Discursos João Paulo II 1999 - Sexta-feira, 27 de Agosto de 1999

Depois, paternidade e maternidade, antes de serem um projecto da liberdade humana, constituem uma dimensão vocacional inscrita no amor conjugal, a ser vivida como responsabilidade singular diante de Deus, acolhendo os filhos como um seu dom (cf. Gn Gn 4,1), na adoração daquela paternidade divina «da qual toda a família, nos céus e na terra, toma o nome» (Ep 3,15).

Eliminar a mediação corpórea do acto conjugal, como lugar onde pode ter origem uma nova vida humana, significa ao mesmo tempo degradar a procriação de colaboração com Deus criador a uma «reprodução» tecnicamente controlada de um exemplar duma espécie e, portanto, extraviar a dignidade pessoal única do filho (cf. Donum vitae, II B/5). Com efeito, só quando se respeitam integralmente as características essenciais do acto conjugal, enquanto dom pessoal dos cônjuges, corpóreo e ao mesmo tempo espiritual, se respeita também, simultaneamente, a pessoa do filho e se manifesta a sua origem de Deus, fonte de todo o dom.

Ao contrário, quando se trata o próprio corpo, a diferença sexual nele inscrita e as próprias faculdades procriativas como meros dados biológicos inferiores, passíveis de manipulação, acaba-se por renegar o limite e a vocação presentes na corporeidade e manifesta-se assim uma presunção que, para além das intenções subjectivas, exprime o menosprezo do próprio ser como dom proveniente de Deus. À luz destas problemáticas de tão grande actualidade, com ainda maior convicção reafirmo quanto já ensinei na Exortação Apostólica Familiaris consortio: «O destino da humanidade passa através da família» (n. 86).

5. Diante destes desafios, a Igreja não tem outro caminho senão dirigir o olhar a Cristo Redentor do homem, plenitude da revelação. Como tive ocasião de afirmar na Encíclica Fides et ratio, «a revelação cristã é a verdadeira estrela de orientação para o homem, que avança por entre os condicionalismos da mentalidade imanentista e os reducionismos duma lógica tecnocrática» (n. 15). Esta orientação é-nos oferecida precisamente através da revelação do fundamento da realidade, isto é, daquele Pai que a criou e a mantém, a cada instante, no ser.

Aprofundar ainda mais o desígnio de Deus sobre a pessoa, o matrimónio e a família é a tarefa que deverá ver-vos empenhados, com renovado vigor, no início do terceiro milénio.

Quereria aqui sugerir algumas perspectivas para este aprofundamento. A primeira concerne ao fundamento em sentido estrito, isto é, ao Mistério da Santíssima Trindade, fonte mesma do ser e, portanto, princípio último da antropologia. À luz do mistério da Trindade, a diferença sexual revela a sua natureza completa de sinal expressivo de toda a pessoa.

A segunda perspectiva, que desejo submeter ao vosso estudo, refere-se à vocação do homem e da mulher à comunhão. Também ela aprofunda as suas raízes no mistério trinitário, nos é plenamente revelada na encarnação do Filho de Deus - na qual a natureza humana e a natureza divina estão unidas na Pessoa do Verbo - e se insere historicamente no dinamismo sacramental da economia cristã. O mistério nupcial de Cristo Esposo da Igreja, de facto, exprime-se de modo singular através do matrimónio sacramental, comunidade fecunda de vida e de amor.

Deste modo, a teologia do matrimónio e da família - eis o terceiro ponto que desejo oferecer-vos - inscreve-se na contemplação do mistério de Deus Uno e Trino, que convida todos os homens às núpcias do Cordeiro realizadas na Páscoa e perenemente oferecidas à liberdade humana na realidade sacramental da Igreja.

Além disso, aprofunda-se a reflexão sobre a pessoa, o matrimónio e a família dedicando especial atenção à relação pessoa-sociedade. A resposta cristã ao malogro da antropologia individualista e colectivista requer um personalismo ontológico radicado na análise das relações familiares primárias. A racionalidade e a capacidade de se relacionar da pessoa humana, a unidade e a diferença na comunhão e as polaridades constitutivas de homem-mulher, espírito-corpo e indivíduo-comunidade são dimensões co-essenciais e inseparáveis. A reflexão sobre a pessoa, o matrimónio e a família deixa-se assim, ultimamente, integrar na Doutrina Social da Igreja, acabando por se tornar uma das suas mais sólidas raízes.

6. Estas e outras perspectivas para o trabalho futuro do Instituto deverão ser desenvolvidas, segundo a dupla dimensão de método que se deduz também deste vosso encontro.

Por um lado, é imprescindível partir da unidade do desígnio de Deus sobre a pessoa, o matrimónio e a família. Só este ponto de partida unitário permite que o ensinamento oferecido ao Instituto não seja a simples justaposição de quanto teologia, filosofia e ciências humanas nos dizem sobre estes temas. Da revelação cristã deriva uma antropologia adequada e uma visão sacramental do matrimónio e da família, que sabe interagir de maneira dialógica com os resultados da pesquisa próprios da razão filosófica e das ciências humanas. Esta unidade originária está também na base do trabalho comum entre professores de diversas matérias e torna possíveis uma pesquisa e um ensino interdisciplinar, que têm como objecto o «unum» aprofundado da pessoa, do matrimónio e da família, sob pontos de vista diversos e complementares, com metodologias específicas.

Por outro lado, deve-se ressaltar a importância das três áreas temáticas sobre as quais são organizados de modo concreto todos os currículos de estudos propostos ao Instituto. Estas três áreas são necessárias para a integridade e a coerência do vosso trabalho de pesquisa, de ensino e de estudo. Com efeito, como prescindir da consideração do «fenómeno humano», como é proposto pelas diversas ciências? Como renunciar ao estudo da liberdade, fundamento de toda a antropologia e porta de acesso aos interrogativos ontológicos originários? Como prescindir de uma teologia em que natureza, liberdade e graça são vistas em articulada unidade, à luz do mistério de Cristo? Aqui está o ponto de síntese de todo o vosso trabalho, uma vez que, «na realidade, o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente» (Gaudium et spes GS 22).

7. A novidade do Pontifício Instituto para os Estudos sobre o Matrimónio e a Família não só está ligada ao conteúdo e ao método da pesquisa, mas exprime-se também através da sua específica configuração jurídico-institucional. O Instituto constitui, num certo sentido, um «unicum» no contexto das Instituições académico-eclesiásticas. Ele, de facto, é uno (com um único Grão-Chanceler e um único Reitor) e, ao mesmo tempo, articula-se nos diversos continentes através da figura jurídica da secção.

Encontramo-nos assim diante de uma tradução jurídico-institucional do normal dinamismo de comunhão que flui entre a Igreja universal e as Igrejas particulares. Deste modo, o Instituto vive, de maneira exemplar, a dúplice dimensão romana e universal que caracteriza as instituições universitárias da Urbe e, de modo particular, a Pontifícia Universidade Lateranense, na qual se encontra a secção central, que é definida pelo artigo 1 dos Estatutos «a Universidade do Sumo Pontífice a título especial».

Se olhamos para o Instituto e a sua história, vemos quanto é fecundo o princípio da unidade na pluriformidade! Depois, não se concretiza apenas numa unidade de orientação doutrinal, que dá eficácia à pesquisa e ao ensino, mas exprime-se, sobretudo, na efectiva comunhão entre professores, estudantes e funcionários. E isto tanto no interior de cada uma das secções como também no intercâmbio recíproco entre as secções, embora tão diferentes entre si. Desse modo, vós colaborais para o enriquecimento da vida das Igrejas e, em última análise, da própria Catholica!

8. Para que os homens pudessem participar, como membros da Igreja, da sua própria vida, o Filho de Deus quis tornar-se membro de uma família humana. Por esta razão a Sagrada Família de Nazaré, como «originária Igreja doméstica» (Redemptoris custos, 7), constitui uma guia privilegiada para o trabalho do Instituto. Ela mostra claramente a inserção da família na missão do Verbo encarnado e redentor, e ilumina a própria missão da Igreja.

Maria, Virgem, Esposa e Mãe, proteja os professores, os estudantes e os funcionários do vosso Instituto. Acompanhe e sustente a vossa reflexão e o vosso trabalho, a fim de que a Igreja de Deus possa encontrar em vós uma ajuda assídua e preciosa na sua tarefa de anunciar a todos os homens a verdade de Deus sobre a pessoa, o matrimónio e a família.

A todos o meu agradecimento e a minha Bênção.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NO FINAL DA ASSEMBLEIA


INTERNACIONAL «JOVENS RUMO A ASSIS»


Sábado, 28 de Agosto de 1999

: Caríssimos jovens!

1. Acolho-vos com grande alegria, no termo da vossa primeira Assembleia internacional sob o título «Jovens rumo a Assis», que se realizou em forma de peregrinação, repercorrendo as pegadas de São Francisco de Assis. Bem-vindos! Saúdo-vos a todos com afecto.

Agradeço a cada um de vós o contributo que oferecestes para o bom êxito da iniciativa; agradeço ao Ministro-Geral dos Frades Menores Conventuais as amáveis palavras que me dirigiu. Exprimo a minha satisfação, em particular, aos Frades Menores Conventuais que vos propuseram esta singular peregrinação como tempo de experiência pré-jubilar, em preparação para o XV Dia Mundial da Juventude do Ano 2000, que se realizará em Roma dentro de um ano. A eles apresento os bons votos por que saibam viver constantemente a sua consagração como dom que o Senhor faz à Igreja, fiéis ao estilo de vida entregue à Ordem pelo Pobrezinho de Assis.

2. Caríssimos rapazes e moças, o itinerário que vos conduziu a lugares tão queridos à espiritualidade mariana e franciscana foi ritmado por momentos de oração, de penitência e de encontros de reflexão. Em Pádua, em Loreto e em Assis tivestes oportunidade de visitar santuários significativos da fé na Itália, e a vossa etapa hodierna em Roma bem completa este vosso percurso espiritual. Guia-vos a pergunta «Por que, Francisco, o mundo vem atrás de ti?». Estou certo de que ao ouvirdes os ensinamentos e testemunhos, pudestes receber estímulos úteis para uma vossa renovada adesão ao Evangelho.

Viestes hoje, a exemplo de São Francisco, encontrar o Papa para reafirmardes a vossa fidelidade à Igreja, a qual, dizia o Santo, «conservará ilesos entre nós os vínculos da caridade e da paz... Na sua presença florescerá sempre a santa observância da pureza evangélica e não consentirá que diminua, nem sequer por um instante, o perfume da vida» (2 Cel XVI, 24: FF 611).

Obrigado pela vossa visita! Quisestes entregar-me, como fez São Francisco com o meu venerado predecessor Honório III, uma regra de vida evangélica que pretendeis praticar, e unistes um contributo económico, fruto da vossa jornada penitencial. Também por isto vos estou grato de todo o coração.

3. Conclui-se agora esta vossa experiência e, retornando às vossas casas, podereis comunicar aos vossos coetâneos quanto experimentastes nestes dias. Esta peregrinação foi certamente uma providencial oportunidade de encontro com Cristo e com vós mesmos. Ela deu-vos a ocasião de contemplar o rosto de Deus (cf. Sl Ps 27,8) e a sua admirável santidade, confiando no poder saneador da sua graça e da sua misericórdia.

Sede reconhecidos ao Senhor, por terdes sido acompanhados por mestres pacientes, que vos guiaram espiritualmente, passo a passo, e agora, enquanto retomais o caminho para outras direcções, mantende o coração dócil à escuta de Deus. Ao retornardes às vossas ocupações normais, difundi ao redor de vós a luz que iluminou o vosso espírito. Amai e segui Cristo! Se às vezes, quando o caminho se fizer difícil, vos acometer o cansaço, repousai-vos à sombra da oração. No diálogo com Deus encontrareis paz e alívio.

Ser-vos-ão companheiros de caminho as «testemunhas» que nestes dias aprendestes a conhecer melhor e a amar mais. Em Pádua, na Basílica a ele dedicada, encontrastes Santo António, homem evangélico que percorreu a via de uma paciente e ciosa visitação de Deus. Em Loreto, na Casa Santa, o humilde coração à escuta de Maria, a «Virgem que se fez Igreja», como gostava de lhe chamar São Francisco (Saudação à Bem-aventurada Virgem Maria 1: FF 259), pôs-vos diante de Cristo Encarnado. Em Assis Francisco, coração livre e orante, misericordioso e fraterno, ensinou-vos a ter compaixão de todos os homens e de todas as criaturas. Seguindo o convite da Escritura a considerar «o êxito da sua conduta e a imitar a sua fé. Jesus Cristo é sempre o mesmo ontem e hoje e por toda a eternidade» (Ep 13,7-8).

4. Caríssimos jovens, este vosso encontro itinerante, que tocou lugares e temas sugestivos da fé, pode ser considerado como uma antecipação do Dia Mundial da Juventude que, se Deus quiser, terá lugar aqui em Roma no próximo ano. Desde agora, convido-vos a participar nele. No coração do Ano Santo 2000, ele será de facto uma extraordinária ocasião para vós jovens: Cristo quer que sejais seus colaboradores para construir o novo milénio, segundo o seu universal desígnio de salvação. Viver o Evangelho é sem dúvida uma tarefa exigente, mas só com Cristo é possível edificar de maneira eficaz a civilização do amor.

Acompanhe-vos Maria, Estrela do caminho; vos protejam Santo António, São Francisco e Santa Clara. Da minha parte, permaneço junto de vós com a oração.

Antes de vos deixar desejo, agora, abençoar-vos com as palavras da Escritura, tão queridas a Francisco, e certamente por vós tantas vezes escutadas: «O Senhor vos abençoe e vos proteja! Que o Senhor faça resplandecer a Sua face sobre vós e vos seja benevolente! Que o Senhor dirija o Seu olhar para vós e vos conceda a Sua paz!» (cf. Nm Nb 6,24-26 FF Nb 262).



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL


DA COSTA DO MARFIM EM VISITA


«AD LIMINA APOSTOLORUM»


Sábado, 28 de Agosto de 1999

: Caros Irmãos no Episcopado!

1. É com grande alegria que vos acolho, Pastores da Igreja católica na Costa do Marfim, ao realizardes a vossa peregrinação ao túmulo dos Apóstolos Pedro e Paulo. A visita ad Limina é, com efeito, um momento de grande importância para a vida e o ministério dos Bispos, que vêm dar graças a Deus por todos os benefícios recebidos d'Ele e manifestar a própria comunhão com o Sucessor de Pedro e a Igreja universal. Dos seus encontros com o Bispo de Roma e com os próprios colaboradores, eles podem haurir também conforto e apoio para cumprir a missão que lhes foi confiada.

Agradeço ao Presidente da vossa Conferência Episcopal, D. Auguste Nobou, Arcebispo de Korhogo, as amáveis palavras que me dirigiu em vosso nome. Transmito também os meus bons votos a D. Vital Komenan Yao, Arcebispo de Bouaké, que escolhestes para o suceder daqui a alguns dias.

Quando regressardes às vossas dioceses, levai aos sacerdotes, religiosos, religiosas, catequistas e a todos os fiéis a afectuosa saudação do Papa, que ainda conserva na memória o caloroso acolhimento recebido por ocasião das suas três visitas ao País. Transmiti a todos os vossos compatriotas os meus cordiais votos para um futuro de paz e de prosperidade.

2. No decurso da sua história, a Igreja na Costa do Marfim conheceu diferentes fases de enraizamento e de crescimento. Hoje, experimenta uma esplêndida vitalidade que lhe permite olhar para o futuro com confiança. As adesões à fé em Jesus Cristo e os pedidos dos sacramentos da iniciação cristã são numerosos. As celebrações litúrgicas são muito participadas e vivas. Através do seu espírito convivial e alegre, as vossas comunidades exprimem o amor fraterno que Jesus ensinou aos seus discípulos. Manifestam-se assim a sede de Deus do vosso povo e o seu desejo de viver plenamente os mandamentos divinos! Por ocasião do Sínodo africano, no qual vários de vós participaram, os Padres reflectiram sobre estes sinais de esperança, mas também acerca das sombras e dos desafios que se apresentam para a missão. Ao evocarem a urgência da proclamação da Boa Nova aos milhões de pessoas que ainda não a conhecem, eles formularam votos por que um novo ardor evangelizador anime as Igrejas locais. Quiseram também exortar todos os católicos do continente a uma nova evangelização em profundidade, convidando-os a prosseguir com coragem nos difíceis caminhos da conversão do coração e da constante renovação.

Após esse Sínodo, na Exortação Apostólica Ecclesia in Africa, eu quis apresentar as decisões e as orientações que hão-de permitir à Igreja assegurar a sua missão duma maneira tão eficaz quanto possível. De certo modo, trata-se da Carta missionária da Igreja, família de Deus que está na África, a qual todos são convidados a tornar efectiva na vida pessoal e nas situações particulares. Desejo vivamente que neste tempo privilegiado, que testemunhará a celebração do segundo milénio da Encarnação, tudo seja orientado «para o objectivo prioritário do Jubileu, que é o revigoramento da fé e do testemunho dos cristãos» (Carta Apostólica Tertio millennio adveniente, TMA 42). Exorto os discípulos de Cristo a refortalecer os laços que os unem ao Salvador da humanidade, a fim de serem as suas testemunhas fiéis e generosas. Para isto, é essencial que se apresente sem temor a mensagem cristã na sua totalidade e com todo o seu vigor profético, utilizando os meios adequados que o mundo moderno pode oferecer. Contudo, é preciso recordar que o testemunho duma vida de santidade é insubstituível para o anúncio autêntico do Evangelho cuja finalidade é, antes de tudo, propor a própria pessoa de Jesus ressuscitado como único Salvador de todos os homens.

3. Desde há alguns anos, o número de sacerdotes aumenta de modo regular; isto suscita esperança e optimismo para o porvir. Ao renovar a minha saudação cordial a todos os vossos sacerdotes, encorajo-os a ser no seu ministério autênticos servidores de Cristo, que os enviou, e do povo que lhes foi confiado, numa comunhão sempre mais viva com o próprio Bispo e toda a Igreja. Com efeito, a vocação ao sacerdócio empenha os sacerdotes a assumirem de maneira resoluta a atitude mesma de Jesus, servo casto e fiel, que deu totalmente a sua vida para realizar a missão que Lhe fora confiada por seu Pai. Convido-os, então, a pôr-se com ardor no seguimento do Senhor, à maneira dos Apóstolos, vivendo o seu sacerdócio como um específico caminho de santidade. Assim eles serão, em todas as circunstâncias, testemunhas verídicas e críveis da Palavra por eles anunciada e dos sacramentos, dos quais são ministros. Ao exercerem este serviço num espírito de desprendimento evangélico em relação à busca imoderada dos bens materiais e das vantagens pessoais, eles constituirão sinais da generosidade de Deus, que concede gratuitamente os seus dons aos homens.

Mediante uma formação permanente que vise aprofundar os conhecimentos teológicos e a vida espiritual, uma formação atenta também aos valores sadios do seu ambiente de vida, os sacerdotes encontrarão uma expressão e uma condição da fidelidade ao seu ministério e da unificação do seu próprio ser. Acto de amor a Jesus Cristo, que é preciso conhecer e procurar sem cessar, esta formação contínua constitui também um acto de amor ao Povo de Deus, que o sacerdote tem por vocação servir (cf. Exortação Apostólica Pastores dabo vobis PDV 70).

Permiti-me exprimir aqui o reconhecimento da Igreja pelo trabalho realizado na vossa pátria, há mais de um século, por inumeráveis missionários, homens e mulheres que deixaram o próprio país de origem para anunciar o Evangelho nas terras da Costa do Marfim. O seu testemunho, às vezes heróico, é ainda hoje um modelo de vida inteiramente entregue a Deus e ao próximo, e uma fonte de dinamismo para inúmeros religiosos, religiosas, sacerdotes Fidei donum e leigos que se empenharam com generosidade no seu seguimento. Deus abençoe a sua obra e faça aumentar na Igreja da Costa do Marfim a solicitude pela missão universal! Caros Irmãos no Episcopado, neste espírito missionário que recebestes dos vossos pais na fé, encorajo-vos a desenvolver sempre mais a grande tradição africana de solidariedade mediante a partilha dos recursos em pessoal apostólico, com as dioceses menos favorecidas do vosso País ou mesmo para além das vossas fronteiras.

4. Conheço a vossa dedicação a uma séria formação dos futuros sacerdotes. O estreito relacionamento que deve existir entre o Bispo e o Seminário é primordial. É uma grave responsabilidade mas inclusivamente uma grande alegria para um pastor acompanhar a formação daqueles que serão chamados a tornar-se os seus mais íntimos colaboradores no ministério apostólico. Com efeito, como escrevi na Exortação Apostólica Pastores dabo vobis, «a presença do Bispo adquire um valor particular, não só porque ajuda a comunidade do Seminário a viver a sua inserção na Igreja particular e a sua comunhão com o Pastor que a guia, mas também porque estimula e dá autenticidade àquele fim pastoral que constitui a especificidade da completa formação dos candidatos ao sacerdócio» (n. 65).

A iniciativa que tomastes recentemente, de instituir um ano propedêutico, merece ser encorajada. Este tempo de preparação, antes do ingresso no Seminário maior, constitui uma ocasião privilegiada para especificar as motivações dos candidatos, aprofundar a sua vida cristã e eclesial, e ajudar os formadores na sua tarefa de discernimento das vocações.

Através do exemplo de comunidades educativas unidas e fraternas, que dão uma imagem concreta de comunhão eclesial, os seminaristas aprenderão a tornar-se homens de fé fiéis à Igreja e aos compromissos que forem chamados a assumir. Por isso, é necessário escolher, preparar e acompanhar sacerdotes de vida exemplar que possuam as qualidades humanas, intelectuais, pastorais e espirituais que correspondem à sua missão de formadores do clero. Num contexto em que muitas vezes é difícil propor aos jovens uma vida de ascese e uma disciplina interior, procurar-se-ão os meios idóneos para lhes apresentar com clareza as exigências da vida sacerdotal, evitando qualquer ambiguidade e todo o compromisso, nefastos para a sua vida pessoal e para a Igreja.

5. Para ser fiel à sua missão de anunciar o Evangelho, a Igreja inteira deve ser missionária. Todos os membros do Povo de Deus receberam no baptismo e na confirmação, cada um segundo a sua vocação específica, a responsabilidade de testemunhar a sua fé em Cristo. Também a formação dos fiéis leigos ocupa um lugar de primeira ordem nas orientações pastorais, a fim de os ajudar a levar uma vida plenamente coerente e de poder dar a razão da mesma aos seus irmãos. Esta formação deve permitir que os leigos conheçam de modo claro as verdades da fé e as suas exigências, a fim de não serem «levados por qualquer sopro de doutrina, pela malignidade dos homens e pelos seus artifícios enganadores» (Ep 4,14). Ela contribuirá para os guiar a fim de assumirem as suas próprias responsabilidades na Igreja e na sociedade, inclusive no sector sócio-político e económico, à luz do Evangelho e do ensinamento da Igreja. «Os cristãos devem ser formados para viver as implicações sociais do Evangelho, de tal modo que o seu testemunho se torne um desafio profético perante tudo aquilo que lese o verdadeiro bem dos homens e mulheres da África ou de qualquer outro continente» (Ecclesia in Africa ).

Entre os fiéis leigos, os catequistas, cuja missão continua a ser determinante no seio das comunidades cristãs, são particular e incansavelmente chamados a aprofundar a própria formação, a fim de serem verdadeiras testemunhas do Evangelho mediante o exemplo da sua vida e da sua competência na missão que lhes é confiada. A cada um deles levai os meus encorajamentos e o meu reconhecimento pela sua generosidade no serviço à Igreja e aos irmãos.

6. Na cultura e tradição africanas, a família desempenha um papel fundamental, dado que representa a primeira base do edifício social e a célula primordial da comunidade eclesial. Eis por que o Sínodo africano considerou a evangelização da família uma das principais prioridades. Encorajo-vos vivamente a fortalecer sem cessar uma pastoral apropriada, em vista de acompanhar as famílias nas diferentes etapas da sua formação e do seu desenvolvimento. É deveras indispensável preparar os jovens para o matrimónio e a vida familiar. Eles devem ser auxiliados a compreender a grandeza e as exigências do sacramento do matrimónio, que concede aos esposos a graça de se amarem com o mesmo amor com que Cristo amou a sua Igreja, de aperfeiçoarem assim o seu amor humano, de consolidarem a sua unidade indissolúvel e de os santificarem no caminho da vida eterna (cf. Catecismo da Igreja Católica CEC 1661). É dever da Igreja afirmar com vigor a unidade e a indissolubilidade da união conjugal. «A quantos, nos nossos dias, consideram difícil ou mesmo impossível ligar-se a uma pessoa por toda a vida e a quantos, subvertidos por uma cultura que rejeita a indissolubilidade matrimonial e ridiculariza abertamente o empenho de fidelidade dos esposos, é necessário reafirmar o alegre anúncio da forma definitiva daquele amor conjugal, que tem em Jesus Cristo o fundamento e o vigor» (Exortação Apostólica Familiaris consortio FC 20). O testemunho de lares unidos e responsáveis, assim como a educação no sentido da fidelidade, sem a qual não há verdadeira liberdade, serão para os jovens exemplos preciosos que lhes permitirão melhor compreender e acolher a rica realidade humana e espiritual do matrimónio cristão.

Convido os filhos e as filhas da Igreja católica a amarem e apoiarem a família de maneira particular, tendo grande estima pelos seus valores e possibilidades, reconhecendo os perigos e os males que as ameaçam a fim de os poderem superar, e assegurando-lhe um ambiente que seja favorável ao seu desenvolvimento (cf. ibid., 86)!

7. A nova evangelização, à qual a Igreja é chamada, deve ter em conta com renovado interesse o íntimo vínculo existente entre as culturas humanas e a fé cristã. A religião tradicional africana, da qual provêm numerosos cristãos, caracteriza profundamente a cultura do vosso povo e ainda exerce uma grande influência sobre a compreensão da fé por parte dos fiéis e sobre o seu modo de a viver, às vezes provocando até mesmo incoerências. Como escrevi na Ecclesia in Africa, um diálogo sereno e prudente com os adeptos desta religião «poderá, por um lado, proteger de influências negativas, que frequentemente condicionam o modo de viver de muitos católicos e, por outro, assegurar a assimilação de valores positivos, como a crença num Ser Supremo, Eterno, Criador, Providente e Justo Juiz, que se harmonizam bem com o conteúdo da fé» (n. 67). Contudo, é essencial ajudar os baptizados a estabelecer uma relação autêntica e profunda com Cristo, que se deve tornar o centro efectivo da sua existência. Tal encontro, mediante o qual o homem descobre o mistério da sua própria vida, implica uma conversão radical da pessoa e uma purificação de todas as práticas religiosas anteriores a este encontro.

Além disso, um fraterno diálogo de vida com os muçulmanos é também necessário para construir o futuro de maneira pacífica. Apesar dos obstáculos e das dificuldades, é urgente que todos os crentes e os homens de boa vontade que partilham com eles os valores essenciais, unam os seus esforços para edificar a civilização do amor, fundada sobre os valores universais da paz, solidariedade, fraternidade, justiça e liberdade. Assim, convém que trabalhem juntos para o desenvolvimento harmonioso da sociedade, a fim de que todos os filhos da nação possam viver no reconhecimento dos direitos e deveres que uns têm em relação aos outros e a todos seja concedida a liberdade de praticar as exigências da própria religião no respeito recíproco.

Alegro-me com a presença no vosso País de várias instituições católicas internacionais, sobretudo do Instituto católico para a África Ocidental, que favorecem o diálogo entre a fé e a cultura. Elas constituem um sinal do crescimento da Igreja, uma vez que nas suas pesquisas integram as verdades e as experiências da fé, ajudando a interiorizá-las (cf. Ecclesia in Africa ). Numerosos jovens recebem também uma formação humana e intelectual nas instituições de educação que dependem da Igreja ou do Estado e que são lugares privilegiados de transmissão da cultura. Exorto-vos, pois, a prestar particular atenção à pastoral do mundo escolar e universitário e, de modo ainda mais amplo, do mundo da cultura, para um real enraizamento do Evangelho no vosso País.

8. Na conclusão do nosso encontro, caros Irmãos no Episcopado, juntamente convosco dou graças a Deus pela sua obra no meio do vosso povo. A proximidade do Grande Jubileu é para todos os católicos um convite premente a fixar os olhos no mistério da Encarnação do Filho de Deus, que veio para a salvação da humanidade. O ingresso no novo milénio estimule os pastores e os fiéis a dirigirem o olhar de fé para renovados horizontes, a fim de que o Reino de Deus seja anunciado até aos extremos confins da terra! Confio cada uma das vossas dioceses à intercessão materna da Virgem Maria, Nossa Senhora da Paz, venerada de modo particular no santuário de Yamoussoukro. Imploro a seu Filho Jesus, para que derrame sobre a Igreja na Costa do Marfim a abundância das bênçãos divinas, a fim de que ela seja um sinal vivo do amor de Deus por todos, em particular pelos desafortunados, doentes e sofredores. Do íntimo do coração concedo-vos a Bênção Apostólica, que de bom grado faço extensiva aos sacerdotes, religiosos, religiosas, catequistas e a todos os fiéis leigos das vossas dioceses.



                                                                           Setembro de 1999    

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DA ZÂMBIA POR OCASIÃO DA VISITA


«AD LIMINA APOSTOLORUM»


Castel Gandolfo, 3 de Setembro de 1999

Queridos Irmãos Bispos

1. É com grande alegria que vos dou as boas-vindas, Bispos da Zâmbia, ao reunirdes-vos em Roma para a vossa visita ad limina Apostolorum. A vossa presença expressa e reconfirma o vínculo de comunhão que une cada um de vós e as vossas comunidades locais ao Sucessor de Pedro, chamado a confirmar os seus irmãos e irmãs na fé (cf. Lc Lc 22,32). É com fraterno afecto que vos saúdo com as palavras do Apóstolo: "A graça e a paz da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo estejam convosco" (Rm 1,7). Através de vós, dirijo esta mesma saudação aos sacerdotes, religiosos e fiéis leigos das Igrejas particulares sobre as quais presidis com caridade.

Nos vossos encontros destes dias, pude observar o zelo generoso com que vos prodigalizais no vosso ministério pastoral, e compartilhei as esperanças e as aspirações, as dificuldades e as solicitudes, as alegrias e os frutos do vosso serviço ao Povo de Deus que está na Zâmbia. A vossa visita recordou-me também da minha Viagem pastoral ao vosso País há dez anos, quando tive a alegria de experimentar pessoalmente "o calor do vosso relacionamento humano e a profundidade das vossas aspirações de viverdes numa sociedade baseada no respeito pela dignidade de todo o ser humano" (Discurso na cerimónia de despedida, Lusaca, 4 de Maio de 1989; ed. port. de L'Osservatore Romano de 21.5.1989, pág. 4, n. 1). Então, foi com particular júbilo que dei testemunho da "estabilidade e do vigor da Igreja católica na Zâmbia" (Ibid., n. 2), e nunca me esqueci disto.

2. Nos dez anos que transcorreram desde a minha Visita, a situação no continente africano, inclusivamente na Zâmbia, tornou-se mais dramática. Por vezes o mundo ignora-o, mas esta condição jamais deixa de pesar gravemente no coração da Igreja e do Papa. As antigas calamidades humanas da guerra, da miséria, da pobreza e da enfermidade continuam a atingir as populações africanas, e as forças da Zâmbia não foram poupadas. As guerras em territórios limítrofes têm ferido a Zâmbia, também em virtude das inumeráveis pessoas deslocadas que buscam refúgio no vosso País. O espectro da sida difunde-se sobre o continente e está a ceifar um assustador número de vidas. A capacidade de tratar estes problemas é ulteriormente limitada pelo peso esmagador da dívida externa. Nesta situação, é deveras fácil que as pessoas sejam vítimas da ansiedade e até mesmo do desespero, apegando-se a promessas e soluções falazes, que às vezes pioram a situação.

Contudo, dos vossos relatórios quinquenais é claro que, no meio destes sofrimentos, a Igreja na Zâmbia tem permanecido firme, e continua a crescer com uma nova vida e um renovado vigor. Sem dúvida, trata-se de um manancial de esperança, e por isso dou graças a Deus Todo-Poderoso. Agora mais do que nunca, a Zâmbia tem necessidade do testemunho que a Igreja dá de Cristo crucificado, o único a constituir a luz que as trevas não podem apagar (cf. Jo Jn 1,5).

Recentemente, o vosso País celebrou o centenário da sua evangelização; e depois de cem anos de crescimento, a Igreja está cada vez mais presente, cumprindo a sua missão religiosa, servindo nas áreas da educação e do cuidado médico, e trabalhando em benefício do pleno desenvolvimento humano das pessoas. Estes compromissos são vitais e continuarão a representar um desafio para a vossa liderança pastoral. Todavia, como sábios pastores da Igreja, estais bem conscientes de que por detrás disto existe uma tarefa ainda mais fundamental, que consiste em revigorar a família natural no seu sagrado papel de "ecclesia domestica" e a família espiritual da Igreja na sua sagrada missão de "ecclesia publica". Do bom êxito desta dúplice tarefa que na realidade é uma só dependerá a sorte da missão da Igreja que está na Zâmbia.

3. Justamente, então, a família tem sido o objecto da vossa especial solicitude pastoral. Tanto na Zâmbia como alhures, hoje em dia as famílias estão a enfrentar uma série de pressões, cujas raízes são políticas, sociais, económicas e até mesmo culturais. O desemprego, a carência de oportunidades educativas, as influências culturais externas e as práticas tradicionais como a poligamia constituem uma ameaça para a unidade e a estabilidade das famílias da Zâmbia. A mesma coisa deve dizer-se também a propósito do divórcio, do aborto, da crescente mentalidade contraceptiva e do género de actividades sexuais irresponsáveis que está a agravar o flagelo da sida. Todos estes factores aviltam de tal maneira a dignidade humana que o compromisso matrimonial se torna cada vez mais difícil, dado que pertence à natureza do matrimónio estar fundamentado sobre um profundo sentido do valor da vida humana e da dignidade do homem. Eis o motivo por que a vossa recente Carta pastoral sobre a Santidade da vida humana foi tão oportuna. Formulo votos por que ela revigore o testemunho cristão na Zâmbia e desperte a consciência nacional acerca desta questão extremamente crucial.

Dado que nenhuma sociedade pode prosperar sem o desenvolvimento da família, todos os recursos e instituições da Igreja devem ser mobilizados em vista de auxiliar as famílias da Zâmbia a viver com fidelidade e generosidade, como verdadeiras "igrejas domésticas" (cf. Lumen gentium LG 11). O mesmo vale para as escolas católicas que, do início ao fim, devem ensinar os valores que dão significado à sexualidade cristã. Isto é válido também para os programas juvenis, que devem consolidar e edificar sobre este fundamento, salientando de maneira especial o papel e a dignidade das mulheres. Enfim, isto diz respeito aos programas de preparação para o matrimónio, que devem apresentar aos noivos o significado cristão e a beleza do amor conjugal. Isto significa inclusivamente que se deve oferecer sempre o auxílio pastoral às famílias que estão em dificuldade. O futuro da Zâmbia é o porvir da família zambiana!

De maneira mais vasta, o apoio à família como unidade fundamental da sociedade exige esforços decididos no sentido de corresponder às dificuldades enfrentadas pelos cônjuges, inclusive as pressões culturais e as políticas que actuam contra a família. Agora, as energias de toda a Igreja devem ser galvanizadas para assegurar que as famílias da Zâmbia sejam tanto vigorosas quanto Deus as quer, a fim de que o futuro da Nação seja tanto rico quanto Deus o deseja.

4. Como Pastores, o vosso ministério está orientado de maneira essencial para o revigoramento da família espiritual da Igreja, de tal forma que o "poder salvífico do Evangelho" (cf. Rm Rm 1,16) permeie todos os aspectos da vida dos fiéis e ilumine o caminho da sociedade rumo a uma maior verdade, justiça e harmonia. De muitas formas a Igreja será um sinal de contradição numa situação em que os poderes alienatórios são inequivocáveis, e isto exigirá de vós mesmos uma profunda visão espiritual das coisas, e uma vida "santa, imaculada e irrepreensível" diante do Senhor (cf. Cl Col 1,22). A Exortação Apostólica pós-sinodal Ecclesia in Africa recorda aos Bispos a admoestação do Papa São Gregório o Grande, segundo o qual "o pastor é a luz dos seus fiéis, sobretudo através de uma conduta moral exemplar, impregnada de santidade" (n. 98).

5. Uma vez que a família da Igreja depende muito da qualidade da liderança oferecida pelos sacerdotes, é essencial que eles constituam uma solicitude primordial do vosso ministério. Os vossos relacionamentos com eles deveriam caracterizar-se sempre pela unidade, fraternidade e encorajamento. Nas Ordens sagradas, eles foram configurados com Cristo, Cabeça e Pastor da Igreja. Por conseguinte, devem compartilhar a Sua completa abnegação em benefício do rebanho e do advento do Reino. Como bem sabeis, a vivência fiel e fecunda da vocação sacerdotal requer uma formação permanente. É por este motivo que elaborastes especiais programas para sacerdotes, de maneira particular para aqueles de recente ordenação, a fim de os ajudar a continuar o seu desenvolvimento intelectual, pastoral e espiritual. Muitos dos vossos clérigos já estão a utilizá-los; assim, apoio-vos plenamente nesta iniciativa, encorajando-vos a fazer tudo o que puderdes para comprometer o maior número possível de sacerdotes neste processo.

A incessante conversão pessoal constitui um componente essencial de toda a vida cristã, e dos sacerdotes essa exige um clarividente espírito de desapego das coisas e das atitudes mundanas. Isto é mais claramente evidenciado pelo celibato sacerdotal, cujo valor como dom completo de si mesmo ao Senhor e à sua Igreja deve ser salvaguardado com extrema atenção. Isto significa que qualquer comportamento que pode suscitar um escândalo deve ser cuidadosamente evitado ou, quando for necessário, corrigido. Em tudo isto, a formação seminarística reveste a máxima importância, porque se a este nível forem lançadas bases frágeis, a Zâmbia não poderá contar com sacerdotes zelosos e altruístas de que tem necessidade. Contudo, mesmo antes que a formação seminarística tenha início, as boas vocações sacerdotais nascem e desenvolvem-se no seio de famílias genuinamente cristãs; este é um ulterior motivo para não poupardes qualquer esforço no vosso cuidado pastoral da família.

6. Outro sinal positivo na Igreja que está na Zâmbia é o crescente número de vocações à vida religiosa. Para assegurar que também neste sector exista uma liderança do género exigido pela família da Igreja, exortar-vos-ia a prestar especial atenção também à selecção dos candidatos e à sua formação. Uma vez mais, também neste campo a vida familiar constitui um elemento-chave: muitos jovens, homens e mulheres, que estão a discernir a própria vocação à vida consagrada provêm de famílias que têm demasiado pouca familiaridade com a vida cristã ou são insuficientemente formadas no cristianismo. Tanto a vida religiosa como o sacerdócio correm o risco de se tornar um instrumento para a promoção social ou uma fonte de prestígio. Os candidatos não devem sucumbir à tentação de pensar que são melhores do que os outros, ou de querer aceder a um nível superior de bem-estar material. Quando isto acontece, o carácter genuíno do serviço sacerdotal ou religioso só é aceite externamente, sem ser assimilado a um profundo nível pessoal. Os programas de formação deveriam promover os ideais mais excelsos e ser confiados a sacerdotes, religiosos e religiosas genuinamente exemplares.

7. Enquanto se fortalece a família espiritual da Igreja, sereis melhores preparados para entretecer o diálogo e a cooperação ecuménicos, necessários a fim de que as várias Igrejas cristãs e Comunidades eclesiais cresçam na compreensão e no respeito mútuos, e os cristãos ultrapassem as divisões que obstaram a sua missão durante o milénio que agora está a chegar ao fim (cf. Tertio millennio adveniente, TMA 34). Sereis também melhor preparados para entrar em diálogo com o Islão que, embora represente uma minoria no vosso País, está a aumentar a própria influência e se dedica activamente à edificação de mesquitas, escolas e clínicas nas diferentes regiões da Nação. Em tais circunstâncias, há necessidade de uma dúplice resposta por parte da Igreja: por um lado, uma vigorosa e contínua evangelização e catequese da população católica e, por outro, uma sincera abertura ao diálogo inter-religioso.

Um importante mas muito diferente desafio pastoral é constituído pela confusão e, nalguns casos, pela perda da verdadeira identidade cristã, causada pela proliferação de seitas fundamentalistas. Elas tendem a florescer em tempos de agitação social e de alienação cultural, quando prevalecem a ansiedade e a tentação ao desespero; além disso, elas são mais fortes quando a experiência da Igreja como família é mais débil. Para contrastar as suas promessas ilusórias e as suas soluções falazes, a Igreja na Zâmbia precisa de programas que ofereçam aos fiéis uma catequese clara e correcta, que lhes consintam uma mais profunda compreensão das verdades salvíficas da fé e das genuínas promessas de Cristo, as únicas que são dignas de confiança. Em tais programas, pode ser útil o uso mais extensivo de materiais religiosos audiovisuais e de transmissões radiofónicas por parte da vossa Conferência e de cada Diocese em particular. Um grande compromisso deste género fará também com que os leigos na Zâmbia dêem um testemunho público da sua fé católica de forma cada vez mais visível, tornando-se autênticos evangelizadores nas suas famílias e comunidades.

Os vossos esforços em vista de criar pequenas comunidades cristãs a nível local têm contribuído muitíssimo para a participação activa dos leigos na vida paroquial e diocesana. Efectivamente, essas comunidades tornaram-se uma característica singular da presença dinâmica da Igreja no vosso País. Não posso deixar de mencionar duas importantes associações, que trabalham pela promoção dos vários movimentos leigos de apostolado, hoje activos na Zâmbia: o Conselho Nacional para o Laicado e o Conselho Nacional para as Mulheres Católicas.Inclusivamente estes são sinais do contínuo crescimento da Igreja no vosso País e demonstram que vós mesmos, dilectos Irmãos, tendes a peito as palavras do Rito da Ordenação episcopal: "Como pais e irmãos, amai todos aqueles que Deus colocar ao vosso cuidado... Encorajai os fiéis a trabalharem convosco no vosso ministério apostólico; escutai de bom grado aquilo que eles tiverem a dizer...".

Queridos Irmãos, estas são as breves reflexões que hoje compartilho convosco, procurando oferecer-vos todo o encorajamento no Senhor e animar-vos no vosso ministério em prol do Seu povo. Enquanto o vosso País se encaminha rumo ao segundo centenário da fé católica e se prepara para entrar no Terceiro Milénio, o desafio para a Zâmbia consiste em demonstrar-se uma Nação cristã, não só em virtude de uma proclamação oficial, mas também porque no vosso País a fé cristã é vivida com palavras e actos, a lei do amor prevalece e o mandato do Senhor: "A vossa luz brilhe diante dos homens, para que eles vejam as boas obras que fazeis e louvem o vosso Pai" (Mt 5,16) é fielmente observado por todos aqueles que têm o nome de cristão.

Confio cada um de vós e a população católica da Zâmbia à intercessão amorosa de Maria, Mãe da Igreja. Ao invocardes o seu santo nome, oxalá sejais impelidos a desempenhar um serviço cada vez maior a Cristo, seu Filho. A vós e aos sacerdotes, aos religiosos e aos fiéis leigos das vossas Dioceses, concedo de muito bom grado a minha Bênção apostólica.



Discursos João Paulo II 1999 - Sexta-feira, 27 de Agosto de 1999