Homilias JOÃO PAULO II 200


VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE AOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

SANTA MISSA NA CATEDRAL DE SÃO MATEUS EM WASHINGTON



Sábado, 6 de Outubro de 1979




Hoje Nossa Senhora diz-nos: Eis aqui a escrava do Senhor. Faça-se em mim segundo a Tua palavra (Lc 1,38).

Com estas palavras exprime Nossa Senhora a atitude fundamental da sua vida: a sua fé! Maria acreditou! Confiou nas promessas de Deus e foi fiel à sua vontade. Quando o Anjo Gabriel Lhe anunciou que fora escolhida para ser a Mãe do Altíssimo, Nossa Senhora proferiu o seu "Fiat" com humildade e plena liberdade: "faça-se em mim segundo a Tua palavra".

Talvez a melhor descrição de Maria e, ao mesmo tempo, o máximo reconhecimento a Ela dado, tenha sido a saudação da sua prima Isabel: Feliz daquela que acreditou no cumprimento das palavras do Senhor (Lc 1,45). Efectivamente, aquilo que mais caracterizou a sua fé foi esta confiança contínua na providência de Deus.

201 Toda a sua vida terrena foi uma "peregrinação de fé" (Cfr. Lumen Gentium LG 58). Também Ela, como nós, caminhou na obscuridade esperando nas coisas que não se vêem. Conheceu as contradições desta vida terrena. Recebera a promessa que seu Filho ocuparia o trono de David, mas para o seu nascimento nem sequer houve lugar na hospedaria. Apesar disto, Maria acreditou.

O Anjo dissera-lhe que o seu Filho seria chamado Filho de Deus; mas ela viu-O caluniado, atraiçoado, condenado, e deixado sozinho a morrer como um ladrão, na cruz. Também então Maria acreditou no cumprimento das palavras do Senhor (Lc 1,45) e que a Deus nada é impossível (Lc 1,37).

Esta mulher de fé, Maria de Nazaré, a Mãe de Deus; foi-nos dada como modelo na nossa peregrinação de fé. De Maria aprendamos a abandonar-nos à vontade de Deus em todas as coisas. De Maria aprendamos a ter confiança mesmo quando toda a esperança parece morta. De Maria aprendamos a amar Cristo, seu Filho e Filho de Deus. Porque Maria não é apenas Mãe de Deus, mas é também Mãe da Igreja. Em todas as etapas da sua marcha através da história, a Igreja foi socorrida pela oração e protecção da Virgem Maria. A Sagrada Escritura e a experiência dos fiéis vêem na Mãe de Deus aquela que está unida à Igreja particularmente nos momentos mais difíceis da sua história, quando os ataques à Igreja se tornam mais ameaçadores.

Precisamente nos períodos em que Cristo, e portanto a sua Igreja, provocam uma contradição intencional, Maria aparece particularmente vizinha da Igreja, porque para ela a Igreja é sempre a predilecta de Cristo.

Exorto-vos, por conseguinte, em Cristo Jesus, a continuardes a olhar para Maria como modelo da Igreja, como o melhor exemplo para os discípulos de Cristo. Aprendei dela a ser sempre fiéis, a acreditar na realização da palavra de Deus em vós, e que a Deus nada é impossível. Dirigi-vos frequentemente a Maria na vossa oração porque "nunca no mundo se ouviu dizer que alguém que tenha recorrido à sua protecção, implorado a sua assistência e reclamado o seu auxílio, fosse por ela desamparado".

Como grande sinal aparecido no céu, Maria guia-nos e apoia-nos durante o nosso peregrinar, estimulando-nos para a vitória que vence o mundo, a nossa fé (1Jn 5,5).

VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE AOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

SANTA MISSA NO «CAPITOL MALL»



Washington, 7 de Outubro de 1979




Queridos irmãos e irmãs em Jesus Cristo

1. Um dia Jesus, dialogando com o seu auditório, teve de enfrentar uma tentativa da parte dos Fariseus que tinha em vista levá-1'O a aprovar as suas opiniões sobre a natureza do matrimónio. Jesus respondeu reafirmando o ensinamento da Sagrada Escritura: No princípio da criação, Deus fê-los homem e mulher. Por causa disso deixará o homem seu pai e sua mãe; e passarão os dois a ser uma só carne. Portanto, já não são dois, mas uma só carne. Aquilo, pois, que Deus uniu não o separe o homem (Mc 10,6-9).

O Evangelho segundo São Marcos refere-se logo depois à descrição de uma cena que bem conhecemos. Esta cena mostra-nos a indignação de Jesus ao notar que os seus discípulos procuravam impedir que as pessoas trouxessem os seus filhos junto d'Ele. E disse: Deixai vir a Mim as criancinhas, não as afasteis, pois a elas pertence o reino dos Céus... Depois, tomou-as nos braços e abençoou-as impondo-lhes as mãos (Mc 10,14-16). Ao propor-nos estas leituras, a liturgia hodierna convida-nos a todos a reflectir em três temas estritamente conexos entre si: a natureza do matrimónio, a família e o valor da vida.

2. É para mim grande alegria deter-me a reflectir convosco na palavra de Deus que a Igreja hoje nos propõe, porque os Bispos de todo o mundo estão discutindo sobre o matrimónio e sobre a vida da família em todas as Dioceses e nações. Os Bispos estão a fazer isto em preparação do próximo Sínodo mundial dos Bispos, que tem como tema: "O papel da Família cristã no mundo contemporâneo". E foram precisamente os vossos Bispos que designaram o próximo ano como ano de estudo, planificação e renovação pastoral da família. Por várias razões há no mundo um renovado interesse pelo matrimónio, a vida da família e o valor da vida humana.

202 O domingo de hoje assinala o princípio do anual "Programa para o respeito da vida", graças ao qual a Igreja dos Estados Unidos pretende insistir na própria convicção da inviolabilidade da vida humana em todas as suas fases. Renovemos, pois, todos juntos, o nosso respeito pelo valor da vida humana, lembrando-nos que, mediante Cristo, toda a vida humana foi remida.

3. Não hesito em proclamar, perante todos vós e perante todo o mundo, que cada vida humana — desde o momento da sua concepção e durante todas as fases que se seguem — é sagrada, porque a vida humana é criada à imagem e semelhança de Deus. Nada supera a grandeza nem a dignidade da pessoa humana. A vida humana não é apenas uma ideia ou uma abstracção; a vida humana é a realidade concreta de um ser que é capaz de amor e de serviço para com a humanidade.

Permiti-me que repita aquilo que disse durante a peregrinação à minha terra: "Se se inflige o direito do homem à vida no momento em que ele começa a ser concebido no seio materno, ataca-se indirectamente toda a ordem moral que serve para assegurar os bens invioláveis do homem. A vida ocupa entre eles o primeiro lugar. A Igreja defende o direito à vida, não só por respeito à majestade do Criador que é o primeiro dador desta vida, mas também por respeito ao bem essencial do homem" (João Paulo II, Homilia em Towy Targ; em L'Oss. Rom. ,
Rm 6).

4. A vida humana é preciosa porque é um dom de Deus cujo amor é infinito: e quando Deus dá a vida, dá-a para sempre. A vida é também preciosa porque é a expressão e o fruto do amor. É esta a razão pela qual a vida deve ter origem no contexto dó matrimónio e pela qual o matrimónio e o amor recíproco dos pais devem ser caracterizados pela generosidade em prodigar-se. O grande perigo para a vida da família numa sociedade cujos ídolos são o prazer, a comodidade e a independência, está no facto de os homens fecharem o coração e tornarem-se egoístas. O medo de um compromisso permanente pode transformar o amor mútuo entre marido e mulher em dois amores de si próprios — dois amores que existem um ao pé do outro, até acabarem por separar-se.

No sacramento do matrimónio o homem e a mulher — que pelo Baptismo se tornaram membros de Cristo e têm o dever de manifestar na sua vida as atitudes de Cristo — recebem a certeza do auxílio de que têm necessidade para o próprio amor crescer numa união fiel e indissolúvel e para conseguirem responder generosamente ao dom da paternidade. Como declarou o Concílio Vaticano II: "Por meio deste Sacramento, o próprio Cristo torna-se presente na vida dos cônjuges e acompanha-os, a fim de que possam amar-se mutuamente e amar os seus filhós, precisamente como Cristo amou a sua Igreja e se deu a si mesmo por ela" (Cfr. Gaudium et Spes GS 48 Ep 5,25).

5. Para que o matrimónio cristão favoreça o bem total e o desenvolvimento do casal, deve ser inspirado pelo Evangelho, e assim abrir-se à nova vida — nova vida dada e aceita generosamente. Os cônjuges são também chamados a criar uma atmosfera familiar em que os filhos sejam felizes e vivam plena e dignamente uma vida humana e cristã.

Para ser possível viver-se uma vida familiar alegre, impõem-se sacrifícios quer da parte dos pais quer da parte dos filhos. Cada membro da família deve tornar-se, de modo especial, o servo dos outros compartilhando as cargas deles. É necessário cada um ter a solicitude não só da própria vida, mas também da vida dos outros membros da família: das suas carências, das suas esperanças e dos seus ideais. As decisões a propósito do número dos filhos e dos sacrifícios que daí derivam não devem ser tomadas só em vista de aumentar as próprias comodidades e manter uma existência tranquila. Reflectindo neste ponto diante de Deus, ajudados pela graça que vem do Sacramento, e guiados pelos ensinamentos da Igreja, os pais recordarão a si próprios que é mal menor negar aos próprios filhos certas comodidades e vantagens materiais do que privá-los da presença de irmãos e irmãs que poderiam ajudá-los a desenvolver a sua humanidade e a realizar a beleza da vida em todas as suas fases e em toda a sua variedade.

Se os pais compreendessem plenamente as exigências e as oportunidades encerradas neste grande Sacramento, não deixariam de se unir a Maria no hino de louvor ao Autor da vida — a Deus —, que os escolheu como seus colaboradores.

6. Todos os seres humanos deveriam apreciar a individualidade de cada pessoa como criatura de Deus, chamada a ser irmão ou irmã de Cristo em razão da Encarnação e da Redenção Universal. Para nós a sacralidade da pessoa humana é fundada nestas premissas. E é nestas mesmas premissas que se funda a nossa celebração da vida — de toda a vida humana. Isto explica os nossos esforços para defender a vida humana de qualquer influência ou acção que a possa ameaçar ou debilitar, assim como os nossos esforços para tornar cada vida mais humana em todos os seus aspectos.

Por conseguinte, reagiremos todas as vezes que a vida humana for ameaçada. Quando o carácter sagrado da vida antes do nascimento for atacado, nós reagiremos para proclamar que ninguém tem o direito de destruir a vida antes do nascimento. Quando se falar de uma criança como de um peso ou se considera a mesma como meio para satisfazer uma necessidade emocional, nós interviremos para insistir em que todas as crianças são dom Único e irrepetível de Deus, que têm direito a uma família unida no amor. Quando a instituição do matrimónio for abandonada ao egoísmo humano e reduzida a um acordo temporâneo e condicional que se pode dissolver facilmente, nós reagiremos afirmando a indissolubilidade do vínculo matrimonial. Quando o valor da família for ameaçado por pressões sociais e económicas, nós reagiremos reafirmando que a família é necessária não só para o bem privado de cada pessoa, mas também para o bem comum de cada sociedade, nação e estado (João Paulo II, Audiência Geral, 3.1.79). Quando depois a liberdade for usada para sujeitar os fracos, esbanjar as riquezas naturais e a energia, e para negar aos homens as necessidades essenciais, nós reagiremos para reafirmar os princípios da justiça e do amor social. Quando os doentes, os anciãos ou os moribundos forem abandonados, nós reagiremos proclamando que eles são dignos de amor, de solicitude e de respeito.

Faço minhas as palavras que Paulo VI dirigiu o ano passado aos Bispos Americanos: "Estamos convencidos, além disso, que todos os esforços empreendidos para salvaguardar os direitos humanos beneficiam actualmente a vida em si mesma. Tudo o que se dirige — no direito ou nos factos — a banir a discriminação baseada na 'raça, origem, cor, cultura, sexo ou religião' (cfr. Octogesima Adveniens, 16), é serviço prestado à vida. Quando os direitos das minorias, são protegidos, quando os diminuídos mental ou fisicamente são assistidos, quando é concedida voz aos marginalizados da sociedade, em todos estes casos, são favorecidas a dignidade da vida humana, a plenitude da vida humana e a santidade da vida humana... Em especial, cada contribuição para melhorar o clima moral da sociedade e enfrentar a permissividade e o hedonismo, e ainda toda a assistência à família, que é a fonte da nova vida, tudo isso é favorecer os valores da vida" (Paulo VI, Discurso aos Bispos Americanos, em L'Oss. Rom. ).

203 8. Muito está ainda por fazer a fim de se conseguir ajudar aqueles cuja vida é ameaçada e reavivar a esperança daqueles que têm medo da vida. Requer-se coragem para resistir às pressões e aos falsos "slogans", para proclamar a dignidade suprema de cada vida, e exigir que a própria sociedade a proteja. Desejo pois dirigir uma palavra de louvor a todos os membros da Igreja Católica e das outras Igrejas cristãs, a todos os homens e mulheres da herança judeo-cristã, assim como a todos os homens de boa vontade, a fim de se unirem num esforço comum para a defesa da vida na sua plenitude e para a promoção de todos os direitos humanos:

A nossa celebração da vida faz parte da nossa celebração da Eucaristia. Nosso Senhor e Salvador, mediante a Sua morte e Ressurreição, tornou-se para nós "o pão da vida" e o penhor da vida eterna. N'Ele encontramos a coragem, a perseverança e a inventiva de que temos necessidade para promover e defender a vida nas nossas famílias e no mundo inteiro.

Queridos irmãos e irmãs: temos confiança em que Maria, Mãe de Deus e Mãe da Vida, nos dará a sua ajuda para que o nosso modo de viver reflicta sempre a nossa admiração e reconhecimento pelo dom do amor de Deus que é a vida. Sabemos que Ela nos ajudará a usar todos os dias que nos são dados como oportunidade para defender a vida antes do nascimento e para tornar mais humana a vida dos nossos irmãos, onde quer que eles se encontrem.

A intercessão de Nossa Senhora do Rosário, cuja festa celebramos hoje, nos conceda podermos todos chegar um dia à plenitude da vida em Cristo Jesus nosso Senhor. Ámen.











DURANTE A CONCELEBRAÇÃO COM OS PARTICIPANTES


NA ASSEMBLEIA DO PONTIFÍCIO CONSELHO PARA OS LEIGOS


Capela Matilde

Quarta-feira, 10 de Outubro de 1979




Queridos Irmãos e Irmãs

É fácil evocar a vida do querido Monsenhor Marcel Uylenbroeck ao ouvir as leituras da Sagrada Escritura: Deus pô-lo à prova, durante uma doença inexorável que o visitou na pujança das forças e no momento em que ele realizava para bem da Igreja um serviço importante e apreciado; aceitou esta prova com fé; ofereceu-a mesmo pela Igreja. Cristo, dono da casa, viu então que ele tinha a lâmpada acesa, a lâmpada da caridade e da esperança. Deus aceitou o seu holocausto. Na vida, como na morte, diz São Paulo, nós pertencemos ao Senhor.

A sua vida tinha-a Monsenhor Uylenbroeck, bem o sabeis, consagrado ao Senhor, com especial zelo de evangelização. Muito cedo, participou, como leigo, no apostolado dos jovens do mundo operário, na JOC belga; depois, como sacerdote, foi Assistente nacional e depois internacional deste movimento. Quando Paulo VI o nomeou Secretário do Conselho para os Leigos há dez anos, trouxe para este cargo uma, experiência muito útil que lhe permitia compreender a vida dos leigos e o apostolado organizado dos mesmos. Foi nisso que muitos dentre vós, e eu mesmo, o vimos ao trabalho. Sabia acolher com benevolência as actividades multiformes das associações dos leigos, como outros tantos frutos da vida cristã em que o Espírito Santo tem a sua parte. Ajudava os responsáveis a reflectir, a comparar a acção própria com a dos outros na Igreja universal, com as orientações da Santa Sé e a aprofundar os motivos das mesmas; ao mesmo tempo, contribuía para o serviço do Papa. São estas as tarefas que formam a honra e o dever do Pontifício Conselho para os Leigos.

A margem deste trabalho, continuava ele a interessar-se, mesmo em Roma e fora, pelos jovens de todos os meios, consagrando o seu tempo e forças apostólicas, nos contactos e na correspondência, a confortá-los, a iluminá-los e a fazê-los entrar num caminho melhor, inspirando-se no Evangelho. Com todos os que beneficiaram da sua actividade, vamos nós oferecer este labor, pedindo a Deus que recompense este servo bom e lhe conceda a sua luz, a sua paz e a sua alegria, na vida eterna.

Esse trabalho continuaste-lo vós, de maneira especial, no decorrer de toda esta Assembleia geral. Não é esta a ocasião para descrever desenvolvidamente esse esforço, mas, numa palavra, desejo agradecer e animar intensamente os membros e os consultores do Conselho — entre os quais alguns vieram de longe — como também todas as pessoas que prestam quotidianamente o seu concurso para a actividade deste Dicastério. Eu próprio participei como membro do Conselho — e não passou ainda muito tempo — em tal trabalho de confrontação e reflexão. Como Papa, espero o vosso concurso para esclarecer, sustentar e harmonizar o dinamismo dos leigos, pelo mundo inteiro, e para me trazer, a mim e à Santa Sé, as vossas informações e sugestões, e em particular as da vossa Assembleia.

204 As paróquias continuam sendo os lugares especiais em que os leigos, de todos os meios e todas as associações, se podem reunir para a celebração da Eucaristia, em particular o culto dominical, para a oração, para o esforço catequético, etc. Mas importa também que existam, em ligação com elas, outros auxílios, outros centros, numa escala mais vasta ou pelo contrário mais reduzida, para que se atenda às necessidades especializadas do povo de Deus em matéria de educação, de catequese, de assistência, de auxílio sanitário, de promoção social, etc. Permitem esses centros participação mais directa do laicado e acção mais apropriada. Era precisamente o tema desta Assembleia: a formação de tais comunidades locais de base; trata-se de as animar, garantindo-lhes ao mesmo tempo autenticidade evangélica e qualidade eclesial. É isto muito importante para a vitalidade da Igreja, para a sua inserção e o seu testemunho no mundo contemporâneo.

Era conveniente rever também os critérios das organizações internacionais católicas e o estatuto dos seus assistentes eclesiásticos, porque o papel do leigo, o papel do sacerdote e a ligação com a Igreja e o Magistério, devem ficar bem definidos.

As mulheres, em particular, devem encontrar exactamente o papel que lhes pertence na Igreja e devem levar a que esta beneficie de todos os recursos de fé e de caridade.

Não esqueçamos também que o próximo Sínodo já vai atraindo a atenção da Igreja inteira para um apostolado que é insubstituível: o da família.

Pela vossa parte, contribui para que toda esta actividade dos leigos se inspire na fé — o que mostra a importância da revisão de vida, em confronto com o Evangelho, e a da oração; e para que essa revisão se inspire na fidelidade à Igreja e no empenho,. não de uniformidade, mas de unidade, de comunhão; e para que se inspire sobretudo na esperança.

Numerosos sinais — fui testemunha deles na Irlanda e nos Estados Unidos — manifestam hoje os recursos maravilhosos de fé e dinamismo cristão, que os nossos contemporâneos têm a peito desenvolver, sobretudo os jovens. E mesmo quando estes sinais são menos evidentes — devemos trabalhar com fé e paciência —, sabemos pelo menos que Deus é fiel às suas promessas e que fará que dêem fruto aqueles que se expõem ao risco de construir as suas vidas sobre a rocha do Evangelho. Coragem! O seu Espírito não falta àqueles que e invocam, como o fez a Virgem no Pentecostes, e aos que fazem, corno ela, tudo o que o Senhor lhes disser. Abençoando-vos de todo o coração, peço a Deus fortifique a vossa esperança; e dê a felicidade eterna àquele que nos precedeu na Casa do Pai, o nosso amigo, Monsenhor Marcel Uylenbroeck. Assim seja.



CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA COM OS ALUNOS

DO SEMINÁRIO MAIOR DE ROMA


Capela Paulina

Sábado, 13 de Outubro de 1979




Caríssimos Clérigos do Seminário Romano

Podeis imaginar o afecto e vibração com que celebro esta tarde a Santa Missa convosco e por vós, no termo dos vossos Exercícios Espirituais e no princípio do novo ano académico.

Vós sois de facto os meus Clérigos, os alunos do Seminário da minha Diocese de Roma, que o Senhor me confiou dispondo a minha eleição para Sumo Pontífice, e eu, como já em Cracóvia e como qualquer outro Bispo, considero-vos o tesouro mais precioso, que tem o seu lugar no íntimo do meu coração e das minhas solicitudes. E se bem que, por motivo do cuidado e do serviço da Igreja Universal, devo, como já fizeram sempre os meus Predecessores, entregar grande parte do ministério directo ao Cardeal Vigário, ao Vice-Gerente e aos Bispos Auxiliares, vós estais contudo especialmente presentes na minha oração quotidiana e no meu paternal interesse.

205 Estamos aqui reunidos à volta do altar para oferecer ao Senhor o Sacrifício Eucarístico e dar consistência aos propósitos de vida, santa e comprometida, que formulastes certamente nestes dias de silêncio e de reflexão.

Ao mesmo tempo que vos agradeço de coração a vossa boa vontade e vos expresso a minha alegria profunda por este encontro tão significativo, desejo também sugerir-vos algumas indicações apropriadas a este momento especial.

1. Mantende em vós constante e fervoroso o sentido da alegria por conhecerdes a verdade.

É deveras impressionante pensar que se possui a verdade, ou seja, que se possui o sentido da vida humana, o significado da história e do universo sem limites, o motivo da existência que decorre entre os ápices de conquistas científicas e os abismos de misérias e dores.

E a verdade é Deus, criador, redentor e remunerador; a verdade é Cristo, que precisamente se definiu "caminho, verdade, vida, luz, amor e salvação"; a verdade é a Igreja por Ele querida e fundada, para transmitir íntegra a sua Palavra e os meios de salvação. E vós possuís, vós apreciais este património admirável.

Quantos jovens não possuem a verdade e arrastam a existência sem um "porquê"! Quantos, infelizmente, depois de vãs e extenuantes buscas, desiludidos e amargurados, se abandonaram e se abandonam ainda ao desespero! E quantos só conseguiram atingir a verdade ao fim de anos de angustiosas interrogações e de penosas experiências!

Pensai, por exemplo, no itinerário dramático de Santo Agostinho para chegar à luz da verdade e à paz da inocência reconquistada. E que suspiro deu quando finalmente chegou à luz! E exclamou com pena: "Sero Te amavi!".

Pensai nas canseiras que teve de arrostar o célebre Cardeal Newman para chegar pela força da lógica ao Catolicismo. Que longa e dolorosa agonia espiritual!

E assim poderíamos recordar tantas outras figuras eminentes, remotas e recentes, que tiveram de lutar afincadamente para chegar à verdade.

Pois bem, esses chegaram aonde vós já estais. Vós, de facto, possuís a verdade, inteira, luminosa e consoladora. Quantos não invejam a vossa situação!

Sabei pois gozar da verdade, como diz São Tomás; sabei viver da verdade e na verdade; sabei aprofundar e esclarecer, sempre mais e melhor, a, verdade — em todas as suas faces e todas as suas exigências filosóficas, teológicas, bíblicas, históricas, psicológicas, científicas, jurídicas e sociais aprofundá-la e esclarecê-la por vossa exigência íntima e para serdes em toda a parte "testemunhas da verdade".

206 Tendes tempo, tendes livros e tendes professores qualificados, a fim de vos apaixonardes cada vez mais pela verdade e poderdes em seguida comunicá-la um dia com segurança e capacidade: não percais tempo. E sobretudo não vos atrevais a percorrer campos minados e perigosos, não sejais estouvados e presunçosos, porque é fácil cair na confusão e ser vencido pelo orgulho; sabei ser sensíveis e dóceis, para não desperdiçardes nem avariardes o dom imensamente precioso que possuís.

2. Tende o sentido da vossa responsabilidade.

Reflecti na vossa "identidade": sois chamados, sois dos escolhidos pelo próprio Jesus, o Divino Mestre, o Pastor e Salvador das nossas almas, o Redentor do homem. Ele escolheu-vos, de modo misterioso mas real, para vos fazer, com Ele e como Ele, salvadores; quer transformar-vos em Si, confiar-vos os seus mesmos poderes divinos... Vós tereis um dia de actuar "in persona Christi".

Por isso, vós não sois como os outros jovens, que têm diante unicamente as metas normais da carreira, da posição social, do matrimónio e das satisfações terrenas, embora com ideais cristãos e mesmo apostólicos.

Vós sois diversos, porque sois chamados ao Sacerdócio.

E assim deveis orientar a vossa vida segundo um tipo de formação e de responsabilidade, eminentemente de apostolado e de testemunho.

Aos jovens reunidos em Galway, na Irlanda, dizia eu recentemente "Cristo chama-vos, mas chama-vos à verdade. O seu chamamento é exigente, porque vos convida a deixardes -vos 'prender' por Ele completamente, de modo que todas as vossa existências sejam vistas a uma luz diversa" (Homilia na Missa para os jovens irlandeses de Galway, 30.9.79, em L'Oss. Rom ,
Rm 3).

Se isto vale para os jovens, mais há-de valer para vós, queridíssimos Clérigos. Deixai-vos prender por Cristo e procurai viver só para Ele.

Também a vós quero confiar o que disse aos Seminaristas em Maynooth: "A palavra de Deus é o grande tesouro das vossas vidas... Deus conta convosco, e os seus planos, em certo sentido, dependem da vossa livre cooperação, da oferta da vossa vida e da generosidade com que vós sigais a inspiração do Espírito Santo no fundo dos vossos corações". E disse ainda: "Vós preparais-vos para o dom total de vós mesmos a Cristo e ao serviço do seu Reino. Vós apresentais a Cristo o dom do vosso entusiasmo e da vossa vitalidade juvenil. Em vós é Cristo eternamente jovem e através de vós rejuvenesce Ele a Igreja. Não o desiludais. Não desiludais o povo que está à espera que vós lhe leveis Cristo... Cristo olha para vós e ama-vos".

3. Por fim: mantende vivo o sentido do empenho.

Vós desejais vir a ser sacerdotes, ou pelo menos desejais descobrir se verdadeiramente sois chamados. O assunto é portanto sério, porque é preciso boa preparação, com clareza de intentos e severa formação. O mundo olha para o Sacerdote, porque olha para Jesus. Ninguém pode ver a Cristo: mas todos vêem o Sacerdote, e, por meio dele, querem entrever o Senhor. Imensa grandeza e dignidade do Sacerdote!, que foi chamado com razão "Alter Christus".

207 Por isso, não deveis perder tempo. É necessário, com efeito, constante e verdadeiro empenho na vossa formação:

— empenho na formação espiritual;

— empenho na formação intelectual e cultural;

— empenho na formação ascética, mediante o hábito da ordem, da pobreza, do sacrifício, da mortificação e do domínio dos pr6priosr desejos, recordando o aviso sempre válido da "Imitação de Cristo": "Tantum proficies, quantum tibi ipsi vim intuleris" (Imitação de Cristo, Liv.I, c. XXIV, n. 11).

Aos seminaristas de Filadélfia, depois de citar a "Optatam Totius" (n. 11) afirmei que o Seminário deve garantir santa disciplina a fim de preparar para o serviço consagrado: "Quando a disciplina é praticada do modo devido, cria uma atmosfera de recolhimento que torna o seminarista capaz de assumir interiormente aquelas atitudes que tão desejáveis são num sacerdote, como a obediência alegre, a generosidade e a abnegação" (Aos Seminaristas de Filadélfia, 3 de Outubro de 1979.

— Empenho na formação do próprio carácter. Um bom carácter é verdadeiro tesouro na vida. As vezes sacerdotes óptimos, pelas suas virtudes e pelo zelo, reduzem a metade a eficácia do próprio ministério pelo temperamento impaciente, inconstante e não equilibrado. É necessário portanto cada seminarista formar um carácter bom, aberto, compreensivo e paciente, e para isto ajuda sem dúvida a direcção espiritual sincera e metódica;

— empenho na formação social, conhecendo a psicologia dos vários meios e as suas exigências, adquirindo várias possibilidades de atractivo, aprendendo também cada um a ser auto-suficiente em muitas necessidades da vida.

Caríssimos Clérigos

O Senhor vos ajude e vos acompanhe em todos os dias deste novo ano de estudo e formação.

Também a vós, como no encontro em Maynooth, digo: "Este é tempo maravilhoso para a história da Igreja. Este é tempo maravilhoso para se ser sacerdote, para se ser religioso, para se ser missionário de Cristo. Alegrai-vos sempre no Senhor. Alegrai-vos na vossa vocação" (Aos Seminaristas em Maynooth, 1 de Outubro de 1979, em L'Oss. Rom ,
Rm 8).

Para conseguirdes o vosso intento, confiai-vos a Maria Santíssima sempre; mas de maneira especial nos momentos de dificuldade e obscuridade. "Aprendamos de Maria a abandonar-nos à vontade de Deus em todas as coisas. Aprendamos de Maria a ter confiança, mesmo quando toda a esperança se dissipar. Aprendamos de Maria a amar a Cristo, seu Filho e Filho de Deus... Aprendei d'Ela a serdes sempre fiéis, a acreditardes no cumprimento da palavra de Deus em vós e em que a Deus nada é impossível" (Homilia na Catedral de São Mateus em Washington, 6 de Outubro de 1979).

208 E seja-vos também propícia a minha Bênção, que vos dou com profundo afecto a vós, aos vossos Superiores e Professores e a todas as pessoas que vos são queridas.



SOLENE RITO DE BEATIFICAÇÃO


DO SACERDOTE ESPANHOL


HENRIQUE DE OSSÓ Y CERVELLÓ




Domingo, 14 de Outubro de 1979




Louvado seja Jesus Cristo!
Veneráveis Irmãos e amados filhos e filhas

1. Esta manhã, a Igreja entoa um cântico de júbilo e de louvor a Deus. É o cântico da Mãe que celebra a bondade e a misericórdia divina, ao proclamar Beato um filho insigne, que se distinguiu pelo cultivo eminente das virtudes cristãs: o sacerdote Henrique de Ossó y Cervelló, glória da amada Espanha, terra de Santos.

Para assistirdes à glorificação do novo Beato, estais juntos nesta Basílica de São Pedro numerosos compatriotas seus. Bem-vindos sejais todos, bispos, sacerdotes, religiosos e fiéis espanhóis aqui presentes, assim como os que procedeis de todas aquelas terras, até onde irradiou o bem que foi semeado pelo Beato Henrique de Ossó, e onde brotou com pujança o justo reconhecimento e apreço pela sua pessoa e obra.

Mas sobretudo bem-vindas sejais vós, Religiosas da Companhia de Santa Teresa de Jesus, que — com as vossas actuais e antigas alunas, provenientes de vários lugares e Países da Europa, da África e da América — viestes oferecer ardente homenagem de devoção e de renovada fidelidade ao vosso Pai Fundador.

Permiti-me, contudo, reservar uma palavra de particular saudação para os representantes da Diocese de Tortosa, e mais em concreto para os da aldeia de Vinebre, berço natal dessa admirável figura de homem e sacerdote, que a Igreja propõe hoje à nossa imitação.

2. Sim, o Beato Henrique de Ossó oferece-nos imagem viva do sacerdote fiel, perseverante, humilde, animoso diante das contradições, desprendido de todo o interesse humano, cheio de zelo apostólico pela glória de Deus e salvação das almas, activo no apostolado e contemplativo na sua vida extraordinária de oração.

Não era fácil a época que lhe tocou viver, numa Espanha dividida pelas guerras civis do século XIX e alterada por movimentos laicistas e anticlericais, que pretendiam a transformação política e social, dando mesmo origem a sangrentos episódios revolucionários. Apesar de tudo, soube ele manter-se firme, intrépido na sua fé, na qual encontrou inspiração e força para projectar a luz do seu sacerdócio na sociedade do seu tempo. Com consciência clara de qual era a sua missão própria como homem da Igreja, que amava entranhadamente; sem buscar nunca protagonismos humanos em campos que eram alheios à sua condição; numa abertura a todos sem distinção, para melhorá-los e levá-los a Cristo. Cumpriu o seu propósito: «Serei sempre de Jesus, seu ministro, seu apóstolo e seu missionário de paz e de amor».

Os trinta anos escassos, da sua vida sacerdotal deram lugar a um contínuo desabrochar de empreendimentos católicos bem meditados e abnegadamente executados, com impressionante confiança em Deus.


Homilias JOÃO PAULO II 200