a luta contra a pobreza e a injustiça, fontes de inúmeros focos de violência e de violação dos direitos humanos. Nestes âmbitos, mais do que nunca chegou o momento de todos os povos darem prova de uma solidariedade concreta e tangível, para uma melhor distribuição das riquezas e dos bens mundiais.

3. Neste ano em que celebramos o décimo aniversário da Carta dos Direitos da Criança, é oportuno mobilizar-se para dar aos jovens aquilo que lhes é necessário para o crescimento e fazer tudo a fim de que não sejam submetidos à violência e a trabalhos que lhes impedem frequentar a escola, e levem uma vida normal para a sua idade. Compete às Autoridades civis cuidar da inserção dos jovens nas redes sociais e económicas, assim como confiar-lhes responsabilidades civis, para os tornar protagonistas da vida social. Essa atenção permitirá reduzir a marginalização de um número crescente dentre eles e evitar que se desenvolvam, em particular nas cidades e nas periferias, formas exacerbadas de violência, droga e delinquência, que tornam frágeis as relações sociais e os relacionamentos entre as gerações. Não se pode tolerar que crianças e jovens sejam objecto de comércios corruptos, quer para a satisfação dos adultos sem moral quer para alimentar redes ilegais de adopção ou de doação de órgãos. Como se pode definir uma sociedade humana, se esta não garante às gerações futuras o respeito da sua dignidade e dos seus direitos mais elementares? Louvo o trabalho realizado por pessoas e associações que, participando activamente na tutela e educação dos jovens, lhes dão o amor de que necessitam, e inculcando neles os valores da vida moral e social, lhes infundem assim a confiança e a esperança no futuro.

4. Como diplomatas, estou certo disto, sois particularmente sensíveis aos diversos aspectos da vida social que acabo de mencionar. No momento em que iniciais a vossa missão, apresento-vos os meus melhores votos e invoco sobre vós a abundância das Bênçãos divinas, que faço extensivas às vossas famílias, colaboradores e respectivas nações.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO NOVO EMBAIXADOR DA DINAMARCA


JUNTO DA SANTA SÉ POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO


DAS CARTAS CREDENCIAIS


Quinta-feira, 16 de Dezembro de 1999

Senhor Embaixador

É-me grato dar-lhe as boas-vindas e aceitar as Cartas Credenciais mediante as quais Vossa Excelência é acreditado como Embaixador da Dinamarca junto da Santa Sé. Agradeço-lhe as suas amáveis palavras e as saudações que Vossa Excelência me transmitiu da parte de Sua Majestade a Rainha Margarida II, e peço que lhe comunique, bem como ao Governo e ao Povo da Dinamarca os meus bons votos e a certeza das minhas orações pela paz e o bem-estar da sua nação. Não obstante já se tenham passado dez anos, a minha visita à sua terra permanece viva na minha memória. Nessa ocasião, tive o privilégio de testemunhar pessoalmente a riqueza da cultura dinamarquesa, o vigor das liberdades da Dinamarca e a generosidade do coração do seu povo.

Estas são algumas das razões por que o seu país, embora seja comparativamente pequeno em termos de área e de população, tem desempenhado um papel tão substancial na formação da civilização europeia. A Dinamarca constitui uma ponte entre o continente europeu e as terras do Norte: para o povo dinamarquês este é um papel nem sempre fácil de desempenhar, e contudo é vital. E hoje, a Dinamarca pode levar a cabo uma missão não menos significativa neste delicado tempo de união política e social que a Europa está a atravessar.

Há muitos elementos positivos na busca de uma "casa comum europeia"; todavia, eventos como os aterradores focos de guerra, que se verificaram em períodos muito recentes, recordam-nos que aquilo que está a ser conquistado com tantos esforços dedicados por parte de inúmeras pessoas, ainda se encontra exposto a sérias ameaças de todos os géneros. Na Europa contemporânea, a natureza do conflito mudou, com guerras que já não são travadas entre Estados soberanos.

Contudo, o conflito mesmo não desapareceu de modo algum, pois as guerras passaram a ser pugnadas no interior dos próprios Estados, e não mais entre eles. Por conseguinte, impõe-se este interrogativo: o que é necessário para se instaurar uma segurança estável na Europa? Não existe uma resposta pronta e simples para esta delicada pergunta, mas uma coisa está a tornar-se cada vez mais clarividente: é impossível construir uma segurança estável sem um vigoroso fundamento moral. Três elementos deste fundamento merecem uma delicada reflexão por parte de todos os responsáveis pela política pública na Europa.

O primeiro elemento é o reconhecimento de uma lei natural, mediante a qual se evidencie uma série de princípios e valores morais que governam todos os comportamentos e relacionamentos humanos, e precedem todos os direitos positivos que um Estado em particular possa outorgar. Para além da distinção do tempo, lugar, cultura, personalidade e situação, existe uma lei moral universal gravada no coração humano e acessível à razão do homem, que nos orienta para a prática do bem e a rejeição do mal. De facto, se não há uma verdade última que guie a decisão pessoal, então o indivíduo fica à deriva num mundo subjectivista e relativista; e se não existe uma verdade derradeira para orientar a acção política, então as ideias são manipuladas com demasiada facilidade, para servir os objectivos dos poderosos. Uma democracia sem valores transcendentes logo decai nalguma forma de totalitarismo, como o nosso próprio século o demonstra de modo tão horrível. Como personificação destes valores, a lei natural constitui uma "gramática" comum para todas as pessoas que são responsáveis pelo destino das nações.

O segundo elemento deste vigoroso fundamento é o reconhecimento dos direitos inalienáveis dos indivíduos e dos povos. A quinta-essência do totalitarismo consiste no facto de um determinado governo reivindicar o direito de conceder ou de negar tais direitos. Efectivamente, eles não têm a sua fonte em qualquer poder político, mas no mistério da pessoa humana, criada à imagem de Deus. Nesta perspectiva, é tarefa dos governos realizar o necessário para tutelar os direitos dos indivíduos e dos grupos, e garantir as condições que visam o seu exercício. De forma mais vasta, é missão das organizações e agências internacionais salvaguardar os direitos dos povos do mundo, e são as nações mais frágeis que apelam a esta protecção, de forma especial num período em que o fosso entre os países opulentos e pobres está a aumentar. Sem dúvida, qualquer tentativa de edificar a segurança na Europa sem uma concertada atenção aos direitos humanos no inteiro continente seria destinada a fracassar, e devemos regozijar-nos pelo facto de na opinião pública se manifestar uma consciência cada vez mais clara desta problemática.

O terceiro elemento é o respeito pelas minorias, quer estas derivem de diferentes identidades étnicas, quer de diversas crenças religiosas. Perante as repetidas e contínuas tentativas de suprimir as minorias na Europa ao longo deste século, deve-se afirmar de maneira inequivocável que estes grupos têm o direito de conservar e desenvolver a própria cultura, e que a Europa só será mais forte e segura na medida em que isto for possível.

Um novo fenómeno europeu é o fluxo de imigrantes provenientes de terras menos desenvolvidas e prósperas, que vêm à Europa em busca de uma vida melhor, e a Dinamarca constitui uma das suas principais metas. Uma grande afluência destes imigrantes pode apresentar desafios particulares a uma sociedade como a sua, Senhor Embaixador, mas as pessoas devem ter o direito de imigrar legalmente em busca de liberdade, de segurança ou de uma vida melhor, como muitos europeus o fizeram no passado. Aos imigrantes não pode ser negado tão-pouco o direito de conservar e desenvolver a própria cultura na sua nova terra, não obstante devam também adaptar-se à nova cultura que os acolheu. Neste contexto, na Europa é pertinente reafirmar o princípio da liberdade religiosa, que há-de constituir um firme ponto de referência para a civilização europeia, pois todo o tecido dos direitos humanos vacilará se for negado o direito à liberdade religiosa.

Senhor Embaixador, a Dinamarca é justamente orgulhosa do nível de liberdade de que goza hoje em dia, uma liberdade que nunca pode ser subestimada, porque é sempre mais frágil do que parece. A liberdade dinamarquesa é em grande parte fruto das raízes cristãs da cultura dessa terra; eis por que é justo que o Dannebrog, marcado com o sinal da Cruz de Cristo, ainda vigora de modo indomitável como emblema da sua terra e do seu povo. É o símbolo que evoca o grande passado cristão da Dinamarca, no qual figuras luminosas como Santo Agostinho e o mártir rei Canuto aparecem como faróis de luz para todos os tempos. A cristandade fez nascer uma sociedade livre e humana, e também hoje deve desempenhar a sua parte na protecção daquela herança, assegurando a liberdade unida inseparavelmente à verdade, uma vez que a liberdade desvinculada da verdade dá logo origem a novas formas de escravidão.

Nalguns momentos as relações entre a Dinamarca e a Santa Sé são próximas e às vezes, sob a pressão da controvérsia religiosa, foram mais afastadas. Formulo votos por que nos seus diversificados caminhos, as nossas relações diplomáticas e o recente Acordo entre católicos e luteranos possam ajudar a consolidar uma nova época de cooperação entre nós, para o bem da Europa e de toda a família humana.

Senhor Embaixador, no momento em que Vossa Excelência entra na comunidade dos diplomatas acreditados junto da Santa Sé, asseguro-lhe a pronta colaboração dos vários departamentos da Cúria Romana. Oxalá a sua missão contribua para fortalecer o vínculo de amizade entre nós. Sobre Vossa Excelência, a sua família e todo o povo da Dinamarca, invoco as abundantes bênçãos de Deus Todo-Poderoso.




Discursos João Paulo II 1999 - Sábado, 11 de Dezembro de 1999