Discursos João Paulo II 1999 - ENZIO D'ANTONIO

Desta renovação interior nasce o desejo de se abrir aos irmãos, para juntos construírem o Reino de Deus em atitude de recíproco intercâmbio espiritual. Acontece assim que todo o membro da Igreja evangeliza o outro na caridade, solicitando-o a tornar-se, por sua vez, testemunha convicta do Evangelho. Plasmada pela Eucaristia, a comunidade dos crentes reconhece-se como família de irmãos devedores, uns aos outros, de amor e de perdão. Cada um alegra-se com a presença do outro e valoriza o contributo que o outro sabe e pode oferecer à comum edificação.

4. A Eucaristia é, além disso, o sagrado banquete do qual a fraternidade solidária impele o crente a levar o bálsamo da caridade a quantos estão em necessidade. A assembleia litúrgica, reunida à volta do altar, exprime de modo autêntico a própria catolicidade quando a comunhão, que a vincula a Deus, se torna concreto cuidado por toda a pessoa, especialmente por quantos estão em dificuldade e esperam uma ajuda moral e material.

A esse propósito, eu fazia notar na Carta Dies Domini que "a Eucaristia dominical não só não desvia dos deveres de caridade mas, pelo contrário, estimula os fiéis "a tudo o que seja obra de caridade, piedade e apostolado, onde os cristãos possam mostrar que são a luz do mundo, embora não sejam deste mundo, e que glorificam o Pai diante dos homens"" (n. 69). Toda a tradição cristã atesta que não há autêntico culto a Deus sem amor efectivo aos irmãos. A Eucaristia, quando é celebrada de modo verdadeiro e sincero, impele a gestos de acolhimento e de reconciliação entre os membros da comunidade e em relação à inteira comunidade.

Os crentes que se reúnem para a liturgia eucarística sabem que não podem ser felizes sozinhos, pois os dons recebidos do Alto são para o bem de todos. Sob a acção do Espírito Santo, a Mesa sagrada torna-se escola de caridade, de justiça e de paz. Brotam iniciativas que aliviam a fome de quem não tem alimento, oferecem acolhimento respeitoso e cordial a imigrados e estrangeiros que, por necessidade, tiveram de deixar o próprio País, dão conforto a quem vive na solidão ou está atingido por doença, sustentam a obra dos missionários empenhados nas fronteiras da evangelização e da promoção humana.

5. Sim, a Eucaristia é vínculo de caridade, como oportunamente escolhestes ressaltar no tema do vosso Congresso Eucarístico Regional, que verá confluir a Lanciano, de 17 a 14 de Outubro próximo, representantes de cada paróquia para uma forte experiência de fé. Será, e disto estou certo, uma ocasião propícia para renovar os ânimos dos crentes, tornando-os mais dóceis à vontade salvífica de Deus.

Para as Igrejas dos Abruzos e do Molise o Congresso Eucarístico, oportunamente preparado a nível local, constitui um válido estímulo a redescobrir a Eucaristia como dom que plasma a vida dos crentes e das comunidades eclesiais e impele cada um a sempre novos testemunhos de comunhão e de solidariedade. Em um mundo que tem necessidade de experimentar, de modo cada vez mais profundo, o amor de Deus pela humanidade, o ágape eucarístico deve ser para as vossas comunidades um momento forte de renovação interior, graças à qual se possa comunicar a todos a experiência da solicitude do Pai celeste, que se inclina com amor para cada um dos seus filhos.

A Virgem Santíssima, que aos pés da Cruz viveu em comunhão com o Filho o sacrifício da Redenção, acompanhe os trabalhos do vosso Congresso Eucarístico Regional. Juntamente com Ela, os fiéis das comunidades dos Abruzos e do Molise possam prestar com a Eucaristia um culto perfeito à Santíssima Trindade, cantando a misericórdia de Deus que "vai de geração em geração para aqueles que O temem" (Lc 1,50).

Acompanho estes meus sentimentos com a Bênção Apostólica, que de bom grado lhe concedo, assim como aos Prelados da Conferência Episcopal e a quantos participarem no Congresso Eucarístico, recordando de modo especial as crianças e os jovens, os anciãos e os doentes.

Castel Gandolfo, 6 de Agosto de 1999, Transfiguração do Senhor.

PAPA JOÃO PAULO II




DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA ITALIANA


SENHOR CARLO AZEGLIO CIAMPI


Terça-feira, 19 de Outubro de 1999

Senhor Presidente!

1. É sempre com grande alegria que o Sucessor de Pedro encontra o Chefe do Estado italiano, recordado como está do inconfundível contributo que este País deu à inteira Cristandade, e consciente, ao mesmo tempo, do sinal impresso pela fé cristã, durante estes dois milénios, na formação e florescimento da identidade nacional italiana.

Com viva cordialidade dirijo-lhe, portanto, as minhas boas-vindas, Senhor Presidente, grato pela visita com que Vossa Excelência hoje me honra. Faço extensivo este sentimento de reconhecimento também aos ilustres Membros da Delegação que o acompanha.

Na sua pessoa, saúdo o inteiro povo italiano, que aprecio e amo pelos inúmeros sinais de afecto que continuamente me reservou. É um povo que esteve sempre muito próximo, não só geograficamente, da Sé de Pedro, desde quando o Pescador da Galileia chegou às costas da península. Este encontro confirma a boa harmonia que existe nas relações entre o Estado e a Igreja, graças a um estável entendimento que favoreceu o concorde empenho ao serviço do bem da comunidade italiana, tão rica de cultura, arte e história, no sinal daquela civilização enraizada no cristianismo que a tornou famosa e honrada no mundo.

2. A Itália está bem inserida entre as Nações irmãs da Europa, e é-me grato recordar que a sua visita, Senhor Presidente, ocorre enquanto está reunido no Vaticano um Sínodo, no qual os representantes dos Episcopados europeus enfrentam os problemas antigos e novos da vida da Igreja no Continente. E se certos dramas de um passado não distante, dramas de que nós mesmos fomos testemunhas, parecem hoje superados, não por isto a convivência deixa de ter desafios e encontros decisivos para as pessoas individualmente e para a inteira organização social.

A Europa, que alcançou inesperadas metas de bem-estar, tem hoje a tarefa de reflectir sobre si mesma para adequar as próprias estruturas à obtenção de fins superiores, talvez até aqui apenas imaginados. O progresso não pode ser só económico. A disponibilidade de bens materiais e a própria debatida perspectiva do "desenvolvimento ilimitado" exigem que a dimensão económica da convivência europeia seja enriquecida, ou melhor, coroada por uma "centralidade da alma". As razões do espírito são irresistíveis: do seu acolhimento depende a formação de uma convivência humana, na qual seja tutelada e promovida de maneira adequada a dignidade pessoal de todos os seus componentes. Neste contexto, propõe-se como essencial o reconhecimento, por parte das Autoridades públicas, daqueles valores humanos fundamentais sobre os quais estão apoiadas as próprias bases da sociedade. Estado pluralista não significa Estado agnóstico.

3. A natureza universal do Pontificado Romano atribui ao Sucessor de Pedro uma específica responsabilidade para com todos os povos. A sua vocação é ser servidora da paz, segundo a palavra de Isaías a respeito do futuro Messias, no qual o profeta via o "Príncipe da paz", projectando até mesmo uma "paz sem limites", porque fundada "no direito e na justiça" (Is 9,5-6). O fim da situação conflituosa dos tempos passados, na qual infelizmente se distinguiram as Nações europeias, não nos exime da vigilância, para que os flagelos que atingiram as gerações precedentes não sejam de novo propostos, ainda que talvez em áreas remotas e com modalidades novas.

O Sucessor de Pedro espera muito da Itália, e não sem razão, visto que desde há muitos decénios ela inscreveu nas tábuas fundamentais da sua convivência, a Constituição da República, a renúncia à guerra "como instrumento de ofensa à liberdade dos outros povos e como meio de resolução das controvérsias internacionais" (art. 11). Eis por que nos Balcãs, no Mediterrâneo, no Terceiro Mundo, onde quer que apareçam focos daquele incêndio anti-humano, que é constituído precisamente pela guerra, a Itália, coerente com as suas raízes cristãs e as escolhas culturais que a distinguem, está a procurar dar o seu decisivo e qualificante contributo de amizade e de solidariedade humana.

4. A Itália, graças a Deus, está em paz: é importante que esta situação perdure, porque só no contexto da paz podem ser enfrentados e resolvidos de maneira conveniente os complexos problemas com que a Nação se deve medir. Há a vida a ser tutelada desde a concepção e protegida, com amor e dignidade, na sua evolução natural. Ela nasce e cresce na família, a célula fundamental sobre a qual se sustenta a nação e que merece ser sempre melhor ajudada, com próvidas intervenções, no cumprimento da sua essencial função social.

Depois há a escola, que deve ser livre e aberta ao crescimento moral e intelectual das jovens gerações. Como não reconhecer a oportunidade de fazer florescer múltiplas experiências de percursos educativos, nos quais a família, fundada sobre o matrimónio, e os grupos sociais possam exprimir de maneira concreta as suas convicções?

E por fim o trabalho que hoje, mais do que nunca, evoca o preceito bíblico que empenha o homem na transformação do mundo. Os poderes públicos, precisamente como para com a vida, a família e a escola, têm o dever de ajudar com todos os meios a pessoa a exprimir as suas potencialidades criativas: seria culpa grave permanecer indiferente e confinar as jovens gerações num ócio corruptor, que desfigura a dignidade que todos já reconhecem à pessoa e ao cidadão.

5. A Igreja, em todas as suas componentes, está pronta a colaborar com os poderes públicos, ou melhor, com a sociedade nacional, da qual é parte significativa e caracterizante. De bom grado, ela põe à disposição também deste País, que por tantos aspectos lhe está tão próximo e é tão querido, as suas energias. Fá-lo no respeito da sua missão específica, que é a do anúncio do Evangelho a todos os homens: só assim, de facto, a vicissitude do ser humano pode evoluir no tempo, em sentido que corresponde plenamente ao desígnio do seu Criador e Redentor.

A Igreja segue de perto o verdadeiro bem do País, para o qual contribui com a fidelidade a Cristo e a inovação criativa nos sectores da educação, da cultura, da assistência e de tantas formas de testemunho que lhe são próprias, tendo bem firme uma irrenunciável ideia do homem e do significado das relações sociais.

6. Com estes sentimentos e esperanças olhamos para a abertura, já iminente, do Jubileu do bimilenário da Encarnação do Filho de Deus. Na ocasião, milhões e milhões de homens confluirão a Roma. Para os acolher, haverá a tradicional e bem experimentada hospitalidade do povo italiano, mas também esta é uma ulterior responsabilidade que pesa sobre as duas realidades, o Estado e a Igreja, que hoje se encontraram de modo visível nesta visita, e cujas relações são caracterizadas por significativa colaboração.

Ao agradecer tudo o que as Autoridades italianas estão a fazer para o bom êxito do Ano jubilar, exprimo o voto por que o empenho prossiga com a mesma eficácia nos próximos meses, de maneira a assegurar aos peregrinos de todas as partes do mundo o acolhimento solícito e atento que esperam.

7. É-me grato concluir estas palavras com os votos cordiais por que a Nação italiana, graças também à sua obra, Senhor Presidente, saiba avançar pelo caminho do progresso autêntico, recolhendo das suas ricas tradições de civilização renovados impulsos para a promoção daqueles valores humanos e cristãos que lhe asseguraram estima e prestígio na assembleia dos povos.

Com estes desejos, formulo-lhe os mais sentidos votos para o feliz cumprimento do altíssimo mandato há pouco iniciado, enquanto com grande simpatia invoco sobre a sua pessoa e gentil Esposa, sobre as Autoridades aqui presentes e o inteiro Povo italiano a constante protecção do Omnipotente.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NO ENCONTRO COM OS PROFESSORES


E SEMINARISTAS DA ARQUIDIOCESE DE PARIS


Sala Clementina

Segunda-feira, 25 de Outubro de 1999



Senhor Cardeal
Queridos Amigos!

1. É-me grato acolher-vos, professores e seminaristas de Paris, com o vosso Arcebispo, o Senhor Cardeal Jean-Marie Lustiger, ao qual me associo de modo particular a alguns dias do seu vigésimo aniversário de Episcopado. Louvo a atenção que a arquidiocese de Paris dedica à formação sacerdotal, que reveste uma importância capital (cf. Decreto Optatam totius, preâmbulo). Os elementos que são adquiridos durante o período de formação, tempo de discernimento por parte da Igreja, são para todo o sacerdote como que a carta de identidade da sua vida sacerdotal. O ano que passais na Maison Saint-Augustin permite-vos aprofundar o vosso Baptismo, mediante uma relação de intimidade com Cristo, sobretudo através da Palavra de Deus e dos sacramentos, a fim de responderdes ao seu chamamento. Procedeis assim, de maneira resoluta, ao longo do caminho da sua Páscoa, tornando-vos no seu seguimento pobres, obedientes e castos. A vossa formação no seminário e a formação permanente tornar-vos-ão disponíveis para a missão. Aquilo que iniciastes a praticar com regularidade deve permanecer a regra da vossa vida: encontro com o Senhor nos Sacramentos, em particular na Eucaristia, amor confiante à Igreja, oração litúrgica e pessoal, lectio divina, vida fraterna, que é como que a alma do presbitério, e solicitude pelo povo de Deus, sobretudo para com os pobres.

2. Sois chamados a perscrutar o mistério cristão, para poderdes entrar no intellectus fidei. Não se trata de um simples conhecimento, mas de um caminho de crente, onde se deixa, antes de tudo, modelar e unificar pelo credo, a fim de proclamar o Evangelho com termos adaptados ao nosso tempo. O estudo da Escritura, lida na Tradição, deve estar no centro da vossa vida: ela é «como que a alma da sagrada teologia» (Dei Verbum DV 24) e, para responder à crise actual do sentido do homem, «pressupõe e implica uma filosofia do homem, do mundo e, mais radicalmente, do próprio ser, fundada sobre a verdade objectiva» (Encíclica Fides et ratio FR 66).

3. Mediante a ordenação sacerdotal, sereis configurados a Cristo, Cabeça e Pastor. Amai a Igreja com o mesmo amor com que Cristo a amou, dando-Se a si mesmo por ela (cf. Ef Ep 5,25)! Em toda a circunstância, oportuna e inoportuna, proclamai o mistério da Cruz através da vossa vida, da pregação e do dom dos sacramentos. Sereis assim, para os vossos irmãos, verdadeiros Pastores e verdadeiros servidores, disponíveis e prontos a responder às exigências do anúncio da salvação, no respeito e na obediência devidos ao vosso Bispo. Confio a vossa formação sacerdotal à Virgem Maria, Mãe de Cristo e Sede da Sabedoria. Ela vos ensine a responder com alegria à vontade d'Aquele que vos chama!



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


ÀS IRMÃS FRANCISCANAS DA CARIDADE CRISTÃ


Quinta-feira, 28 de Outubro de 1999

Queridas Religiosas
Caros Irmãos e Irmãs!

1. É para mim uma grande alegria receber-vos hoje no Palácio Apostólico. Saúdo de modo particular as Franciscanas da Caridade Cristã, acompanhadas pela Venerada Madre Superiora-Geral. Apresento também as boas-vindas aos membros do "Komitee Schwester Restituta". Deste modo, já mencionámos a palavra-chave que vos une e vos impeliu a realizar juntos a peregrinação à Cidade eterna. Viestes a Roma, junto dos túmulos dos príncipes dos apóstolos, para agradecer a Deus, dador de tudo aquilo que é bom, a graça que nos concedeu com a beatificação da Irmã Restituta Kafka.

2. Assim, o meu primeiro pensamento retorna à Heldenplatz de Viena, onde a 21 de Junho do ano passado, por ocasião da minha terceira visita pastoral à Áustria, tive a alegria de poder elevar às honras dos altares, além de dois sacerdotes, Jakob Kern e Anton Maria Schwartz, também a Religiosa de Hartmann, Restituta Kafka. É com prazer que faço minha a alegria que inunda todos vós e muitos outros fiéis, de poder venerar como mártir esta religiosa, que muitos de vós consideram como "irmã maior". Ao mesmo tempo, parece-me viva a duradoura mensagem que esta esplendente testemunha da fé nos dirigiu num período sombrio do nosso tempo, a nós que nos encontramos no limiar do terceiro milénio. Da Beata Irmã Restituta podemos aprender a que vértices de maturidade interior o homem pode ser conduzido, se se confiar às mãos de Deus.

O seu caminho de vida terrena é semelhante à subida ao Calvário, ao longo da qual a Beata teve uma visão que colocou numa nova luz o seu ser e a sua obra e enraizou nela a esperança da vida eterna, de modo tão profundo que a fez afirmar diante da morte: "Por Cristo vivi e por Cristo desejo morrer". Por este motivo, o seu padre confessor definiu justamente a sua "via crucis" uma "universidade para a conduta da alma", que por ela foi superada de modo brilhante.

3. Em primeiro lugar, a Irmã Restituta aprendeu o significado da humildade.Ainda bastante jovem, entrou no convento "por amor de Deus e dos homens". Durante muitos decénios serviu a Deus nos doentes, pelos quais se empenhou incansavelmente com as suas múltiplas capacidades e competência. Quando falava do Céu, num verdadeiro sentido das palavras, tinha os pés bem firmes na terra. Quando a sua vida chegou ao termo, a graça de Deus tornou a humildade desta religiosa sempre mais profunda, até que ela estivesse pronta a doar-se completamente. Aquela que como enfermeira se debruçara sobre os pacientes, inclinou por fim a sua cabeça para a profissão ao Crucificado.

4. Na "universidade para a conduta da alma", a Irmã Restituta aprendeu também a virtude da docilidade. Dotada de um carácter forte, era franca e aberta, repleta de dedicação materna e de solícita disponibilidade a ajudar sempre com alegria e às vezes de modo pouco convencional. Certa vez, foi definida "gema bruta" por causa do seu temperamento, mas deixou-se purificar por Deus e assim tornou-se um diamante precioso. Tornou-se sempre mais atenta e sensível às profundas aflições da alma das suas coirmãs e pacientes. Não surpreende, portanto, que considerasse o tempo transcorrido na prisão um dom, para melhor aprender a docilidade e a paciência e para "poder ajudar muito no cuidado das almas".

5. Por fim, chegou à plena maturação aquele aspecto do carácter da Irmã Restituta que mais a distinguia: a coragem. Para a religiosa, muitas vezes chamada Irmã "Resoluta" devido aos seus modos decisivos, a prisão tornou-se uma espécie de lugar de graça, para honrar o nome com que se tinha consagrado: Restituta, aquela que foi restituída por Deus. Com efeito, olhando para a força redentora da Cruz, no seu coração tornou-se sempre mais viva a consciência de que, embora o homem exterior deva morrer, não significa que morre também o homem interior. Desse modo, a coragem que lhe era própria tornou-se tão firme que ela podia dizer com São Paulo: "desconhecidos, ainda que bem conhecidos; como agonizantes, embora estejamos com vida; como condenados, ainda que livres da morte; considerados tristes, mas sempre alegres" (2Co 6,9-10).

6. Faço votos por que a Beata Irmã Restituta seja para vós um modelo de vida. Ela conquistou a grandeza com a humildade, distinguiu-se pela sua docilidade e a sua coragem não diminuiu mesmo quando a profissão à Cruz lhe custou a vida.

Nos momentos de dificuldade levava as suas preocupações à Mãe Dolorosa, à qual esteve intimamente ligada durante toda a vida. Que a Mãe Dolorosa seja também para vós uma fiel companheira em qualquer aflição e uma fonte de consolo e de confiança para o vosso quotidiano testemunho de fé!

Para isto concedo-vos de coração a Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NO ENCERRAMENTO DA ASSEMBLEIA INTER-RELIGIOSA


Praça de São Pedro, 28 de Outubro de 1999

Ilustres Representantes religiosos
Dilectos Amigos

1. Na paz que o mundo não pode conceder, saúdo todos vós reunidos aqui na Praça de São Pedro, no encerramento da Assembleia inter-religiosa que se realizou nos últimos dias. Ao longo dos meus anos de Pontificado, e de maneira especial por ocasião das minhas Visitas Pastorais às diversas regiões do mundo, tive a grande alegria de me encontrar inumeráveis vezes com outros cristãos e com membros de outras religiões. Hoje este júbilo renova-se aqui, junto do túmulo do Apóstolo Pedro, cujo ministério na Igreja é minha missão continuar. É com alegria que me encontro com todos vós e dou graças ao Deus Todo-Poderoso que inspira o nosso desejo de compreensão e de amizade recíprocas.

Estou consciente de que muitos ilustres líderes religiosos atravessaram longas distâncias em vista de estarem presentes nesta cerimónia conclusiva da Assembleia inter-religiosa. Agradeço a todos aqueles que trabalharam para promover o espírito que tornou possível a realização desta Assembleia. Acabámos de ouvir a Declaração, que constitui o fruto das vossas deliberações.

2. Sempre considerei que os líderes religiosos têm um papel vital a desempenhar na nutrição daquela esperança de justiça e de paz, sem a qual não haverá um futuro digno da humanidade. Enquanto o mundo celebra o termo de um milénio e o início de outro, é justo que nos detenhamos e olhemos para trás, a fim de assumirmos a situação presente e progredirmos juntos rumo ao futuro.

Ao analisarmos a situação da humanidade, é porventura exagerado falar de uma crise de civilização? Observamos os enormes avanços tecnológicos, que contudo nem sempre são acompanhados de um grande progresso espiritual e moral. Notamos de igual modo um crescente fosso entre os ricos e os pobres a nível quer dos indivíduos quer das nações. Muitas pessoas fazem ingentes sacrifícios para demonstrar solidariedade para com aqueles que padecem necessidades, fome ou doenças, mas ainda falta um desejo colectivo de superar desigualdades escandalosas e de criar novas estruturas que façam com que todas as pessoas gozem da justa partilha dos recursos mundiais.

Além disso, há inumeráveis conflitos que constantemente rebentam no mundo inteiro guerras entre nações, combates armados no seio dos países, conflitos que persistem como feridas abertas e reivindicam uma cura que parece nunca chegar. Inevitavelmente, são as pessoas frágeis que mais sofrem nestes conflitos, de forma especial quando são erradicadas das suas casas e forçadas a fugir.

3. Sem dúvida, este não deve ser o modo de viver da humanidade. Por conseguinte, não é acaso justo afirmar que realmente existe uma crise de civilização que só pode ser contrastada mediante uma renovada civilização do amor, fundamentada nos valores universais da paz, solidariedade, justiça e liberdade (cf. Tertio millennio adveniente, TMA 52)?

Segundo determinadas pessoas, a religião é uma parte deste problema, que obsta o caminho da humanidade rumo à paz e à prosperidade genuínas. Como homens de fé, temos o dever de demonstrar que isto não é verdade. Qualquer uso da religião que sirva para apoiar a violência é um abuso da própria religião. A religião não é e não deve tornar-se um pretexto para os conflitos, de modo particular quando a identidade religiosa, cultural e étnica coincidem. A religião e a paz caminham a par e passo: declarar guerras em nome da religião é uma evidente contradição (cf. Discurso aos participantes na VI Assembleia da Conferência mundial sobre Religião e Paz, 3 de Novembro de 1994, n. 2). Os chefes religiosos devem demonstrar de maneira preclara que estão empenhados em promover a paz precisamente em virtude da sua crença religiosa.

Portanto, a tarefa que se nos apresenta consiste em promover uma cultura do diálogo. Individual e colectivamente, devemos demonstrar que a fé religiosa inspira a paz, encoraja a solidariedade, promove a justiça e salvaguarda a liberdade.

Contudo, o ensinamento por si só não é suficiente, por mais que seja indispensável, uma vez que deve transformar-se em obras. O meu venerando predecessor, Papa Paulo VI, observava que na nossa época as pessoas prestam mais atenção às testemunhas do que aos mestres, que escutam os mestres se estes forem contemporaneamente testemunhas (cf. Evangelii nuntiandi EN 41). Basta pensar no inesquecível testemunho de pessoas como Mahatma Gandhi ou Madre Teresa de Calcutá, para mencionar somente duas figuras que tiveram um grandioso impacto sobre o mundo.

4. Além disso, a força do testemunho está no facto de que este é compartilhado. É um sinal de esperança que as associações inter-religiosas se tenham estabelecido em muitas partes do mundo para promover a reflexão e a acção conjuntas. Nalgumas regiões, os líderes religiosos foram instrumentos de mediação entre as partes em conflito. Noutras localidades, a causa comum visa proteger o nascituro, salvaguardar os direitos das mulheres e das crianças, e defender os inocentes em geral. Estou persuadido de que o aumentado interesse no diálogo entre as religiões constitui um dos sinais de esperança presentes na última parte deste século (cf. Tertio millennio adveniente, TMA 46). Contudo, é necessário ir mais além. Uma maior estima recíproca e a confiança crescente devem levar a uma acção comum ainda mais efectiva e coordenada, em benefício da família humana.

A nossa esperança deriva não só das capacidades do coração e do espírito humano, mas possui uma dimensão divina, que justamente deve ser reconhecida. Aqueles de entre nós que são cristãos acreditam que tal esperança é um dom do Espírito Santo, que nos chama a alargar os nossos horizontes, a olhar para além das nossas necessidades pessoais e das carências das nossas comunidades particulares, tendo em vista a unidade de toda a família humana. O ensinamento e o exemplo de Jesus Cristo proporcionaram aos cristãos um clarividente sentido da fraternidade universal entre todos os povos. A consciência de que o Espírito de Deus sopra onde quer (cf. Jo Jn 3,8) impede-nos de expressar juízos peremptórios e perigosos, porque evoca o apreço daquilo que está escondido no coração do próximo. Isto abre o caminho à reconciliação, à harmonia e à paz. Desta consciência espiritual brotam a compaixão e a generosidade, a humildade e a modéstia, a coragem e a perseverança. Estas são as qualidades de que a humanidade tem necessidade mais do que nunca, enquanto entra no novo milénio.

5. Ao encontrarmo-nos hoje aqui, pessoas provenientes de muitas nações e representando inúmeras religiões do mundo, como podemos deixar de evocar o encontro de Assis, realizado há 13 anos, por ocasião do Dia Mundial de Oração para a Paz? Desde aquela data, o "espírito de Assis" foi conservado vivo através de várias iniciativas em diversas partes do planeta. Ontem, aqueles de entre vós que participaram na Assembleia inter-religiosa viajaram a Assis, precisamente no aniversário daquele memorável encontro de 1986. Fostes ali para reivindicar mais uma vez o espírito daquela reunião e para haurir uma renovada inspiração da figura do Poverello di Dio, do humilde e jubiloso São Francisco de Assis. Permiti-me repetir aqui o que eu disse no final daquele dia de jejum e de oração:

"O próprio facto de termos vindo a Assis de diversas partes do mundo é em si mesmo um sinal deste caminho comum que a humanidade é chamada a percorrer. Ou aprendemos a caminhar juntos em paz e harmonia, ou iremos à deriva e destruir-nos-emos a nós mesmos e aos outros. Fazemos votos por que esta peregrinação a Assis nos tenha ensinado de novo a estarmos conscientes da origem e destino comuns da humanidade. Procuremos ver nela uma antecipação do que Deus quereria que fosse o curso da história da humanidade: uma viagem fraterna na qual nos acompanhamos uns aos outros rumo à meta transcendente que Ele estabelece para nós" (Discurso no encerramento do Dia Mundial de Oração pela Paz, Assis, 27 de Outubro de 1986; ed. port. de L'Osservatore Romano de 2.11.86, pág. 4, n. 5).

O nosso hodierno encontro aqui na Praça de São Pedro constitui um ulterior passo ao longo dessa peregrinação. Em todas as inumeráveis linguagens da oração, peçamos ao Espírito de Deus que nos ilumine, guie e fortaleça a fim de que, como homens e mulheres que haurem a própria inspiração das crenças religiosas, possamos trabalhar juntos em vista de edificar o futuro da humanidade na harmonia, justiça, paz e caridade.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PROFESSORES E ALUNOS


DA LIVRE UNIVERSIDADE MARIA


SANTÍSSIMA ASSUNTA (LUMSA)


Sala Paulo VI

Sexta-feira, 29 de Outubro de 1999



Senhores Cardeais
Venerados Irmãos no Episcopado
Ilustríssimos Professores
Caros Irmãos e Irmãs!

1. Sinto-me feliz por me encontrar convosco na feliz circunstância dos sessenta anos de fundação da Universidade "Maria Santíssima Assunta". Obrigado pelo vosso acolhimento festivo! Obrigado por este renovado testemunho de afecto e de fidelidade ao Sucessor de Pedro!

Saúdo com cordial estima o Reitor Magnífico, Prof. Giuseppe Dalla Torre, e agradeço-lhe as amáveis expressões que quis transmitir-me em nome de todos os presentes. Dirijo um afectuoso pensamento aos Senhores Cardeais e Bispos presentes, cuja participação neste evento testemunha o papel relevante desempenhado pelo Vicariato de Roma e pelas Congregações para a Educação Católica e para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica na fundação e na vida deste Ateneu.

A minha deferente saudação dirige-se às Autoridades académicas e ministeriais, aos ilustres Professores, aos Membros do Conselho de Administração, à Associação "Luigia Tincani", ao pessoal técnico, às famílias e aos amigos desta prestigiosa Instituição. Por fim, dirijo o meu cordial pensamento a cada um de vós, caríssimos alunos e alunas, que constituís o centro da actividade académica: convosco saúdo o grupo dos Laureados, que aqui aperfeiçoaram a sua formação profissional e espiritual.

2. A celebração deste sexagésimo aniversário convida a recordar o passado, para encontrar de novo as raízes do vosso Ateneu e redescobrir os ideais que iluminaram o seu início.

A vossa Universidade teve origem no coração e na inteligência da Serva de Deus Luigia Tincani que, com intuito genial e profético, quis abrir à mulher consagrada e leiga o caminho da investigação e do ensino. No decurso da sua experiência de estudante universitária e de professora, ela deu-se conta de que "não há sofrimento maior do que o desejo insatisfeito de conhecer, pobreza mais dolorosa do que a do espírito; não há maior alegria do que a posse da verdade, via privilegiada para actuar a plenitude do amor" (cf. Luigia Tincani, Una vita a servizio della verità e dell'amore).

Sustentada por esta consciência, ela apresentou o seu projecto à Autoridade da Igreja, que o acolheu e, nas pessoas dos meus venerados Predecessores Pio XII e Paulo VI, o abençoou, sustentando com a sua diligente solicitude o seu progressivo realizar-se.

3. O caminho da LUMSA nestes sessenta anos foi caracterizado por um estilo de "caridade cultural" inteligente e corajosa, que procurou sempre responder, com meios e modalidades adequados, às expectativas mais exigentes dos jovens.

Hoje o vosso Ateneu, na sua específica identidade de Universidade católica, constitui uma presença prestigiosa e qualificada no mundo académico, não só italiano mas também europeu e mundial. Já no seu lema "in fide et humanitate", ele exprime as grandes intuições pedagógicas que estão na sua origem e continuam a motivar-lhe o empenho académico. Com efeito, a Universidade não pode estar voltada apenas para a aprendizagem do saber. Ela possui uma vocação essencialmente educativa que, através da abnegada busca da verdade, tem em vista a edificação harmoniosa da personalidade e se realiza no respeito pela ordem que preside à organização intrínseca dos conhecimentos.

O cumprimento dessa "obra educativa" exige que a Universidade constitua uma verdadeira comunidade, na qual professores e estudantes possam instaurar eficazes e qualificadas relações interpessoais. Tenho conhecimento do empenho deste Ateneu na promoção desses objectivos educativos e, ao exprimir intensa satisfação pelos clarividentes resultados obtidos, convido-vos a continuar pelo caminho empreendido, tornando-o uma característica peculiar do vosso Ateneu.

4. Na Encíclica Fides et ratio (cf. n. 81), eu recordava que o fenómeno da fragmentação do saber conduz a uma "crise do sentido", a ponto de induzir não poucos a perguntar-se "se ainda tem sentido apresentar uma pergunta sobre o sentido". Isto constitui um dos aspectos mais problemáticos da cultura contemporânea.

A resposta a esta grave crise, fonte de cepticismo estéril e devastador, consiste em promover uma cultura filosófica que "encontre de novo a sua dimensão sapiencial de investigação do sentido último e global da vida", em harmonia com a Palavra de Deus.

Faço votos por que o vosso Ateneu, fiel à sua inspiração originária, saiba acolher esse desafio no âmbito da investigação, do ensino, da aprendizagem e do estilo de convivência, para formar mulheres e homens coerentes com a verdade da própria missão!

Essa tarefa é confiada de modo particular a vós, ilustres Professores! Nesta solene circunstância, é-me grato reler convosco as palavras cheias de sabedoria da Serva de Deus Luigia Tincani: "Tende a paixão deste vosso ministério educativo. A missão intelectual participa um pouco no sacerdócio, se todo o estudo e todo o ensino for busca, conquista e transmissão da verdade e se omne verum a quocumque dicatur a Spiritu Sancto est. Tende impressa em vós a arte da vida: fazei-vos antes de tudo amar"! (cf. Luigia Tincani, Una vita al servizio della verità e dell'amore).

5. E agora dirijo-me a vós, caríssimos estudantes da Universidade "Maria Santíssima Assunta": a Igreja precisa da vossa juventude empenhada na verdade, na caridade e na paz. No limiar do novo milénio, ela pede-vos que sejais destemidos operários na empresa de construir "uma humanidade bela, pura e santa, agradável a Deus, da qual os homens e as mulheres têm nostalgia e necessidade, sobretudo hoje" (João Paulo II, Discurso às Missionárias da Escola, 5 de Janeiro de 1989). A vossa activa participação no Dia Mundial da Juventude, que terá lugar em Roma de 15 a 20 de Agosto do próximo ano, e nos grandes eventos do Ano Santo possa constituir para cada um de vós uma ocasião propícia para compartilhar este ardente desejo com os jovens do mundo inteiro e para testemunhar a humanidade nova que o Senhor quer realizar, também através do vosso generoso empenho.

No caminho rumo à sabedoria, último e autêntico fim de todo o verdadeiro saber, vos acompanhe e vos proteja Aquela que, gerando a Verdade e conservando-a no seu coração, a comunicou à humanidade inteira para sempre (cf. Fides et ratio FR 106).

Com estes votos, concedo a todos os presentes e à inteira Comunidade académica da LUMSA a minha especial Bênção Apostólica.




Discursos João Paulo II 1999 - ENZIO D'ANTONIO