Discursos João Paulo II 1999 - Castel Gandolgo, 9 de Setembro de 1999

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DO BURUNDI


POR OCASIÃO DA VISITA


«AD LIMINA APOSTOLORUM»"


Castel Gandolfo, 10 de Setembro de 1999



Caros Irmãos no Episcopado!

1. Neste tempo forte do vosso ministério episcopal que é a visita ad Limina, é para mim uma grande alegria acolher a vós que tendes o encargo pastoral da Igreja católica no Burundi. Viestes recolher-vos junto do túmulo dos Apóstolos Pedro e Paulo, para fazerdes crescer em vós o impulso apostólico que os animava e os conduziu até aqui para serem as testemunhas do Evangelho de Cristo, aceitando para isto fazer o dom total da sua vida. Ao encontrardes o Bispo de Roma e os seus colaboradores, quereis também manifestar a vossa comunhão com o Sucessor de Pedro e a Igreja universal. O Senhor abençoe a vossa iniciativa e seja o vosso apoio no serviço ao povo que vos foi confiado!

O Presidente da vossa Conferência Episcopal, D. Simon Ntamwana, apresentou em vosso nome um rápido e impressionante quadro da situação da Igreja no Burundi, pelo que lhe estou muito grato. Por vosso intermédio, saúdo com afecto os sacerdotes, os religiosos, as religiosas, os catequistas e os leigos das vossas Dioceses. O Senhor lhes dê força e audácia para serem, em todas as circunstâncias, vigilantes testemunhas do amor de Deus no meio dos seus irmãos! Levai também a todos os vossos compatriotas os meus ardentes votos, a fim de que o país inteiro encontre quanto antes a paz e a prosperidade!

2. A vitalidade da Igreja católica no Burundi é particularmente notável. Os vossos relatórios quinquenais põem em evidência, de maneira significativa, os sinais da renovação espiritual que se manifestam cada vez mais na vida das vossas Dioceses e das comunidades religiosas que ali trabalham. As orientações pastorais que tomastes com zelo para guiar os vossos fiéis rumo a Cristo já produzem frutos encorajadores, pelos quais me regozijo intensamente.

Com efeito, no decurso dos últimos anos, o vosso país conheceu uma situação trágica. Quereria, mais uma vez, confiar à misericórdia divina as vítimas da violência e exprimir a minha profunda solidariedade com todas as pessoas que sofrem as consequências do drama por que passou o vosso país. Vós mesmos, caros Irmãos no Episcopado, vivestes estes eventos com uma grande força de espírito. Como o Apóstolo Paulo fez, também vós aceitastes fazer frente a todos os perigos por solicitude e amor às vossas Igrejas diocesanas e ao vosso povo (cf. 2Co 11,26). Saúdo aqui a memória de D. Joachim Ruhuna, Arcebispo de Gitega, vítima da violência à qual ele quis opor-se com todas as energias. Convosco, é a inteira comunidade católica que foi duramente atingida nos seus sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos, que permaneceram firmes nas provações, às vezes até ao dom da própria vida. Entre todas estas testemunhas do Evangelho, os jovens seminaristas de Buta, pelo seu sacrifício heróico, deram no nome do Senhor um magnífico exemplo de fraternidade que permanecerá um exemplo para as gerações futuras. Agradeço intensamente aos pastores, aos agentes pastorais e a todos os fiéis do Burundi a sua coragem e fidelidade a Cristo e à Igreja.

Apesar das inúmeras dificuldades, os católicos do vosso país conservaram viva a sua fé na presença do Senhor, que jamais os abandonará nem cessa de os acompanhar. A celebração do primeiro centenário da evangelização, no ano passado, foi um deslumbrante sinal da sua vitalidade e esperança no futuro. Neste momento privilegiado da sua história, a Igreja quis manifestar de maneira solene o seu empenho na via da reconciliação e da paz, desejando marcar assim o início de uma nova era para todos os burundineses, oferecendo uma contribuição activa. Que este aniversário continue a ser para todos os fiéis uma fonte de dinamismo para a nova evangelização do seu país!

3. No vosso ministério episcopal, com frequência tão provado, encontrais ajuda e apoio junto dos sacerdotes, vossos mais próximos colaboradores. Com efeito, um vínculo estreito, fundado sobre a participação no único sacerdócio de Cristo e sobre a mesma missão apostólica, une-vos a eles. "O relacionamento com o Bispo no único presbitério, a partilha da sua solicitude eclesial, a dedicação ao cuidado evangélico do povo de Deus, nas concretas condições históricas e ambientais da Igreja particular são elementos de que não se pode prescindir ao delinear o perfil próprio do sacerdote e da sua vida espiritual" (Pastores dabo vobis PDV 31). Para que se desenvolva esta comunhão efectiva, indispensável à vida da Igreja, encorajo-vos a permanecer sempre mais perto dos vossos sacerdotes, partilhando com eles as alegrias e tristezas, as solicitudes e esperanças da sua vida e do seu ministério. Nas dificuldades da vida quotidiana, eles encontrem em vós um pai atento que, numa atitude de caridade e diálogo, os saiba guiar, encorajar e às vezes, quando for necessário, tomar as decisões oportunas para o seu bem e o dos fiéis.

Saúdo com muito afecto cada um dos sacerdotes das vossas Dioceses. Conheço a sua dedicação ao serviço da Igreja e da própria missão. Convido-os com insistência a ter uma consciência cada vez mais viva de que a vocação sacerdotal comporta um apelo específico à santidade. Mediante a sua consagração, os sacerdotes são configurados a Cristo Cabeça e Pastor da sua Igreja, o que os empenha numa vida marcada pelos comportamentos de Jesus, Servidor fiel, que encontra a sua alegria e felicidade na realização da vontade do Pai e da missão que Lhe foi confiada. Que na sua vida eles dêem um lugar essencial à oração e à celebração dos sacramentos, sobretudo da Eucaristia e da Penitência, procurando com perseverança um autêntico encontro pessoal com o Senhor! Ao recordarem-se de que receberam o encargo de reunir e guiar o povo de Deus, eles devem ser modelos de vida cristã, ajudando os fiéis a crescerem na fé e a acolherem-se uns aos outros, a fim de construírem a Igreja família de Deus. Através de toda a sua existência, e em particular do seu celibato, aceite como um precioso dom de Deus efectivamente assumido, que eles testemunhem um amor indiviso por Cristo e pela sua Igreja, numa disponibilidade plena e alegre para o ministério pastoral (cf. Pastores dabo vobis PDV 50)! Neste espírito, compete-vos ter com eles um diálogo claro e firme sobre as exigências da vida sacerdotal. Exorto-os enfim a ser, oportuna e inoportunamente, ardorosos mensageiros do amor de Deus que não faz diferenças entre as pessoas, qualquer que seja a sua origem ou condição social.

A fim de preparar candidatos para viverem todas as exigências do empenho no sacerdócio, numa vida interior profunda e num espírito de desapego daquilo que não é compatível com uma existência de consagrado, a formação humana, intelectual, pastoral e espiritual dada no Seminário assume grande importância. Convém também que se ensine ao povo cristão o verdadeiro significado da vocação sacerdotal e religiosa, para que ele se torne consciente da sua responsabilidade, acompanhando com a oração os futuros sacerdotes, religiosos e religiosas, ajudando-os a conceber a própria vocação não como uma promoção social, mas como um serviço generoso que lhes é pedido para o bem da Igreja e do mundo. Para enfrentardes as dificuldades da sociedade, convido-vos a assegurar que nos Seminários os temas da justiça e da paz sejam tratados com rigor, segundo os princípios da Doutrina Social da Igreja. Deste modo, os futuros pastores estarão aptos para ajudar as jovens gerações a compreender que a justiça é muito mais do que uma simples reivindicação por parte duma etnia em relação à outra.

4. Na obra de evangelização do vosso país, os catequistas ocupam um lugar importante. No decurso dos últimos anos, nalgumas regiões, em razão da falta de sacerdotes, eles foram os únicos agentes pastorais que permaneceram no lugar, podendo reunir os fiéis e transmitir a fé. No nome da Igreja, exprimo-lhes toda a minha gratidão e convido-os a prosseguir, em comunhão com os Bispos e sacerdotes, o seu serviço generoso, para que o nome de Cristo possa continuar a ser anunciado e acolhido. Caros Irmãos no Episcopado, grande é a vossa solicitude em ajudá-los e sustentá-los: que eles encontrem sempre em vós pastores próximos das suas preocupações e desejosos de lhes dar a formação doutrinal e espiritual, que lhes permita ser competentes e eficazes colaboradores na evangelização!

A promoção das comunidades de base é também um elemento essencial da vossa pastoral para a renovação da Igreja. Estas comunidades, onde a Boa Nova é acolhida para ser transmitida aos outros, são lugares em que se procura "viver o amor universal de Cristo, que transcende as barreiras e as alianças naturais dos clãs, das tribos ou de outros grupos de interesses" (Exort. Apost. Ecclesia in Africa ). Por isso, é necessário que os seus membros recebam uma sólida formação para a oração e a escuta da palavra de Deus, assim como para as verdades da fé, e que sejam impelidos a assumir, de maneira sempre mais eficaz, as suas responsabilidades de baptizados e confirmados na Igreja e na sociedade.

5. A responsabilidade própria dos cristãos, de trabalharem para estabelecer relações pacíficas e reconciliadas entre todos os membros da nação, deve conduzi-los a considerar que, para se chegar a isto de maneira duradoura, é necessário garantir a justiça para todos. É então urgente tomar uma consciência clara de que todos os seres humanos têm a mesma dignidade, merecem o mesmo respeito, são iguais e sujeitos dos mesmos direitos e deveres. Como escrevi na minha Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1998, "a paz para todos nasce da justiça de cada um. Ninguém se pode eximir de uma obrigação tão importante e decisiva para a humanidade. Ela chama em causa todo o homem e mulher, segundo as respectivas competências e responsabilidades" (n. 7). Por outro lado, quando os Poderes públicos, em nome da própria responsabilidade, devem aplicar sanções, a justiça há-de ser sempre conforme com a dignidade da pessoa e, portanto, com o desígnio de Deus para o homem e a sociedade. Como escrevi na Encíclica Evangelium vitae, "a medida e a qualidade da pena hão-de ser atentamente ponderadas e decididas" (n. 56). Não se pode deixar de deplorar os inúmeros casos de pessoas para as quais se recorre à pena de morte. O meu pensamento dirige-se também para os numerosos prisioneiros que são vítimas da lentidão dos processos judiciários, fazendo votos por que vejam os seus processos levados a cabo sem atraso e a sua defesa seja assegurada de maneira concreta. Importa sobretudo que isto seja posto em prática no seio da sociedade, para que permaneça sempre, apesar das dificuldades, a esperança de que as pessoas tenham a possibilidade de expiar a pena no respeito da sua dignidade e de se corrigir e redemir. Nas circunstâncias actuais, o vosso ministério episcopal chama-vos a ser vigilantes neste sector. Louvo o trabalho que empreendestes, sobretudo graças à Comissão "Justiça e Paz", para que a justiça triunfe e prevaleça sobre o ódio e o desejo de vingança, e seja dada a todos uma verdadeira educação para a justiça e a paz.

Com efeito, a promoção da justiça entre os povos e no interior de cada comunidade humana faz parte integrante do testemunho evangélico. Encorajo-vos, pois, vivamente na vossa solicitude por ajudar as vossas comunidades a empenharem-se de modo cada vez mais intenso, em vista de construir uma sociedade nova fundada sobre a justiça e a solidariedade fraterna, na harmonia entre todos os seus componentes. É urgente que desde a primeira educação cada um seja formado para os valores morais e cívicos, tendo um sentido muito vivo dos direitos e deveres das pessoas e das comunidades humanas. Educando para a justiça, educa-se para a paz. A todos aqueles que aspiram pela justiça e a paz, e em particular aos jovens, repito com veemência: "Mantende viva a tensão para estes ideais, empenhando-vos, com paciência e tenacidade, a alcançá-los nas condições concretas onde vos encontrais a viver [...] Cultivai o gosto do que é justo e verdadeiro, mesmo quando cingir-se a esta linha requer sacrifício e obriga a seguir contra a corrente!" (Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1998, n. 7). Convosco, exorto os católicos e os homens de boa vontade a serem vencedores do mal com o bem (cf. Rm Rm 12,21), mediante actos de caridade fraterna, os únicos que podem permitir um futuro ao país, dar de novo confiança às populações e criar relações portadoras duma verdadeira esperança. Encorajo-vos de igual modo a tomar sempre mais posição contra as violências, seja qual for a sua origem.

Para permitir a todos os membros do povo de Deus caminhar com determinação sobre esta via, convido-os a dar um lugar primordial ao ensino da Doutrina Social da Igreja. É particularmente importante que os leigos católicos se empenhem na vida pública, para serem "o sal da terra", testemunhando com intrepidez, nas suas actividades quotidianas, o amor e a justiça de Deus. O seu empenhamento é hoje de grande alcance no momento em que se procura um novo sistema institucional para construir uma nação unidade e solidária, superando animosidades e aceitando as diferenças como riquezas para o bem de todos.

6. Os eventos que o vosso país sofreu conduziram numerosas pessoas a conhecer a vida nos campos de refugiados e desalojados. Infelizmente, esta situação ainda persiste. Sem dúvida, a resolução deste grave problema humanitário passa sobretudo pelo restabelecimento da paz, da reconciliação e do desenvolvimento económico. No nome de Cristo, a Igreja, através dos seus meios caritativos com frequência muito limitados, deve contribuir para reduzir tantos sofrimentos e tanta miséria. Contudo, ela não pode esquecer a mensagem fundamental que recebeu do seu Senhor, a mesma que Jesus proclamava no início da sua missão, retomando as palavras do profeta Isaías: "O Espírito do Senhor consagrou-Me pela unção, para levar a Boa Nova aos pobres". E acrescentava: "Cumpriu-se hoje esta passagem da Escritura que acabais de ouvir" (cf. Lc Lc 4,18-21). Portanto, é necessário que a Igreja se recorde deste aspecto essencial da sua missão evangelizadora, e que os católicos, em união com os outros cristãos, sejam encorajados a pôr em prática a inventiva para desenvolver as atitudes de solidariedade viva e de participação activa, que manifestem de maneira concreta que todos são membros de um só corpo, recordando-se das palavras do Apóstolo Paulo: "Se um membro sofre, todos os membros sofrem com ele" (1Co 12,26).

O Concílio Vaticano II, ao apresentar a Igreja como o povo de Deus e o Corpo de Cristo, dá-nos imagens altamente significativas que devem ajudar os seus membros a promover as atitudes de solidariedade e de fraternidade nas comunidades cristãs. Nesta mesma perspectiva, a Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a África recorreu à ideia-força da Igreja família de Deus, a fim de exprimir de maneira apropriada a natureza da Igreja para a África. Deste modo os Padres ressaltaram o facto de que nenhum dos membros da Igreja, qualquer que seja o seu lugar, pode ser excluído da mesa comum da partilha ou da responsabilidade de viver em real solidariedade com os seus irmãos.

7. Caros Irmãos no Episcopado, tendo chegado ao termo do nosso encontro, volto-me ainda para o vosso país bem-amado para exortar todos os seus filhos e filhas, cada um no nível de responsabilidade que lhe é próprio, a empenhar-se com resolução para construir uma sociedade fundada sobre a concórdia e a reconciliação. Desejo vivamente que um diálogo sincero e fecundo prossiga entre todos os burundineses e resulte numa paz definitiva, a fim de que todos possam enfim viver na segurança e encontrar de novo os caminhos da prosperidade e da felicidade. Deus abra os corações ao seu Espírito de amor e de paz! Que os discípulos de Cristo se voltem para o Pai de toda a misericórdia, numa atitude de conversão profunda e de oração intensa, para Lhe pedirem a força e a coragem de serem, com todos os homens de boa vontade, incansáveis construtores de paz e de fraternidade!

Visto que estamos na vigília do Grande Jubileu do Ano 2000, desejo ardentemente que este tempo de graça seja para a Igreja no Burundi uma nova Primavera de vida cristã e lhe permita responder com audácia aos apelos do Espírito. Confio à Virgem Maria, Mãe do Redentor, o vosso ministério e a vida das vossas comunidades eclesiais, a fim de que ela guie os vossos passos para o seu Filho. Do íntimo do coração, dou-vos a Bênção Apostólica, que torno extensiva aos sacerdotes, religiosos, religiosas, catequistas e todos os fiéis das vossas Dioceses.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DE PORTO RICO


POR OCASIÃO DA


VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»


Castel Gandolfo, 11 de Setembro de 1999



Queridos Irmãos no Episcopado!

1. Com prazer vos recebo hoje, Pastores da Igreja de Deus em Porto Rico, na vossa peregrinação aos túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo, sinal da vossa comunhão com o Bispo de Roma e a Igreja universal. A visita "ad Limina" oferece a ocasião para vos encontrardes com o Sucessor de Pedro e os seus colaboradores, e receberdes deles o apoio necessário para a vossa acção pastoral.

De todo o coração agradeço a D. Ulises Aurélio Casiano Vargas, Bispo de Mayagüez e Presidente da Conferência Episcopal, as amáveis palavras que me dirigiu em nome de todos, para renovar as vossas expressões de afecto e estima e me fazer partícipe das preocupações e esperanças da Igreja em Porto Rico. Apresento também uma calorosa saudação, repleta de agradecimento, ao Senhor Cardeal Luís Aponte Martínez, pelo zelo com que serviu durante muitos anos a Arquidiocese de São João, regida agora por D. Roberto Octávio González Nieves. Por meio de vós, saúdo de igual modo os sacerdotes, religiosos, religiosas e fiéis das vossas dioceses. Levai-lhes a recordação afectuosa do Papa, que os tem presentes na sua oração para que cresçam na fé em Cristo e na caridade com o próximo.

2. Na vossa missão de Pastores do povo que vos foi confiado deveis ser, antes de tudo, promotores e modelos de comunhão. Assim como a Igreja é una, assim também o episcopado é um só e, como afirma o Concílio Vaticano II, o Papa constitui "o princípio e fundamento perpétuo e visível da unidade, não só dos Bispos mas também da multidão dos fiéis" (Lumen gentium LG 23). Por isso, a união colegial do episcopado é um dos elementos constitutivos da unidade da Igreja.
Esta união entre os Bispos é particularmente necessária nos nossos dias, uma vez que as iniciativas pastorais têm múltiplas formas e transcendem os limites da própria diocese. A comunhão deve concretizar-se, além disso, numa cooperação pastoral e em programas e projectos comuns. Isto torna-se cada vez mais urgente, tendo em consideração as dimensões geográficas de Porto Rico, a facilidade e multiplicidade dos meios de comunicação e informação, e a mobilidade da população que, por motivos de trabalho e outros, se concentra principalmente na capital, dando lugar ao fenómeno da urbanização com a sua consequente problemática. Este fenómeno apresenta grandes desafios para a acção pastoral da Igreja (cf. Ecclesia in America ).

Por outro lado, as comunidades eclesiais necessitam de pastores que sejam homens de fé e estejam unidos entre si, capazes de enfrentar os desafios de uma sociedade cada vez mais propensa à secularização. Com efeito, ainda que a maioria dos porto-riquenhos tenha recebido o baptismo na Igreja católica e pratique uma variada religiosidade popular, eles carecem às vezes de uma fé sólida e madura. Por isso muitos, sobretudo os jovens, buscam a maneira de compensar um vazio interior e a falta de um projecto de vida, com substitutos de várias naturezas, deixando-se arrastar pelo hedonismo e fugindo às próprias responsabilidades (cf. Pastores dabo vobis PDV 7). Neste sentido, consumismo, hedonismo, falta de ideais positivos e indiferença frente aos valores religiosos e aos princípios éticos são um forte obstáculo para a evangelização. Tudo isto se torna ainda mais difícil pela presença de seitas e de novos grupos pseudo-religiosos, cuja expansão tem lugar em ambientes tradicionalmente católicos. Este fenómeno exige um profundo estudo "para se descobrir os motivos por que bastantes católicos abandonam a Igreja" (Ecclesia in America ).

Diante de tudo isto, e como Mestres da sã doutrina, chamados a indicar o caminho seguro que leva ao Pai, e como servidores da luz que é Cristo, "imagem de Deus invisível" (Col 1,15), não deixeis de oferecer unidos como Conferência Episcopal o ensinamento sobre os problemas que preocupam a vossa Ilha, sem substituir a responsabilidade dos políticos e dos leigos, e respeitando a liberdade de opção dos católicos sobre o "status" e o futuro de Porto Rico.

3. Na vossa missão pastoral, contais com a colaboração assídua dos sacerdotes que, em comunhão convosco, devem ser sempre e em todas as situações credíveis e generosos ministros de Cristo e da sua Igreja. A esse respeito, exorta o Vaticano II: "Por causa desta comunhão no mesmo sacerdócio e ministério, os Bispos devem estimar os presbíteros como irmãos e amigos, e ter a peito o bem deles, quer material, quer sobretudo espiritual. Recai sobre eles, muito particularmente, a grave responsabilidade da santificação dos seus sacerdotes; ponham, pois, particular empenho na contínua formação do seu presbitério. Estejam atentos a ouvi-los, consultem-nos e troquem com eles impressões sobre os problemas pastorais e o bem da diocese" (Presbyterorum ordinis PO 7). Por isso, procurai acompanhar pessoalmente os vossos sacerdotes no ministério pastoral, tanto nas suas dificuldades como nas suas alegrias, visitando-os e recebendo-os com frequência, fomentando a amizade com eles e atendendo-os com espírito fraterno, ao mesmo tempo que os exortais a ser fiéis aos seus compromissos sacerdotais, sobretudo na sua constância na oração pessoal.

Sendo o clero das vossas dioceses heterogéneo e insuficiente, adquire uma importância capital o Seminário, centro onde se preparam os futuros sacerdotes. Exorto-vos a continuar a promover uma intensa pastoral vocacional nas paróquias, a fim de que todos os presbíteros se sintam responsáveis e comprometidos no surgimento e cuidado de novas vocações. Ao mesmo tempo, deve-se dedicar a maior atenção e as melhores energias aos novos candidatos, formando-os na comunhão fraterna e proporcionando-lhes uma sólida base teológica e cultural, fazendo com que sejam, sobretudo, homens de Deus que dêem constante testemunho de caridade e pobreza evangélica, sensíveis principalmente às necessidades dos mais pobres e marginalizados. Para isto é necessário revitalizar os Seminários de São João e de Ponce, escolhendo formadores santos e idóneos, que de maneira estável acompanhem os jovens no seu seguimento de Cristo, para servirem a Igreja. É para desejar que todos os seminaristas porto-riquenhos se formem nesses dois centros; deste modo os seus Bispos poderão visitá-los com frequência e instaurar assim um clima de mais confiança e mútuo conhecimento.

4. Na pastoral diocesana ocupam um lugar singular os religiosos e as religiosas que trabalham no campo educativo, médico ou social. É necessário estabelecer também com eles relações de comunhão, ao mesmo tempo que se os ajuda a viver na santidade e na fidelidade ao próprio carisma, como um enriquecimento da vida eclesial, dando testemunho pessoal na área em que cada um desenvolve a sua missão. Também as comunidades contemplativas são uma presença silenciosa mas muito eficaz na diocese. Elas merecem especial atenção porque, a partir da sua opção radical de seguir Cristo, colaboram para a extensão do seu Reino.

5. Por outro lado, a pastoral diocesana deve ser dirigida sobretudo aos leigos que, por meio do seu sacerdócio baptismal, se devem sentir directamente comprometidos na vida eclesial e social. Sobre este compromisso, afirma o Vaticano II: "A missão da Igreja consiste não só em levar aos homens a mensagem e a graça de Cristo, mas também em penetrar e actuar com o espírito do Evangelho as realidades temporais" (Apostolicam actuositatem AA 5). Todas as realidades que configuram a ordem temporal entre as quais cabe destacar a família, a cultura, a economia, as artes, o trabalho, a política e as relações internacionais devem estar ordenadas para Deus, graças ao compromisso de cristãos amadurecidos. A Igreja, através de uma assídua e profunda formação dos leigos a nível espiritual, moral e humano, deve ajudá-los a ser fermento evangélico na sociedade actual.

No que concerne à família, elemento constitutivo da sociedade, sei que Porto Rico está a atravessar um período de particular dificuldade, como evidencia o crescente número de divórcios e a elevada percentagem de crianças que nascem fora do matrimónio. Isto faz sentir a urgente necessidade de promover uma catequese que ilustre a grandeza e dignidade do amor conjugal segundo o desígnio divino, assim como as suas exigências quanto ao bem do casal e dos filhos. A família, como "igreja doméstica", é chamada a ser o âmbito onde os pais transmitem a fé cristã sendo, "pela palavra e pelo exemplo, para os filhos os primeiros arautos da fé" (Lumen gentium LG 11). Convido-vos, pois, a não poupar esforços na pastoral familiar, preparando núcleos de famílias que sejam também catequistas das outras famílias com a palavra e o próprio testemunho de vida.

Como consequência do que acima foi exposto, deve-se cuidar com zelo da educação da infância e da juventude. Com efeito, "os jovens são uma grande força social e de evangelização. Eles constituem uma numerosíssima parte da população em muitas nações americanas. No seu encontro com Cristo vivo, alicerçam-se as esperanças e expectativas por um futuro de maior comunhão e solidariedade para a Igreja e as sociedades na América" (Ecclesia in America ). Procurai, pois, fazer com que a nova evangelização chegue ao mundo dos jovens através de grupos, movimentos e associações que os incentivem a participar na vida eclesial e também em acções de solidariedade com os mais necessitados. A formação da juventude não pode distanciar-se da educação religiosa e moral, que deve ser oferecida pelas escolas e universidades católicas. Para isso, deve-se com esmero cuidar da formação religiosa, humana e cultural dos educadores, para que garantam e completem a transmissão dos valores que se deveria iniciar em cada família.

6. Em todo este processo de formação das pessoas encontramos, às vezes, legislações que estão em contraste com os princípios cristãos. Neste sentido, a Igreja considera que a cultura autêntica deve ter em conta o homem integralmente, isto é, em todas as dimensões pessoais, sem esquecer os aspectos éticos e religiosos. Por isso urge também dedicar pessoas preparadas para o atendimento da pastoral da cultura. Neste sentido, devem ser louvadas diversas iniciativas, como as Semanas de Educação Católica, os Congressos e outras actividades culturais. Infelizmente, o contexto cultural actual e Porto Rico não é uma excepção tende a fomentar uma cultura e uma vida social afastadas de Deus. Algumas ideias que se consideram pilares da cultura moderna ou pós-moderna são claramente não cristãs. No que se refere ao campo ético, apresentam-se o divórcio, o aborto, a eutanásia assistida, as relações pré-matrimoniais e o hedonismo como "conquistas" modernas, devido à mal entendida liberdade individual isenta de responsabilidades. Diante desta realidade, de certo modo preocupante, a Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a América justamente considerou que "a nova evangelização requer um esforço lúcido, sério e organizado para evangelizar a cultura" (Ecclesia in America ).

7. Queridos Irmãos, antes de concluir este encontro, que tem lugar a poucos meses do início do Grande Jubileu do Ano 2000, asseguro-vos a minha profunda comunhão na oração, juntamente com a minha firme esperança na renovação espiritual das vossas dioceses, a fim de que os fiéis católicos porto-riquenhos aumentem a sua fé, progridam no cultivo das virtudes cristãs e dêem um corajoso testemunho no seu ambiente.

Confio todos estes votos e também o vosso ministério pastoral à intercessão de Nossa Senhora da Providência, Mãe e Padroeira de Porto Rico, para que com a sua solicitude materna acompanhe e proteja o crescimento espiritual de todos os seus filhos e filhas num clima de serenidade e paz social.

Nesta circunstância peço-vos de novo que transmitais a minha afectuosa saudação aos vossos sacerdotes, religiosos, religiosas, seminaristas, formadores, agentes de pastoral e todos os fiéis diocesanos. A vós e a todos concedo com grande afecto a Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DA FUNDAÇÃO


"CENTESIMUS ANNUS PRO PONTIFICE"


Sábado, 11 de Setembro de 1999

Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Ilustres Senhoras e Senhores!

1. É-me grato encontrar-me convosco, ilustres membros da Fundação "Centesimus Annus Pro Pontifice", aqui reunidos com os vossos familiares. Saúdo D. Agostino Cacciavillan, Presidente da Administração do Património da Sé Apostólica, a quem agradeço as amáveis palavras que me dirigiu. Com ele saúdo também D. Cláudio Maria Celli, Secretário da mesma Administração, Mons. Daniele Rota e Pe. Massimo Magagnin, Assistentes Nacionais, e os outros eclesiásticos presentes. Dirijo depois cordiais boas-vindas a todos vós que não quisestes faltar a este encontro.

A última vez que vos encontrastes remonta apenas a Fevereiro passado, mas sentistes a exigência de vos encontrardes ainda na proximidade do Ano Santo 2000. Com efeito, o Jubileu constitui um grande evento eclesial, para o qual a vossa Fundação é chamada a colaborar, no âmbito do Jubileu do Mundo do Trabalho, para preparar o sector dos operadores financeiros. Ao agradecer-vos esta vossa disponibilidade, congratulo-me convosco que, precisamente em vista desse evento, de forma oportuna decidistes aprofundar durante o próximo ano o tema: "Ética e finanças". Estou a par do vosso propósito de organizar um congresso internacional sobre este assunto, na vigília do dia jubilar. Vejo com prazer essa importante iniciativa e faço votos por que produza frutos abundantes.

Hoje quisestes dedicar amplo espaço ao pronunciamento de D. Miroslav Marusyn, Secretário da Congregação para as Igrejas Orientais, que vos falou da minha recente Viagem apostólica na Roménia e das muitas necessidades espirituais e materiais que marcam a vida das Comunidades católicas orientais.

2. Ilustres Senhoras e Senhores! Na vossa experiência quotidiana é-vos dado constatar que no interior do difundido fenómeno da globalização, que caracteriza o actual momento histórico, um aspecto essencial e denso de consequências é o da chamada "financialização" da economia. Nas relações económicas, as transações financeiras já superaram abundantemente as reais, de tal forma que o âmbito das finanças já conquistou a própria autonomia.

Este fenómeno apresenta novas e não fáceis questões também sob o aspecto ético. Uma destas chama em causa o problema da relação entre riqueza produzida e trabalho, pelo facto de que hoje é possível criar rapidamente grandes riquezas sem nenhuma ligação com uma definida quantidade de trabalho realizado. Como se pode compreender, trata-se duma situação bastante delicada, que exige uma atenta consideração da parte de todos.

Ao tratar da questão da "mundialização da economia" na Encíclica Centesimus annus (cf. n. 58), chamei a atenção para a necessidade de promover "organismos internacionais de controle e orientação que encaminhem a economia para o bem comum", tendo em consideração também que a liberdade económica é apenas um dos elementos da liberdade humana. A actividade financeira, segundo as características próprias, não pode deixar de ser orientada para servir o bem comum da família humana.

Perguntamo-nos, porém, quais são os critérios de valor que devem orientar as opções dos operadores, também para além das exigências de funcionamento dos mercados, numa situação como a hodierna onde ainda falta um quadro normativo e jurídico internacional adequado. E ainda: quais são as autoridades idóneas a elaborar e a fornecer semelhantes indicações, assim como a vigiar sobre as suas aplicações.

O primeiro passo compete aos próprios operadores, que poderiam esforçar-se por elaborar códigos éticos ou de comportamento vinculantes para o sector. Os responsáveis pela Comunidade internacional são chamados, depois, a adoptar instrumentos jurídicos idóneos para enfrentar as situações cruciais que, se não forem "governadas", podem ter consequências desastrosas no âmbito não só económico, mas também social e político. Primeira e maiormente, seriam sem dúvida os mais débeis a pagar.

3. A Igreja, que é mestra de unidade e por sua vocação caminha com os homens, sente-se solicitada a tutelar-lhes os direitos, com constante cuidado especialmente em relação aos mais pobres. Com a própria Doutrina Social, ela oferece a sua ajuda para a solução daquelas problemáticas que em vários sectores se referem à vida dos homens, consciente de que "ainda que a economia e a moral se "regulem, cada uma no seu âmbito, por princípios próprios", é erro julgar a ordem económica e a moral tão diversas e alheias entre si, que de modo nenhum aquela dependa desta" (Pio XI, Quadragesimo anno, 42). O desafio apresenta-se árduo, por causa da complexidade dos fenómenos em questão e da rapidez com que eles surgem e se desenvolvem.

Os cristãos que actuam no interior do sector económico e, em particular, financeiro, são chamados a determinar vias percorríveis para pôr em prática este dever de justiça, que para eles é evidente devido à sua orientação cultural, mas que é possível ser partilhado por quem quer que deseje pôr no centro de todo o projecto social a pessoa humana e o bem comum. Sim, todas as vossas operações no campo financeiro e administrativo devem ter sempre como objectivo jamais violar a dignidade do homem, construindo para isto estruturas e sistemas que favoreçam a justiça e a solidariedade para o bem de todos.

4. Deve-se depois acrescentar que os processos de globalização dos mercados e das comunicações não possuem por si só um delineamento eticamente negativo, e portanto não é justificada diante deles uma atitude de condenação sumária e apriorística. Contudo, aqueles que, em linha de princípio, aparecem como factores de progresso, podem gerar, e de facto já produzem consequências ambivalentes ou decisivamente negativas, de modo especial em prejuízo dos mais pobres.

Trata-se, portanto, de ter em consideração a transformação e fazer com que ela privilegie o bem comum. A globalização terá efeitos positivos se puder ser sustentada por um forte sentido do carácter absoluto e da dignidade de cada pessoa humana e do princípio de que os bens da terra são destinados a todos. Há espaço, nesta direcção, para trabalhar de modo leal e construtivo, também no interior de um sector bastante exposto à especulação. Por este motivo, não é suficiente respeitar leis locais ou regulamentos nacionais; é necessário um sentido de justiça global, correspondente às responsabilidades que estão em jogo, tendo-se em consideração a interdependência estrutural das relações entre homens, para além das fronteiras nacionais.

Entretanto, é bastante oportuno apoiar e encorajar aqueles projectos de "finanças éticas", de microcrédito e de "comércio justo e solidário", que estão ao alcance de todos e possuem um valor positivo, também pedagógico, na direcção da co-responsabilidade global.

5. Estamos no ocaso de um século que conheceu também neste sector rápidas e fundamentais mudanças. A iminente celebração do Grande Jubileu do Ano 2000 representa uma ocasião privilegiada para uma reflexão de ampla dimensão sobre esse problema. Por isso, estou grato à vossa Fundação "Centesimus Annus", que quis orientar os seus trabalhos à luz do grande evento jubilar, tendo em conta a perspectiva por mim indicada na Carta Apostólica Tertio millennio adveniente. Com efeito, escrevi que "o empenho pela justiça e pela paz num mundo como o nosso, marcado por tantos conflitos e por intoleráveis desigualdades sociais e económicas, é um aspecto qualificante da preparação e da celebração do Jubileu" (n. TMA 51).

Compreendestes, caríssimos, que o ano jubilar vos convida a oferecer o vosso contributo específico e qualificado, a fim de que a palavra de Cristo, que veio para evangelizar os pobres (cf. Lc Lc 4,18), possa encontrar resposta. Encorajo-vos cordialmente nessa iniciativa, com os votos por que, graças ao Jubileu, amadureça "uma nova cultura de solidariedade e cooperação internacionais, na qual todos de modo especial os Países ricos e o sector privado assumam a sua responsabilidade por um modelo de economia ao serviço de toda a pessoa" (Bula de Proclamação Incarnationis mysterium, 12).

Com esses sentimentos, enquanto desejo de todo o coração que a Fundação cresça, de maneira a oferecer uma colaboração sempre mais eficaz à Santa Sé e à Igreja na obra da nova evangelização e na instauração da civilização do amor, confio todos os vossos projectos e iniciativas a Maria, Mãe da Esperança.

Acompanhe-vos e sustente-vos também a minha Bênção, que de bom grado concedo a vós e a todas as pessoas que vos são queridas.




Discursos João Paulo II 1999 - Castel Gandolgo, 9 de Setembro de 1999