Discursos João Paulo II 1999 - Quinta-feira, 18 de Novembro de 1999

DISCURSO DO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES DA CONFERÊNCIA INTERNACIONAL


"ECONOMIA E SAÚDE"


Sexta-feira, 19 de Novembro de 1999



Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Ilustres Senhores e Senhoras!

1. É-me grato acolher-vos por ocasião da vossa participação na Conferência internacional, que o Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde quis dedicar este ano à reflexão sobre a relação que une economia e saúde: um tema tão actual e denso de problemáticas, que envolve quer a disposição das políticas nacionais, quer a tarefa de evangelização da Igreja.

Sáudo D. Javier Lozano Barragán e agradeço-lhe as amáveis palavras que me dirigiu há pouco, fazendo-se intérprete dos sentimentos de todos. Dirijo cordiais boas-vindas aos Colaboradores do Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde, assim como aos eminentes estudiosos, pesquisadores, representantes de Estados e de Governos, que quiseram honrar com a sua presença e o seu contributo científico este importante Simpósio.

No intento de estabelecer linhas de acção concretas, enfrentastes o argumento, não por um aspecto simplesmente técnico, mas de modo cientificamente orgânico e articulado. A vossa reflexão moveu-se no horizonte da fé. De facto, é a partir da Palavra de Deus, portadora de salvação integral para a humanidade inteira, que é melhor evidenciada a relação economia-saúde, tanto globalmente como nas suas diversas características específicas.

Uma melhor compreensão desta realidade, que em si é tão complexa e tem um alcance mundial, é sem dúvida favorecida pela séria aproximação interdisciplinar por vós oportunamente escolhida. Quisestes considerar a relação economia e saúde à luz tanto do desenvolvimento histórico, como da doutrina social da Igreja, da teologia e da moral. E, tudo, no espírito de um construtivo diálogo ecuménico e inter-religioso.

2. Não falta, além disso, na vossa reflexão um consequente intento operativo: formulastes propostas de linhas de acção capazes de melhorar a relação existente entre economia e saúde a todos os níveis: económico, social, político, cultural e religioso. Isto é, procurastes responder aos interrogativos sobre o que fazer, a nível mundial e em cada País, para actuar de modo mais humano e cristão a relação entre economia e saúde.

É este um interrogativo inquietante, que do Congresso deve alcançar todos os homens de boa vontade e interpelar, de modo particular, aqueles que a nível mundial e de cada país têm uma maior responsabilidade neste âmbito.

Com efeito, não é tolerável que a limitação dos recursos económicos, hoje experimentada de diversos modos, se repercuta de facto, de maneira prevalecente, nas faixas débeis da população e nas áreas do mundo menos favorecidas, privando-as dos necessários cuidados de saúde. De igual modo, não é admissível que essa limitação conduza a excluir dos cuidados de saúde algumas etapas da vida ou situações de particular fragilidade e debilidade, como são, por exemplo, a vida nascente, a velhice, a grave deficiência, as doenças terminais.

Toda a pessoa humana, criada à imagem e semelhança de Deus, é chamada a participar da própria vida divina, tem direito de poder sentar-se à mesa do banquete comum e de usufruir dos benefícios oferecidos pelo progresso, a ciência, a técnica e a medicina.

3. Do mesmo modo, é importante adquirir uma mais adequada visão da saúde, que se baseia numa antropologia respeitosa da pessoa na sua integridade. Longe de se identificar com a simples ausência de doenças, esse conceito de saúde põe-se como tensão para uma plena harmonia e um sadio equilíbrio a nível físico, psíquico, espiritual e social (cf. Mensagem para o VIII Dia Mundial do Doente, 13).

É a partir desta renovada visão de economia e de saúde que se poderá actuar, em termos mais positivos, uma relação recíproca. Não é tarefa da Igreja definir que modelos económicos e que sistemas de saúde podem resolver melhor a relação economia-saúde, mas é sua missão empenhar-se por que, no contexto da chamada "globalização", ela seja enfrentada e resolvida à luz daqueles valores éticos, que favorecem o respeito e a tutela da dignidade de todo o ser humano, a partir dos mais débeis e pobres.

4. Com grande tristeza deve-se constatar que a diferença entre situações de riqueza, até mesmo excessiva, e de pobreza impelida às vezes até à indigência, em vez de diminuir, tende a ampliar-se sempre mais (cf. Sollicitudo rei socialis SRS 14). Um facto, este, que comporta repercussões mais do que nunca pesadas e às vezes dramáticas, precisamente em referência à relação economia e saúde.
Ainda bem que nesta situação está a aumentar uma maior consciência da dignidade de toda a pessoa e da radical interdependência humana, com um consequente e crescente sentido do dever da solidariedade. É só neste horizonte que se pode realizar a superação de uma visão económica e, portanto, redutiva da saúde, deixando-se para trás as inúmeras e injustas desproporções existentes na relação economia-saúde.

Para os cristãos, em particular, a solidariedade torna-se virtude que desemboca na caridade e, por esta, é constantemente alimentada, suscitando consequentes atitudes de acolhimento e de apoio, também no âmbito do cuidado dos doentes. Ponto de referência suprema continua a ser a comunhão trinitária, na qual o cristão sabe que deve inspirar a própria vida, para realizar uma relação de caridade autêntica, cujos sujeitos privilegiados são com certeza os irmãos mais débeis, entre os quais devem ser incluídos os doentes.

5. A eles quero agora dirigir um especial pensamento de afecto, que faço extensivo às respectivas famílias preocupadas pela sua saúde, e a quantos trabalham com generosidade e solidariedade ao seu serviço. A cada um deles quero renovar a expressão da proximidade solícita da Igreja e a certeza do seu empenho incansável, para que se construa uma sociedade mais justa e fraterna.
Dirijo um apelo especial aos governantes e aos organismos internacionais, para que ao enfrentarem a relação economia e saúde se deixem guiar unicamente pela busca do bem comum.

Às indústrias farmacêuticas, peço que jamais deixem prevalecer o lucro económico sobre a consideração dos valores humanos, mas que se mostrem sensíveis às exigências de quantos não gozam de um seguro social, pondo em prática válidas iniciativas para favorecer os mais pobres e marginalizados. É preciso trabalhar para reduzir e, se possível, eliminar as diferenças existentes entre os vários continentes, exortando os países mais desenvolvidos a porem à disposição daqueles menos desenvolvidos experiência, tecnologia e uma parte das suas riquezas económicas.

Possa o alvorecer do terceiro milénio ver o nosso planeta, com todos os seus recursos, mais conforme com o desígnio de Deus, de modo tal que ninguém se sinta excluído do cuidado devido à sua pessoa e à sua saúde, no respeito pela igual dignidade de cada um.

À Virgem Maria, modelo da Igreja e de uma humanidade reconciliada, confio o fruto dos vossos trabalhos, para que com a sua intercessão materna dê cumprimento aos anseios de bem, de justiça e de paz presentes no coração de todo o homem.

A todos a minha Bênção!



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


POR OCASIÃO DA VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM"


DO TERCEIRO GRUPO DE BISPOS DA ALEMANHA


Sábado, 20 de Novembro de 1999



Senhor Cardeal
Queridos Irmãos no Episcopado!

1. Com a "ternura profunda que sinto por todos vós no amor de Cristo Jesus" (cf. Fl Ph 1,8), saúdo-vos acolhendo em vós o terceiro grupo de Bispos alemães em visita ad Limina. Agradeço ao Pai celeste o empenho que nos irmana na difusão do Evangelho (cf. Fl Ph 1,5) e a comunhão de fé e de amor que nos une no serviço ao povo de Deus. Convosco, saúdo as Igrejas particulares a que presidis com grande dedicação. Estimulado pela "solicitude por todas as Igrejas" (2Co 11,28), convido-vos a garantir aos sacerdotes, diáconos, religiosos e leigos das vossas dioceses que o Papa partilha as suas alegrias e tristezas e reza pelo seu constante crescimento na graça e na santidade de vida. Sob este perfil a vossa visita ad Limina torna-se uma peregrinação espiritual. Com efeito, a vossa vinda não constitui apenas o cumprimento duma obrigação administrativa ou jurídica do ministério pastoral, mas é também um testemunho de autêntica irmandade e união no amor de Cristo, Pastor supremo (cf. 1P 5,4), que envia os seus ministros à Igreja em peregrinação no tempo "para que, com o poder que lhes entregava, fizessem de todos os povos discípulos Seus, os santificassem e governassem" (Lumen gentium LG 19).

Como fiz durante os dois precedentes encontros com os Bispos do vosso País, desejaria reflectir também hoje sobre alguns aspectos essenciais do "sacramento universal da salvação" (Ibid., 48). Desenvolverei a minha reflexão sobre o tema fundamental da Igreja como mistério. No âmbito das várias actividades quotidianas do ministério pastoral devemos ocupar-nos de numerosas coisas. Seria bom, de vez em quando, fazer uma pausa de reflexão para tirar o véu da aparência, no qual o nosso olhar fica muitas vezes aprisionado e, desta forma, descobrir quanto deveras essencial fica escondido sob a superfície.

2. Apraz-me recordar um pensamento formulado pelo meu predecessor de venerada memória, Papa Paulo VI, na sua Encíclica Ecclesiam suam a respeito da Igreja e da autoconsciência que ela tem da sua missão. O seu convite, dirigido há trinta e cinco anos aos Padres durante os trabalhos do Concílio Vaticano II, hoje pode servir como chave de leitura para perscrutar totalmente os "sinais dos tempos" na vigília do terceiro milénio: "a Igreja deve neste momento reflectir sobre si mesma, para se confirmar no conhecimento dos desígnios divinos a seu respeito, para encontrar maior luz, nova força e maior alegria no cumprimento da própria missão, e para escolher o melhor modo de estreitar, activar e melhorar os seus contactos com a humanidade" (n. 1). Devemos agradecer a Deus porque também a Igreja do nosso tempo, com a força do Senhor ressuscitado, se empenha a "revelar ao mundo, com fidelidade, embora entre sombras, o mistério de Cristo, até que no fim Ele se manifeste em luz total" (Lumen gentium LG 8).

Contudo, não devemos esquecer que a própria Igreja, enquanto "sinal e instrumento da íntima união com Cristo e da unidade de todo o género humano", é um mistério. Com razão, o primeiro capítulo da Constituição dogmática Lumen gentium tem por título "O mistério da Igreja".

Portanto, não se pode reformar a Igreja de modo autêntico, se não se parte do pressuposto do seu ser mistério. A Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos, convocada por ocasião do vigésimo aniversário do encerramento do Concílio, recordou quanto nele tinha sido afirmado: "Enquanto comunhão com Deus vivo, Pai, Filho e Espírito Santo, a Igreja é, em Cristo, "mistério" do amor de Deus presente na história dos homens" (Mensagem, II). Esta verdade deve inspirar o ensinamento, o serviço e a cura das almas de toda a Igreja. Sobre esta convicção baseiam-se também os documentos pós-sinodais do Magistério pontifício, que desejam promover uma renovação da Igreja que corresponda às necessidades contemporâneas.

3. Além disso, faz-se notar que o mesmo Sínodo especial de 1985 se sentia, com razão, obrigado a levantar a sua voz admoestadora. Os Bispos em assembleia ressaltavam que "por causa da leitura parcial do Concílio, foi feita uma apresentação unilateral da Igreja como estrutura puramente institucional, despojada do seu mistério", que causou graves carências sobretudo em certas associações leigas que "consideram a Igreja como pura instituição" (Documento final, I.4). Por conseguinte, muitos reivindicam o direito de construir a Igreja como se fosse uma espécie de "multinacional" governada por homens mais ou menos inteligentes. Mas na realidade a Igreja como mistério não é a "nossa", mas a "Sua" Igreja: é o povo de Deus, o corpo de Cristo, o templo do Espírito Santo.

Estimados Irmãos no Episcopado! O Apóstolo Paulo exorta: "Examinai tudo e ficai com o que é bom" (1Th 5,21). É tarefa do Bispo encorajar os sacerdotes e todos os que partilham a responsabilidade da cura das almas a empreenderem iniciativas de renovação espiritual das comunidades. Se se corre de um encontro para outro, sem pausa, cansa-se depressa. Por conseguinte, para prevenir o esgotamento espiritual, é sempre necessário adquirir um novo respiro através da oração. Com efeito, a comunidade paroquial mais viva não é a que tem um maior número de empenhos e de encontros, mas a que concentra toda a sua obra no próprio chamamento a viver a união com Deus Uno e Trino, mediante a escuta da palavra de Deus e a participação nos sacramentos. Esta necessidade foi ressaltada por muitos promotores de uma eclesiologia de comunhão inspirada nos ensinamentos do Concílio. Nesta tarefa também muitos teólogos do vosso País adquiriram méritos.

4. Encontramo-nos no final da preparação para o Grande Jubileu do Ano 2000. Este ano é dedicado à primeira pessoa da Santíssima Trindade. A reflexão acerca de Deus Pai conduz ao conceito de Igreja expresso por S. Cipriano com uma fórmula lapidar: "Não pode ter Deus como Pai, quem não tem a Igreja como Mãe" (De Ecclesiae catholicae unitate, 6).

Esta afirmação do Bispo de Cartagena, feita depois da experiência das perseguições de Décio e dos acontecimentos dos lapsi, conclui-se com o desejo de "que nenhum dos irmãos (e das irmãs) desfaleça e que a mãe encerre jubilosamente o único corpo do povo unido no seu seio" (Ibid., 23). Estamos todos conscientes da separação que existe entre a mensagem confiada à Igreja e a fragilidade humana daqueles que a anunciam. Qualquer que seja o parecer da história a respeito das debilidades dos representantes da Igreja, não devemos esquecer estas faltas; ao contrário, devemos fazer o possível para impedir que possam prejudicar a difusão do Evangelho. Por isso, "a Igreja, verdadeira Mãe, não deixa de rezar, de esperar, e de actuar para obter esta união, exortando os seus filhos a purificarem-se e a renovarem-se, para que o sinal de Cristo resplandeça mais brilhantemente sobre a Sua face" (Lumen gentium LG 15).

5. Enquanto na sua solicitude a Igreja como Mater é solidária com os seus filhos e filhas, ela é ao mesmo tempo Magistra. Por isso, possui a autoridade de educar e admoestar os filhos a fim de os conduzir pelas vias da salvação. A Igreja-mãe dá à luz, nutre e educa os filhos e as filhas. Ela reúne-os, dando-lhes uma missão e também a certeza de encontrar refúgio no seio materno. Ao mesmo tempo, entristece-se por quantos a abandonam e abre as portas à sempre desejada reconciliação. Vós, pastores, tendes uma particular responsabilidade. Como "pais das vossas comunidades" tendes o direito e a obrigação de exercer "a autoridade materna" da Igreja. Isto foi afirmado de maneira clara pelo Concílio Vaticano II: no anúncio, os Bispos "mostrem nesse ensino a solicitude maternal da Igreja por todos os homens, fiéis ou infiéis, e tenham um cuidado especial para com os pobres e os fracos (...) Sendo um dever da Igreja estabelecer o diálogo com a sociedade humana no meio da qual vive, os Bispos têm, antes de mais nada, obrigação de ir ter com os homens e de procurar e promover o contacto com eles. Mas, para que a verdade nunca se separe da caridade e a compreensão do amor, é necessário que estes colóquios de salvação se imponham pela clareza de linguagem e ao mesmo tempo pela humildade e delicadeza, bem como pela devida prudência; esta, porém, deve estar aliada à confiança que, fomentando a amizade, une por sua natureza os espíritos (Christus Dominus CD 13).

6. Ao amor materno da Igreja deve corresponder a obediência cordial dos filhos e das filhas. Na época contemporânea, enquanto nos âmbitos não só da sociedade civil mas também da Igreja se fala tanto de emancipação, está a difundir-se cada vez mais uma mentalidade que considera poder obter a verdadeira liberdade separando-se da Igreja. Como Bispos, procurais corrigir estas tendências erradas, anunciando e testemunhando com clareza e firmeza aquilo que sempre constituiu uma regra fundamental para os grandes Santos, os quais mesmo em momentos difíceis nunca se separaram do seio da Igreja-mãe. Desejaria voltar à analogia de S. Cipriano, completando-a: unicamente quem obedece à Igreja-mãe obedece também a Deus Pai. O Bispo de Cartagena desenvolve este pensamento indicando as graves consequências ainda possíveis: "Quem se separa do seio materno não pode viver nem respirar individualmente, sem perder a possibilidade de se salvar" (De Ecclesiae catholicae unitate, 23).

7. Estas reflexões não são isoladas da realidade. Também vós, Pastores dos vossos rebanhos na Alemanha, verificastes, sobretudo nestes anos, que o ministério episcopal se torna particularmente cansativo e requer um grande dispêndio de energias quando alguns grupos tentam provocar a Igreja, através de acções concertadas e insistentes pressões e mudanças que não correspondem à vontade de Cristo. Perante tais situações é tarefa do Bispo estar à frente, indicando a direcção, esclarecendo com paciência e procurando sempre unir através do diálogo. Exorto-vos a não perder a esperança. Mesmo ouvindo e sendo compreensivos, não permitais que uma autoridade humana de qualquer género possa debilitar os vínculos indissolúveis que existem entre vós e o Sucessor de Pedro.

A este ponto, desejo dirigir uma saudação especial aos leigos. Exprimo o meu profundo apreço aos numerosos homens e mulheres que seguem de maneira autêntica a sua chamada como raça eleita e sacerdócio real (cf. 1P 2,9). À luz do seu comportamento, ressalto ao mesmo tempo quais devem ser as atitudes dos leigos em relação aos seus Bispos e sacerdotes. Aos sagrados pastores "manifestem-lhes, pois, as suas necessidades e os seus desejos, com a liberdade e confiança próprias de filhos de Deus e irmãos em Cristo (...) Faça-se isto, se as circunstâncias o requererem, através de órgãos estabelecidos pela Igreja para o efeito, e sempre com verdade, fortaleza e prudência, e mostrando respeito e caridade para com aqueles que, por motivo do seu ofício sagrado, fazem as vezes de Cristo" (Lumen gentium LG 37).

De facto, a união com o Bispo é a atitude fundamental e indispensável do católico fiel. Não nos podemos iludir de estar com o Papa se não estamos também com os Bispos que vivem em comunhão com ele. E não podemos afirmar que estamos da parte dos Bispos se não estivermos também com a Cabeça do Colégio.

8. Constato com apreço que por vosso lado, venerados Irmãos, não deixais de dar aos vossos fiéis testemunho da comunhão no interior da Igreja. De facto, estou consciente de que a vossa preocupação primária é inserir todas as iniciativas pastorais no âmbito duma total sintonia com o Episcopado do mundo inteiro, reunido à volta do Sucessor de Pedro.

Penso de maneira especial no problema da defesa da vida, no qual é essencial que os Bispos de toda a Igreja dêem um testemunho unânime e unívoco. Pelas Cartas escritas por mim ou por meu encargo acerca desta questão sabeis quanto é grande a minha solicitude pela consultação e ajuda às mulheres grávidas. Faço votos por que depressa esta significativa actividade da Igreja no vosso País seja reordenada de modo definitivo, de acordo com as minhas directrizes. Tenho a certeza de que uma consultação eclesial, que se distingue devido à sua qualidade, se torna um sinal eloquente para a sociedade e constitui um meio eficaz para encorajar as mulheres em dificuldade a não recusarem a nova vida que trazem no seio.

9. Reflectindo sobre a relação entre os pastores ordenados e os leigos nas categorias do sacerdócio real, desejaria recordar o sacerdócio comum. Deus seja louvado porque o Concílio Vaticano II esclareceu de novo esta profunda verdade! Na nova aliança há um único sacrifício e um só sacerdote: Cristo. Neste sacrifício de Cristo participam todos os baptizados, homens e mulheres, que são chamados a oferecer os seus "corpos como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus" (Rm 12,1). Esta participação diz respeito não só à missão sacerdotal de Cristo, mas também à sua missão profética e real. Além disso, manifesta-se assim também a união orgânica da Igreja com Cristo, que na Carta aos Efésios é descrita com a imagem do esposo e da esposa (cf. Ef Ep 5,12-33).

Encontramo-nos aqui no centro do Mistério pascal, no qual se revela o profundo amor esponsal de Deus. Cristo é o esposo porque se doou: entregou por nós o seu corpo e derramou o seu sangue (cf. Lc Lc 22,19-20). O facto de Jesus ter "amado até ao fim" (Jn 13,1) exalta o carácter esponsal do amor divino. Cristo Salvador é o esposo da Igreja. Por conseguinte, podemos considerar a Eucaristia, na qual Cristo constrói e edifica o corpo da Igreja, como o sacramento do esposo e da esposa.

Isto dá origem a uma diferença fundamental entre o sacerdócio comum de todos os baptizados e o sacerdócio dos ministros sagrados (cf. Instrução interdicasterial acerca de algumas questões sobre a colaboração dos fiéis leigos no sagrado ministério dos sacerdotes). A Igreja precisa de sacerdotes ordenados que ajam nos actos sacramentais "in persona Christi", representando Cristo esposo perante a Igreja esposa. Por outras palavras, os pastores sagrados, membros do único corpo da Igreja, representam a sua cabeça que é Cristo. Por isso, deve ser rejeitada qualquer tentativa de transformar o estado laico em clerical, ou de transformar o clero em laicado, porque não está conforme com o ordenamento misterioso querido pelo seu Fundador. Nem sequer determinadas tendências que pretendem anular a diferença substancial entre clero e laicado poderão suscitar vocações. Estimados Irmãos, peço que tenhais sempre vivo nas vossas comunidades paroquiais o desejo de sacerdotes ordenados. Também um longo período de espera, devido à actual escassez de sacerdotes, não deve levar uma comunidade paroquial a render-se perante o estado de emergência. Ambos, sacerdotes e leigos, precisam uns dos outros: não se podem substituir, mas apenas completar-se reciprocamente.

10. A respeito disto, desejaria ainda ressaltar um aspecto. No vosso País manifesta-se um crescente mal-estar em relação à atitude da Igreja no que se refere ao papel da mulher. Infelizmente ainda não se difundiu em toda a parte a consciência que todos os ensinamentos acerca do sacerdócio comum dos baptizados são válidos para os homens e as mulheres em igual medida. Sem dúvida, a dignidade das mulheres - que deve ser valorizada sempre e ainda mais - é grande! Mas os direitos humanos e civis da pessoa são de natureza diferente em relação aos direitos, deveres, funções do ministério eclesial, e este aspecto não é bastante evidenciado. Precisamente por isso, há algum tempo, em virtude do meu mandato de confirmar os irmãos, recordei que "a Igreja não tem absolutamente a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e que esta sentença deve ser considerada como definitiva por todos os fiéis da Igreja" (Ordinatio sacerdotalis, 4).

Como Pastores autênticos das vossas Dioceses tendes o dever de rejeitar as opiniões contrárias, que são propostas por indivíduos ou grupos, e de promover aquele diálogo aberto e claro na verdade e no amor que a Igreja-mãe deve continuar em vista da promoção das suas filhas. Não hesiteis em reafirmar que o Magistério da Igreja tomou esta decisão não como um acto do seu poder, mas na consciência do dever de obedecer à vontade do Senhor da própria Igreja. Por isso, o ensinamento acerca do sacerdócio reservado aos homens reveste o carácter daquela infalibilidade que está relacionada com o Magistério ordenado e universal da Igreja, do qual já falava a Lumen gentium e ao qual dei forma jurídica no "Motu Proprio" Ad tuendam fidem: "os Bispos no exercício do seu magistério autêntico em matéria de fé e costumes, enunciam a doutrina de Cristo de modo infalível quando dispersos pelo mundo, mas conservando a comunhão entre si e com o Sucessor de Pedro concordam em propor uma sentença a seguir como definitiva" (Lumen gentium LG 25 Ad tuendam fidem LG 3).

Contudo, devemos apoiar quem não consegue compreender ou aceitar os ensinamentos da Igreja, de forma que abra o coração e a mente ao desafio que a fé lhes impõe. Como mestres autênticos da Igreja, que é mãe e mestra, uma das nossas prioridades absolutas deve ser apoiar e confirmar as nossas comunidades na fé. Se for necessário, não devemos hesitar em esclarecer as confusões e corrigir os desvios. Por isso, invoco os dons do Espírito Santo sobre os vossos esforços, para que sejais capazes de conferir ao papel da mulher uma autêntica marca, como é própria da doutrina cristã, para a renovação da sociedade e também para a redescoberta do verdadeiro rosto da Igreja.

11. Estimados Irmãos! Durante este encontro reflectimos em primeiro lugar acerca do mistério da Igreja. Um mistério que, na realidade, permanece incompreensível à razão humana e só pode ser visto como amor e entendido profundamente com os olhos da fé. As imagens da Igreja como mãe, mestra, esposa e corpo levaram-nos sempre a Cristo, que é o Esposo e a Cabeça da sua Igreja. É sobretudo diante d'Ele que nos sentimos responsáveis, desempenhando o nosso ministério pastoral. Por conseguinte, as minhas palavras, que vos dirigi durante estes encontros, foram claras e francas. Não vos escondo que, por vezes durante estes meses, senti as emoções do Apóstolo Paulo quando se dirigia à comunidade de Corinto com as conhecidas palavras: "Escrevi-vos num momento de grande aflição e com o coração angustiado, entre muitas lágrimas, não para vos entristecer, mas para vos fazer conhecer o imenso afecto que sinto por vós" (2Co 2,4).

Dizei aos vossos sacerdotes, diáconos, religiosos e religiosas que o Papa lhes está próximo! Garanti aos homens e às mulheres, aos jovens e aos idosos, aos doentes e aos deficientes que no seio da Igreja-mãe todos podem encontrar refúgio. Com amor paciente e confiante procurai apoiar as Igrejas locais, entregues a cada um de vós, a fim de as conduzir como esposas ao banquete nupcial do céu.

Invoco a intercessão da Virgem Maria, pedindo-lhe que vos proteja, bem como quantos estão confiados aos vossos cuidados pastorais. Quanta confiança filial revelam as palavras de uma oração antiga difundida na vossa pátria: "Virgem Santa, Mãe de Deus e minha Mãe, que eu seja sempre teu!".

Acompanhe todos e cada um a Bênção Apostólica que vos concedo de coração.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PROFESSORES E ALUNOS


DA UNIVERSIDADE COMERCIAL


"LUIGI BOCCONI" DE MILÃO


Sábado, 20 de Novembro de 1999



Ilustres Senhores e Senhoras

1. Estou feliz por me encontrar com todos vós, que de várias formas sois os representantes da insigne Universidade Comercial "Luigi Bocconi" de Milão. Agradeço antes de mais ao Professor Mário Monti as amáveis palavras com que se fez intérprete dos vossos sentimentos. Dirijo uma cordial saudação às Autoridades académicas, aos Professores, Funcionários e Estudantes desta prestigiosa Instituição milanesa.

A vossa grata visita hodierna adquire um significado particular em virtude do facto de se realizar precisamente na véspera do Ano jubilar e de me oferecer a ocasião de sublinhar que o Jubileu tem uma importante mensagem a transmitir também no que diz respeito à vida social de cada um dos Estados e às relações entre os grandes blocos económicos mundiais.

Não só nas vossas investigações, mas também na experiência quotidiana, podeis constatar que a ciência e a actividade económica de hoje devem confrontar-se quer com o processo de integração europeia, sempre mais avançado inclusivamente a seguir à introdução da moeda única, quer com o mais amplo fenómeno da globalização.

Estas duas realidades intimamente correlacionadas devem ser interpretadas de maneira correcta, assumidas de modo crítico e governadas de forma adequada. Eis o desafio que interpela todos, mas que chama em causa de maneira especial as pessoas que, como vós, são competentes cultores da economia.

2. Como se relevou também durante o curso da recente segunda Assembleia do Sínodo dos Bispos para a Europa, por um lado a introdução da moeda única europeia revela-se como um veículo de grandes oportunidades, dando maior estabilidade à Europa e ao seu desenvolvimento económico, e proporcionando um salto de qualidade na convivência no interior do Continente europeu; por outro lado, contudo, ela não está desprovida de riscos, porque poderia favorecer a hegemonia das finanças e da lógica do mercado em relação aos aspectos sociais e culturais.

Considerações análogas podem ser feitas acerca do complexo fenómeno da globalização. Os elementos positivos e as oportunidades são indubitáveis, sobretudo no que concerne tanto à eficácia e ao incremento da produção como ao processo de interdependência e de unidade entre os povos. Ao mesmo tempo, porém, não se podem subestimar os riscos, uma vez que o fenómeno da globalização, sendo com frequência governado única ou prevalecentemente por lógicas de cunho mercantilista em benefício e vantagem dos poderosos, pode ser promotor de ulteriores desigualdades, injustiças e marginalizações.

3. Por conseguinte, é mais do que nunca importante vigiar e prodigalizar-se a fim de que se desenvolvam as potencialidades ínsitas nestes fenómenos e para que sejam cada vez mais controlados e na medida do possível neutralizados os perigos que também estão vinculados a esta questão e que, infelizmente, não raro parecem prevalecer. Nesta comprometedora tarefa, é enorme a responsabilidade de quantos se consagram à investigação e ao estudo: com efeito, eles podem e devem lançar as bases científicas em vista de uma actividade económica que crie duradouras perspectivas de crescimento e de emprego.

A fim de que tudo isto, de simples projecto, se possa tornar uma realidade, é necessário interpretar e organizar a economia, reconhecendo o seu valor e os seus limites. Efectivamente, dado que é um aspecto e uma dimensão essencial da actividade humana, a actividade económica é não só necessária mas pode constituir também uma fonte de fraternidade e um sinal da Providência. É nesta óptica que na Encíclica Centesimus annus afirmei a positividade de um "sistema económico que reconhece o papel fundamental e positivo da empresa, do mercado, da propriedade privada, da consequente responsabilidade pelos meios de produção e da livre criatividade humana no sector da economia" (n. 42).

4. É preciso harmonizar as reivindicações da economia com as exigências da ética. A um nível mais profundo e radical, é urgente e necessário reconhecer, salvaguardar e promover a primazia inquestionável da pessoa humana. Uma economia verdadeiramente digna de tal nome deve delinear-se e realizar-se no respeito da totalidade dos valores e das exigências de cada pessoa humana e na perspectiva da solidariedade. Neste sentido, como já recordei várias vezes, torna-se urgente trabalhar em vista de fazer com que a economia, apesar da sua legítima autonomia, se coordene segundo as exigências próprias da política, essencialmente ordenada para o bem comum. Isto comporta também a busca de instrumentos jurídicos idóneos, para um efectivo "governo" supranacional da economia: a uma comunidade económica internacional deve poder corresponder uma sociedade civil internacional, capaz de expressar formas de subjectividade económica e política inspiradas na solidariedade e na busca do bem comum, segundo uma visão sempre mais ampla, a ponto de abarcar o mundo inteiro.

5. Formulo votos por que, em harmonia com a doutrina social da Igreja, o vosso trabalho ofereça uma substancial contribuição para o comum esforço em vista da educação de uma sociedade mais justa e fraterna, onde os bens e os recursos sejam destinados ao serviço de todos.

Enquanto desejo que vivais com empenhamento e alegria o Ano Santo já às portas, confio-vos à materna protecção da Bem-Aventurada Virgem Maria, Sede da Sabedoria, e com afecto abençoo todos vós.




Discursos João Paulo II 1999 - Quinta-feira, 18 de Novembro de 1999