Discursos João Paulo II 1999

PAPA JOÃO PAULO II




PALAVRAS DO PAPA JOÃO PAULO II


NO INÍCIO DA SOLENIDADE DA TRANSFIGURAÇÃO


DO SENHOR E RECORDAÇÃO DO 21° ANIVERSÁRIO


DA MORTE DO PAPA PAULO VI


Sexta-feira, 6 de Agosto de 1999



A Eucaristia, que nos aprestamos para celebrar, conduz-nos hoje espiritualmente ao Tabor, juntamente com os apóstolos Pedro, Tiago e João, para admirarmos extasiados o esplendor do Senhor transfigurado. No evento da Transfiguração contemplamos o encontro misterioso entre a história, que se edifica cada dia, e a herança bem-aventurada que nos espera no Céu, na união plena com Cristo, Alfa e Ómega, Princípio e Fim.

A nós, peregrinos sobre a terra, é dado alegrar-nos com a companhia do Senhor transfigurado, quando nos imergimos nas coisas do alto mediante a oração e a celebração dos divinos mistérios. Mas, assim como os discípulos, também nós devemos descer do Tabor à existência quotidiana, onde as vicissitudes dos homens interpelam a nossa fé. No monte vimos; pelas estradas da vida é-nos pedido que proclamemos incansavelmente o Evangelho, que ilumina os passos dos crentes.

Esta profunda convicção espiritual guiou a inteira missão eclesial do meu venerado Predecessor, o Servo de Deus Paulo VI, que retornou à casa do Pai precisamente na festa da Transfiguração, há vinte e um anos. No «Angelus» que ele desejaria pronunciar naquele dia, 6 de Agosto de 1978, afirmava: «A solenidade hodierna lança uma luz deslumbrante sobre a nossa vida quotidiana e faz-nos dirigir a mente ao destino imortal que aquele facto, em si, esconde».

Sim! Paulo VI recorda-nos: somos feitos para a eternidade, e a eternidade começa desde agora, pois o Senhor está no meio de nós, vive com e na sua Igreja.

Enquanto, com intensa comoção, fazemos memória deste meu inesquecível Predecessor na sede de Pedro, oremos a fim de que todo o cristão saiba, da contemplação de Cristo, «resplendor da glória do Pai e imagem da Sua substância» (He 1,3), haurir coragem e constância para o anunciar e o testemunhar de maneira fiel, mediante as palavras e as obras. Maria, Mãe solícita e prestimosa, nos ajude a ser centelha esplendorosa da luz salvífica do seu Filho Jesus.



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS JOVENS EUROPEUS REUNIDOS


EM SANTIAGO DE COMPOSTELA


Sábado, 8 de Agosto de 1999



Queridos jovens da Europa!
Uma saudação muito afectuosa a todos os jovens europeus!

1. Por ocasião do Encontro Europeu de Jovens, dirijo-me a vós, reunidos em Santiago de Compostela junto do túmulo do primeiro Apóstolo que deu a sua vida como testemunha do Senhor. Saúdo-vos de Roma, para vos expressar a minha grande confiança em vós e alegro-me por este Encontro, ao qual me uno em espírito como peregrino da fé. Durante dias ou semanas, a pé ou de modos diversos, percorrestes o Caminho de Santiago partindo de diferentes cidades e nações do nosso querido Velho Continente. Representais a juventude de toda a Europa: a Europa mediterrânea, a central e a nórdica, a Europa anglo-saxónica e a eslava. Sois a juventude europeia que, movida pela fé em Jesus Cristo, se pôs a caminho neste Ano Santo Compostelano, pórtico do Grande Jubileu do Ano 2000.

2. Queridos Jovens: a Igreja olha para vós com confiança, conta convosco. Sois as gerações chamadas a transmitir o dom da fé ao novo milénio. Não desiludais a Cristo que, repleto de amor, vos chama ao seu seguimento e vos envia, como o apóstolo São Tiago, até aos confins da terra. Tomai nas vossas mãos o cajado do peregrino – que é a Palavra de Deus – e ide pelas estradas da Europa anunciando com coragem a Boa Nova de Cristo, o Homem perfeito, o Homem novo, que revela aos homens e às mulheres de todos os tempos a sua grandeza e a sua dignidade de filhos de Deus. Este é hoje o melhor serviço que podeis prestar na vossa vida, com toda a sua radical novidade. Uma novidade capaz de seduzir o coração da juventude pela sua beleza, bondade e verdade.

3. Jovens da Europa: deixai-vos renovar por Cristo! A nova evangelização – da qual deveis ser protagonistas – começa por uma só coisa, pela conversão do coração a Cristo. Vivei em intimidade com Ele; descobri na oração as riquezas da sua pessoa e do seu mistério; recorrei a Ele quando necessitais da graça do perdão; buscai-O na Eucaristia, fonte da vida e servi-O nos pobres e necessitados que esperam a sua passagem benfeitora. Não vos conformeis com a mediocridade. O Reino dos céus é daqueles que se esforçam com tenacidade para entrar nele (cf. Lc Lc 16,16 Mt 11,12). Como eu disse há dez anos nesse Monte do Gozo: não receeis ser santos! Tende a coragem e a humildade de vos apresentar diante do mundo decididos a ser santos, pois da santidade brota a liberdade plena e verdadeira. Esta aspiração ajudar-vos-á a descobrir o amor autêntico, não contaminado pela permissividade egoísta e alienante; far-vos-á crescer em humanidade mediante o estudo e o trabalho; abrir-vos-á a um possível chamado à doação total no sacerdócio ou na vida consagrada; converter- vos-á de «escravos» do poder, prazer, dinheiro ou carreira, em jovens livres, «senhores» da própria vida, sempre dispostos a servir o irmão necessitado, à imagem de Cristo servo, para dar testemunho do Evangelho da caridade.

4. À Virgem Maria, que no Pórtico da Glória da Catedral de Santiago de Compostela aparece representada com o expressivo gesto de aceitar a vontade divina, confio os frutos espirituais do Ano Jubilar Compostelano e deste Encontro Europeu de Jovens. Ela, que segundo uma piedosa tradição foi a válida sustentadora do apóstolo São Tiago, agora é chamada a guiar, como estrela do terceiro milénio, os passos evangelizadores dos novos apóstolos do Senhor na construção de uma Europa unida e amante da paz, fiel às suas raízes cristãs e aos valores autênticos que fizeram gloriosa a sua história e benéfica a sua presença nos demais continentes; uma Europa que ainda possa ser farol de civilização e estímulo de progresso para o mundo.

5. Antes de concluir esta Mensagem, desejo saudar também os Senhores Bispos, os queridos sacerdotes, religiosos e religiosas e todos os que cooperam com eles na pastoral juvenil. Sobre todos vós, peregrinos de Compostela, invoco o «grande perdão» de Deus Pai, rico em misericórdia, e ao confiar-vos sob a poderosa protecção do Senhor São Tiago concedo-vos com grande afecto a Bênção Apostólica: no nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


POR OCASIÃO DAS CELEBRAÇÕES DO BICENTENÁRIO


DAS APARIÇÕES DE NOSSA SENHORA DE LA VANG




A D. Etienne NGUYÊN NHU THÊ
Arcebispo de Huê

1. Por ocasião do encerramento do Ano Mariano e da 25ª peregrinação trienal ao Santuário de Nossa Senhora de La Vang, mediante a oração associo-me aos fiéis vietnamitas e aos peregrinos que têm recorrido à intercessão materna da Virgem Maria, implorando que a santíssima Mãe acompanhe a Igreja católica no Vietnã ao longo do seu itinerário rumo ao Senhor, assistindo-a no testemunho que está a dar no limiar do terceiro milénio.

«Há dois mil anos que a Igreja é o berço onde Maria depõe Jesus e O confia à adoração e à contemplação de todos os povos» (Bula de Proclamação do Grande Jubileu do Ano 2000 Incarnationis mysterium, 11), que jamais deixam de invocar a Mãe de toda a misericórdia. Sob a sua protecção, os homens encontram sempre refúgio e coragem. Efectivamente, Maria «brilha como sinal de esperança segura e de consolação aos olhos do Povo de Deus peregrino» (Lumen gentium LG 68), no meio das dificuldades deste mundo. É a Mãe da Igreja a caminho, que Ela continua a gerar, convidando incessantemente os homens a acolherem a promessa de Deus como Ela mesma fez e, com o auxílio do Espírito Santo, a serem missionários do Evangelho.

2. Seguindo o seu exemplo de maneira totalmente especial na iminência do Grande Jubileu, durante o qual são chamados a uma conversão cada vez mais intensa, os fiéis afirmarão a própria fé, serão mais atentos à palavra de Deus e tornar-se-ão disponíveis aos próprios irmãos. Para todos os discípulos de Cristo, Maria é o paradigma por excelência da vida cristã. Ela dispõe os nossos corações ao acolhimento de Cristo convidando-nos, como fez com os servidores nas núpcias de Caná, a fazer tudo o que Ele disser (cf. Jo Jn 2,5). Exorta-nos a ir ao encontro daqueles que têm necessidade do nosso apoio e da nossa ajuda, como Ela mesma fez em relação à sua prima Isabel (cf. Lc Lc 1,39-45). Assim, havemos de receber desta Mãe muito querida o «gosto» do encontro com Deus e da missão em benefício dos nossos irmãos, que são os dois aspectos da caridade cristã.

Quando nos voltamos para Maria, a nossa esperança reaviva-se. Com efeito, Ela é membro da nossa humanidade e n'Ela contemplamos a glória que Deus promete àqueles que respondem ao seu apelo. Portanto, convido os fiéis a depositarem a própria confiança na nossa Mãe comum, não raro invocada com o vocábulo Stella Maris, a fim de que no meio das tempestades do pecado e das vicissitudes às vezes dolorosas da história, permaneçam firmemente apegados a Cristo e possam dar testemunho do seu amor. «Seguindo-a, não vos perdereis; suplicando-lhe, não conhecereis o desespero; pensando n'Ela, evitareis todos os erros. Se Ela vos sustentar, não vos desencorajareis; se vos proteger, nada temereis; sob a sua guia, desconhecereis o cansaço; graças ao seu favor, alcançareis o objectivo» (São Bernardo, Segunda homilia sobre as palavras do Evangelho: «O Anjo Gabriel foi enviado»).

3. Quando acorrem ao Santuário de Nossa Senhora de La Vang, amado pelos fiéis vietnamitas, os peregrinos vão confiar-lhe as suas alegrias e tristezas, as suas esperanças e sofrimentos. Assim, dirigem-se a Deus e fazem-se intercessores pelas suas famílias e por todo o seu povo, pedindo ao Senhor que insira no coração de todos os homens sentimentos de paz, de fraternidade e de solidariedade, para que todos os habitantes do Vietnã se unam cada vez mais, em vista de edificar um mundo onde se possa viver bem, fundado sobre os valores espirituais e morais essenciais, e onde cada um possa ser reconhecido na sua dignidade de filho de Deus, recorrendo de forma livre e filial ao seu Pai celestial, «rico em misericórdia» (Ep 2,4).

4. Particularmente próximo de vós com o pensamento, neste período em que a Igreja no vosso País honra a Mãe do Salvador, confio-vos à intercessão de Nossa Senhora de La Vang e do íntimo do coração concedo a Bênção apostólica a Vossa Excelência, a todos os Pastores, aos peregrinos que visitarem o Santuário com espírito jubilar e aos fiéis católicos do Vietnã.

Vaticano, 16 de Julho de 1999.

PAPA JOÃO PAULO II




DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NO ENCONTRO COM UM GRUPO DE PEREGRINOS


VINDOS DA POLÓNIA


Castel Gandolfo, 15 de Agosto de 1999



Deus vos recompense por terdes vindo aqui. Completam-se hoje 21 anos, mas parece que tudo aconteceu ontem. Em todo o caso, 21 anos, é já alguma coisa. Todos vós vos tornastes mais velhos.

Concluímos hoje um dia de grande solenidade eclesial: a Assunção da Bem-aventurada Virgem Maria. Neste mesmo dia, para nós polacos, celebra-se a memória da vitória do «Milagre sobre o Vístula». Entre todos os lugares que pude visitar em Junho passado na Polónia, conservei, de modo particular, no meu coração, Radzymin: o lugar onde se realizou a batalha que decidiu o futuro da guerra contra os comunistas. Esta guerra – como eu já disse – era uma das mais importantes guerras da Europa.

Em espírito retorno àquele lugar. Eu nasci precisamente naquele ano, em 1920. Sempre me pergunto o que teria sucedido sem o «evento de Radzymin», sem o «Milagre sobre o Vístula»? Este evento, este dia, inscreveu-se profundamente na minha história pessoal, na história de todos nós. Vós sois mais jovens, mas sois um prolongamento daquele ano de 1920, daquele «Milagre sobre o Vístula», do «evento de Radzymin».

Estou feliz, porque pudemos terminar assim esta solenidade mariana e, ao mesmo tempo, celebrar uma grande recordação da nossa história nacional. Quereria abençoar todos vós. Abençoe-vos Deus Omnipotente, Pai, Filho e Espírito Santo. Boa noite!



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II,


TRANSMITIDA PELO CARDEAL ANGELO SODANO,


AO BISPO DE RÍMINI POR OCASIÃO


DO «ENCONTRO PARA A AMIZADE ENTRE OS POVOS»




Excelência Reverendíssima

A realização anual do Encontro para a Amizade entre os Povos, que chega à sua vigésima edição, não deixará de suscitar um renovado impulso apostólico em quantos nele participarem. Nesta perspectiva, o Santo Padre confia a Vossa Excelência o encargo de exprimir aos organizadores e aos participantes os sentimentos de estima e de apreço pelo empenho que os anima, assegurando-lhes a sua lembrança na oração, para que desta iniciativa possam resultar copiosos frutos de bem.

O tema, que o Encontro propôs para esta edição – «O desconhecido gera temor, o Mistério gera admiração» – traz à mente as primeiras palavras de Jesus ressuscitado: «Nada receeis» (Mt 28,10), ou as do anjo às mulheres que vão ao sepulcro: «Não vos assusteis...» (Mc 16,6). Jesus Cristo é o Mistério que não só se tornou próximo do homem, mas destruiu pela raiz, de uma vez para sempre, o temor. De facto, Ele tornou conhecido o desconhecido, sendo o Mistério que se nos foi revelado. Cristo venceu o medo do desconhecido, porque venceu a morte tirando-lhe o aguilhão mortal (cf. 1Co 15,55-56). Da propagação do anúncio deste evento admirável ao mundo – Cristo morto e ressuscitado em favor da humanidade – brotou a possibilidade de uma construção plenamente humana da vida pessoal, familiar e social.

Neste final de milénio o homem, nas mais diversas culturas, não consegue esconder a própria preocupação diante dos desafios do novo século que avança. Um indício desse tormento pode ser reconhecido nos novos sincretismos religiosos, que estão a surgir em várias partes do mundo. Eles prometem harmonia e paz como resultado de uma vontade renovada do homem de se salvar por si mesmo, reconciliando-se com a natureza ofendida, com o próprio mal e com os outros homens. Na realidade, essa promessa revela-se incapaz de afastar a angústia que nasce duma vida em que tudo parece confiado ao afã de um «fazer», preocupado com mil coisas, mas no final esquecido da meta última. Com a intenção de melhorar a si mesmo, através das técnicas e das tecnologias, o homem pôs de parte os grandes interrogativos de todos os tempos, os grandes desejos de justiça, de beleza, de verdade. Criou-se assim uma harmonia artificial e frágil, que entra em crise logo que se apresentam de novo fenómenos obscuros como a guerra, as grandes injustiças sociais, as desventuras pessoais, as calamidades naturais. Ressurgem então temores atávicos, procurando-se de muitos modos vias de fuga para os exorcizar. Alguns movimentos artísticos, por exemplo, refugiam-se no abstracto e no virtual, enquanto uma certa ideologia científica propõe um super-homem capaz de se autogerar e de se melhorar até a uma pretendida perfeição. Mas precisamente dessas vias renascem, agigantados, os problemas: pensa-se, por exemplo, na biogenética e nos dramáticos interrogativos por ela apresentados, com os consequentes e legítimos temores que deles surgem.

Muitas vezes o Santo Padre pôs de sobreaviso contra semelhantes e perigosas ilusões, recordando aos cientistas que a «busca da Verdade, mesmo quando se refere a uma realidade limitada do mundo ou do homem, jamais termina; remete sempre para alguma coisa que está acima do objectivo imediato dos estudos, para os interrogativos que abrem o acesso ao Mistério» (Discurso na Universidade de Cracóvia, 8 de Junho de 1997: cf. L'Osserv. Rom 21/6/97, Rm 4, pág. Rm 5).

Hoje, além disso, não são poucos aqueles que, mesmo tendo perdido o último vestígio do admirável evento da Ressurreição, escolhem como campo de fuga o retorno à superstição e procuram vencer o sentimento de solidão e o medo do futuro, mediante o recurso a horóscopos, astrólogos, magos e seitas esotéricas. Trata-se de usos muito semelhantes aos do mundo pagão do século IV. Contra os promotores dessas práticas, já Santo Agostinho punha de sobreaviso e, desmascarando o aspecto ilusório das suas previsões e dos seus cálculos, recordava as palavras da Escritura: «Se chegaram a ter luz suficiente para poderem perscrutar a ordem do universo, como não descobriram mais facilmente o Senhor deles?» (Sg 13,9).

Na Encíclica Fides et ratio, João Paulo II recordou que «todo o homem está integrado numa cultura; depende dela, e sobre ela influi. É simultaneamente filho e pai da cultura onde está inserido. Em cada manifestação da sua vida, o homem traz consigo algo que o caracteriza no meio da criação: a sua constante abertura ao mistério e o seu desejo inexaurível de conhecimento. Por consequência, cada cultura traz gravada em si mesma e deixa transparecer a tensão para uma plenitude. Pode-se, portanto, dizer que a cultura contém em si própria a possibilidade de acolher a revelação divina» (n. 71).

Por que, então, abandonar a via-mestra? Por que não reconhecer aquilo de que o homem tem mais necessidade? Não a prometeica tentativa de superar a própria limitação, mas o abandono confiante nos braços d'Aquele que disse: «Coragem, sou Eu, não tenhais medo» (Mt 14,27), revelando-se como o Mistério bom, que se tornou amigo do homem até à total doação de si. Ao olhar para Ele compreende-se que na origem de tudo está o amor: é este o Mistério que cria e sustenta o inteiro cosmo.

Só percorrendo esta via é possível vencer a insegurança, que está na origem de tanta violência entre os homens. Só assim toda a pesquisa sobre o homem pode enfrentar, sem medo, os aspectos misteriosos de eventos que doutro modo gerariam angústia e que, ao contrário, podem abrir à admiração reflectida e grata. A experiência ensina como é insubstituível para a humanidade Aquele que «revela o homem ao próprio homem» (Gaudium et spes GS 22).

Sua Santidade formula votos cordiais por que os participantes no «Encontro para a Amizade entre os Povos», aprofundando juntos o conhecimento das grandes possibilidades que brotam do acolhimento do mistério de Cristo, testemunhem diante do mundo que, libertados do temor da caducidade e da morte, se pode constituir uma nova unidade para além das fronteiras e das divisões, sem nada temer, porque Jesus ultrapassou de maneira vitoriosa a barreira, contra a qual se debate todo o esforço humano: a barreira da morte.

Ao confiar a Deus, por intercessão da Virgem Santíssima, os trabalhos do Encontro, o Santo Padre concede de coração a propiciadora Bênção Apostólica a Vossa Excelência e a todos os participantes.

Também eu formulo votos por que o Encontro possa alcançar todo o almejado fruto espiritual, e aproveito a circunstância para me confirmar, com sentimentos de distinto obséquio,

Seu devotíssimo no Senhor
Angelo Card. SODANO

Secretário de Estado

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NO FINAL DO CONCERTO DO QUARTETO


«CONTEMPO» DA ROMÉNIA


Domingo, 22 de Agosto de 1999



Distintas Senhoras e ilustres
Senhores Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. Na conclusão deste concerto, desejo dirigir um cordial agradecimento aos Artistas do Quarteto «Contempo», que com sensibilidade e perícia nos proporcionaram um momento de intensa contemplação estética. O meu agradecimento estende-se também à Embaixada da Roménia junto da Santa Sé, que projectou e organizou este sarau musical.

Os trechos, no alternar-se de fases serenas e vivazes, dramáticas e pungentes, foram para todos nós ocasião de envolvimento e de reflexão. Com efeito, a arte seria vazia exercitação estética, se não abrisse à intuição do aspecto mais profundo da realidade, traduzindo-se em convite ao empenho, a fim de que quanto foi percebido não permaneça abstracção vã, mas se concretize na vida de cada dia levando-lhe luz de beleza e de verdade. A arte, escrevi na Carta aos Artistas, é «apelo ao Mistério» (n. 10).

A experiência artística oferece-nos duas indicações pedagógicas, de modo particular: indicações que, por sua vez, se tornam inspirações para a vida. A primeira é dada pela constatação da harmonia que deriva da diversidade: a beleza brota de várias componentes, que não se anulam reciprocamente, mas se fundem num único desígnio. A segunda é relativa à nobreza dos sentimentos: a beleza nunca é fruto de rebaixamento e mediocridade, mas de tensão para aquilo que é mais alto e mais perfeito. No empenho em realizar estes valores na existência quotidiana, cada pessoa individualmente e as sociedades crescem e amadurecem.

2. Um ulterior motivo torna esta apresentação musical particularmente grata e evocadora: há poucos meses, tive a alegria de visitar a Roménia, encontrando-me com Autoridades e cidadãos daquela amada Nação e acolhendo no meu coração propósitos e esperanças das mulheres e dos homens daquela ilustre terra. A música desta noite, quase eco fiel das riquezas culturais do povo romeno, traz de novo à minha memória aquele encontro extraordinário, rico de cordialidade e de partilha, e renova em mim admiração sincera pela história, a civilização e as realizações daquele grande povo.

A Vossa Excelência, Senhor Embaixador, peço que se faça intérprete dos meus sentimentos de estima sincera e de cordial proximidade junto das Autoridades do seu País. Aos exímios artistas desejo um promissor caminho profissional e uma realização humana ainda mais satisfatória.

O Senhor, Deus da beleza e da harmonia, encha de alegria a vossa vida, cumulando cada um com as suas bênçãos.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NA ASSEMBLEIA INTERNACIONAL


DA ORDEM DA SANTÍSSIMA TRINDADE


(TRINITÁRIOS)


Castel Gandolfo

Quinta-feira, 26 de Agosto de 1999



Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. Sinto-me feliz por me encontrar convosco numa ocasião tão significativa como esta: celebrais neste ano o VIII centenário de fundação da Ordem da Santíssima Trindade e o IV da sua reforma. Portanto, de maneira oportuna a Família trinitária, que afunda as suas raízes no projecto do Fundador São João da Mata e vive do mesmo carisma, pensou em reunir-se em «Assembleia Geral» para reflectir juntos acerca dos problemas comuns e das possíveis soluções no limiar do novo milénio.

Saúdo o Ministro-Geral da Ordem e agradeço-lhe as gentis palavras que me dirigiu. Com ele, saúdo os responsáveis dos vários Institutos que fazem parte da Família trinitária, bem como os religiosos, as religiosas e os leigos que vieram de todas as partes do mundo para esta Assembleia. Ela constitui um momento particularmente propício para intensificar o caminho de fidelidade ao dom do Espírito recebido do Fundador, e para vos inserir de modo mais vital na renovação querida pelo Concílio Vaticano II, de modo a poder responder às exigências e solicitações do mundo de hoje.

2. No decurso de oito séculos, através de múltiplas vicissitudes históricas, a Família trinitária, animada e vivificada pelo carisma originário centrado na glorificação da Trindade e na dedicação à redenção do homem, desenvolveu-se e propagou-se na Igreja e no mundo mediante o florescimento de vários Institutos e de diversas Associações laicais. Cada organismo se reconhece em nome da Trindade, à qual está consagrado de modo especial, e em S. João da Mata, que veneram como Pai comum. Todos participam do mesmo carisma de glorificação da Trindade e de empenho pela redenção do homem, dedicando-se a obras de caridade e de libertação a favor dos pobres e dos escravos do nosso tempo.

Hoje a Família trinitária é composta tanto por religiosos como por religiosas de vida quer contemplativa quer activa. Estas dividem-se em diversas Congregações: as irmãs Trinitárias de Valença (França), de Roma, de Valença (Espanha), de Madrid, de Maiorca e de Sevilha. Além disso, existe o Instituto Secular das Oblatas Trinitárias e a Ordem Secular Trinitária, juntamente com as Confrarias e numerosas Associações do Laicado Trinitário, que testemunham no mundo a dimensão secular do espírito trinitário.

A todos renovo a exortação a que vivam com generosa fidelidade o carisma originário, que mantém uma extraordinária actualidade no mundo de hoje. O homem contemporâneo precisa de ouvir anunciar a salvação em nome da Santíssima Trindade e de ser salvaguardado de correntes não menos perigosas porque menos evidentes das de outrora. Por conseguinte, a Família trinitária fará bem em pôr-se à escuta das implorações que fazem as vítimas das modernas formas de escravidão, a fim de encontrar vias concretas de resposta às suas prementes expectativas.

Sustentam-vos na vossa reflexão e no vosso empenho os numerosos irmãos e irmãs que vos precederam e vos deixaram exemplos luminosos de virtudes e de santidade na actuação do mesmo carisma: religiosos, religiosas e leigos cujos nomes, muitas vezes coroados de sangue, estão inscritos no álbum dos santos e vivem no testemunho da tradição trinitária.

3. À luz deste heróico testemunho, desejais preparar projectos concretos com os quais entrar no novo milénio. Pensastes sobretudo em instituir um organismo internacional da Família trinitária, mediante o qual poder intervir de modo mais eficaz em defesa dos perseguidos ou discriminados devido à fé religiosa ou à fidelidade à sua consciência ou ainda aos valores do Evangelho. Destes ao novo organismo o nome de «Solidariedade Internacional Trinitária», desejando envolver toda a Família no serviço a muitas pessoas que sofrem e são infelizes, que na sua miséria suspiram por uma «epifania» de Cristo Redentor. Outro projecto muito significativo é de uma nova fundação no Sudão, que programastes como expressão da missão redentora e misericordiosa própria da Ordem. A iniciativa propõe-se, juntamente com o apostolado missionário e de libertação, o diálogo inter-religioso entre Cristianismo e Islão, segundo as indicações dadas pelo Concílio Vaticano II e retomadas e desenvolvidas por sucessivos documentos do Magistério.

4. O Grande Jubileu da Encarnação constitui para toda a Família trinitária um ulterior estímulo a aprofundar a meditação do Mistério trinitário, no qual ela reconhece o centro da própria espiritualidade. Haurindo daquela inexaurível Fonte, ela não deixará de se empenhar no progresso de todas as potencialidades da consagração trinitária, enriquecendo-a com uma nova plenitude. Desta experiência trinitária intensamente vivida surge um renovado empenho de libertação em relação a qualquer forma de opressão.

O Capítulo Geral extraordinário, concluído nestes dias, pôs no centro da vossa reflexão o tema da Domus Trinitatis et Captivorum. No espírito original do projecto de São João da Mata – merecedor de valorização também nos nossos dias – nesta Domus deve reinar o dinamismo do amor, que tem a sua origem no mistério trinitário e se expande aos privilegiados de Deus: escravos e pobres. O Espírito do Pai e do Filho, que é amor, estimula-vos a fazer-vos dom de amor aos outros. A unidade e a caridade serão o melhor testemunho da vossa vocação trinitária na Igreja.

A Virgem Santíssima, que há séculos invocais todos os dias com a bonita oração: «Ave, Filia Dei Patris, Ave, Mater Dei Filii, Ave, Sponsa Spiritus Sancti, Sacrarium Sanctissimae Trinitatis», vos introduza cada vez mais na agradável contemplaçãoistério e vos ajude a viver os dias do Grande Jubileu como tempo de renovada esperança e de sereno júbilo no espírito.

Com estes votos, concedo de coração a vós e a todos os componentes da Família trinitária uma especial Bênção apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NA SEMANA INTERNACIONAL


DE ESTUDOS SOBRE O MATRIMÓNIO E A FAMÍLIA


Sexta-feira, 27 de Agosto de 1999

: Venerados Irmãos no Episcopado
Distintas Senhoras e Senhores
Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. Com grande alegria dou hoje as boas-vindas a todos vós que participais na Semana internacional de estudos, promovida pelo Pontifício Instituto para os Estudos sobre o Matrimónio e a Família. Antes de tudo, saúdo D. Angelo Scola, Reitor Magnífico da Pontifícia Universidade Lateranense e Director do Instituto, e agradeço-lhe as palavras que me dirigiu no início do nosso encontro. Juntamente com ele, saúdo D. Carlo Caffarra, Arcebispo de Ferrara e o seu predecessor; o Cardeal Vigário Camillo Ruini e o Cardeal Alfonso López Trujillo, Presidente do Pontifício Conselho para a Família; os Prelados presentes, os ilustres professores, que me expuseram interessantes considerações, e quantos, a vários títulos, cooperam para o bom resultado desta vossa Assembleia. Saúdo todos vós, caros membros dos corpos docentes das várias sedes do Instituto que vos reunistes aqui em Roma para uma reflexão orgânica sobre o fundamento do desígnio divino sobre o matrimónio e a família. Obrigado pelo vosso empenho e pelo serviço que prestais à Igreja.

2. Desde quando nasceu há dezoito anos, o Instituto para os Estudos sobre o Matrimónio e a Família cuidou do aprofundamento do desígnio de Deus sobre a pessoa, o matrimónio e a família, conjugando a reflexão teológica, filosófica e científica com uma constante atenção à cura animarum.

Esta relação entre pensamento e vida, entre teologia e pastoral, é verdadeiramente decisiva. Se olho para a minha própria experiência, não me é difícil reconhecer quanto o trabalho realizado com os jovens na pastoral universitária de Cracóvia me ajudou na meditação sobre aspectos fundamentais da vida cristã. A convivência quotidiana com os jovens, a possibilidade de os acompanhar nas suas alegrias e fadigas, o seu desejo de viver plenamente a vocação à qual o Senhor os chamava, ajudaram-me a compreender de modo sempre mais profundo a verdade de que o homem cresce e amadurece no amor, isto é, no dom de si, e que precisamente ao doar-se recebe em troca a possibilidade do próprio cumprimento. Este princípio tem uma das suas mais elevadas expressões no matrimónio, que «é uma instituição sapiente do Criador, para realizar na humanidade o seu desígnio de amor. Mediante a doação pessoal recíproca, que lhes é própria e exclusiva, os esposos tendem para a comunhão dos seus seres, em vista de um mútuo aperfeiçoamento pessoal, para colaborarem com Deus na geração e educação de novas vidas» (Humanae vitae HV 8).

3. Movendo-se nesta inspiração de profunda unidade entre a verdade anunciada pela Igreja e as concretas opções e experiências de vida, o vosso Instituto prestou um louvável serviço durante estes anos. Com as Secções presentes em Roma na Pontifícia Universidade Lateranense, em Washington, na Cidade do México e em Valença, com os centros académicos de Cotonou (Benim), Salvador da Bahia (Brasil) e Changanacherry (Índia), cujo itinerário de incorporação ao Instituto já foi começado, e com o próximo início do centro de Melbourne (Austrália), o Instituto poderá contar com sedes próprias nos cinco continentes. É um desenvolvimento pelo qual queremos dar graças ao Senhor, enquanto olhamos com imperioso reconhecimento para quantos deram e continuam a dar o seu contributo para a realização desta obra.

4. Desejaria agora, juntamente convosco, dirigir o olhar para o futuro, partindo de uma atenta consideração das urgências que, neste campo, se apresentam hoje à missão da Igreja e, portanto, ao vosso próprio Instituto.

Em relação aos dezoito anos passados, quando iniciava o vosso caminho académico, a provocação dirigida pela mentalidade secular à verdade sobre a pessoa, o matrimónio e a família tornou-se, num certo sentido, ainda mais radical. Já não se trata apenas de pôr em discussão cada uma das normas da ética sexual e familiar. À imagem de homem/mulher própria da razão natural e, em particular, do cristianismo, opõe-se uma antropologia alternativa. Ela rejeita o dado, inscrito na corporeidade, de que a diferença sexual possui um carácter identificador para a pessoa; por consequência, entra em crise o conceito de família fundada sobre o matrimónio indissolúvel entre um homem e uma mulher, como célula natural e basilar da sociedade. A paternidade e a maternidade são concebidas só como projecto privado, a realizar também mediante a aplicação de técnicas biomédicas, que podem prescindir do exercício da sexualidade conjugal. Postula-se, desse modo, uma inaceitável «divisão entre liberdade e natureza», que ao contrário estão «harmonicamente ligadas entre si e intimamente aliadas uma à outra» (Veritatis splendor VS 50).

Na realidade, a conotação sexual da corporeidade é parte integrante do plano divino originário, no qual homem e mulher são criados à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn Gn 1,27) e chamados a realizar uma comunhão de pessoas, fiel e livre, indissolúvel e fecunda, como reflexo da riqueza do amor trinitário (cf. Cl Col 1,15-16).


Discursos João Paulo II 1999