Discursos João Paulo II 1999 - Sexta-feira, 2 de Julho de 1999

MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AO ABADE DE SUBIACO POR OCASIÃO


DOS 1500 ANOS DESDE O INÍCIO DA


"SCHOLA DOMINICI SERVITII"


FUNDADA POR SÃO BENTO




Ao dilecto Irmão D. MAURO MEACCI
Abade de Subiaco

1. É com alegria que tomei conhecimento do facto que a grande Família monástica beneditina deseja recordar com especiais celebrações os 1500 anos desde que São Bento deu início, em Subiaco, àquela «schola dominici servitii» que haveria de conduzir, ao longo dos séculos, uma imensa multidão de homens e de mulheres, «per ducatum Evangelii», a uma união mais íntima com Cristo. Desejo associar-me espiritualmente à acção de graças que a inteira Ordem monástica, nascida da fé e do amor do santo Patriarca, eleva ao Senhor pelas grandes dádivas com que foi enriquecida desde o início da sua história.

Já o meu venerado predecessor, São Gregório Magno, monge beneditino e ilustre biógrafo de São Bento, convidava a compreender num clima de grande fé em Deus e de intenso amor à sua lei, que animava a família de origem do Santo de Núrcia, as premissas de uma vida inteiramente dedicada a «buscar e servir a Cristo, único e verdadeiro Salvador» (Prefácio da Missa de São Bento). Crescendo e desenvolvendo-se no confronto com as vicissitudes da vida, esta tensão espiritual conduziu muito cedo esse jovem a renunciar às seduções da ciência e dos bens do mundo, para se dedicar à obtenção da sabedoria da Cruz e a conformar-se unicamente com Cristo.

De Núrcia a Roma, de Affile a Subiaco, o caminho espiritual de Bento foi guiado pelo único desejo de agradar a Cristo. Este anélito consolidou-se e aumentou nos três anos vividos na gruta do «Sacro Speco», quando «lançou aquelas sólidas bases de perfeição cristã, sobre as quais haveria de construir depois um edifício de extraordinária elevação» (Pio XII, Fulgens radiatur, 21 de Março de 1947).

A prolongada e íntima união com Cristo impeliu-o a congregar em torno de si outros irmãos, para realizar «aqueles grandiosos desígnios e propósitos aos quais fora chamado pela inspiração do Espírito Santo» (Ibidem). Enriquecido pela luz divina, Bento tornou-se luz e guia para os pobres pastores em busca de fé e para as pessoas devotadas, necessitadas de serem acompanhadas no caminho rumo ao Senhor. Após um ulterior período de solidão e de duras provações, há 1500 anos, com apenas vinte anos de idade, fundou em Subiaco, não distante da Gruta o primeiro mosteiro beneditino. Deste modo, o grão de trigo que optara por se esconder na terra de Subiaco e apodrecer na penitência por amor a Cristo, deu início a um novo modelo de vida consagrada, transformando-se em espiga túrgida de frutos.

2. Assim, a pequena e obscura Gruta de Subiaco tornou-se o berço da Ordem beneditina, da qual se desprendeu um luminoso farol de fé e de civilização que, através dos exemplos e obras dos filhos espirituais do santo Patriarca inundou, como recorda a lápide marmórea ali colocada, o Ocidente e o Oriente europeu bem como os outros continentes.

A fama da sua santidade atraiu multidões de jovens em busca de Deus, que o seu génio prático organizou em doze mosteiros. Ali, num clima de simplicidade evangélica, de fé viva e de caridade operosa, formaram-se São Plácido e São Mauro, primeiras gemas esplêndidas da Família monástica de Subiaco, que o próprio Bento educou «para o serviço do Omnipotente».

Para proteger os seus monges das consequências da feroz perseguição, depois de ter aperfeiçoado o ordenamento dos mosteiros existentes com a constituição de superiores idóneos, Bento tomou consigo alguns monges e partiu para Cassino, onde fundou o mosteiro de Montecassino, que logo haveria de tornar-se berço de irradiação do monaquismo do Ocidente e centro de evangelização e de humanismo cristão.

Também nesta vicissitude Bento demonstrou ser homem de fé, sem hesitações: confiando em Deus e esperando como Abraão, contra toda a esperança, acreditou que o Senhor haveria de continuar a abençoar a sua obra, apesar dos obstáculos apresentados pela inveja e a violência dos homens.

3. No centro da experiência monástica de São Bento há um princípio simples, típico do cristão, que o monge assume na sua plena radicalidade: construir a unidade da própria vida em torno da primazia de Deus. Este «tendere in unum», condição primária e fundamental para se entrar na vida monástica, deve constituir o compromisso unificador da existência do indivíduo e da comunidade, traduzindo-se na «conversio morum», que é fidelidade a um estilo de vida vivido de forma concreta na obediência quotidiana. A busca da simplicidade evangélica impõe uma verificação constante, isto é, o esforço de «fazer a verdade», remontando continuamente ao dom inicial da chamada divina, que se encontra na origem da própria experiência religiosa.

Este empenho, que acompanha a vida beneditina, é estimulado de modo particular pelas celebrações dos 1500 anos de fundação do Mosteiro, que terão lugar durante o Grande Jubileu do Ano 2000. O Livro do Levítico prescreve: «Santificareis o quinquagésimo ano, proclamando no país a liberdade de todos os que o habitam. Este ano será para vós jubileu, cada um de vós recobrará a sua propriedade e voltará para a sua família» (25, 10). O convite a retornar à própria herança, à própria família, resulta particularmente actual para a Comunidade monástica beneditina, chamada a viver o Jubileu dos seus quinze séculos de vida e do Ano Santo como momentos propícios de renovada adesão à «herança» do santo Patriarca, aprofundando o seu carisma originário.

4. O exemplo de São Bento e a própria Regra oferecem significativas indicações para acolher plenamente o dom constituído por essas datas. Convidam, antes de tudo, a um testemunho de tenaz fidelidade à Palavra de Deus, meditada e acolhida através da «lectio divina». Isto supõe a salvaguarda do silêncio e uma atitude de humilde adoração diante de Deus. De facto, a Palavra divina revela as suas profundezas àquele que, mediante o silêncio e a mortificação, se torna atento à acção misteriosa do Espírito.

Enquanto estabelece tempos em que a palavra humana deve calar-se, a prescrição do silêncio regular orienta para um estilo caracterizado por uma grande moderação na comunicação verbal. Se for percebido e vivido no seu sentido profundo, este educará lentamente para a interiorização, graças à qual o monge se abre a um conhecimento autêntico de Deus e do homem. De modo particular, o grande silêncio nos mosteiros tem uma singular força simbólica de apelo àquilo que deveras vale: a disponibilidade absoluta de Samuel (cf. 1S 3) e a entrega de si mesmo ao Pai, repleta de amor. Todo o restante não é removido, mas assumido na sua realidade profunda e, na oração, apresentado a Deus.

Esta é a escola da «lectio divina», que a Igreja espera dos monges: nela não se procuram tanto mestres de exegese bíblica, que se podem encontrar também noutros lugares, quanto testemunhas de uma humilde e tenaz fidelidade à Palavra, na pouco vistosa observação das coisas quotidianas. Deste modo, a «vita bonorum» torna-se «viva lectio», compreensível também por quem, desiludido com a inflação das palavras humanas, procura o que é essencial e autêntico na relação com Deus, pronto a captar a mensagem que deriva duma vida em que o gosto da beleza e da ordem se conjuga com a sobriedade.

A familiaridade com a Palavra, que a Regra beneditina garante ao reservar-lhe um amplo espaço no horário quotidiano, não deixa de infundir confiança serena, excluindo falsas seguranças e arraigando na alma o sentido vivo da total soberania de Deus. Assim, o monge é salvaguardado contra interpretações cómodas ou instrumentais da Escritura e introduzido numa consciência sempre mais profunda da debilidade humana, na qual brilha o poder de Deus.

5. Ao lado da escuta da Palavra de Deus está o empenho na oração. O mosteiro beneditino é sobretudo um lugar de oração, no sentido que nele tudo está organizado para tornar os monges atentos e disponíveis à voz do Espírito. Por este motivo, a recitação integral do Ofício divino, que tem o seu centro na Eucaristia e cadencia a jornada monástica, constitui o «opus Dei», no qual «dum cantamus iter facimus ut ad nostrum cor veniat et sui nos amoris gratia accendat».

O monge beneditino inspira o seu colóquio com Deus na Palavra da Sagrada Escritura, ajudado nisto pela austera beleza da liturgia romana, na qual essa Palavra proclamada com solenidade ou cantada com monodias, que são fruto da inteligência espiritual das riquezas nela contidas, desempenha um papel absolutamente preeminente em relação a outras liturgias, onde o elemento que mais impressiona são as esplêndidas composições poéticas, florescidas no tronco do texto bíblico.

Esta oração bíblica requer uma ascese de despojamento de si mesmo, que consente sintonizar-se com os sentimentos que o Outro deposita nos lábios e faz surgir no coração (ut mens nostra concordet voci nostrae). Afirma-se assim, na vida, a primazia da Palavra, que domina não porque se impõe com a força mas porque, fascinando, atrai de maneira discreta e com fidelidade. Uma vez que é aceite, a Palavra perscruta e discerne, impõe opções claras e introduz assim, mediante a obediência, na historia Salutis compediada na Páscoa de Cristo obediente ao Pai (cf. Hb He 5,7-10).

É esta oração, memoria Dei, que torna possível de maneira concreta a unidade da vida, apesar das múltiplas actividades: estas, como ensina Cassiano, não são mortificadas mas continuamente reconduzidas ao seu centro. É mediante o ritmo da oração litúrgica ao longo da jornada, através da oração pessoal livre e silenciosa dos irmãos, que no mosteiro se vem a criar um clima de recolhimento, graças ao qual os próprios momentos celebrativos encontram a sua verdade plena. Desse modo o mosteiro torna-se «escola de oração», isto é, lugar onde uma comunidade, vivendo intensamente o encontro com Deus na liturgia e nos diversos momentos da jornada, introduz nas maravilhas da vida trinitária todos os que procuram o rosto de Deus vivo.

6. Cadenciando na liturgia as horas da jornada e tornando-se oração pessoal e silenciosa dos irmãos, a oração constitui a expressão e a fonte primordial da unidade da comunidade monástica, que tem o seu fundamento na unidade da fé. De cada monge é exigido um autêntico olhar de fé sobre si mesmo e sobre a comunidade: graças a este, cada um acompanha os seus irmãos e se sente por eles acompanhado – não só por aqueles com quem vive, mas também pelos que o precederam e deram à comunidade a sua fisionomia inconfundível, com as suas riquezas e os seus limites – e, juntamente com eles, por Cristo, que é o fundamento. Se faltar esta concórdia essencial e se se insinuar a indiferença ou até mesmo a rivalidade, cada irmão começa a sentir-se «um entre tantos», com o perigo de se iludir de encontrar a sua realização em iniciativas particulares, que o impelem a procurar refúgio nos contactos com o exterior, em vez de os buscar na plena participação na vida e no apostolado comuns.

Hoje é mais urgente do que nunca cultivar a vida fraterna no interior de comunidades em que se pratica um estilo de amizade que não é menos verdadeiro, porque mantém a distância que salvaguarda a liberdade do outro. É este testemunho que a Igreja espera de todos os religiosos, mas em primeiro lugar dos monges.

7. De coração faço votos por que as celebrações dos 1500 anos desde o início da vida monástica em Subiaco constituam para essa comunidade e para a inteira Ordem beneditina uma renovada ocasião de fidelidade ao carisma do santo Patriarca, de fervor na vida comunitária, na escuta da Palavra de Deus e na oração, assim como de compromisso no anúncio do Evangelho, em conformidade com a tradição própria da Congregação de Subiaco.

Possa cada comunidade beneditina propor-se com uma sua identidade bem definida, como que «cidade colocada sobre o monte», distinta do mundo que a circunda, e contudo aberta e hospitaleira para com os pobres, os

peregrinos e quantos se encontram em busca de uma vida de maior fidelidade ao Evangelho!

Com estes votos, que confio à intercessão da Santíssima Virgem, tão devotamente venerada e invocada nesse mosteiro e em todas as comunidades beneditinas, concedo de coração a Vossa Ex.cia e aos monges de Subiaco uma especial Bênção Apostólica.

Vaticano, 7 de Julho de 1999.

PAPA JOÃO PAULO II


MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


ÀS MESTRAS PIAS DA VIRGEM DOLOROSA


POR OCASIÃO DO CAPÍTULO GERAL DA CONGREGAÇÃO




Caríssimas Irmãs!

1. Enquanto estais a realizar o Capítulo Geral do vosso Instituto, é-me grato enviar-vos a minha cordial saudação, fazendo-a extensiva a todas as Mestras Pias da Virgem Dolorosa.

Quisestes iniciar o Capítulo com uma celebração eucarística junto do túmulo da vossa Fundadora, Madre Isabel Renzi, que há dez anos tive a alegria de proclamar Beata. A sua presença espiritual no meio de vós e a sua intercessão celeste garantem aos vossos trabalhos a inspiração autêntica que brota do carisma originário. Esta referência às raízes iluminará o vosso discernimento acerca do futuro caminho da Congregação que, no limiar do ano 2000, completa 160 anos de vida.

«Rumo ao terceiro milénio com a alegria do Ressuscitado, para conservar a unidade na diversidade»: é este o tema que vos propusestes para o presente Capítulo Geral. Também para vós, como para a Igreja inteira, a passagem do século ao terceiro milénio se torna evocadora de uma nova chamada de Deus, em cujas mãos está o futuro de toda a realidade humana.

É bastante significativo que as «Mestras Pias da Virgem Dolorosa» se encaminhem rumo ao terceiro milénio «com a alegria do Ressuscitado». De facto, quem melhor do que Maria Santíssima, intimamente unida ao mistério do Crucificado, conheceu a alegria da sua ressurreição? E quem mais do que Ela pode comunicar a vós, suas filhas, esta alegria, para que preencha os vossos corações e o vosso testemunho?

2. Esta profunda inserção no dinamismo pascal é fruto da oração contemplativa, que justamente considerais como a alma de todas as vossas acções. Da contemplação, com efeito, haurem origem, com o fundamental dom do Espírito, todas as dádivas e, em particular, a da vida consagrada (cf. Exort. Apost. Vita consecrata VC 23).

Na celebração eucarística renovais quotidianamente a comunhão com Cristo crucificado e ressuscitado, e na adoração experimentais a alegria de permanecer no seu amor (cf. Jo Jn 15,9). De maneira especial nestes momentos fortes do espírito, realizais a aspiração da vossa Fundadora: «Quereria que todo o meu ser calasse e em mim tudo adorasse, e assim penetrar cada vez mais em Jesus e d'Ele estar tão repleta, que O pudesse dar àquelas pobres almas que não conhecem o dom de Deus».

3. Da contemplação deriva a missão. Antes de se caracterizar pelas obras exteriores, esta é exercida ao tornar presente no mundo o próprio Cristo mediante o testemunho pessoal. Consiste nisto, queridas Irmãs, a vossa tarefa primordial como pessoas consagradas. Também o vosso estilo de vida deve fazer transparecer o ideal que professais, propondo-se como eloquente, embora muitas vezes silenciosa, pregação do Evangelho.

Quando o carisma de fundação o prevê, o testemunho de vida e as obras de apostolado e de promoção humana são de igual modo necessários: com efeito, ambos representam Cristo e a sua acção salvífica.

«Além disso, a vida consagrada participa na missão de Cristo mediante outro elemento peculiar que lhe é próprio: a vida fraterna em comunidade para a missão. Por isso, a vida religiosa será tanto mais apostólica quanto mais íntima for a sua dedicação ao Senhor Jesus, quanto mais fraterna for a sua forma comunitária de existência, quanto mais ardoroso for o seu empenhamento na missão específica do Instituto» (Exort. Apost. Vita consecrata VC 72). Toda a Igreja conta muito com o testemunho de comunidades ricas «de alegria e de Espírito Santo» (Ac 13,52).

4. Madre Isabel Renzi, numa época de profundas agitações, foi conduzida pela divina Providência a perceber, com intuito profético, algumas das necessidades mais agudas da sociedade do seu tempo. Então, ela deu-se conta de que um novo chamamento do Senhor lhe dizia respeito. Deus mesmo a tinha como que transplantada junto dos problemas da juventude feminina da sua terra. A sua regra de vida foi a de se abandonar a Deus, a fim de que Ele dispusesse os passos e os tempos para o desenvolvimento da obra segundo o Seu agrado (cf. Homilia para a Beatificação, 18/6/1989, n. 6; L'Osserv. Rom. , 25/6/1989, pág. Rm 3).

A vossa Fundadora sentiu forte o apelo a testemunhar o amor de predilecção de Deus pelas suas criaturas mais pequeninas e necessitadas; e respondeu com inteligência profética, fazendo-se mãe, educadora e assistente.

A Igreja considerou sempre a educação como um elemento essencial da sua missão, e o Sínodo sobre a vida consagrada reafirmou-o com vigor. Portanto, convido vivamente também vós a ter em grande estima o vosso carisma originário e as vossas tradições, conscientes de que o amor preferencial pelos pobres encontra uma expressão privilegiada no serviço à educação e à instrução (cf. Exort. Apost. Vita consecrata VC 97).

5. Com satisfação tive conhecimento de que o vosso Instituto suscitou a cooperação de numerosos leigos, os quais compartilham não só a actividade prática, mas também as motivações e a própria inspiração que estão na sua base. Encorajo de bom grado estes percursos de comunhão e de colaboração, dos quais pode derivar uma irradiação de operosa espiritualidade para além das fronteiras do Instituto, e ao mesmo tempo a promoção de uma sinergia mais intensa entre pessoas consagradas e leigos em ordem à missão (cf. ibid., 55).

6. «Construir a unidade na diversidade». Neste objectivo condensastes o vosso empenho no limiar do ano 2000, mostrando que estais em sintonia com toda a Igreja. Com efeito, ela sente-se chamada a tornar-se sinal e instrumento de unidade em um mundo que põe sempre mais em contacto e em confronto realidades humanas diferentes entre si. Viveis este desafio no seio da vossa própria Família religiosa, que nestes anos se está a enriquecer de pessoas provenientes de vários Países e até de diversos Continentes.

Trata-se de um típico sinal dos tempos em que vivemos, e vós decidistes acolhê-lo e lê-lo na perspectiva evangélica, como apelo a uma mais profunda e maior comunhão. «O melhor caminho» (cf. 1Co 12,31) a percorrer é sempre o da caridade, que harmoniza todas as diversidades e em todas infunde a força do apoio mútuo no impulso apostólico.

«Situadas nas várias sociedades do nosso planeta – sociedades tantas vezes abaladas por paixões e interesses contraditórios, desejosas de unidade mas incertas sobre os caminhos a seguir – as comunidades de vida consagrada, nas quais se encontram como irmãos e irmãs pessoas de diversas idades, línguas e culturas, aparecem como sinal de um diálogo sempre possível e de uma comunhão capaz de harmonizar as diferenças» (Exort. Apost. Vita consecrata VC 51).

7. Caríssimas Irmãs, desejo deixar-vos, como última palavra, o eco do mote da vossa Fundadora: «Ardere et Lucere». Possa cada Mestra Pia da Virgem Dolorosa, assim como o inteiro Instituto, arder e resplandecer do amor divino para o irradiar nos irmãos, especialmente nos mais pobres, lá onde a Providência vos chama a viver e a trabalhar.

A Virgem das Dores vele constantemente sobre vós e obtenha os frutos que esperais desta assembleia capitular. Acompanhe-vos no vosso trabalho também a minha Bênção que, com afecto, concedo a vós e a todas as Coirmãs.

Castel Gandolfo, 22 de Julho de 1999.



PAPA JOÃO PAULO II


MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


POR OCASIÃO DO 1450° ANIVERSÁRIO


DA DEDICAÇÃO DA BASÍLICA


DE SANTO APOLINÁRIO IN CLASSE




Ao venerado Irmão LUIGI AMADUCCI
Arcebispo de Ravena-Cérvia

1. A ilustre e antiga Arquidiocese de Ravena, que Vossa Excelência guia com zelo e sabedoria, prepara-se para celebrar o 1450° aniversário da dedicação da Basílica de Santo Apolinário in Classe, consagrada pelo Arcebispo Maximiniano em 549, apenas um ano após a dedicação da Basílica de São Vital.

A celebração adquire relevo particular, visto que a Basílica, templo de rara beleza, é considerada o berço da fé cristã nessa Terra e conserva o corpo do Protobispo Santo Apolinário, que evangelizou Ravena na segunda metade do século II, tornando-se depois padroeiro da Cidade, da Diocese e da inteira Região.

Na celebração do significativo evento desejo unir-me espiritualmente ao Povo de Ravena, que dá ardentes graças ao Senhor pelos inumeráveis benefícios recebidos no decurso da sua longa história de fé. A Cidade, insigne pelas memórias de um passado glorioso e pelos esplêndidos monumentos que a ornam, deve a sua grandeza à capacidade e laboriosidade dos seus filhos, que foram e são artífices atentos e operosos do seu desenvolvimento civil e económico. Ela beneficiou-se, além disso, de algumas circunstâncias peculiares, que a tornaram importantíssimo centro político e cultural, aberto ao diálogo com o Oriente. Dali irradiou os últimos clarões o império do Ocidente no período tumultuoso dos seu dramático ocaso, dali teve início a providencial fusão entre as jovens energias dos povos provenientes do Norte da Europa e as riquezas culturais do génio romano; dali partiram para a região circunstante as primeiras testemunhas da fé cristã. Entre estas, sobressai Santo Apolinário, primeiro Bispo da Igreja de Ravena que, com os seus afãs e sofrimentos, lançou as sólidas raízes da história cristã da Cidade.

2. Como se sabe, o insigne monumento sagrado, querido pelo Arcebispo Ursicino (535-538) e construído por Juliano Argentário, mecenas de Ravena, onde estava o grande porto romano – daqui o apelativo «in Classe» –, oferece à contemplação dos visitantes, em primeiro lugar, na moldura do arco triunfal, Cristo em atitude de bênção para o qual convergem os evangelistas, e depois, na bacia fluvial, uma grande Cruz gemada que tem no centro a efígie de Cristo transfigurado, e embaixo dela, entre múltiplas figuras simbólicas, a imagem de Santo Apolinário em atitude de oração sacerdotal. Assim, ao peregrino que cruza o seu limiar em busca de luz e de paz, a Basílica, na sua própria estrutura ritmada pela esplêndida série de colunas, indica em Cristo o centro da fé e a resposta de Deus às expectativas do coração inquieto do homem. Esta resposta, que tem valor perene, a Igreja de Ravena não deixará de a repropor inspirando-se nas celebrações programadas. Elas inscrevem-se providencialmente na preparação do Grande Jubileu do Ano 2000, que constituirá também para os habitantes de Ravena apelo renovado a seguirem Cristo com coragem e a escutarem as suas palavras, prosseguindo na alegre e coral resposta de fé que sempre caracterizou a sua história.

Nesta perspectiva, formulo votos por que a extraordinária síntese de fé e de beleza, entregue há tantos séculos por artistas evangelicamente inspirados nas linhas arquitectónicas do Templo e nas criações em mosaico que o adornam, suscite em quantos o visitarem um profundo desejo de conhecer o Senhor, para O testemunharem com a palavra e a vida, a exemplo do santo Bispo Apolinário.

3. No decurso dos séculos, a Basílica, com o antigo mosteiro, foi, de facto, activo centro de evangelização, graças à obra de autênticas testemunhas de Cristo, entre as quais o monge São Romualdo. Em Abril de 1001, ele participou na grande assembleia de Bispos e dignitários, que o Papa Silvestre II presidiu precisamente no Templo classense, na presença do Imperador Otão III. Durante o encontro foi projectada e organizada a missão evangelizadora entre os Eslavos, em continuidade com tudo o que tinha realizado Santo Adalberto. Para essa missão foram escolhidos os três monges romualdinos Bruno, Bento e João, os quais, tendo selado com o martírio o seu serviço ao Evangelho, são agora venerados como celestes protectores tanto em Ravena como na Polónia.

A vossa Igreja, enquanto dá graças a Deus pelo bem que dela se irradiou ao longo dos séculos, é estimulada a tomar renovada consciência do sempre premente dever de levar o anúncio de Cristo a quantos ainda não foram por ele alcançados. Faço votos por que, por intercessão do primeiro Bispo e dos santos concidadãos que foram Apóstolos dos Eslavos, surjam nessa Igreja numerosas vocações sacerdotais e religiosas, para que a Palavra do Senhor leve alegria e salvação também aos homens de hoje.

4. Venerado e querido Irmão no Episcopado, em tempos particularmente conturbados e difíceis a Igreja de Ravena conseguiu escrever nos seus monumentos a maravilhosa grandeza do anúncio evangélico. Possam os seus filhos de hoje encontrar vias novas para comunicar a mensagem de paz e de fraternidade, que brota da fé no único Pai e no único Redentor. Por mais de catorze séculos a Basílica de Santo Apolinário in Classe transmite nos esplêndidos mosaicos a eterna verdade do Evangelho, que tem em Cristo crucificado e ressuscitado o seu fulcro radioso. Como não esperar que essa verdade salvífica se possa reflectir com renovada vivacidade na Igreja de «pedras vivas» que está em Ravena, de maneira que as novas gerações possam encontrar em Cristo aquela paz, que é dom de Deus e expressão do seu eterno amor?

Confio estes votos à intercessão da Virgem Santíssima, tão ternamente amada pelos fiéis de Ravena. Para todos e cada um, seja ela Rainha de paz e de misericórdia!

Com estes sentimentos, concedo-Te, venerado Irmão, sucessor do santo Bispo Apolinário, aos Coirmãos no Episcopado presentes nas celebrações, às Autoridades, ao clero, à dilecta comunidade de Ravena e à inteira população da Emília-Romagna a propiciadora Bênção Apostólica.

Vaticano, 23 de Julho de 1999.

PAPA JOÃO PAULO II




                                                                         Agosto de 1999

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NO FINAL DO CONCERTO DA


"ACADEMIA MUSICAE PRO MUNDO UNO"


Domingo, 1° de Agosto de 1999



Distintas Senhoras
e Ilustres Senhores
Caríssimos Irmãos e Irmãs

1. Brote espontaneamente do coração de todos nós, que acabámos de participar neste concerto, um profundo agradecimento àqueles que, a vários níveis, o tornaram possível e o executaram. Em primeiro lugar, dirijo um sentido e cordial obrigado ao Senhor Giuseppe Juhar, Presidente da «Academia Musicae Pro Mundo Uno» e aos sócios desta estimada instituição. Depois, o meu grato apreço dirige-se ao Maestro Alberto Lysy, que dirigiu a execução de maneira impecável, e aos instrumentistas da «Camerata Lysy» de Gstaad (Suíça), que se demonstraram «construtores de beleza».

Os trechos executados, fazendo-nos saborear o encanto de harmonias sugestivas, renovaram em nós a experiência da maravilha e da surpresa, abrindo às nossas mentes um horizonte repleto de sentido e de valor. Com efeito, como eu escrevia na Carta aos Artistas, toda a arte é «um caminho de acesso à realidade mais profunda do homem e do mundo» (n. 6). Ela exorta o homem a elevar-se à contemplação da perfeição, não para se alhear da vida concreta, mas para voltar a esta com o propósito de a tornar mais verdadeira e mais nobre, em síntese, «mais bela».

2. Desta forma, a arte torna-se uma experiência vigorosamente educadora porque, mediante formas sensíveis, indica uma meta a alcançar, um caminho a seguir e uma disciplina a exercer. A alegria que ela suscita em nós é sinal de uma íntima sede de beleza, do desejo de derrotar o medo e a angústia, da aspiração aos mais excelsos ideais de verdade e de liberdade.

Deus, «beleza tão antiga e tão nova», acompanhe os passos da nossa vida rumo à busca da perfeição estética e existencial, ao serviço de uma humanidade que hoje mais do que nunca tem necessidade de bondade e de harmonia. Com estes bons votos, invoco sobre todos vós as bênçãos de Deus Todo-Poderoso.



MENSAGEM DO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO MINISTRO-GERAL DA ORDEM FRANCISCANA


DOS FRADES MENORES




Ao Reverendíssimo Padre GIACOMO BINI
Ministro-Geral da Ordem Franciscana dos Frades Menores

1. A reabertura da Basílica e da Capela da Porciúncula, após as restaurações por causa dos danos causados pelo terremoto de 1997, oferece-me a grata oportunidade de dirigir uma saudação afectuosa a Ti, amado Irmão, e à Comunidade Franciscana que em Assis presta um precioso serviço eclesial e cuida do decoro dos lugares queridos à memória do Pobrezinho de Assis, assim como aos fiéis e peregrinos que chegam à terra de Francisco e Clara, para uma intensa experiência espiritual. Os pés dos fiéis detêm-se às portas de Assis que, pelos inúmeros prodígios de misericórdia ali realizados, é com razão definida «cidade particular do Senhor» (Fontes Franciscanas, 3201).

Hoje, a Capela da Porciúncula e a Basílica Patriarcal que a conserva reabrem as portas para acolher multidões de pessoas, atraídas pela nostalgia e pelo fascínio da santidade de Deus, que se manifestou abundantemente no seu servo Francisco.

O Pobrezinho sabia que «a graça divina podia ser concedida aos eleitos de Deus em qualquer parte; de igual modo, experimentara que o lugar de Santa Maria da Porciúncula estava impregnado de uma graça mais copiosa [...] e costumava dizer aos frades [...]: Este lugar é santo, é a habitação de Cristo e da Virgem sua Mãe» (Speculum perfectionis, 83: FF 1780). A humilde e pobre igrejinha tornou-se, para Francisco, o ícone de Maria Santíssima, a «Virgem feita Igreja» (Salutatio B.M.V. 1: FF 259), ela humilde e «pequena porção do mundo» (FF 604), mas indispensável ao Filho de Deus para Se tornar homem. Por este motivo, o Santo invocava Maria como tabernáculo, casa, revestimento, serva e Mãe de Deus (cf. FF 259).

Precisamente na Capela da Porciúncula, que restaurara com as próprias mãos, Francisco, iluminado pelas palavras do capítulo décimo do Evangelho segundo Mateus, decidiu abandonar a precedente e breve experiência eremítica para se dedicar à pregação no meio do povo, «com a simplicidade da sua palavra e a magnificência do seu coração», como atesta o primeiro biógrafo Tomás de Celano (Vita I, 23: FF 358). Deste modo, ele deu início ao seu típico ministério itinerante. Foi na Porciúncula que depois ocorreu a vestição de Santa Clara, e foi fundada a Ordem das «Pobres Damas de São Damião». Também ali Francisco pediu a Cristo, mediante a intercessão da Rainha dos Anjos, o grande perdão ou «indulgência da Porciúncula», confirmada pelo meu venerado Predecessor o Papa Honório III, a partir de 2 de Agosto de 1216. Desde aquela época teve início a actividade missionária, que levou Francisco e os seus frades a alguns Países muçulmanos e a várias Nações da Europa. Ali, enfim, o Santo acolheu cantando «a nossa irmã morte corporal» (Cântico das Criaturas, 12: FF 263).

2. Da experiência do Pobrezinho de Assis a pequenina igreja da Porciúncula conserva e transmite uma mensagem e uma graça peculiares, que ainda hoje perduram e constituem um forte apelo espiritual para quantos se deixam atrair pelo seu exemplo. Significativo, a respeito disso, ressoa o testemunho de Simone Weil, filha de Israel fascinada por Cristo: «Enquanto eu estava sozinha na pequena capela românica de Santa Maria dos Anjos, incomparável milagre de pureza, na qual Francisco orou com tanta frequência, algo mais forte do que eu me obrigou, pela primeira vez na minha vida, a ajoelhar-me» (Autobiografia espiritual).

A Porciúncula é um dos lugares mais veneráveis do franciscanismo, querido não só à Ordem menorítica, mas a todos os cristãos que ali, como que dominados pela intensidade das memórias históricas, recebem luz e estímulo para uma renovação de vida, marcada por uma fé mais enraizada e por um amor mais genuíno. É-me grato, portanto, ressaltar a mensagem específica que provém da Porciúncula e da indulgência com ela ligada. É uma mensagem de perdão e de reconciliação, isto é, de graça, que a bondade divina derrama sobre nós, se estivermos bem dispostos, porque Deus é deveras «rico em misericórdia» (Ep 2,4).

Como não reavivar cada dia em nós a invocação, humilde e confiante, da graça redentora de Deus? Como não reconhecer a grandeza deste dom que Ele nos ofereceu em Cristo «uma vez para sempre» (He 9,12) e continuamente nos repropõe com imutável bondade? É o dom do perdão gratuito, que nos dispõe à paz com Ele e connosco mesmo, infundindo-nos renovada esperança e alegria de viver. Considerando tudo isto, é fácil compreender a austera vida de penitência de Francisco, enquanto somos convidados a acolher o apelo a uma constante conversão, que nos afaste de uma conduta egoísta e oriente de maneira decisiva o nosso espírito para Deus, ponto focal da nossa existência.

3. Tenda do encontro de Deus com os homens, o Santuário da Porciúncula é casa de oração. «Aqui, quem orar com devoção obterá o que tiver pedido», gostava de repetir Francisco (Vita I, 106: FF 503), depois de ter feito experiência pessoal disto. Entre as antigas paredes da pequena igreja cada um pode saborear a doçura da oração em companhia de Maria, a Mãe de Jesus (cf. Act Ac 1,14), e experimentar a sua poderosa intercessão.

O homem novo Francisco, naquele edifício sagrado restaurado com as suas mãos, escutou o convite de Jesus a modelar a própria vida «segundo a forma do santo Evangelho» (Testamento, 14: FF 116) e a percorrer as estradas dos homens, anunciando o Reino de Deus e a conversão, na pobreza e alegria. Desse modo, aquele lugar sagrado tornara-se para Francisco «tenda do encontro» com o próprio Cristo, Palavra viva de salvação.

A Porciúncula é, em particular, «terra do encontro» com a graça do perdão, amadurecida numa íntima experiência de Francisco, o qual, como escreve São Boaventura, «um dia, [...] enquanto chorava reflectindo com tristeza sobre o seu passado, sentiu-se impregnado da alegria do Espírito Santo, mediante a qual teve a certeza de que lhe tinham sido plenamente perdoados todos os pecados» (Legenda maior III, 6: FF 1057). Ele quis tornar todos partícipes desta sua pessoal experiência da misericórdia de Deus e pediu e obteve a indulgência plenária para aqueles que, arrependidos e confessados, viessem em peregrinação à pequenina igreja para receber a remissão dos pecados e a superabundância da graça divina (cf. Rm Rm 5,20).

4. A todos os que, em autêntica atitude de penitência e de reconciliação, seguem as pegadas do Pobrezinho de Assis e acolhem a indulgência da Porciúncula com as disposições interiores requeridas, faço votos por que experimentem a alegria do encontro com Deus e a ternura do seu amor misericordioso. É este o «espírito de Assis», espírito de reconciliação, de oração, de respeito recíproco, que de coração faço votos por que constitua para cada um estímulo à comunhão com Deus e com os irmãos. É o mesmo espírito que caracterizou o encontro de oração pela paz com os representantes das religiões do mundo, por mim acolhidos na Basílica de Santa Maria dos Anjos no dia 27 de Outubro de 1986, de cujo evento conservo uma viva e grata recordação.

Com estes sentimentos, dirijo-me, também eu, em peregrinação espiritual à celebração hodierna da indulgência da Porciúncula, que se realiza na restaurada Basílica da Bem-aventurada Virgem Maria, Rainha celestial, na iminência do Grande Jubileu da encarnação de Cristo. A Nossa Senhora, filha eleita do Pai, confio todos os que em Assis e em qualquer outra parte do mundo receberem hoje o «Perdão de Assis», para fazer do próprio coração uma habitação e uma tenda para o Senhor que vem. A todos a minha Bênção.



Castel Gandolfo, 1 de Agosto de 1999, vigésimo primeiro ano de Pontificado.


Discursos João Paulo II 1999 - Sexta-feira, 2 de Julho de 1999