Discursos João Paulo II 1999 - Terça-feira, 1° de Junho de 1999

DISCURSO DO SANTO PADRE POR OCASIÃO


DA INAUGURAÇÃO DO ESTACIONAMENTO


DO GOVERNATORATO


Quarta-feira, 2 de Junho de 1999



Senhores Cardeais
Venerados Irmãos no Episcopado
e no Sacerdócio Caríssimos Irmãos e Irmãs

Saúdo-vos cordialmente e estou feliz por inaugurar hoje o novo estacionamento da Cidade do Vaticano. Agradeço ao Cardeal Edmund Casimir Szoka, Presidente da Pontifícia Comissão para o Estado da Cidade do Vaticano, as amáveis palavras com que ilustrou a nova realização: uma obra da qual seguramente se tinha necessidade.

Realizando uma breve vistoria na parte externa e nos três andares subterrâneos que compõem o estacionamento, pude dar-me conta da sua funcionalidade e sobretudo do modo como este foi projectado e construído no pleno respeito do impacto ambiental. Não se reduziu o espaço verde e evidentemente aperfeiçoaram-se as decorações ao nível da estrada. Além disso, a construção insere-se bem no complexo da paisagem, unindo eficiência e harmonia de linhas. Portanto, formulo votos e felicitações a todos aqueles que colaboraram para a projectação e a edificação desta obra. Esta vai ao encontro de uma dúplice exigência: por um lado, garantir lugares adequados para o estacionamento dos carros e, por outro, corresponder à crescente necessidade de estacionamentos para automóveis, tanto na vida quotidiana como, especialmente, em circunstâncias particulares.

Assim, exprimo profunda satisfação por esta nova estrutura. Esta acrescenta-se à outra grande obra, a Domus Sanctae Marthae, e contribui para tornar mais hospitaleira e funcional a Cidade do Vaticano, conservando intacta e, aliás, enriquecendo a sua peculiar fisionomia artística e ambiental.

Uno-me de muito bom grado a todos vós, abençoando e dando graças ao Senhor, que tornou possível esta nova e prática realização. Além disso, invocamos com fé a constante protecção divina sobre esta construção, sobre os carros que aqui estacionarem e de modo especial sobre as pessoas que, a vários títulos, aqui entrarem. Sobre todos e cada um, por inter cessão de Maria, materna Protectora da Cidade do Vaticano, desça a bênção de Deus, portadora de favores celestes.



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


OS PARTICIPANTES NO CONGRESSO INTERNACIONAL


DOS MOVIMENTOS E DAS NOVAS COMUNIDADES ECLESIAIS


REALIZADO EM ESPIRA (ALEMANHA)




Caríssimos Irmãos e irmãs!

1. O amor de Deus Pai, a graça de nosso Senhor Jesus Cristo e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós! Com estas palavras saúdo todos vós que participais no Congresso internacional dos Movimentos e das novas Comunidades eclesiais, que se está a realizar em Espira. Dirijo uma saudação especial a Sua Ex.cia D. Anton Schlembach, que vos recebeu generosamente na sua Diocese, a Sua Eminência o Cardeal Miroslav Vlk, e a outros Bispos e sacerdotes amigos dos Movimentos, que nestes dias vos acompanham. Dirijo um pensamento afectuoso aos promotores deste Congresso: Chiara Lubich, Andrea Riccardi e Salvatore Martinez.

Quisestes encontrar-vos, representantes dos vários Movimentos e Comunidades, um ano após a reunião do Pontifício Conselho para os Leigos, realizado na Praça de São Pedro, na vigília do Pentecostes de 1998. Aquele evento foi um grande dom para toda a Igreja. Num clima de fervorosa oração, pudemos experimentar a presença do Espírito Santo. Uma presença tornada tangível pelo «testemunho comum» que os Movimentos souberam dar, de profundo entendimento e de unidade no respeito da diversidade de cada um. Foi uma significativa epifania da Igreja, rica dos carismas e dons que o Espírito não lhes cessa de conceder.

2. Vós sabeis que cada dom do Senhor interpela a nossa responsabilidade e não pode deixar de se transformar em compromisso numa tarefa a observar com fidelidade. De resto, é precisamente esta a motivação fundamental do Congresso de Espira. Escutando aquilo que o Espírito diz às Igrejas (cf. Ap Ap 2,7), no limiar do Grande Jubileu da Redenção, vós desejais assumir directa e conjuntamente com os outros Movimentos a responsabilidade do dom recebido no dia 30 de Maio de 1998. O germe, semeado a mãos-cheias, não se pode perder, mas deve produzir muitos frutos no interior das vossas comunidades, nas paróquias e nas dioceses. É belo e dá alegria ver como os Movimentos e as novas Comunidades sentem a exigência de convergir na comunhão eclesial, e se esforçam com gestos concretos, por comunicar os dons recebidos, por se sustentar nas dificuldades e por cooperar na comum resposta aos desafios da nova evangelização. Estes são os sinais eloquentes daquela maturidade eclesial, que faço votos por que caracterize sempre mais cada componente e segmento da comunidade eclesial.

3. Ao longo destes anos, pude constatar como são importantes os frutos de conversão, de renascimento espiritual e de santidade que os Movimentos oferecem à vida das Igrejas locais. Graças ao dinamismo destas novas Agregações eclesiais, muitos cristãos redescobriram a vocação radicada no Baptismo e se dedicaram com extraordinária generosidade à missão evangelizadora da Igreja. Para muitos, constituiu a ocasião para redescobrir o valor da oração, enquanto a Palavra de Deus se tornou o seu pão quotidiano, e a Eucaristia o cerne da sua esperança.

Na Encíclica Redemptoris missio eu recordava, como novidade surgida em várias Igrejas nos últimos tempos, o grande desenvolvimento dos «Movimentos eclesiais», dotados de dinamismo missionário: «Quando se inserem humildemente na vida das Igrejas locais e são acolhidos com cordialidade por Bispos e sacerdotes nas estruturas diocesanas e paroquiais – eu escrevia – os Movimentos representam um verdadeiro dom de Deus para a nova evangelização e para a actividade missionária propriamente dita. Recomendo, pois, que se difundam e sirvam para dar novo vigor, sobretudo entre os jovens, à vida cristã e à evangelização, numa visão pluralista dos modos de se associar e de se exprimir» (n. 72).

Formulo cordiais votos por que o Congresso de Espira seja para cada um e para todos os vossos Movimentos uma ocasião de crescimento no amor de Cristo e da sua Igreja, segundo o ensinamento do Apóstolo Paulo, que exorta a aspirar «aos dons mais excelsos» (1Co 12,31).

Confio os trabalhos do vosso encontro a Maria, Mãe da Igreja, e acompanho-vos com as minhas orações, enquanto a cada um de vós e às vossas famílias concedo uma especial Bênção.

Vaticano, 3 de Junho de 1999.

PAPA JOÃO PAULO II




DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NA XIV ASSEMBLEIA PLENÁRIA


DO PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A FAMÍLIA


Sexta-feira, 4 de Junho de 1999



Senhores Cardeais
Venerados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio
Ilustres Membros do Pontifício Conselho para a Família
Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. É motivo de grande alegria para mim receber-vos por ocasião da XIV Assembleia Plenária do Pontifício Conselho para a Família e do Encontro de reflexão sobre o tema «Paternidade de Deus e Paternidade na Família», de tão relevante importância teológica e pastoral. Saúdo-vos com afecto e, de maneira particular, aqueles que participam pela primeira vez num encontro convocado pelo vosso Dicastério. Agradeço ao Presidente, Senhor Cardeal Alfonso López Trujillo, as amáveis palavras que me dirigiu em nome de todos.

O tema da paternidade, por vós escolhido para a actual Plenária, faz referência ao terceiro ano de preparação para o Grande Jubileu, dedicado precisamente ao Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. É um tema sobre o qual se deve reflectir, dado que hoje a figura do pai no âmbito da família corre o risco de ser cada vez mais latente ou até mesmo ausente. À luz da paternidade de Deus, «do Qual toda a família, nos Céus como na Terra, toma o nome» (Ep 3,15), a paternidade e a maternidade humanas adquirem todo o seu sentido, a sua dignidade e grandeza. «A paternidade e a maternidade humana têm em si mesmas de modo essencial e exclusivo uma "semelhança" com Deus, sobre a qual se funda a família, concebida como comunidade de vida humana, como comunidade de pessoas unidas no amor (communio personarum)» (Gratissimam sane, 6).

2. Sentimos ainda vivo no espírito o eco da recente celebração de Pentecostes, que nos leva a proclamar com esperança a afirmação de São Paulo: «Na verdade, todos aqueles que são movidos pelo Espírito de Deus, são filhos de Deus» (Rm 8,14). O Espírito Santo, assim como é a alma da Igreja (cf. Lumen gentium LG 7), também deve sê-lo da família, pequena igreja doméstica. Há-de ser para cada núcleo familiar interior, um princípio de vitalidade e de energia, que mantém sempre ardente a chama do amor conjugal na recíproca doação dos cônjuges.

É o Espírito Santo que nos conduz ao Pai celeste e faz brotar nos nossos corações a oração confiante e jubilosa: «Abba, Pai!» (Rm 8,15 Ga 1,6). A família cristã é chamada a distinguir-se como âmbito de oração compartilhada na qual, com a liberdade de filhos se dirige a Deus, chamando-O com o afectuoso apelativo de «Pai nosso»! O Espírito Santo ajuda-nos a descobrir o rosto do Pai como perfeito modelo da paternidade na família.

Desde há algum tempo se estão a reiterar os ataques contra a instituição familiar. Trata-se de atentados tanto mais perigosos e insidiosos enquanto desconhecem o valor insubstituível da família assente sobre o matrimónio. Chega-se a propor-lhe falsas alternativas e reivindica-se-lhes um reconhecimento legislativo. Mas quando as leis, que deveriam estar ao serviço da família, bem fundamental para a sociedade, se voltam contra ela, adquirem uma alarmante capacidade destruidora.

Assim, em alguns países deseja-se impor à sociedade as chamadas «uniões de facto», revigoradas por uma série de efeitos legais que deturpam o sentido mesmo da instituição familiar. As «uniões de facto» caracterizam-se pela precariedade e pela ausência de um compromisso irreversível, que gere direitos e deveres, no respeito da dignidade do homem e da mulher. Pelo contrário, deseja-se atribuir um valor jurídico a uma vontade distante de todas as formas de vínculo definitivo. Com estas premissas, como é que se pode esperar numa procriação verdadeiramente responsável, que não se limite a transmitir a vida, mas compreenda também aquela formação e educação que somente a família pode garantir em todas as suas dimensões? Delineamentos análogos terminam por colocar em grave perigo o sentido da paternidade humana, da paternidade na família. Isto verifica-se de várias formas quando as famílias não são bem constituídas.

3. Quando a Igreja expõe a verdade sobre o matrimónio e a família, não o faz exclusivamente com base nos dados da Revelação, mas inclusive tendo em conta os postulados do direito natural, que estão no fundamento mesmo do verdadeiro bem da própria sociedade e dos seus membros. Com efeito, não é insignificante para as crianças nascerem e serem educadas num lar constituído por pais vinculados através de uma aliança fiel.

É possível imaginar outras formas de relação e de convivência entre os sexos, mas nenhuma destas constitui, não obstante o parecer contrário de algumas pessoas, uma autêntica alternativa jurídica ao matrimónio, mas sim um seu debilitamento. Nas chamadas «uniões de facto» registra-se uma mais ou menos grave carência de compromisso recíproco, um paradoxal desejo de conservar intacta a autonomia da própria vontade no interior de uma relação que aliás deveria ser de tipo relacional. Aquilo que falta nas convivências não matrimoniais é, em síntese, a abertura recíproca para um futuro a viver em conjunto, que cabe ao amor activar e fundar e que é tarefa específica do direito garantir. Por outras palavras, falta precisamente o direito, não na sua dimensão extrínseca de normativa, mas na sua autêntica dimensão antropológica de salvaguarda da coexistência humana e da sua dignidade.

Além disso, quando as «uniões de facto» reivindicam o direito à adopção, demonstram de maneira clarividente que ignoram o bem superior da criança e as condições mínimas que lhe são devidas para uma adequada formação. Depois, as «uniões de facto» entre pessoas homossexuais constituem uma deplorável deturpação daquilo que deveria ser a comunhão de amor e de vida entre um homem e uma mulher, numa recíproca doação aberta à vida.

4. Hoje, sobretudo nas nações economicamente mais abastadas, difunde-se por um lado o medo de ser pais e, por outro, o desprezo pelo direito que os filhos têm de ser concebidos no contexto de uma doação humana total, o que é um pressuposto indispensável para o seu crescimento sereno e harmonioso.

Assim, confirma-se um presumível direito à paternidade-maternidade a qualquer custo, cuja realização se procura através de mediações de carácter técnico, que comportam uma série de manipulações moralmente ilícitas.

Uma ulterior característica do contexto cultural em que vivemos é a propensão de não poucos pais a renunciar ao seu papel para assumir aquele de simples amigos dos filhos, abstendo-se de admoestações e correcções, mesmo quando seria necessário proceder assim para educar na verdade, sem renunciar a todo o afecto e ternura. Consequentemente, é oportuno sublinhar que a educação dos filhos constitui um dever sagrado e uma tarefa solidária dos pais, tanto do pai como da mãe: exige a amabilidade, a proximidade, o diálogo e o exemplo. Os pais são chamados a representar no lar o Pai bom dos céus, o único modelo perfeito em que se inspirar.

Por vontade de Deus mesmo, paternidade e maternidade apresentam-se numa relação de íntima participação no seu poder criador e, por conseguinte, têm um intrínseco relacionamento recíproco. A este respeito, escrevi na Carta às Famílias: «A maternidade implica necessariamente a paternidade e, vice-versa, a paternidade implica necessariamente a maternidade: é o fruto da dualidade obsequiada pelo Criador ao ser humano, desde "o princípio"» (Gratissimam sane, 7).

É também por este motivo que o relacionamento entre o homem e a mulher constitui o fulcro dos vínculos sociais: enquanto é manancial de novos seres humanos, este une estreitamente os cônjuges entre si, os quais se tornam uma só carne e, por meio deles, as respectivas famílias.

5. Caríssimos Irmãos e Irmãs, enquanto vos agradeço o empenhamento com que trabalhais em prol da salvaguarda da família e dos seus direitos, asseguro-vos a minha constante recordação na oração. Deus torne fecundos os esforços de quantos, em todas as partes do mundo, se consagram a esta causa. Oxalá Ele faça com que a família, baluarte que tutela a própria humanidade, resista a todos os ataques.

Com estes sentimentos, é-me grato nesta ocasião renovar um caloroso convite às famílias, a fim de que participem no Terceiro Encontro Mundial com as Famílias, que se há-de realizar em Roma, no contexto do Grande Jubileu do Ano 2000. Dirijo este convite inclusivamente às associações e aos movimentos, de maneira especial àqueles pro vita e pro familia.À luz do mistério de Nazaré, aprofundaremos juntos a paternidade e a maternidade, sob a perspectiva do tema que escolhi para essa ocasião: «Os filhos, primavera da família e da sociedade». Grande e nobre é a missão dos pais e das mães, que são chamados mediante um acto de amor a colaborar com o Pai celestial no nascimento de novos seres humanos, filhos de Deus.

Nossa Senhora, Mãe da Vida e Rainha da Família, faça com que cada lar se torne um lugar de paz e de amor, à imagem da Família de Nazaré.

Seja-vos de conforto também a minha Bênção, que de bom grado concedo a vós aqui presentes e a quantos no mundo inteiro têm a peito a sorte da família.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO NOVO EMBAIXADOR DO GABÃO


JUNTO DA SANTA SÉ POR OCASIÃO


DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


Sexta-feira, 4 de Junho de 1999



Senhor Embaixador

1. É-me grato receber Vossa Excelência por ocasião da apresentação das Cartas que o acreditam como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República do Gabão junto da Santa Sé.

Sensibilizaram-me as amáveis palavras que acaba de me dirigir, bem como as saudações que me transmitiu da parte de Sua Excelência o Senhor El Hadj Omar Bongo, Presidente da República do Gabão. Ficaria grato se se dignasse transmitir-lhe, bem como ao povo gabonense, os cordiais votos de bem-estar e de prosperidade que formulo para o inteiro país, pedindo a Deus que conceda a cada um viver numa nação cada vez mais fraterna e solidária, na qual os dons recebidos de Deus se difundam plenamente em benefício de todos.

2. No seu discurso, Vossa Excelência ressaltou a importância que a Sé Apostólica dedica à busca da paz entre os povos. De facto, é particularmente urgente, quando nos aproximamos do Terceiro Milénio, criar as condições para uma vida em sociedade que não permita considerar que a violência possa ser uma via apta para a resolução dos conflitos. Os terríveis sofrimentos que ainda hoje são a sorte quotidiana de tantos povos, vítimas de conflitos fratricidas, sobretudo no continente africano, deveriam estimular os responsáveis das nações, e todas as pessoas de boa vontade, a empenharem-se resolutamente na busca de soluções que respeitem a vida humana e o direito dos povos, oferecendo a possibilidade de progredir rumo a uma verdadeira reconciliação.

Alegro-me muitíssimo com o facto de que, fielmente ancorados nos princípios da paz e da estabilidade do continente, como Vossa Excelência acaba de mencionar, o Gabão contribui de maneira cada vez mais eficaz para a promoção na África Central das relações harmoniosas e solidárias entre as nações e as comunidades humanas.

3. A fim de estabelecer um equilíbrio social duradouro, é preciso que no interior de cada país a fortificação dum Estado de direito, fundado no respeito de todas as pessoas humanas e das exigências fundamentais a elas relacionadas, possa caminhar a par e passo com uma gestão da vida pública que esteja de facto ao serviço de todos. Também encorajo vivamente todas as pessoas que têm responsabilidades na gestão da nação a não se desanimarem e a procurarem, em qualquer circunstância, o bem comum com uma determinação firme. De facto, como escrevi na Exortação Apostólica Ecclesia in Africa, «conciliar profundas diferenças, superar antigos ressentimentos de natureza étnica e integrar-se numa ordem mundial complexa: tudo isto exige grande habilidade na arte de governar» (n. 111). Por outro lado, a fim de favorecer uma gestão honesta do património comum e permitir que os motivos de oposição entre os grupos esvaneçam, é fundamental desenvolver uma sólida preparação cívica e moral das consciências, que eduque para o sentido das responsabilidades e o reconhecimento de cada um na sua diversidade. Desta forma, entre todos os componentes da sociedade poder-se-ão estabelecer relações de convivência, na justiça e na equidade.

4. Senhor Embaixador, para responder à sua vocação de testemunhar, sempre e em toda a parte, o Evangelho de Cristo, a Igreja católica deseja colaborar com quantos participam na organização da sociedade humana e, sobretudo, com os que receberam o encargo de governar. Por conseguinte alegro-me com o acordo que foi concluído recentemente entre o seu País e a Santa Sé, a fim de facilitar a missão religiosa da Igreja católica e o seu serviço a todos os cidadãos do Gabão sem distinção, no respeito da independência e da autonomia da Igreja e do Estado. Espero que este acordo, fundado no reconhecimento da liberdade religiosa e dos princípios espirituais que animam a vossa rica tradição nacional, dê frutos abundantes para o bem-estar e o progresso integral de cada um e de toda a sociedade gabonense.

5. Permita-me também, Senhor Embaixador, aproveitar esta feliz ocasião para saudar cordialmente por seu intermédio os Bispos e todos os católicos do Gabão. Conheço o apego que eles têm pelo próprio País e o empenho decidido em trabalhar com todos os seus compatriotas para o próprio desenvolvimento. Agora que nos preparamos para celebrar o Grande Jubileu do Ano 2000, convido-os com afecto a serem artífices cada vez mais fervorosos da paz e da fraternidade, firmemente unidos aos seus pastores na fé e no amor.

6. Senhor Embaixador, no momento em que inicia oficialmente a sua missão junto da Sé Apostólica, apresento-lhe os meus votos mais cordiais pela nobre tarefa que o espera. Tenha a certeza de que encontrará aqui, junto dos meus colaboradores, o acolhimento atencioso e compreensivo do qual poderá ter necessidade.

Sobre Vossa Excelência, os responsáveis da nação e todo o povo gabonense, invoco de coração a abundância das Bênçãos do Todo-Poderoso.



JOÃO PAULO II


DISCURSO DURANTE A CERIMÓNIA


DE CHEGADA NO AEROPORTO DA CIDADE


Danzingue, 5 de Junho de 1999


Senhor Presidente da República da Polónia
Senhor Cardeal Primaz
Senhor Arcebispo Metropolitano de Danzigue

1. Dou graças à divina Providência por me poder encontrar pela sétima vez, como peregrino, com os meus concidadãos e assim experimentar a alegria de visitar a minha querida Pátria. Abraço com o coração todos e cada um: toda a terra polaca, todos os seus habitantes. Recebei de mim a saudação de amor e de paz. A saudação de um vosso compatriota, que vem por uma necessidade do coração e traz a bênção de Deus, que «é amor» (1Jn 4,8).

Saúdo o Senhor Presidente e também lhe agradeço as cordiais palavras que me dirigiu em nome das Autoridades do Estado da República da Polónia. Cumprimento os Senhores Cardeais, Arcebispos e Bispos. Dirijo um sincero obrigado ao Senhor Cardeal Primaz pelas palavras de boas-vindas. Saúdo toda a Igreja que está na Polónia: os presbíteros, as Congregações masculinas e femininas, todos os consagrados, os estudantes dos seminários maiores e todos os fiéis, e de modo particular aqueles que sofrem, os enfermos, as pessoas sozinhas e os jovens. Não posso deixar de os saudar, depois de tanto entusiasmo. Peço-vos que rezeis a fim de que o meu serviço na Pátria dê os almejados frutos espirituais.

2. A minha peregrinação na Pátria, que hoje tem início, é como que uma prolongação daquela precedente, de 1997. Inicio-a nas costas do Báltico, em Danzigue, onde existem grandes obras e importantes eventos da história da nossa Nação. De facto, aqui em 997 Santo Adalberto terminou a sua missão apostólica. Há dois anos foi-me dado inaugurar com solenidade o Jubileu do milénio da sua morte por martírio. Este Milénio que começou em Praga e continuou em Gniezno, hoje é celebrado nas margens do Báltico em Danzigue. Santo Adalberto é o Padroeiro da Diocese de Danzigue; é por isso que dou nesta cidade os meus primeiros passos.

O testemunho do martírio de Adalberto tornou-se uma semente que gera santidade. Desde há mil anos a Igreja serve fielmente este mistério de graça na terra dos Piast e deseja continuar a desempenhar com eficácia este serviço, imitando o seu único Mestre e Senhor. Por isso, tende sempre a renovar-se a fim de que, em todos os tempos seja reconhecível no seu rosto a imagem de Cristo, «testemunha insuperável do mesmo Pai, testemunha de amor paciente e de humilde mansidão» (cf. Tertio millennio adveniente, TMA 35). Esta renovação foi proposta pelo Concílio Vaticano II que, sob o impulso do Espírito Santo, indicou à Igreja as vias ao longo das quais caminhar no fim do segundo milénio, para levar ao mundo contemporâneo o eterno mistério de um Deus que ama. O segundo Sínodo Plenário da Igreja na Polónia, inaugurado a 8 de Junho de 1991 em Varsóvia, que encerraremos durante esta peregrinação, tem a tarefa de tornar sempre actual este ensinamento conciliar, a fim de que a iniciada renovação interior do Povo de Deus em terra polaca, possa continuar a realizar-se fecundamente, contribuindo para uma nova primavera do espírito, na medida dos tempos rumo aos quais caminhamos.

Enquanto olha para o futuro, a Igreja confirma ao mesmo tempo a colaboração de todos com o Espírito Santo. Esta identidade adquire uma expressão especial na vida das santas testemunhas do mistério do amor de Deus. As beatificações que se hão-de realizar durante a presente peregrinação, em Varsóvia e em Torun, e a canonização em Stary Slacz, demonstrarão a grandeza e a beleza da santidade da vida e o poder da acção do Espírito Santo no homem. Bendito seja Deus que «é amor», por todos os frutos desta santidade, por todos os dons do Espírito deste milénio que está para terminar.

Ainda há um motivo, muito importante, para esta peregrinação. Neste ano celebramos o milénio da instituição, por parte do Papa Silvestre II, da metrópole polaca independente de Gniezno, composta por quatro Dioceses: Gniezno, Kolobrzeg, Wroclaw e Cracóvia. Num certo sentido, este foi o primeiro fruto em terra polaca do martírio de Santo Adalberto. A Nação, há pouco baptizada, iniciou a sua peregrinação através da história juntamente com os seus Pastores, Bispos das novas Dioceses. Para a Igreja na Polónia e para toda a Nação foi um grande evento, cuja memória celebraremos em Cracóvia.

3. Estou feliz por esta peregrinação na Pátria começar em Danzigue, uma cidade que entrou para sempre na história da Polónia, da Europa, e talvez até do mundo. Com efeito, foi aqui que se fez sentir de modo particular a voz das consciências que invocavam o respeito da dignidade do homem, especialmente do trabalhador, a voz que reivindicava a liberdade, a justiça e a solidariedade entre os homens. Este brado das consciências despertadas do sono ressoou com tanta força que abriu o espaço para a suspirada liberdade, que se tornou e continua a ser para nós uma grande tarefa e um desafio para o presente e para o futuro. Precisamente em Danzigue nascia uma Polónia nova, que hoje muito apreciamos e da qual somos orgulhosos. Observo com alegria que o nosso País fez grandes progressos no caminho do desenvolvimento económico. Graças ao esforço de todos os seus compatriotas a Polónia pode olhar com esperança para o futuro. É um País que nos últimos anos conquistou um especial reconhecimento e o respeito das outras nações do mundo. Por tudo isto, bendito seja Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Rezo incessantemente a fim de que o progresso material do País caminhe a par e passo com o desenvolvimento espiritual.

4. Venho até vós na vigília do Grande Jubileu do Ano 2000. Venho como um peregrino até aos filhos e às filhas da minha Pátria, com palavras de fé, esperança e caridade. No ocaso deste milénio e ao mesmo tempo no limiar dos tempos novos que hão-de vir, quero meditar juntamente com os meus concidadãos sobre o grande mistério de Deus, que «é amor». Com efeito, Ele «amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu único Filho, para que todo o que n'Ele crer não pereça, mas tenha a vida eterna» (Jn 3,16). Inclino-me convosco diante deste inefável mistério de Deus que «é amor», do mistério do amor e da misericórdia divina.

Desejo muito que mediante o meu ministério pastoral durante esta peregrinação, a divina mensagem do amor chegue a todos, a cada família e a cada lar, bem como a todos os meus compatriotas que habitam na Polónia ou fora das suas fronteiras, onde quer que se encontrem.

«A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus Pai e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós» (cf. 2Co 13,13) e nos acompanhem durante todos os dias desta peregrinação na Pátria. Louvado seja Jesus Cristo!

No final desta cerimónia, Sua Santidade transferiu-se para a Sede arquiepiscopal, onde almoçou com os Bispos da Província, os Cardeais e o Séquito.



JOÃO PAULO II


DISCURSO DURANTE A CERIMÓNIA


PARA A BÊNÇÃO DO SANTUÁRIO MARIANO


Lichen, 7 de Junho de 1999


1. «Bem-aventurada aquela que acreditou, porque vai acontecer o que o Senhor lhe prometeu» (Lc 1,45). Hoje apresento-me como peregrino no Santuário de Lichen e saúdo Maria com as palavras de Isabel: «Bem-aventurada aquela que acreditou». Do texto do Evangelista Lucas tomamos conhecimento de que a casa de Isabel se enche de alegria. Graças à luz concedida do alto, Isabel compreende a grandeza de Maria, que é «cheia de graça» e, por isso, «bendita entre as mulheres» (cf. 1, 42), porque traz no seu seio Jesus, o Salvador do mundo. A cena da visitação torna-se-nos particularmente próxima aqui, neste lugar tão amado por Maria. Com efeito, cada santuário é num certo sentido a casa de Isabel, visitada pela Mãe do Filho de Deus que deseja estar ao lado do seu amado povo.

2. Irmãos e Irmãs, dou graças à divina Providência porque no percurso da minha peregrinação na Pátria existe precisamente este Santuário. É-me grato poder encontrar-vos na moldura da natureza primaveril para benzer o novo templo consagrado à Mãe de Deus. Olho com admiração para esta grande construção que, na sua riqueza arquitectónica, é uma expressão de fé e de amor a Maria e ao seu Filho. Sejam dadas graças a Deus por este templo! A gratidão é devida também aos guardiões deste Santuário - os Padres Marianos - que desde há anos o administram e servem com fidelidade os peregrinos. O templo foi edificado precisamente por iniciativa deles. Agradeço inclusive aos construtores e a todos aqueles que, com as suas ofertas, sustentaram ou ainda sustentam esta grande obra. Saúdo com cordialidade D. Bronislaw Dembowski, Pastor dessa Diocese de Wloclawek, em cujo território se encontra este Santuário. Saúdo o Bispo Auxiliar, o Bispo Emérito, saúdo e agradeço ao Superior-Geral e aos Padres Marianos a hospitalidade, saúdo todo o clero e os peregrinos que aqui chegaram provenientes de várias partes da Polónia.

3. Dirijamos o olhar para Aquela que «acreditou». Maria acreditou que se teria verificado quanto lhe fora dito pelo Senhor. Acreditou na palavra de Deus que Ela, Virgem, teria concebido e dado à luz um Filho, Filho de Deus. A profissão de fé feita por Maria recorda a fé de Abraão, que nos alvores da Antiga Aliança acreditou em Deus. Eis a grandeza e a perfeição da fé de Maria, diante da qual Isabel pronuncia palavras de admiração. Chamando a Maria «bendita entre as mulheres», indica que Ela obteve a bênção graças à fé. Bem-aventurada aquela que acreditou! A exclamação de Isabel, cheia de deslumbramento, é para nós uma exortação a fim de que saibamos apreciar tudo aquilo que a presença de Maria traz à vida de cada crente.

4. Congregados hoje para esta oração matutina no Santuário de Lichen, aos pés da nossa Mãe das Dores, todos nós lhe imploramos que interceda a nosso favor junto do Filho, impetrando para nós:

Uma fé viva, que de pequena semente de mostarda se torne uma árvore de vida divina.

Uma fé que todos os dias se alimente de oração, se fortaleça com os santos Sacramentos e haura da riqueza do Evangelho de Cristo.

Uma fé vigorosa que não tema as dificuldades, os sofrimentos ou os reveses, porque está assente sobre a convicção de que «para Deus nada é impossível» (cf. Lc Lc 1,37).

Uma fé amadurecida e incondicional, uma fé que coopere com a santa Igreja numa autêntica edificação do Corpo místico de Cristo.

Agradecemos-te Maria, porque incessante e infalivelmente nos guias rumo a Cristo.

Mãe do Filho divino, vigia sobre a nossa indefectível fidelidade a Deus, à Cruz, ao Evangelho e à santa Igreja, como fez desde os alvores da nossa história cristã. Defende esta Nação, que desde há mil anos caminha ao longo das veredas do Evangelho. Faze com que vivamos, cresçamos e perseveremos na fé até ao fim.

Ave, Filho de Deus Pai,
Ave, Mãe do Filho de Deus,
Ave, Esposa do Espírito Santo,
Templo da Santíssima Trindade.
Amém!



JOÃO PAULO II


DISCURSO DO SANTO PADRE AOS REITORES,


DECANOS E PROFESSORES


Torun, 7 de Junho de 1999


Estimados e ilustríssimos
Senhores e Senhoras
Reitores Magníficos,
Decanos e Professores
Representantes da Ciência
na Polónia!

1. Estou feliz porque, no percurso da minha peregrinação através da terra pátria, me é novamente concedido encontrar-me convosco, homens da ciência, representantes das instituições académicas de toda a Polónia. É muito eloquente o facto de que estes encontros com o mundo da ciência já se tenham tornado uma parte integrante das viagens do Papa em todos os continentes. Com efeito, trata-se de momentos de particular testemunho. Estes falam do profundo e multíplice vínculo que existe entre a vocação dos homens da ciência e o ministério da Igreja, que na sua essência é «diaconia da Verdade».

Grato à divina Providência pelo encontro de hoje, saúdo cordialmente todos vós aqui presentes, Reitores Magníficos e representantes das instituições académicas do inteiro País e, através de vós, abraço com o pensamento e o coração todo o mundo da ciência polaca. Dirijo uma particular saudação ao Reitor Magnífico da Universidade de Torun, que nos hospeda nesta ocasião. Agradeço-lhe as palavras de boas-vindas que me transmitiu em nome de todos os presentes. Cumprimento também o Presidente da Conferência dos Reitores Magníficos das Universidades da Polónia, aqui presentes.

2. Encontramo-nos entre os muros de uma Universidade que, no que concerne à data de fundação, é uma instituição relativamente jovem. De facto, há pouco tempo celebrou o cinquentenário de fundação. Todavia, sabemos que as tradições culturais e científicas ligadas a esta cidade têm profundas raízes no passado e se unem sobretudo à figura de Nicolau Copérnico. No momento da sua fundação, a Universidade de Torun traz em si o sinal dos dramáticos acontecimentos da II guerra mundial. É justo recordar nesta circunstância que os artífices deste Ateneu foram em grande parte estudiosos - exilados da Universidade «Stefan Batory», de Vilna, e da Universidade «Jan Kazimierz», de Lviv. Proveniente de Vilna, chegou a Torun o primeiro Reitor da Universidade, o Professor Ludwik Kolankowski, incansável organizador da Universidade. De Vilna, veio Karol Górski, historiador, pioneiro de estudos sobre a espiritualidade religiosa polaca, e muitos outros. Por sua vez, de Lviv chegou o Professor Tadeusz Czezowski, filósofo de grande fama. Também de Lviv veio o Professor Artur Hutnikiewicz, insigne estudioso de literatura. O círculo dos Professores aumentou também com os estudiosos vindos da arrasada Varsóvia; entre estes, não se pode deixar de recordar Konrad Górski, estudioso de literatura extraordinariamente perspicaz. Eles e muitos outros organizaram este Ateneu com grande dedicação. Os tempos eram difíceis, mas contemporaneamente repletos de esperança. E «a esperança provém da verdade» - como escrevia Cyprian Norwid. Em condições pós-bélicas muito árduas, realizou-se uma averiguação das pessoas e da sua fidelidade à verdade. Hoje, a Universidade de Torun tem a sua própria fisionomia e oferece uma preciosa contribuição para o desenvolvimento da ciência polaca.

3. O nosso encontro tem lugar no último ano do século que está a chegar ao fim. Encontrando-nos entre dois séculos, dirigimos o nosso pensamento de maneira alternada tanto ao passado como ao futuro. No passado buscamos os ensinamentos e as indicações para o nosso futuro. Desta forma queremos especificar e fundamentar melhor a nossa esperança. Hoje o mundo tem necessidade da esperança e procura a esperança! Todavia, a dramática história do nosso século, com as suas guerras, as criminosas ideologias totalitárias, os campos de concentração e os chamados «gulags» não induz acaso a ceder à tentação do desencorajamento e do desespero? Certa vez Pascal escreveu que o conhecimento da própria miséria por parte do homem gera o desespero (cf. Pensamentos, 75). A fim de descobrir a esperança é preciso dirigir o olhar rumo ao alto. Somente o conhecimento de Cristo - acrescenta Pascal - nos liberta do desespero, porque n'Ele conhecemos n(l-abreve)o só a nossa miséria, mas inclusivamente a nossa grandeza (cf. Ibid., 690 e 729-730).

Cristo mostrou à humanidade a mais profunda verdade sobre Deus e ao mesmo tempo sobre o homem, revelando o Pai que é «rico de misericórdia» (Ep 2,4). «Deus é amor» (1Jn 4,8). Precisamente este é o tema-guia da minha presente visita à Polónia. Na Encíclica Dominum et vivificantem, escrevi sobre o Espírito Santo: «Na sua vida íntima Deus 'é Amor' (cf. 1Jn 4,8 1Jn 4,16), amor essencial, comum às três Pessoas divinas: amor pessoal é o Espírito Santo, como Espírito do Pai e do Filho. Por isso, Ele 'perscruta as profundezas de Deus' (1Co 2,10), como Amor-Dom incriado. Pode-se dizer que no Espírito Santo a vida íntima de Deus uno e trino se torna totalmente dom, permuta de amor recíproco entre as Pessoas divinas; e ainda, que no Espírito Santo Deus 'existe' à maneira de Dom» (n. 10). Este Amor que é Dom dá-se ao homem mediante o acto da criação e da redenção. Consequentemente: «O homem não pode viver sem amor. Ele permanece para si próprio um ser incompreensível e a sua vida é destituída de sentido, se não lhe for revelado o amor, se ele não se encontrar com o amor, se o não experimentar e se o não tornar algo propriamente seu, se nele não participar de modo vivo» (Redemptor hominis RH 10).

Precisamente esta verdade sobre «Deus-Amor» se torna fonte da esperança do mundo e indicador do caminho da nossa responsabilidade. O homem pode amar, porque antes foi amado por Deus. São João ensina-nos: «Quanto a nós, amemos porque Ele [Deus] nos amou primeiro» (1Jn 4,19). A verdade sobre o amor de Deus lança luz também sobre a nossa busca da verdade, o nosso trabalho, o progresso da ciência e toda a nossa cultura. As nossas investigações e o nosso trabalho têm necessidade de uma ideia-guia, de um valor fundamental, para dar sentido e unir numa só corrente os esforços dos estudiosos, as reflexões dos historiadores, a criatividade dos artistas e as descobertas dos técnicos, que se estão a desenvolver com uma vertiginosa rapidez. Existe porventura outra ideia, outro valor ou outra luz capaz de dar sentido ao multíplice compromisso dos homens da ciência e da cultura, sem limitar contemporaneamente a sua liberdade criativa? Eis que esta força é o amor, que não se impõe ao homem a partir de fora, mas nasce na sua interioridade, no seu coração, como a sua mais íntima propriedade. Ao homem pede-se somente que permita o seu nascimento e queira impregnar com ela a própria sensibilidade, a sua reflexão no laboratório, na sala do seminário e das lições, e também no banco de trabalho das artes.

4. Encontramo-nos hoje em Torun, na localidade chamada «cidade de Copérnico», na Universidade que lhe é intitulada. A descoberta feita por Copérnico e a sua importância no contexto da história da ciência recorda-nos a contraposição sempre viva, existente entre a razão e a fé. Embora para Copérnico mesmo a descoberta se tenha tornado fonte de uma admiração ainda maior pelo Criador do mundo e pelo poder da razão humana, para muitas pessoas esta constituiu um motivo para contrapor a razão à fé. Qual é a verdade? A razão e a fé são duas realidades que devem porventura excluir-se reciprocamente?

Na divergência entre a razão e a fé exprime-se um dos maiores dramas do homem. Este tem muitas causas. Especialmente a começar pelo tempo do Iluminismo, o exagerado e unilateral racionalismo levou à radicalização das posições nos campos das ciências naturais e da filosofia. A separação, que assim surgiu entre fé e razão, provocou danos irreparáveis não só à religião, mas também à cultura. No foco de vigorosas polémicas esquecia-se com frequência o facto de que a fé «não teme a razão, mas solicita-a e confia nela. Assim como a graça supõe a natureza e a leva à perfeição, assim também a fé supõe e aperfeiçoa a razão» (Fides et ratio FR 43). A fé e a razão constituem como que «as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade» (Ibid.,preâmbulo). Hoje é preciso actuar a favor da reconciliação entre fé e razão: Na Encíclica Fides et ratio, escrevi: «A fé, privada da razão, pôs em maior evidência o sentimento e a experiência, correndo o risco de deixar de ser uma proposta universal. É ilusório pensar que, tendo à frente uma razão débil, a fé goze de maior incidência; pelo contrário, cai no grave perigo de ser reduzida a um mito ou superstição. Da mesma maneira, uma razão que não tiver à frente uma fé adulta não é estimulada a fixar o olhar sobre a novidade e a radicalidade do ser (...) Ao desassombro (parresia) da fé deve corresponder a audácia da razão» (n. 48). Em última análise, este é o problema da unidade interior do homem, sempre ameaçada pela divisão e pela fragmentação do seu saber, ao qual falta o princípio unificador. Neste campo, hoje a investigação filosófica tem uma tarefa especial.

5. Aos homens da ciência e da cultura foi confiada uma particular responsabilidade em relação à verdade - tender para ela, defendê-la e viver em conformidade com esta. Conhecemos muito bem as dificuldades ligadas à busca humana da verdade, entre as quais hoje prevalecem o cepticismo, o agnosticismo, o relativismo e o niilismo. Procura-se com frequência persuadir o homem de que terminou definitivamente o tempo da certeza do conhecimento da verdade e de que somos condenados de maneira irrevogável a uma total ausência de sentido, ao carácter provisório do saber, a uma instabilidade e relatividade permanentes. Nesta situação, parece imperiosa a necessidade de confirmar a fundamental confiança na razão humana e a sua capacidade de conhecer a verdade - inclusive a verdade absoluta e definitiva. O homem é capaz de elaborar para si mesmo uma uniforme e orgânica concepção do conhecimento. A fragmentação do saber destrói a unidade interior do homem. O homem aspira à plenitude do saber, porque é um ser que por natureza busca a verdade (cf. Fides et ratio FR 28), e não pode viver sem esta. É necessário que a ciência contemporânea, e de maneira especial a actual filosofia, reencontrem - cada qual no próprio contexto - aquela dimensão sapiencial que consiste na busca do sentido definitivo e global da existência humana.

A busca da verdade realiza-se não só mediante um esforço individual na biblioteca ou no laboratório, mas possui também uma dimensão comunitária. «De facto, a perfeição do homem não se reduz apenas à aquisição do conhecimento abstracto da verdade, mas consiste também numa relação viva de doação e fidelidade ao outro. Nesta fidelidade que leva à doação, o homem encontra plena certeza e segurança. Ao mesmo tempo, porém, o conhecimento por crença, que se fundamenta na confiança interpessoal, tem a ver também com a verdade: de facto, acreditando, o homem confia na verdade que o outro lhe manifesta» (Fides et ratio FR 32). Sem dúvida, esta é uma experiência preciosa para cada um de vós. Alcança-se a verdade também graças ao próximo, no diálogo com os outros e pelos outros. A busca da verdade e a partilha desta com os demais é um importante serviço social, para o qual são chamados de modo especial os homens da ciência.

6. Hoje apresentam-se grandes desafios à ciência - e também à ciência polaca. O desenvolvimento inaudito das ciências e o progresso técnico geram interrogativos fundamentais em relação aos limites da experiência, ao sentido e às tendências do progresso técnico, às limitações da influência do homem na natureza e no meio ambiente natural. Este desenvolvimento é fonte de fascínio e, ao mesmo tempo, de medo. O homem teme cada vez mais os resultados da própria razão e liberdade. Sente-se em perigo. Por isso, é mais importante e actual do que nunca recordar a verdade essencial que o mundo é dom de Deus Criador, que é Amor, e o homem-criatura é chamado a um prudente e responsável domínio sobre o mundo da natureza, e não à sua irreflectida destruição. Além disso, é necessário lembrar que a razão é um dom de Deus, para S. Tomás a razão é o maior dom de Deus, sinal da semelhança a Deus, que cada homem traz em si. Por isso, é muito importante a constante recordação de que a autêntica liberdade das investigações científicas não pode prescindir do critério da verdade e do bem. Hoje a solicitude pela consciência moral e pelo sentido de responsabilidade da pessoa por parte dos homens da ciência passa ao nível dos imperativos fundamentais. É precisamente neste plano que se decide a sorte da ciência contemporânea, ou seja, num certo sentido, o destino de toda a humanidade. Enfim, é preciso recordar a necessidade de uma incessante gratidão por aquele dom que o homem é para o seu semelhante - aquele dom graças ao qual, com o qual e pelo qual ele se insere na grande aventura da busca da verdade.

7. Conheço as dificuldades que hoje preocupam as instituições académicas polacas, tanto o corpo docente como os estudantes. Assim como toda a nossa Pátria, actualmente a ciência polaca está a passar por uma fase de profundas transformações e reformas. Sei também que, apesar disto, os investigadores polacos têm obtido resultados significativos, pelos quais me alegro e me congratulo com todos vós.

Estimados e ilustres Senhores e Senhoras, quero agradecer-vos uma vez mais o hodierno encontro. Desejo assegurar-vos a minha profunda participação nos problemas da cultura e da ciência polacas. Saúdo-vos cordialmente e, através de vós, cumprimento todos os ambientes académicos da Polónia, que aqui representais: tanto os professores como os estudantes e todos os funcionários administrativos e técnicos, e invoco sobre todos vós a bênção de Deus.




Discursos João Paulo II 1999 - Terça-feira, 1° de Junho de 1999