Discursos João Paulo II 1999 - Nova Déli, 7 de Novembro de 1999

JOÃO PAULO II


DISCURSO DO SANTO PADRE DURANTE A


CERIMÔNIA DE BOAS-VINDAS NO


AEROPORTO DE TBILISI


8 de Novembro de 1999



Senhor Presidente
Santidade
Ilustres Hóspedes
Caros Irmãos e Irmãs!

1. Durante anos tive o desejo de visitar esta querida terra, em especial desde as visitas ao Vaticano de Vossa Santidade e de Vossa Excelência, Senhor Presidente. A partir de então, para usar as palavras do Apóstolo Paulo, eu tinha "o mais vivo e ardente desejo de voltar a ver-vos" (1Th 2,17) na vossa terra. Deus ouviu a minha súplica. A Ele que é o único "santo e forte e imortal" (cf. Trisagion)dou graças e louvor.

Estou-lhe grato, Senhor Presidente, pelo convite que me dirigiu para vir à Geórgia, por tudo aquilo que fez pessoalmente para tornar possível esta visita e pelas cordiais palavras de boas-vindas, que me dirigiu em nome do governo e de todo o povo georgiano.

Agradeço-lhe Santidade, Catholicos-Patriarca, pois sem o seu apoio fraterno eu não estaria aqui agora para visitar a Igreja a que preside, saudá-lo e ao Santo Sínodo na paz de Cristo, e para honrar o grande testemunho cristão dado pela sua Igreja ao longo dos séculos. Venho também na convicção de que, na vigília do terceiro milénio da era cristã, devemos procurar lançar novas pontes a fim de que, com um só coração e uma só alma, os cristãos possam proclamar juntos o Evangelho ao mundo.

"Com afecto fraterno" (Rm 12,10), saúdo D. Giuseppe Pasotto e os sacerdotes católicos, os religiosos e os leigos dos ritos latino, arménio e siro-caldeu. Espero com anseio orar com os meus irmãos e irmãs católicos para dar graças a Deus pela sua passada perseverança e actual esperança.

2. Ao encontrar-me pela primeira vez na terra georgiana, estou profundamente comovido pela longa e gloriosa história do cristianismo nesta terra, que remonta à pregação de Santa Nino no início do século IV e ao reinado do Rei Vakhatang Gorgasali no final do século V. Daquela época em diante, o cristianismo tornou-se a semente do sucessivo florescimento da cultura georgiana, em particular nos mosteiros. A Igreja tornou-se a guardiã da identidade da nação, com muita frequência ameaçada. Várias vezes a Geórgia foi invadida e lacerada, contudo a sua identidade e a sua unidade sobreviveram até hoje. Isto atesta não só a grande tenacidade do povo georgiano, mas também a vitalidade inexaurível do Evangelho nesta terra, pois nos períodos mais conturbados a verdadeira âncora da Geórgia foi a sua fé em Jesus Cristo.

Situada entre o Leste e o Oeste, a Igreja na Geórgia esteve sempre aberta aos contactos com outros povos cristãos. Os vínculos entre a Igreja georgiana e a Sede de Roma foram muitas vezes profundos e fortes e, embora noutras ocasiões tenham havido tensões, a consciência da nossa comum vocação cristã jamais veio a esmorecer totalmente. Agora, a minha presença no meio de vós é um sinal de quanto profundamente a Igreja católica deseja promover a comunhão com a Igreja georgiana, em resposta à oração de Cristo, na vigília da sua morte, pela unidade de todos os seus discípulos (cf. Jo Jn 17,23).

3. O cristianismo contribuiu muito para o passado da Geórgia, e não deve contribuir menos para o seu futuro. Amanhã celebrar-se-á o X aniversário da queda do muro de Berlim, resultado de circunstâncias extraordinárias, nas quais Vossa Excelência, Senhor Presidente, desempenhou pessoalmente um papel substancial, evento que abriu de maneira simbólica uma nova era na vida de muitos países. Uma ideologia ateia procurara em vão enfraquecer ou até mesmo eliminar desta terra a fé religiosa do seu povo. Os seguidores de todas as religiões sofreram por causa de uma grave hostilidade. Hoje, devemos admirar e agradecer o testemunho da sua perseverança.
A reconquista da independência da Geórgia em 1991 foi um grande passo avante. Agora, a tarefa consiste em estabelecer a paz nesta região, promover a harmonia e a cooperação e garantir que a liberdade conduza a um novo florescimento, haurindo força do vosso passado cristão e edificando uma sociedade digna desta nobre nação.

Algumas nuvens ainda pairam sobre a Geórgia que procura reconstruir-se, material e espiritualmente.

Contudo, valem as palavras bíblicas: "Eis que o inverno passou, cessaram e desapareceram as chuvas" (Ct 2,11). É tempo de plantar a nova semente. No alvorecer do novo milénio, deixando para trás o sofrimento do passado, oxalá a Geórgia diga com as palavras do Cântico dos Cânticos: "Apareceram as flores na nossa terra, chegou o tempo das canções, e nas nossas terras já se ouve a voz da rola" (2, 12).

Ou então, com as palavras do grande poeta georgiano, Shota Rustavéli: "Que as coisas boas sejam compartilhadas, como flocos de neve no inverno; que os órfãos, as viúvas e os pobres tenham riquezas e conforto... que reine a harmonia; que o lobo e o cordeiro comam um ao lado do outro".

Senhor Presidente, Santidade, oxalá Aquele "que, pela virtude que opera em nós, pode fazer infinitamente mais do que tudo quanto podemos ou entendemos" (Ep 3,20), conceda à Geórgia esse futuro!

Deus abençoe esta terra com harmonia, paz e prosperidade!



JOÃO PAULO II



DURANTE A VISITA NO


PALÁCIO PATRIARCAL DE TBILISI


8 de Novembro de 1999

Santidade
Eminências
Excelências
Caros Irmãos e Irmãs!

1. Estou profundamente grato à divina Providência por este encontro, que se realiza vinte anos depois da primeira visita histórica do Catholicos-Patriarca da antiga Igreja apostólica georgiana à Sé Apostólica, em Roma. Naquela ocasião demos reciprocamente o beijo da paz e prometemos orar um pelo outro. Hoje, graças ao seu amável convite, tenho a alegria de retribuir aquela visita fraterna. Pessoalmente considero um grande dom de Deus ter a oportunidade de exprimir, mais uma vez, o meu respeito e a minha estima pela Igreja confiada à sua solicitude. Desde a primeira pregação do Evangelho nestas terras, a Igreja na Geórgia deu um nobre testemunho de Cristo e inspirou uma cultura rica de valores evangélicos; hoje, num novo clima de liberdade, a Igreja apostólica georgiana olha para o futuro com firme confiança na força da graça de Deus de poder suscitar uma nova primavera de fé nesta abençoada terra.

Na paz de Cristo saúdo, portanto, Vossa Santidade e os Arcebispos e Bispos do Santo Sínodo. É significativo que esta primeira visita do Bispo de Roma à Igreja ortodoxa georgiana se realize na vigília do Grande Jubileu do segundo milénio do nascimento do Filho de Deus, enviado pelo Pai para a redenção do mundo. O Grande Jubileu representa um convite para todos os crentes a unirem-se num hino de acção de graças pelo dom da salvação em Cristo, e a empenharem-se todos juntos para que triunfe o seu Reino de santidade, de justiça e de paz. Ao mesmo tempo, o Jubileu desafia-nos a reconhecer, em espírito de contrição e arrependimento, as divisões surgidas entre nós no decurso deste milénio, em aberta contradição com a vontade do Senhor, que orou para que todos os seus discípulos fossem um só (cf. Jo Jn 17,21). Que este encontro e o ósculo da paz que daremos uns aos outros, possam ser um passo, repleto de graça, rumo a uma renovada fraternidade entre nós e a um testemunho mais autenticamente compartilhado de Jesus Cristo e do Evangelho de vida eterna!

2. Desejo assegurar-vos do respeito e da admiração que a Igreja católica nutre pela Igreja georgiana. Enraizada na comunidade original de Jerusalém, a Igreja georgiana é uma das primeiras comunidades cristãs. Em conexão com a pregação do Apóstolo André, ela deve a verdadeira conversão do rei e da nação a Santa Nino. Um autor ocidental, Rufino, na sua "História Eclesiástica", propõe-nos uma descrição muito antiga da vida do Santo que, da sua prisão, pregou o Evangelho do Senhor, com palavras e orações, penitência e milagres. O "pilar vivo" que erigiu com a sua oração para sustentar o templo que era construído, depois de nenhum instrumento ou esforço humano ter conseguido, é uma sua bonita imagem, autêntico pilar da fé do povo georgiano. Monges santos e eruditos deram a esta terra, que segundo a tradição conservava a túnica do Senhor, muitos dos seus monumentos eternos de cultura e civilização. Também o alfabeto foi criado como instrumento para proclamar a palavra de Deus na língua do povo. Plêiades de mártires derramaram o seu sangue pelo Evangelho, quando a profissão da fé cristã era um delito punível com a morte: desde as nove crianças mártires de Kola a São Shushanik, Santo Eustáquio de Mtskheta, Abo de Tbilissi, até à Rainha Ketevan. Pela sua história e cultura cristãs, a Geórgia merece o reconhecimento da Igreja universal.

Também o século que está a chegar ao seu termo viu nestas terras plêiades de confessores e de mártires. O vosso País foi, portanto, mais uma vez santificado pelo sangue das testemunhas do Cordeiro sacrificado para a nossa salvação. Imploro a sua intercessão junto de Deus para as nossas Igrejas, a fim de que possamos prosseguir juntos ao longo do caminho daquela paz, que só o Senhor ressuscitado pode dar.

3. Aqui, neste momento providencial, não posso deixar de agradecer a Deus os resultados dos contactos que foram feitos nos últimos anos entre a Igreja católica e a Igreja ortodoxa, a começar pelo encontro histórico entre o Patriarca Ecuménico Atenágoras I e o Papa Paulo VI. Graças à sua abertura às sugestões do Espírito Santo e ao seu profundo empenho pessoal, estes dois grandes guias introduziram as nossas Igrejas num caminho que, por graça de Deus, assistiu ao crescimento dum diálogo inspirado pela caridade e inteiramente teológico. Desde a instituição da Comissão Internacional Conjunta, acompanhei de perto os progressos do diálogo, que reveste uma enorme importância para a causa da unidade cristã. Ao basear os próprios estudos sobre aquilo que os católicos e os ortodoxos têm em comum, a Comissão realizou grandes progressos. Desde o momento da sua instituição no seio da ortodoxia, por decisão unânime de todas as Igrejas ortodoxas, a Comissão tratou de temas de importância fundamental, como o Mistério da Igreja e da Eucaristia, à luz do mistério da Santíssima Trindade; Fé, Sacramentos e Unidade da Igreja; o Sacramento da Ordem na estrutura sacramental da Igreja e a importância da Sucessão Apostólica para a santificação e a unidade do Povo de Deus. A Comissão continua a tratar de questões que apresentam não poucas dificuldades no caminho que as nossas Igrejas empreenderam juntas. Espero que os documentos do diálogo possam servir como base para esclarecer a nossa relação e para evitar incompreensões lá onde católicos e ortodoxos vivem uns ao lado dos outros. O trabalho deve prosseguir e qualquer obstáculo que se apresente no caminho pode ser removido com paciência, num espírito de fraternidade e de amor sincero à verdade.

Neste contexto, recordo com prazer os contactos fecundos entre a Igreja católica e a Igreja ortodoxo-georgiana, iniciados no tempo do Concílio Vaticano II, para o qual a vossa Igreja enviou alguns observadores. A visita de Vossa Santidade a Roma marcou outro momento intenso de fraternidade e de comunhão. Desejo aqui mencionar que em 1991 o saudoso Arcebispo David de Sukhumi e Abkhazia participou, juntamente com outros Delegados fraternos, na primeira Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa, durante a qual se reflectiu sobre a necessidade de uma nova evangelização, que representa o desafio mais urgente que as nossas Igrejas devem enfrentar depois das mudanças do último decénio. Enquanto a Europa cristã se prepara para cruzar o limiar do novo milénio, como é necessário o contributo da Geórgia, esta antiga encruzilhada de culturas e tradições, para a edificação de uma nova cultura do espírito, de uma civilização do amor inspirada e sustentada pela mensagem evangélica de libertação!

4. Nos últimos anos, como consequência da liberdade reencontrada do vosso País, as relações entre as nossas Igrejas tornaram-se mais directas. A Igreja católica, por sua parte, conseguiu assegurar o cuidado pastoral dos seus fiéis. Espero ardentemente e oro todos os dias para que a colaboração entre as nossas Igrejas cresça a todos os níveis, como expressão eloquente e necessária do testemunho do Evangelho, ao qual todos nós, ortodoxos e católicos, somos chamados. Asseguro-vos que o meu Representante na Geórgia se empenhará em promover esta relação de cooperação e de compreensão, num espírito de autêntica caridade cristã, isento de incompreensões e desconfiança, e caracterizado por um respeito total. Ele sabe como isto é importante para o Bispo de Roma. Independentemente de quanto o caminho da reconciliação seja difícil, devemos implorar o Espírito Santo para que leve à plena realização aquilo que nós, obedecendo ao Senhor, procuramos tornar possível.

Santidade, caros Arcebispos e Bispos da Igreja ortodoxo-georgiana, agradeço-vos mais uma vez ter-me acolhido como vosso hóspede. Fiel ao empenho assumido há muitos anos, asseguro-vos das minhas constantes orações a fim de que o Senhor conceda à venerável Igreja georgiana sempre maior vigor e vitalidade, para cumprir a sua missão apostólica. Sobre Vossa Santidade, caro Irmão, e sobre todos os Bispos que compartilham com Vossa Santidade a responsabilidade de proclamar o Evangelho de Jesus Cristo na terra georgiana, invoco a luz e a sabedoria do Espírito Santo. "Aquele que, pela virtude que opera em nós, pode fazer infinitamente mais do que tudo quanto podemos ou entendemos, a Ele seja dada glória na Igreja, e em Jesus Cristo, em todas as gerações, pelos séculos dos séculos. Amém" (Ep 3,20-21).



JOÃO PAULO II



DURANTE A VISITA NA


CATEDRAL PATRIARCAL "SVETITSKHOVELI"


8 de Novembro de 1999

"Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo: Ele abençoou-nos com todas as bênçãos espirituais" (Ep 1,3).

Santidade e Beatitude!

1. Para mim este é um momento de autêntica bênção de Deus Omnipotente, fonte de conforto e esperança, que me oferece esta oportunidade de saudar o Catholicos-Patriarca e o Santo Sínodo da Igreja apostólica da Geórgia, aqui na Catedral patriarcal "Svetitskhoveli". Este edifício histórico simboliza a Igreja georgiana e ao longo dos séculos foi depósito de força espiritual para a nação em todas as circunstâncias alegres ou tristes.

O significado do edifício material consiste no facto de ele falar daquela realidade superior que é "a Casa de Deus" (1Co 3,9), "feita de pedras vivas" (cf. 1P 2,5). Celebra-se aqui a sagrada liturgia na qual a Igreja, peregrina na terra, exprime o vínculo espiritual que a une à Igreja no céu através da comunhão dos santos. As pedras e os ícones sagrados desta Catedral patriarcal falam-nos dos santos e dos mártires desta terra que se encontram com Maria, a grande Mãe de Deus, e de todos os santos e santas no Céu!

Com efeito, segundo a fé permanente da Igreja, a união entre todos os que ainda são peregrinos na terra e aqueles que repousam na paz de Cristo é constantemente reforçada por um intercâmbio de dons espirituais. Através da solicitude fraterna dos santos no Céu somos ajudados na nossa debilidade (cf. Lumen gentium, LG 49).

Santidade!

2. Vêm-me à mente as palavras da Carta aos Hebreus: "Portanto, estamos rodeados dessa grande nuvem de testemunhas. Deixemos de lado tudo o que nos embaraça e o pecado que se agarra a nós. Corramos com perseverança a corrida" (12, 1).

Não podemos duvidar que o percurso da Igreja no alvorecer do terceiro milénio consiste em proclamar o Salvador Jesus Cristo aos homens e mulheres de hoje, com um fervor e uma convicção não inferiores aos dos grandes evangelizadores do passado. Demos graças a Deus porque a Igreja na Geórgia continuou no decurso dos séculos a anunciar a Boa Nova com fé firme e comprovada fidelidade.

O Senhor orienta a história humana e ensina-nos a interpretá-la. Hoje para os cristãos abrem-se em toda a parte novos horizontes e em particular o Espírito Santo inspira-nos a ouvir a súplica do próprio Cristo: "Para que todos sejam um... a fim de que o mundo acredite que Tu me enviaste" (cf. Jo Jn 17,21). O futuro jamais será apenas o resultado da nossa obra; será um grande dom e graça de Deus.

3. Portanto, confio na oração o futuro das nossas respectivas Igrejas à gloriosa e sempre Virgem Maria, ao seu esposo São José, a Santo André, a todos os santos Apóstolos e a cada um dos mártires e santos.

Oxalá as velas que acendemos nesta noite sejam símbolo e penhor do nosso empenho comum em conceder que Cristo ilumine o caminho à nossa frente, dissipando as trevas e a obscuridade e mostrando o caminho rumo a um futuro mais luminoso.

A Santa Mãe de Deus, protectora da Geórgia, que graças à acção do Espírito Santo deu ao mundo o Autor da Vida, abrace com o seu manto de amor a Igreja na Geórgia. Guie Vossa Santidade e os seus irmãos Bispos na solicitude pelas pessoas que lhe são confiadas, a fim de que possam responder com renovada fidelidade a Deus, que nos chama a ser santos como Ele mesmo é santo (cf. Lv 19,2 Mt 5,48)!

Confio esta bonita terra da Geórgia ao Pai de toda a consolação para que, através duma renovada descoberta do seu património cristão, possa crescer em harmonia e prosperidade, para a felicidade do seu povo e uma maior estabilidade, cooperação e paz em toda esta região.



VIAGEM APOSTÓLICA À ÍNDIA E À GEORGIA (5-9 DE NOVEMBRO DE 1999)

DECLARAÇÃO CONJUNTA

DE SUA SANTIDADE JOÃO PAULO II


E O CATHOLICOS-PATRIARCA


DE TODA A GEÓRGIA ELIAS II




Ao encontrarem-se fraternalmente em Tbilissi e sempre com o olhar voltado para Cristo, Príncipe da Paz, Sua Santidade João Paulo II e o Catholicos-Patriarca de toda a Geórgia Elias II desejam dirigir um apelo em favor da paz aos Governos, às Organizações internacionais, aos Responsáveis religiosos e a todas as pessoas de boa vontade.

Referimo-nos à Geórgia, ao Cáucaso, uma região de particular importância histórica e geopolítica, que une a Europa e a Ásia e constitui um lugar de encontro para as culturas do Oriente e do Ocidente. Hoje, esta região, como muitas outras partes do mundo, deve enfrentar uma situação difícil. A Abkházia, o Nagorno-Karabakh e o Cáucaso Setentrional constituem uma ameaça para a paz no mundo e requerem uma acção resoluta por parte da humanidade.

A paz é um dom supremo, sem o qual é impossível conferir pleno significado à vida e promover o desenvolvimento. O coração humano anela a este bem supremo e as pessoas aspiram a viver em harmonia. O mundo de hoje é como uma aldeia global. Existe o grave perigo de que o conflito numa particular área supere os confins desta última e envolva outras nações, provocando novas guerras.

Numa época tão importante como esta, o mundo deve mobilizar todas as suas forças espirituais, intelectuais e físicas para evitar uma catástrofe mundial. O terrorismo é uma nova ameaça concreta para a paz no mundo. Assim, é importante que a soberania, a integridade territorial e a segurança dos países sejam garantidas pelas Organizações internacionais.

Por este motivo, dirigimo-nos a quantos escutam a nossa mensagem, a fim de que sejam sábios e demonstrem uma forte determinação em salvar este planeta confiado ao seu cuidado, contra o perigo da guerra, e portanto de criar as condições necessárias para que o Terceiro Milénio possa ser deveras «Paz na terra e boa vontade entre os homens».

Tbilissi, 8 de Novembro de 1999.


Sua Santidade


JOÃO PAULO II


Catholicos-Patriarca de toda a Geórgia


ELIAS II


JOÃO PAULO II



DURANTE O ENCONTRO COM O


MUNDO DA CULTURA


Tbilisi, 9 de Novembro de 1999


Senhor Presidente
Excelências
Senhoras e Senhores!

1. Esperei com anseio este encontro convosco, homens e mulheres da cultura, da ciência e das artes da Geórgia, pois sois verdadeiramente os representantes e os guardiães do seu excepcional património cultural. A Geórgia é muito conhecida como País de poetas e artistas e é a orgulhosa herdeira de uma antiga tradição, enriquecida ao longo dos séculos por elementos provenientes dos contactos com outras nações e povos. Agora, com a queda das barreiras que durante muito tempo simbolizaram a separação entre o Leste e o Oeste, a Geórgia inaugurou um capítulo novo e desafiante da sua história e está inteiramente empenhada na reedificação do seu tecido social e na criação dum futuro de esperança e de prosperidade para o seu povo. Como representantes do mundo da cultura, vós desempenhais um papel insubstituível neste processo. Compete-vos criar uma nova visão cultural, que beberá da herança do passado para inspirar e plasmar o futuro. Esta nobre tarefa torna-se um dever sagrado, no momento em que a Geórgia está para celebrar os seus três mil anos como nação.

Estou particularmente grato ao Presidente Shevardnadze por presidir a este encontro e agradeço-lhe o cordial acolhimento e as amáveis palavras de introdução. Exprimo a minha profunda gratidão ao Catholicos-Patriarca. A todos vós, ilustres convidados, manifesto a esperança de que a minha visita sirva para ressaltar a vocação particular da Geórgia, como artífice de paz em toda esta região e como ponte entre os Países do Cáucaso e do resto da Europa.

2. Ao dirigir-me a vós hoje, não posso deixar de recordar o contributo do cristianismo à cultura georgiana. É significativo que durante muitos séculos a vossa literatura nacional tenha sido feita, quase exclusivamente, de inspiração religiosa. Isto reflecte algo que vale para a inteira cultura da humanidade. Ela toma consistência de um impulso, mediante o qual a individualidade humana procura erguer-se acima dos próprios limites, com um impulso interior a comunicar e a compartilhar. Neste sentido, podemos afirmar que a cultura aprofunda as suas raízes na "alma naturalmente religiosa" do homem. Esta força interior, que o homem experimenta e que o impele a buscar a realização do próprio ser nas suas relações com os outros, permanece insatisfeita enquanto não alcançar o Outro que é o Absoluto.

É precisamente deste movimento de autotranscendência, de reconhecimento do outro, de necessidade de comunicar com o outro, que nasce a cultura. Contudo, este impulso para o outro só é possível mediante o amor. Em última análise, só o amor consegue desarraigar o egoísmo trágico que se aninha nas profundezas do coração humano. É o amor que nos ajuda a pôr os outros e o Outro no centro da nossa vida. Os cristãos sempre procuraram criar uma cultura que estivesse fundamentalmente aberta ao interior e ao transcendente, embora ao mesmo tempo estivesse atenta ao temporal, ao concreto e ao humano. Gerações de cristãos lutaram por criar e transmitir uma cultura, cuja finalidade é uma comunhão fraterna de pessoas sempre mais profunda e universal. Entretanto, esta universalidade não é uniformidade opressora. A cultura autêntica respeita o mistério da pessoa humana, e deve portanto implicar um intercâmbio dinâmico entre o particular e o universal. Deve perseguir uma síntese entre unidade e diversidade. Só o amor é capaz de manter esta tensão num equilíbrio criativo e fecundo.

3. Estes pensamentos surgem espontâneos se se considera a antiga cultura cristã da Geórgia. A pregação do Evangelho não só tornou conhecida a Palavra da salvação, mas sugeriu também a criação do alfabeto georgiano e promoveu o consequente desenvolvimento da vossa identidade nacional. A fé cristã inspirou o amor pela palavra escrita, que exerceu um forte impacto sobre a vossa língua, a vossa literatura e sobre toda a vossa vida cultural.

A tradição, segundo a qual os georgianos presentes na crucifixão de Cristo trouxeram de Jerusalém a túnica inconsútil do Senhor, simboliza a resoluta inspiração à unidade desta nação; o mesmo vale para as tradições, segundo as quais o Evangelho foi anunciado no vosso País pelos Apóstolos André e Simão, e também por São Clemente de Roma, desterrado para as minas do Quersoneso. Ao ressaltarem a venerável antiguidade da Igreja na Geórgia, estas tradições são também índice de uma profunda consciência dos vínculos de comunhão que a Igreja nesta terra mantém no âmbito da única Igreja de Cristo. Sinais da importância atribuída a esta comunhão, são as inúmeras tradições que fazem parte da literatura religiosa georgiana. Elas representam um tesouro autêntico que compartilhastes com todo o mundo cristão, preservando textos que, doutra forma, ficariam perdidos. Outros testemunhos desta abertura e deste intercâmbio são os mosteiros georgianos e os monges presentes em diversas partes do mundo cristão. Pensamos apenas no Mosteiro de Iviron no Monte Atos! Esta abertura da vossa cultura, tão evidente no passado, é de igual modo importante hoje. Todos nós sabemos como é essencial, em particular nesta área do mundo, promover uma cultura de solidariedade e cooperação, uma cultura capaz de combinar toda a riqueza da vossa identidade com aquela que foi gerada pelo encontro com outros povos e sociedades.

4. Assistimos agora a um processo de globalização, que tende a subestimar a variedade e a diversidade, e que é caracterizado pelo nascimento de novas formas de etnocentrismo e de excessivo nacionalismo. Nesta situação, o desafio consiste em promover e transmitir uma cultura viva, capaz de promover a comunicação e a fraternidade entre diversos grupos e povos e entre os diversos campos da criatividade humana. Noutras palavras, o mundo de hoje desafia-nos a conhecermo-nos e a respeitarmo-nos uns aos outros, na diversidade das nossas culturas e através delas. Se correspondermos, a família humana beneficiará de unidade e de paz, enquanto cada uma das culturas será enriquecida e renovada, purificada de tudo aquilo que põe obstáculos ao encontro recíproco e ao diálogo.

Um dos desafios mais difíceis do nosso tempo é o encontro entre a tradição e a modernidade. Este diálogo entre o antigo e o novo determinará, em grande medida, o futuro das gerações mais jovens e, por conseguinte, o futuro da nação. É um diálogo que requer uma reflexão e um aprofundamento maiores e exige um sábio equilíbrio, pois é alto o preço daquilo que está em jogo. Por um lado, pode existir a tentação de se refugiar em formas de nostalgia fechada a quanto há de positivo no mundo contemporâneo; por outro, há uma forte tendência, hoje, a adoptar de maneira acrítica o sincretismo e a ausência de finalidade existencial, que são típicos de uma certa modernidade. Ao enfrentar os desafios culturais do presente, o património espiritual da Geórgia é uma fonte de inestimável valor, porque tutela o grande tesouro de uma noção do homem e do seu destino, unificada e integral. Este património e as tradições que dele derivam são um precioso direito de nascimento de todos os georgianos, proclamado até mesmo pelas pedras: pensamos apenas naquela esplêndida jóia que é a igreja de Jvari, um farol de luz espiritual para a vossa terra.

5. Hoje é urgente recuperar a visão duma unidade orgânica, que compreenda o homem e a inteira história humana. Os cristãos estão convictos de que no centro desta unidade está o mistério de Cristo, o Verbo de Deus encarnado, que revela o homem a si próprio e manifesta a sua vocação sublime (cf. Gaudium et spes GS 22). Não tenhais medo de Cristo! A fé n'Ele abre para nós um mundo espiritual que inspirou e continua a inspirar as energias intelectuais e artísticas da humanidade. Cristo torna-nos livres para uma criatividade autêntica, precisamente porque nos torna capazes de penetrar o mistério do amor, o amor de Deus e o amor do homem e, se agirmos assim, faz com que apreciemos e ao mesmo tempo transcendamos a particularidade.

Que os homens e as mulheres empenhados nas artes, na ciência, na política e na cultura ponham a própria criatividade ao serviço da promoção da vida em toda a sua verdade, beleza e bondade! Isto só pode ser feito, anelando a uma visão integral do homem. Lá onde essa visão é débil, a dignidade humana resulta anulada e os bens da criação, que têm em vista o bem-estar e o progresso da humanidade, antes ou depois voltam-se contra o homem e contra a vida. O século que caminha para o seu termo, com as suas dolorosas experiências de guerra, violência, torturas e várias formas de opressão ideológica, testemunha-o de maneira bastante eloquente. Ao mesmo tempo, ele testemunha a força inexaurível do espírito humano que triunfa sobre tudo aquilo que procura sufocar o desejo irresistível de verdade e de liberdade.

Caros amigos, formulo os meus melhores votos para a vossa obra e oro, a fim de que o Jubileu de Cristo, que nos preparamos para celebrar, seja um convite a todas as pessoas de boa vontade a cooperarem para edificar um futuro de esperança, uma autêntica civilização do amor. Sobre todos vós invoco a luz e a alegria que são os dons do Espírito Santo, Senhor e Dador da vida.



JOÃO PAULO II



NO ENCONTRO COM A COMUNIDADE CATÓLICA


NA IGREJA DOS SANTOS PEDRO E PAULO


Tbilisi, 9 de Novembro de 1999


Queridos Irmãos e Irmãs em Cristo!

1. Com grande afecto vos saúdo, membros da comunidade católica da Geórgia e do Cáucaso. Em particular, saúdo D. Giuseppe Pasotto, Administrador Apostólico, e a vós, seus "colaboradores para o Reino de Deus" (cf. Cl Col 4,11) nesta amada terra. O nosso encontro realiza-se na venerável igreja dos Santos Pedro e Paulo. Este edifício, a única igreja católica que permaneceu aberta em Tbilissi durante o período da perseguição, é um símbolo eloquente da perseverante fidelidade a Cristo e da comunhão ininterrupta com a Sé de Pedro. Damos graças a Deus Omnipotente pela fé e a coragem que sustentaram a comunidade católica durante aqueles tempos difíceis e prepararam o caminho para o seu actual renascimento. Que os Santos Apóstolos Pedro e Paulo, unidos na proclamação do Evangelho e no seu martírio, velem sobre esta parte do rebanho do Senhor e vos fortaleçam enquanto enfrentais os desafios de um novo capítulo da história da Geórgia!

2. Dirijo uma saudação particular a vós, meus irmãos sacerdotes, servos fiéis do Senhor. Como a semente que cai na terra e morre só para produzir muito fruto (cf. Jo Jn 12,24), o vosso ministério sacerdotal, exercido com humildade e modéstia, enriquece o terreno do qual, pela graça de Deus, emergem agora novos e abundantes frutos espirituais. Graças às Ordens sagradas, fostes configurados sacramentalmente a Cristo, Cabeça e Pastor da Igreja. Exorto-vos a ter "em vós os mesmos sentimentos de Cristo" (cf. Fl Ph 2,5) e a desenvolver todos os dias aquela caridade pastoral, que tem origem no seu Sagrado Coração e vai ao encontro da humanidade, até abraçá-la inteiramente. Sob a vossa guia, a comunidade católica na Geórgia, que se exprime de maneira rica nas tradições latina, arménia e caldeia, seja para a nação sinal da unidade e da paz, que são os dons do Senhor a quantos crêem nas suas promessas.

Também vós, caros religiosos e religiosas, ocupais um lugar especial no coração do Papa. Consagrados ao Senhor, o vosso empenho na busca da caridade perfeita leva-vos a um generoso serviço aos necessitados e àqueles que, muitas vezes sem o saber, procuram o Reino de Deus entre as falsas promessas de um mundo confundido sobre os justos valores.

As vossas obras de educação e de caridade têm em vista a presença do Senhor e a força salvífica da sua graça. Estou particularmente grato pelo testemunho de caridade dado pelos membros da Clínica Redemptor hominis e pela obra excepcional realizada pela Cáritas da Geórgia.

3. Ofereço o meu encorajamento e o meu apoio aos leigos desta abençoada terra da Geórgia. Nas vossas famílias, paróquias e associações, celebrai a fé em Cristo e sede fermento do Evangelho na sociedade que vos circunda! Também vós fostes consagrados mediante o Baptismo. Também vós fostes enviados como membros do povo profético, real e sacerdotal de Deus, como testemunhas do Evangelho. Que a luz de Cristo elimine as sombras e dissipe as trevas que podeis encontrar no vosso coração e no mundo que vos circunda! Não tenhais medo de vos abrir a Cristo e à força purificadora do seu amor.

4. Caros amigos, no limiar do terceiro milénio cristão, a Igreja na Geórgia, livre das restrições do passado, olhe para o futuro com imensa esperança e se empenhe por uma nova primavera do Evangelho! Que cada um seja uma testemunha da paz de Cristo, sempre empenhado em promover a compreensão e o diálogo, em particular com os nossos irmãos e irmãs ortodoxos! Ao confiar a comunidade católica do Cáucaso à intercessão amorosa de Maria, Mãe da Igreja, invoco sobre vós e as vossas famílias abundantes bênçãos divinas.




Discursos João Paulo II 1999 - Nova Déli, 7 de Novembro de 1999