Discursos João Paulo II 1999 - Torun, 7 de Junho de 1999

JOÃO PAULO II


DISCURSO DO SANTO PADRE DURANTE A BÊNÇÃO


DA NOVA BIBLIOTECA UNIVERSITÁRIA


Varsóvia, 11 de Junho de 1999


Ilustres Senhores

Quero saudar cordialmente todos aqueles que se reuniram neste novo edifício da Biblioteca da Universidade de Varsóvia - há muito tempo esperado - para participar na cerimónia da sua bênção. Saúdo de coração o Senhor Cardeal Primaz, o Reitor Magnífico, juntamente com o Senado e os Professores da Universidade e o Senhor Reitor Eleito. Alegro-me com a presença dos Reitores e dos Professores de outras Instituições académicas de Varsóvia. Saúdo o Senhor Ministro da Educação, os representantes da Academia Polaca de Ciências e os representantes do mundo da cultura.

A Biblioteca é uma instituiçã que, com a sua própria existência, testemunha o desenvolvimento da cultura. De facto, é constituída pelo tesouro de obras escritas, nas quais o homem explica a própria criatividade, a sua inteligência, o conhecimento do mundo e dos homens e também a capacidade de autodomínio, de sacrifício pessoal, de solidariedade e de trabalho a favor do desenvolvimento do bem comum (cf. Centesimus annus CA 51). Numa colecção de livros, gerida sistematicamente, aos antigos manuscritos e incunábulos são acrescentados novos livros e periódicos. Tudo constitui um eloquente sinal da unidade das gerações que se sucedem formando, mediante uma variedade de tempos e de questões, um comum património de cultura e de ciência. Portanto, a biblioteca é um especial templo da criatividade do espírito humano em que se reflecte aquele Sopro divino, que acompanhava a obra da criação do mundo e do homem. Se buscarmos uma motivação para a presença do Papa neste edifício e para a cerimónia mesma da bênção, é preciso voltar precisamente àquele momento em que Deus criou o homem à Sua imagem e semelhança, e o convidou à cooperação na obra da criação do bem e da beleza. Tudo isto põe em evidência o facto de que o homem responde a este convite; num certo sentido, este remete para Aquele que é a primordial Causa da existência. Por conseguinte, se hoje nos encontramos neste lugar que reúne os frutos do trabalho criativo do homem, é justa a nossa referência a Deus, repleta de gratidão. É justo o nosso desejo que Ele abençoe este edifício, que o sopro do seu Espírito esteja aqui presente e se torne fonte de inspiração para as futuras gerações de homens de cultura e de ciência.

O convite dirigido ao Papa de benzer este magnífico edifício é um eloquente sinal do facto que o ambiente académico da capital demonstra uma atitude positiva em relação ao património que, ao longo dos séculos, o cristianismo ofereceu à cultura e à ciência da Pátria; é sinal de que este aprecia o seu valor metatemporal; que não só deseja continuar a haurir dele, mas também quer multiplicá-lo, levando ao comum tesouro da cultura frutos de estudos contemporâneos e de investigações. É um particular sinal de uma crescente consciência de que a Igreja e os ambientes científicos são aliados de modo natural no serviço ao homem.

Enfim, quero expressar a esperança de que esta construção se torne, em conformidade com as expectativas dos habitantes da capital, o início de um rejuvenescido bairro universitário de Powisle, que mudará o rosto de Varsóvia. Possa este comum esforço das autoridades do Estado, da cidade e académicas dar ulteriores frutos, não menos magníficos do que este edifício, que tenho a oportunidade de benzer. Faço votos por que esta Biblioteca se torne o lugar em que aqueles que usufruem dos seus ricos recursos encontrem a orientação e o cumprimento da nobre paixão pela busca da verdade.

Deus abençoe todos vós.



JOÃO PAULO II


MENSAGEM AOS BISPOS DURANTE O ENCONTRO COM A CONFERÊNCIA EPISCOPAL DA POLÓNIA


Varsóvia, 11 de Junho de 1999


Venerados Irmãos no Episcopado!

1. Em espírito de gratidão pelo dom de uma nova peregrinação na Pátria, transmito a minha cordial saudação a vós, Pastores da Igreja na Polónia. Dirijo-me a todo o Episcopado, ao Senhor Cardeal Primaz como Presidente da Conferência, aos Cardeais, aos Arcebispos e aos Bispos. Recebei de mim uma palavra especial, como expressão de amor fraterno, de solidariedade e de permanente ligame com a Igreja que está na Polónia.

A actual peregrinação, a mais longa de todas aquelas que até hoje realizei, tem lugar na vigília do Grande Jubileu do Ano 2000, no ano dedicado a Deus Pai. A graça da fé e a luz do Espírito Santo que vive na Igreja permitem-nos compreender a plena dimensão salvífica dos eventos e dos grandes aniversários, aos quais está ligada a minha peregrinação. Como a filhos do mesmo «Pai que está nos Céus» (Mt 5,45), uma vez mais nos é concedido experimentar o seu amor na comum celebração. Este amor revelado em Cristo constitui o conteúdo mais profundo da vida cristã: «E a vida eterna consiste nisto: que te conheçam a ti, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste» (Jn 17,3).

Entre os eventos da história e os aniversários, considerados na perspectiva do plano salvífico de Deus que compreende também os nossos tempos, celebramos juntos o milénio da canonização de Santo Adalberto, o jubileu do milénio da instituição das estruturas eclesiásticas em terra polaca, com a primeira Sede Metropolitana e a Arquidiocese de Gniezno, com as Dioceses dela dependentes: Cracóvia, Wroclaw e Kolobrzeg, e o bicentenário da instituição da Diocese de Varsóvia. Além disso, encerraremos o II Sínodo Plenário.

2. Dou graças a Deus pelos vinte anos do meu serviço à santa Igreja, na Sé de Pedro, também porque neste tempo pude servir de modo especial a Igreja na minha Pátria. Este momento de viragem na história convida inclusive a olhar com esperança cristã rumo ao futuro, ao já próximo terceiro milénio.

Num certo sentido, a presente visita constitui a coroação de todas as precedentes peregrinações na Polónia. Põe-no em evidência também o seu mote: «Deus é amor» (1Jn 4,8). Com efeito, o amor é o «pleno cumprimento da lei» (Rm 13,10). «A caridade, na sua dupla face de amor a Deus e aos irmãos, é a síntese da vida moral do crente. Ela tem em Deus a sua nascente e a sua meta» (Tertio millennio adveniente, TMA 50).

3. O Evangelho das oito bem-aventuranças, contido no sermão da montanha, de certa forma acompanha esta peregrinação e dirige o nosso pensamento rumo a Cristo. A sua vida é a realização de todas as bem-aventuranças e demonstra uma visão do cristianismo, válida para todos os tempos. Formados neste espírito, os discípulos e os confessores de Cristo serão para cada geração testemunhas vivas da sua presença salvífica e conduzirão outros homens a Deus, que é Amor. Como «sacramento universal da salvação» (cf. Lumen gentium LG 48), a Igreja deveria, dia após dia, tornar-se um sinal de Cristo vivo pelos séculos, mais legível e mais transparente, o qual deseja «que todos os homens se salvem e conheçam a verdade» (1Tm 2,4). Condição indispensável desta acção, isto é, da realização da missão salvífica da Igreja, é o amor. Sobre este está edificada a Igreja, que nele cresce e se desenvolve: «Para que eles sejam perfeitos na unidade e para que o mundo reconheça que tu me enviaste e os amaste, como me amaste a mim» (Jn 17,23). A essência do apostolado de todos os membros da Igreja é a difusão da verdade sobre o amor de Deus. Fazei tudo a fim de que esta verdade seja anunciada, aceite e realizada na vida dos pastores e de todos os crentes.

O sermão da montanha é o programa para toda a Igreja. A comunidade da Nova Aliança realiza-se quando se baseia na lei do amor inscrita em cada coração humano (cf. Jr 31,31-33 He 10,16-17). Num certo sentido, as bem-aventuranças evangélicas constituem a concretização desta lei e, ao mesmo tempo, garantem uma verdadeira e duradoura felicidade que brota da pureza e da paz do coração, frutos da reconciliação com Deus e com os homens.

4. Que eloquente sinal do cumprimento da promessa das bem-aventuranças são as plêiades dos Santos e dos Beatos e, entre eles, também daqueles que serão elevados à glória dos altares durante esta peregrinação: a Beata Kinga, cuja canonização terá lugar em Stary Sacz, o Beato Wincenty Frelichowski, elevado às honras dos altares há alguns dias em Torun, depois a Serva de Deus Regina Protmann, juntamente com o Servo de Deus Edmundo Bojanowski e os 108 Mártires, que no período da ocupação desumana foram heróicas testemunhas da fé e que a Igreja proclamará Beatos daqui a alguns dias em Varsóvia! Para a Igreja na Polónia, juntamente com a multidão dos filhos e das filhas desta terra, eles constituem um sinal e uma exortação que recorda como a graça da santidade pode florescer em cada condição e circunstância da vida, mesmo entre as perseguições, a opressão e as injustiças. Entre estes heróis da fé há Bispos e presbíteros que, imitando Cristo Bom Pastor, não hesitaram em «dar a vida pelas suas ovelhas» (cf. Jo Jn 10,11).

Estimados Irmãos, fixai o olhar nos exemplos luminosos da sua vida, a fim de que o amor a Deus e ao homem cresça nos vossos corações e naqueles de todas as pessoas que servis como Pastores. Uma condição indispensável para o fecundo cuidado pastoral é o ligame pessoal com Cristo, que se manifesta antes de mais na oração e no amor pleno de espírito de sacrifício pela Igreja, nossa Mãe. «Porque o zelo da vossa casa me consumiu e os insultos daqueles que vos ultrajam caíram sobre mim» (Sl 68[69], 10).

5. Nas fontes de cada renovação existe a palavra de Deus, «que tem o poder de construir o edifício e de vos conceder uma parte na herança com todos os santificados» (Ac 20,32). É sempre actual esta exortação do Concílio Vaticano II: «A pregação eclesiástica, bem como a própria religião cristã, se alimentem e se orientem pela Sagrada Escritura. Com efeito, nos livros sagrados, o Pai que está nos céus vem amorosamente ao encontro dos seus filhos e conversa com eles» (Dei Verbum DV 21). À luz e ao poder da palavra de Deus devem abrir-se antes de mais os pastores, a fim de que - como admoesta Santo Agostinho - aquele a quem foi confiado o santo ministério da palavra não se torne sob o ponto de vista exterior um vão pregador da palavra de Deus, se não O escutar interiormente (cf. Sermo 179, I: PL 38, 966). «A palavra de Deus é viva e eficaz» (He 4,12). Esta alimente a vossa espiritualidade e se torne fonte de um apostolado frutuoso, em conformidade com o princípio de S. Tomás: «Contemplata aliis tradere». A palavra de Deus é um insubstituível instrumento de salvação dos homens de todos os tempos, e nela há uma eficácia e um poder tão grandes que são «apoio e vigor da Igreja, fortaleza da fé para os filhos da Igreja, alimento da alma, fonte pura e perene da vida espiritual» (Dei Verbum DV 21).

6. O maior dever pastoral de cada um de vós é a solicitude pela imutável transmissão do depósito da fé. Nos nossos dias, a Igreja universal recebeu um instrumento precioso, que tem em vista esta finalidade: o Catecismo da Igreja Católica. Este constitui um eloquente sinal da unidade do ensinamento na Igreja. Na Constituição Apostólica Fidei depositum, escrevi: «Este Catecismo não se destina a substituir os Catecismos locais devidamente aprovados pelas autoridades eclesiásticas, os Bispos diocesanos e as Conferências episcopais, sobretudo se receberam a aprovação da Sé Apostólica. Destina-se a encorajar e ajudar a redacção de novos Catecismos locais, que tenham em conta as diversas situações e culturas, mas que conservem cuidadosamente a unidade da fé e a fidelidade à doutrina católica» (Ed. port. de L'Osservatore Romano de 22 de Novembro de 1992, pág. 1, n. 4). O exercício deste postulado por parte dos Pastores da Igreja na Polónia é uma das mais urgentes necessidades do momento actual. Uma catequese sistemática e global compreende no seu interior também a catequese dos adultos, é indispensável para o aprofundamento e o revigoramento da fé nos corações dos homens, de uma fé consciente, de uma fé que influi na vida e no comportamento.

7. Um evento muito importante para a Igreja na Polónia foi o II Sínodo Plenário. Os documentos sinodais compreendem no seu âmbito todos os mais importantes sectores da vida da Igreja: a chamada universal à santidade, a obra da nova evangelização, a liturgia e o culto, o lugar e a missão dos católicos leigos na vida social, económica e política, a presença da inspiração evangélica na cultura, a renovação e a consolidação da família, a educação e a formação para o sacerdócio e a vida consagrada. Agora a tarefa mais importante e, sem dúvida, mais difícil está diante das comunidades das Igrejas locais, das quais sois os responsáveis. Tenho em mente o cumprimento e a realização de tudo aquilo que foi escrito no Sínodo como programa sob forma de decretos maduros a serem concretizados. Formulo votos e rezo a fim de que este Sínodo se torne um manancial de inspiração e de renovação da vida cristã no espírito do Evangelho.

8. Na perspectiva de entrar na União Europeia, uma questão muito importante é a contribuição criativa dos crentes para a cultura contemporânea. Repito de novo as palavras que pronunciei diante dos Bispos polacos durante a sua última visita Ad limina, no início de 1998: «A Europa tem necessidade de uma Polónia que acredite profundamente e seja criativa sob o ponto de vista cultural e cristão, consciente do papel que lhe foi confiado pela Providência. Aquilo com que a Pátria pode e deve prestar um serviço à Europa é, em última análise, idêntico à tarefa de reconstrução de uma comunhão de espírito, baseada sobre a fidelidade ao Evangelho na própria casa. A nossa Nação (...) tem muito a oferecer à Europa, antes de tudo a sua tradição cristã e a rica experiência religiosa de hoje» (Discurso na visita «Ad limina», 14 de Fevereiro de 1998, ed. port. de L'Osservatore Romano de 21.2.98, pág. 6).

Na vigília do terceiro milénio apresentam-se novos desafios históricos à Igreja na Polónia. A Polónia entra no século XXI como um país livre e soberano. Para não ser desperdiçada, esta liberdade exige dos homens conscientes não só direitos próprios, mas também deveres: homens generosos, animados pelo amor à Pátria e pelo espírito de serviço, que queiram solidariamente construir o bem comum e organizar todos os espaços de liberdade na dimensão pessoal, familiar e social. Como já sublinhei várias vezes, a liberdade exige também uma constante referência à verdade do Evangelho e às estáveis e consolidadas normas morais, que permitem distinguir o bem do mal. Isto é de modo particular importante precisamente hoje, no tempo das reformas vividas pela Polónia.

Estou feliz porque os leigos se empenham de forma cada vez mais plena na vida da Igreja e da sociedade. São expressão disto as numerosas associações e organizações católicas, de maneira especial a Acção Católica, e a participação dos crentes na vida pública, económica e política. Faço votos por que os Pastores sustenham os fiéis leigos «para que, em espírito de unidade e mediante um serviço honesto e abnegado, em colaboração com todos, saibam conservar e desenvolver a tradição e a cultura cristã no plano sócio-político» (Discurso na visita «Ad limina», 16 de Janeiro de 1998, ed. port. de L'Osservatore Romano de 24.1.98, pág. 4, n. 7). Uma grande ajuda neste campo deveria ser constituída pela doutrina social da Igreja, a ser divulgada a fim de que «os valores e os conteúdos do Evangelho penetrem as categorias do pensamento de avaliaç(l-abreve)o e as normas da acç(l-abreve)o do homem» (Discurso na visita «Ad limina», 14 de Fevereiro de 1998, ed. port. de L'Osservatore Romano de 21.2.98, pág. 6, n. 3).

9. No espírito da Exortação Apostólica Pastores dabo vobis, circundai de particular atenção os irmãos sacerdotes, assim como os seminaristas a fim de que, animados pelo espírito de zelo e de caridade, se tornem presbíteros segundo o Coração divino. Cristo, sumo Sacerdote, quer estar presente através das suas pessoas no meio do Seu povo «como aquele que serve» (Lc 22,27) e «oferece a vida pelas suas ovelhas» (cf. Jo Jn 10,15). É isto que invoca Santo Adalberto, Bispo e Mártir, no milénio da sua canonização. Mediante o seu ministério pastoral e o seu sangue de mártir, há quase mil anos a Igreja cresceu em terra polaca, com a sua primeira sede e Metrópole na Gniezno dos Piast.

Aproveito o ensejo para chamar a vossa atenção para a grande questão da solicitude pelas vocações sacerdotais e religiosas. É necessário desenvolver a pastoral vocacional, e antes de mais rezar muito e exortar à oração, a fim de que não faltem pessoas dispostas a seguir a voz de Cristo.

É com igual vigor que invocam santos pastores aquelas testemunhas da fé que, como Antoni Julian Nowowiejski, D. Leon Wetmanski ou D. Goral, juntamente com o já Beato Wincenty Frelichowski e com numerosos sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos, serão beatificados em Varsóvia. O testemunho da sua fidelidade heróica é um grande dom moral e um grandioso compromisso para aqueles que assumiram o serviço pastoral depois deles.

O Grande Jubileu do Ano 2000 orienta de modo especial o nosso pensamento e o nosso coração para a juventude que, no novo milénio, formará o rosto da Igreja e da Pátria. A confiança depositada nos jovens não desilude, porque eles estão particularmente abertos à autenticidade do Evangelho. Experimentei-o várias vezes durante as minhas viagens apostólicas. Agradeço de coração a todos aqueles que dedicam o seu tempo e os seus talentos para transmitir à jovem geração o grande património da cultura, da tradição e da religiosidade polacas, que se preocupam em preparar os jovens para o belo amor, o matrimónio, a maternidade e paternidade responsáveis. A fim de que os jovens possam satisfazer as esperanças neles depositadas, é preciso ensiná-los a haurir força do contacto directo com Deus da liturgia e dos santos sacramentos, da Sagrada Escritura, da vida e do apostolado da Igreja. Especialmente hoje, também os jovens têm necessidade de esperança. É preciso aproveitar todas as ocasiões para uma harmoniosa cooperação da família, da Igreja, da escola, das autoridades locais e do Estado, em vista de afastar da juventude os perigos de que a civilização consumista de hoje é portadora.

Recomendo a vossa particular solicitude também a mais pequena, mas ao mesmo tempo a mais importante «comunidade de vida e de amor» (Gaudium et spes GS 48), que é a família. A sociedade e a nação desvirtuam-se sem famílias sadias e fortes. Hoje porém, a estabilidade e a unidade da família são seriamente ameaçadas. É preciso opor-se a este perigo formando, em colaboração com todos os homens de boa vontade, um clima favorável para a consolidação da família. Estou feliz porque também na Polónia surgem movimentos pró-família, que defendem um novo estilo de comportamento cristão, demonstrando que onde há verdadeiro amor e clima de fé, também há lugar para uma vida nova.

Conheceis bem a minha solicitude e os meus esforços pela defesa da vida e da família. Onde quer que eu esteja, não cesso de proclamar em nome de Cristo o fundamental direito de cada homem, o direito à vida. Continuai a fazer o possível para salvar a dignidade e a saúde moral da família, a fim de que seja forte em Deus. Oxalá a família sinta a proximidade e o respeito da Igreja, e o seu apoio nos esforços por conservar a própria identidade, estabilidade e sacralidade. Peço-o em particular a vós, que sois pastores.

10. Caros Irmãos! Tudo isto que acabo de dizer exige uma enorme mobilização e a disponibilidade espiritual de toda a comunidade da Igreja, e de modo especial dos seus pastores. Dirijo-vos uma vez mais um ardente apelo: a exemplo de Cristo mesmo, sede «como aqueles que servem», sede «bons pastores que conhecem as suas ovelhas e por elas são conhecidos, como verdadeiros pais que se distinguem pelo espírito de amor e solicitude por todos» (Christus Dominus CD 16). Formulo votos por que, graças ao vosso serviço generoso e cheio de espírito de abnegação, a Igreja na Polónia seja solícita pelos «irmãos mais pequeninos» (cf. Mt Mt 10,42), pelos pobres, pelos doentes, por aqueles que foram vítimas de injustiças, pelos que sofrem e por aqueles que perderam a esperança. Que ela sirva todos com a imensidade dos dons salvíficos, recebidos de Cristo para o bem de cada homem. Como recita o tema da próxima Assembleia Ordinária do Sínodo dos Bispos, o Prelado deve servir o Evangelho de Cristo para levar a esperança ao mundo.

Jesus Cristo fez-vos pastores do Povo de Deus neste histórico período entre dois milénios. A vossa actividade apostólica só pode produzir frutos para o bem das almas graças ao seu auxílio e à sua luz. «Sem Cristo, nada podemos» (cf. Jo Jn 15,5); sem Ele, para nada servem os esforços humanos. Rezo ao Senhor para que conceda abundantes dádivas para vós e para toda a Igreja na Polónia. Pelo comum cansaço evangelizador, confio-vos à Beata Virgem Maria, Mãe do Verbo encarnado, único Salvador do mundo, e abençoo-vos de coração.

Louvor, glória, sabedoria, acção de graças, honra, poder e força ao nosso Deus, para todo o sempre (Ap 7,12).



JOÃO PAULO II


DISCURSO DO SANTO PADRE DURANTE A VISITA


À IGREJA DOS PADRES BASILIANOS GRECO-CATÓLICOS


Varsóvia, 11 de Junho de 1999


Louvado seja Jesus Cristo!
Estimados Irmãos e Irmãs!

1. Dirijo uma cordial saudação a todos os presentes. Cumprimento de modo especial D. Jan, Arcebispo Metropolitano de Przemysl-Varsóvia, bem como o Superior-Geral da Ordem Basiliana de São Josafat, o Proto-Arquimandrita Dionísio, juntamente com os Superiores provinciais da Polónia, da Ucrânia, da Eslováquia, da Roménia e da Hungria. Exprimo a minha alegria pela elevação ao Episcopado do vosso Provincial, Pe. Vladimiro, destinado para a Sede de Wroclaw-Danzigue. Saúdo-o de todo o coração, bem como os sacerdotes, as religiosas, os irmãos e os fiéis leigos da Igreja greco-católica, que me são todos queridos.

Estou feliz por poder visitar este templo basiliano pela segunda vez. Vim aqui como Pontífice pela primeira vez em 1979, mas os tempos eram diferentes e o encontro não pôde ser anunciado a tempo. Com essa minha visita, quis expressar o meu grande reconhecimento não somente à Ordem dos Padres Basilianos, mas à inteira Igreja greco-católica, outrora obrigada ao silêncio.

A numerosa presença hodierna da hierarquia, do clero, dos representantes das comunidades religiosas e dos fiéis leigos testemunha o facto de que vós de novo podeis professar livremente a vossa fé e louvar a Deus uno e trino. Agradeço convosco à divina Providência este nosso encontro e exclamo com alegria, juntamente com o Salmista: «Em Vós, Senhor, me refugio; não seja eu confundido para sempre! Sede para mim uma rocha de refúgio; uma muralha fortificada que me salve. Não me entregastes nas mãos do inimigo. Como é grande a vossa vontade!» (cf. 30[31], 2-3.9.20).

2. A vida cristã é uma contínua luta pelo advento do reino de Deus, que entrou na história humana e foi definitivamente realizado por Cristo. Todavia, tal reino não é deste mundo; é do Pai e só Ele pode realizá-lo no meio dos homens. A eles é confiada a tarefa de serem terreno fértil, no qual o reino possa desenvolver-se e crescer. Por vezes é necessário suportar grandes sacrifícios e perseguições para que isto aconteça. Ao longo dos séculos, a vossa Igreja foi submetida muitas vezes a uma análoga provação de fidelidade, especialmente durante o governo dos czares, bem como sob o regime comunista ateu.

Dou graças a Deus pela elevação à glória dos altares dos vossos irmãos, que deram o sumo testemunho em Pratulin. Hoje, encontramo-nos todos juntos diante das suas relíquias e do seu ícone, e olhamos para o seu luminoso exemplo de uma fé simples, sincera e incondicional. Com grande veneração recordamos também a multidão dos nossos contemporâneos, «os mártires e os confessores da fé da Igreja na Ucrânia (...) Eles conheceram a verdade e a verdade os tornou livres. Os cristãos da Europa e do mundo, inclinados em oração no limiar dos campos de concentração e das prisões, devem ser gratos por essa luz deles: era a luz de Cristo, que eles fizeram resplandecer nas trevas. Estas, aos olhos do mundo, pareceram durante muitos anos vencedoras, mas não puderam extinguir aquela luz, que era luz de Deus e luz do homem ofendido mas não rendido» (Carta Apostólica por ocasião do IV centenário da União de Brest, Aproxima-se, ed. port. de L'Osservatore Romano de 25 de Novembro de 1995, pág. 6, n. 4).

Encorajados pelo exemplo destas intrépidas testemunhas da fé, podeis e deveis aceitar com coragem os grandes desafios que se vos apresentam. Hoje mais do que nunca, as nações têm necessidade da luz do Evangelho e das energias que dele brotam, para realizar o reino de Deus no mundo e no coração dos homens. Os nossos irmãos, que por longos anos foram privados dele, precisam desta luz.

3. Dirijo-me de modo especial a vós, Padres e Irmãos da Ordem Basiliana de São Josafat. Na Carta Apostólica Orientale lumen, escrevi: «O monaquismo foi desde sempre a própria alma das Igrejas Orientais» (n. 9). Estas palavras podem referir-se também à Comunidade Basiliana que, no decurso da sua longa história, foi sempre uma pequena parte viva da Igreja greco-católica.

São Basílio, o Grande, um dos mais eminentes Padres da Igreja Oriental, indicou a quantos queriam dar-se totalmente a Deus o caminho da vida monástica, «onde o preceito da caridade vivida de maneira concreta se torna ideal de convivência humana, e onde o ser humano busca a Deus sem barreiras e impedimentos» (cf. Orientale lumen, 9). São Basílio é para vós um modelo do serviço perfeito de Deus e da Igreja. Toda a sua vida foi uma coerente realização da virtude da fé e da prática do amor activo, no espírito dos conselhos evangélicos. Ao longo dos séculos, o ensinamento de São Basílio produziu frutos maduros de vida religiosa, em primeiro lugar no Oriente.

O cântico que vós conheceis, diz: «Rejubila-te, Basílio, hierarca santo, Patriarca de Cesareia, hoje desejamos honrar-te». Alegra-te à vista das multidões de discípulos atraídos, ao longo dos séculos, pelo exemplo da tua vida santa e do teu ensinamento ascético, que nos foi deixado como perpétuo património de todo o cristianismo. Alegra-te pelo grande número dos teus filhos espirituais que, mediante a santidade da vida, se tornaram testemunhas da graça transformadora de Deus e, com a profundidade e a perspicácia da mente, conheciam e anunciavam os maravilhosos mistérios ao longo dos séculos, suportando com coragem as perseguições, os sofrimentos e até mesmo a morte. Entre eles havia também Bispos, Padres e Irmãos da vossa Ordem.

4. Estimados Padres e Irmãos!

No limiar do terceiro milénio cristão, a divina Providência apresenta-vos importantes tarefas a cumprir. Como pessoas consagradas a Deus, deveis ser o sal da terra, sinal particular e modelo de fidelidade à vocação cristã ao longo do caminho dos conselhos evangélicos: pobreza, castidade e obediência. Hoje os homens têm muita necessidade de modelos a imitar, especialmente naqueles Países onde a Igreja foi submetida a duras perseguições e experimentou dolorosas humilhações.

Sois chamados à oração. Oxalá ela cadencie todas as etapas de cada dia da vossa vida. Penso em primeiro lugar na Liturgia eucarística, no coro comum, na oração particular com a meditação da Sagrada Escritura, na leitura dos escritos dos Padres da Igreja Oriental, de modo especial das obras de São Basílio, o Grande. Tendes necessidade da oração, porque graças a ela vos santificais e vos aperfeiçoais interiormente. O mundo precisa da vossa oração, de forma especial quantos estão em busca do sentido da vida ou da purificação interior.

Sobre vós pesa o dever de uma fiel observância das vossas tradições litúrgicas. No Oriente eram sobretudo os mosteiros o lugar da celebração da Liturgia, em toda a sua beleza e majestade. Esta antiga tradição deveria ser observada fielmente por vós e transmitida às futuras gerações de religiosos. «Ela constitui uma parte integrante do património da Igreja de Cristo; a primeira necessidade para os católicos é conhecê-la para poderem nutrir-se dela e beneficiar-se, da maneira que for possível a cada um, o processo da unidade» (cf. Orientale lumen, 1).

Gostaria também de chamar a atenção para o importante problema da unidade da Igreja. A Ordem Basiliana tem grandes méritos neste campo. Os vossos predecessores sentiam-se responsáveis por essa unidade, pela qual Cristo rezou com tanto ardor durante a última Ceia: «Assim como Tu, ó Pai, estás em Mim, e Eu em Ti, que também eles estejam em Nós, para que o mundo creia que Tu Me enviaste» (Jn 17,21). Uma figura eminente foi São Josafat Kuncewicz, Bispo e Mártir, que entregou a própria vida pela grandiosa causa da unidade da Igreja.

O esforço em benefício da unidade tem necessidade da oração, que transforma a nossa vida com a luz e a verdade, tornando-nos um ícone de Cristo. Por isso, uma das grandíssimas tarefas de todas as comunidades religiosas é a oração sincera e incessante. Os cristãos que aspiram à unidade devem em primeiro lugar dirigir os olhos ao céu e implorar a Deus que desperte sempre de novo o desejo da unidade, por inspiração do Espírito Santo. A unidade só pode ser alcançada com a ajuda da graça divina.

Ao longo da história, vós destes testemunho de um profundo compromisso nas obras de apostolado, demonstrando sempre disponibilidade em servir a Igreja. Hoje, especialmente no Oriente e também na Ucrânia, sente-se uma grande necessidade da evangelização. A Igreja olha para vós com esperança e confiança, e conta com a vossa colaboração. Para que esta ajuda possa produzir os frutos esperados, são necessárias uma educação teológica e uma adequada formação espiritual. Só então podereis servir bem os homens, mostrando com a vossa vida o amor de Deus que se manifestou em Jesus Cristo.

5. Estimados Irmãos e Irmãs! Conservai com fervor a vossa tradição como um peculiar património espiritual. Esta constitui a força da vossa vida e do vosso trabalho. Recordai o grande testemunho de fidelidade a Cristo, à Igreja e ao Sucessor de São Pedro oferecido pelos vossos coirmãos. Eles preferiram perder a própria vida a separar-se da Sé Apostólica. Os seus sofrimentos e o seu martírio são para a vossa Igreja um inexaurível manancial de graça no presente e no futuro. Deveis conservar nos vossos corações este grande património de fé, de oração e de testemunho, para o transmitir às gerações vindouras.

A responsabilidade pela Igreja não é tarefa exclusiva do Papa, dos Bispos, dos sacerdotes e dos religiosos. A Igreja é o Corpo místico de Cristo pelo qual todos nós, sem qualquer excepção, somos responsáveis.

Neste templo estão presentes os representantes da vossa Igreja: o clero, os consagrados, os fiéis leigos da Polónia e de outros países. Juntos formamos uma comunidade reunida em Cristo.

Rezo a Deus a fim de que a Igreja greco-católica floresça com uma autêntica vida cristã e anuncie a Boa Nova a todos os irmãos e irmãs na Ucrânia e na diáspora. A fim de que, com espírito de responsabilidade, conserve a unidade de toda a Igreja e a sustenha activamente, mediante o compromisso no campo ecuménico.

Confio-vos à protecção de Maria Santíssima, Mãe de Deus e da Igreja.

Mãe de Deus,
venerada pelos querubins
e muito mais famosa
do que os serafins.
Olha com benignidade
para esta Igreja católica oriental.
Ajuda os teus filhos,
herdeiros do baptismo
de São Vladimiro,
a fim de que possam confessar
com coragem
a fé no teu Filho
e, repletos de amor,
se tornem testemunhas
do inefável amor
de Deus Uno e Trino
perante quantos estão
à procura deste amor.
Revigora a tua esperança
no caminho rumo à casa do Pai.

Com a minha Bênção Apostólica.
Louvado seja Jesus Cristo.




Discursos João Paulo II 1999 - Torun, 7 de Junho de 1999