Homilias JOÃO PAULO II 215


VISITA PASTORAL AO SANTUÁRIO DE POMPEIA E NÁPOLES


Domingo, 21 de Outubro de 1979




1. "Missus est Angelus.. ".

O Anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia chamada Nazaré (Lc 1,26).

É com particular emoção que pronunciamos estas palavras, hoje, na praça do Santuário de Pompeia, onde é circundada de uma singular veneração a Virgem, que se chamava Maria (Cfr. Lc Lc 1,27). Aquela Virgem a quem foi enviado Gabriel. Com particular emoção escutamos aquelas palavras hoje, neste domingo de Outubro, que tem a característica de domingo das missões. E precisamente as palavras do Evangelho de São Lucas falam do início da Missão.

216 Missão quer dizer ser enviado, e ser incumbido de realizar uma determinada acção.

Gabriel foi enviado por Deus a Maria de Nazaré para Lhe anunciar — e n'Ela a todo o género humano — a missão do Verbo. Sim. Deus quer enviar o seu eterno Filho para que, tornando-se homem, possa dar ao homem a vida divina, a filiação divina, a graça e a verdade.

A Missão do Filho começa precisamente naquele momento em Nazaré, quando Maria escuta as palavras pronunciadas pela boca de Gabriel: Achaste graça diante de Deus. Hás-de conceber no teu seio e dar à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus (
Lc 1,30-31).

A missão deste filho, Verbo eterno, começa então, quando Maria de Nazaré, Virgem desposada com um homem chamado José, da casa de David (Lc 1,27), escutando aquelas palavras de Gabriel, responde: Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra (Lc 1,38). Neste momento tem início a missão do Filho sobre a terra. O Verbo da mesma substância do Pai torna-se carne no seio da Virgem. E a própria Virgem não pode compreender como se irá realizar tudo isso. Portanto antes de responder: "Faça-se em mim", pergunta: Como será isso, se eu não conheço homem?.(Lc 1,34). E recebe a resposta determinante: O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a Sua sombra. Por isso mesmo é que o Santo que vai nascer há-de chamar-Se Filho de Deus.., nada é impossível a Deus (Lc 1,35-37).

Neste momento Maria já compreende. E já não pergunta mais. Diz apenas: Faça-se em mim segundo a tua palavra (Lc 1,38). E o Verbo torna-se carne (Cfr. Jo Jn 1,14). Começa a missão do Filho no Espírito Santo. Tem início a missão do Filho e a missão do Espírito Santo. Nesta primeira etapa a missão é enviada a Ela somente: à Virgem de Nazaré. Primeiramente sobre Ela desce o Espírito Santo. Ela, na sua humana e virginal substância, é coberta com o poder do Altíssimo. Graças a este poder e por obra do Espírito Santo, Ela torna-se Mãe do Filho de Deus, embora permanecendo Virgem. A missão do Filho começa n'Ela, sob o Seu coração. A missão do Espírito Santo, que "procede do Pai e do Filho", chega primeiro a Ela, à alma que é Sua Esposa, a mais pura e a mais sensível.

2. Este início no tempo, este início histórico da Missão eterna do Filho e do Espírito Santo, devemos tê-lo em mente sobretudo hoje, neste domingo anual das missões, do mês de Outubro. A este início deve atender toda a Igreja, em toda a parte, em cada lugar e em cada coração. A Igreja é toda e em toda a parte missionária porque permanece continuamente nela a eterna missão do Filho e do Espírito Santo, que teve o seu início histórico na terra, precisamente em Nazaré, no coração da Virgem. '

Tomando-se homem no Seu seio por obra do Espírito Santo, Deus-Filho entrou na história do homem para levar este Espírito a cada homem e à humanidade inteira. A missão, cujo primeiro início sob o coração da Virgem de Nazaré foi revestido com o poder do Altíssimo, fui maturando ao longo de todo o tempo da vida oculta do Filho de Deus e depois mediante a palavra viva do Seu Evangelho e através do sacrifício da cruz e do testemunho da ressurreição até aquele dia no Cenáculo; e esta missão é-nos recordada também pela liturgia de hoje. Foi aquele o dia em que, não só Maria mas toda a Igreja, todo o povo da Nova Aliança, recebeu o Espírito Santo e com Ele se tomou participante da missão do seu Senhor ressuscitado e do único Ungido (Messias). Obtendo a participação na Sua missão sacerdotal, profética e régia, o Povo de Deus, isto é a Igreja, tornou-se totalmente missionário.

3. E precisamente no Domingo de hoje, o Povo de Deus, isto é a Igreja, fixa o olhar com reconhecimento no mistério desta sua missão, que teve início primeiramente em Nazaré e depois no Cenáculo de Jerusalém. Meditando, portanto, sobre o próprio carácter missionário, o Povo de Deus, a Igreja, volta-se, com a mais profunda solicitude e fervor do Espírito, para todas as dimensões da sua missão contemporânea; para todos os lugares, todos os continentes e todos os Povos, porque Cristo disse-lhe: Ide, pois, ensinai todas as nações... (Mt 28,19)... anunciai a Boa Nova a toda a criatura (Mc 16,15). Assim, pois, no domingo das Missões, a Igreja caminha seguindo os vestígios do seu ensinamento, da sua missão, da evangelização e da catequese, quer entre as nações e povos já de há muito tempo cristianizados, quer também entre os que são jovens e recentes, e entre aqueles a quem não chegou a graça da fé e da verdade da salvação.

A Igreja fá-lo, tendo presente todo o ensinamento do Vaticano II, tanto a Constituição Lumen Gentium como a Gaudium et Spes; tanto o Decreto sobre a actividade missionária da Igreja Ad Gentes como também o Decreto sobre o Ecumenismo, a Declaração sobre a Liberdade Religiosa e a Declaração sobre as Relações da Igreja com as Religiões não Cristãs. Todos estes esplêndidos documentos falam à Igreja dos nossos tempos, à Igreja deste século vinte que está para findar, falam sobre o que significa ser missionário e ter uma missão a desempenhar.

E ordenam-lhe, como outrora Cristo aos Apóstolos, que contemplem os campos das almas humanas, que sempre, de algum modo, já se aloiram para a ceifa (Jn 4,35). Estarão verdadeiramente maduros? Estão para amadurecer? Ou brotam neles objecções contra a palavra do Evangelho e contra o Espírito, que sopra onde quer (Jn 3,8)?

A nós não nos é permitido nunca perder a esperança, ainda que atravessemos períodos de experiências e provas. Nunca nos é permitido esquecer que o próprio Senhor — Aquele com cujo sangue somos libertados (Cfr. 1P 1,19 Ep 1,7) —, olha para o campo das almas e nos diz a nós, seus discípulos: Orai! Rogai, pois, ao Senhor da messe que envie trabalhadores para a Sua messe (Mt 9,38). Façamo-lo, sobretudo neste domingo de hoje.

217 4. Maria está sempre no centro mesmo da nossa oração : Ela é a primeira entre os que pedem. E é a Omnipotentia supplex: a Omnipotência de intercessão.

Assim era na Sua casa de Nazaré, quando conversava com Gabriel. Surpreendemo-la ali em profunda oração. Em profunda oração fala-Lhe Deus Pai. Na profundidade da oração o Verbo Eterno torna-se o Seu Filho. Na profundidade da oração desce sobre Ela o Espírito Santo.

E, depois, Ela transfere essa profundidade da oração, de Nazaré para o Cenáculo do Pentecostes, onde todos os Apóstolos: Pedro e João, Tiago e André, Filipe e Tomás, Bartolomeu e Mateus, Tiago de Alfeu e Simão, o Zelota e Judas filho de Tiago eram juntamente com Ela assíduos e concordes na oração (Cfr. Act
Ac 1,13-14).

5. Maria transfere a mesma profundidade de oração também para este lugar privilegiado da terra italiana, não longe de Nápoles, ao qual hoje vimos em peregrinação. É o santuário do rosário — isto é, o santuário da oração mariana; desta oração que Maria diz juntamente connosco, do mesmo modo que rezava juntamente com os Apóstolos no Cenáculo.

Esta oração chama-se o rosário. É a nossa oração predilecta, que Lhe dirigimos: a Maria. Certamente. Não esqueçamos porém que ao mesmo tempo o rosário é a nossa oração com Maria. E a oração de Maria connosco, com os sucessores dos Apóstolos, que constituíram o início do novo Israel, do novo Povo de Deus. Vimos, pois, aqui para rezar com Maria, para meditar, juntamente com Ela, os mistérios, que Ela como Mãe meditava no Seu coração (Cfr. Lc Lc 2,19), e continua a meditar, continua a considerar. Pois estes são os mistérios da vida eterna. Têm todos a própria dimensão escatológica. Estão imersos em Deus mesmo. Naquele Deus que habita uma luz inacessível (1Tm 6,16) estão imersos todos estes mistérios, tão simples e tão acessíveis. E tão estreitamente ligados à história da nossa salvação.

E por isso, esta oração de Maria, imersa na luz do próprio Deus, permanece simultaneamente sempre aberta a toda a terra. Aberta a todos os problemas humanos. Aos problemas de cada homem e, ao mesmo tempo, de todas as comunidades humanas, das famílias, das nações; aberta aos problemas internacionais da humanidade, como por exemplo os que me coube apresentar perante a Assembleia das Nações Unidas, a 2 de Outubro. Esta oração de Maria, este rosário, está continuamente aberto a toda a missão da Igreja, às suas dificuldades e às suas esperanças, às perseguições e às incompreensões, a todos os serviços que Ela realiza para com os homens e os povos. Esta oração de Maria, o rosário é precisamente assim porque desde o início esteve permeado pela "lógica do coração". De facto a mãe é coração. E a oração formou-se neste coração mediante a experiência mais esplêndida, de que foi participante: mediante o mistério da Encarnação.

Deus deu-nos, desde há muito, este sinal: Eis que a Virgem conceberá e dará à luz um filho e dar-lhe-á o nome de Emanuel (Is 7,14). Emanuel que significa Deus connosco (Mt 1,23). Connosco e para nós: para trazer à unidade os filhos de Deus que andavam dispersos ( Jo Jn 11,52).

6, Venho, pois, aqui, ao santuário de Pompeia, no espírito desta oração para viver juntamente convosco este sinal da profecia de Isaías.

E participando na oração da Mãe de Deus, que é a Omnipotentia supplex, desejo juntamente com todos os peregrinos exprimir agradecimentos por aquela múltipla missão, que ultimamente me coube realizar entre o mês de Setembro e Outubro. Já me referi a ela mais que uma vez. Repeti as palavras e os pensamentos que o próprio Jesus tinha ensinado aos Apóstolos: Quando tiverdes feito tudo o que vos foi ordenado, dizei: somos servos inúteis. Fizemos o que devíamos fazer (Lc 17,10). E, por isso, ainda mais necessidade sinto de agradecer aqui, neste santuário, Maria e com Maria.

E se a minha gratidão se estende simultaneamente aos homens, faço-o sobretudo porque este meu serviço de Pedro, serviço papal, foi por eles muito bem preparado de joelhos; porque lhe deram um profundo carácter de oração, carácter sacramental, eucarístico. Poderia pensar, sem comoção, em tantos homens, não raro jovens, que mediante sacrifícios e vigílias nocturnas abriram caminho ao Espírito que devia falar? É verdadeiramente necessário que nos recordemos disto. Já que este é o próprio coração daquele ministério; o resto é apenas uma manifestação, que humanamente por vezes pode ler-se demasiado superficialmente. Cristo pelo contrário ensina-nos que o tesouro, isto é, o valor essencial, está no coração (Cfr. Lc Lc 12,34).

Venho aqui, por conseguinte, para agradecer tudo isto. E se venho também para pedir — oh, quanto a pedir! quanto a suplicar! — o que peço é sobretudo que a missão da Igreja, do Povo de Deus, a missão iniciada em Nazaré, no Calvário, no Cenáculo, se cumpra na nossa época em toda a sua original nitidez, e ao mesmo tempo em consonância com os sinais dos nossos tempos. Que, a exemplo da serva do Senhor, eu possa — até quando aprouver a Deus — permanecer fiel e humilde servo desta missão de toda a Igreja e sinta, recorde e repita apenas isto: que sou um servo inútil.



VISITA PASTORAL DO SANTO PADRE NA PARÓQUIA ROMANA DE SÃO PIO V


218
Domingo, 28 de Outubro de 1979




Irmãs e Irmãos caríssimos!

Graça e paz vos sejam dadas da parte de Deus Pai e da do Senhor Jesus Cristo! (
2Th 1,2).

1. Estou verdadeiramente contente por me encontrar hoje no meio de vós, fiéis da Paróquia dedicada ao meu Santo Predecessor Pio V, António Ghislieri, que ocupou a Cátedra de São Pedro desde 1566 a 1572, e é especialmente conhecido como o "Papa do Rosário", pelo impulso que, com o exemplo e ensino, deu à difusão desta devoção, tão querida ao coração do Povo cristão. Esta minha visita, quase no final do mês de Outubro, particularmente dedicado a Nossa Senhora do Rosário, quer ser como que um acto de justa admiração por São Pio V e, ao mesmo tempo, de fervorosa veneração a Maria Santíssima que, nesta zona, é saudada, desde há séculos, com o título significativo de "Nossa Senhora do Repouso".

Mas houve outros motivos que me levaram a vir até ao meio de vós: a proximidade geográfica entre a vossa paróquia e a Basílica de São Pedro e a Sé Apostólica, onde o Papa reside; a "juventude" — 26 anos apenas — da vossa paróquia, que teve a sua constituição jurídica em 1952 por vontade de Pio XII, de venerada memória, e foi construída como contributo financeiro da então Sagrada Congregação do Santo Oficio; além disso, os laços espirituais que, desde há anos, me unem aos sacerdotes da paróquia onde celebrei várias vezes a Santa Missa e, em Outubro de 1977, conferi o sacramento da Confirmação. Este laço de há alguns anos foi reforçado com a presença, entre o vosso clero, de um sacerdote polaco da arquidiocese de Cracóvia, que me estava confiada antes da minha eleição ao Sumo Pontificado.

Alguns de vós, conhecendo esta minha "amizade" pela vossa paróquia, durante as audiências gerais das quartas-feiras, convidaram-me e pediram, muitas vezes, para vos fazer uma visita.

2. Eis-me aqui! Hoje estou convosco e para vós. Para os presentes e também para aqueles que não puderam vir. Desejo estar no meio de vós para ouvir pulsar o coração e a vida da vossa comunidade, que abrange cerca de 4.500 famílias, num total de quase 20.000 pessoas. Tal crescimento da população verificado nestes últimos anos, pés e põe múltiplos problemas, também e especialmente de carácter religioso e pastoral. A vossa paróquia, devido ao zelo do pároco e dos sacerdotes que com ele colaboram, desenvolve multiforme actividade que se manifesta nos vários grupos com finalidades catequéticas, caritativas e litúrgicas, em que cada um de vós — em todas as idades e a todos os níveis — pode encontrar espaços para o próprio empenhamento cristão. Refiro-me de modo particular aos jovens, porque são eles que podem e devem dar o contributo mais vivo e mais dinâmico às diferentes iniciativas pastorais, e apostólicas da vossa comunidade.

3. Neste momento, ao celebrar para vós o Santo Sacrifício, desejo meditar convosco e perguntar a minie a vós: que nos dizem a nós, reunidos neste templo, as leituras da liturgia de hoje? Que é que dizem à paróquia de São Pio V? Antes de mais, falam-nos de Cristo que é sacerdote para sempre, à maneira de Melquisedeque (He 5,6). A carta aos Hebreus ensina-nos que Cristo se tornou sacerdote como Filho de Deus que assumiu a natureza humana. Para Deus, seu Pai, Ele é eternamente Filho. Tornando-se homem, precisamente como Filho submisso por inteiro ao Pai, tornou-se, pelo mesmo facto, Sacerdote. Com efeito, sacerdócio quer dizer dedicação: dedicação de si mesmo a Deus e dedicação em si, a Deus de toda a criatura. Jesus Cristo é a plenitude de tal submissão. N'Ele e por Ele todo o mundo, a humanidade inteira, cada homem e todo o ser criado são, de modo mais perfeito, dedicados, restituídos a Deus.

Uma paróquia — a vossa paróquia é uma comunidade de homens que, a partir do Baptismo, estão pessoal e socialmente ligados ao sacerdócio de Cristo: àquela submissão de Cristo a Deus. Criador e Pai. Vós sois uma paróquia, antes de mais, graças ao facto de Ele estar aqui: no meio de vós, convosco e em vós.

Este seu eterno sacerdócio, que atingiu a plenitude histórica no Sacrifício da Cruz, reveste-se de um sinal visível. Cristo é sacerdote "à maneira de Melquisedeque".

De modo análogo ao daquele misterioso sacerdote-rei dos tempos de Abraão, também Ele celebra o memorial do seu único sacrifício, oferecido no próprio corpo e sangue sabre a cruz, torna-o presente e renova-o na Igreja como o sacrifício sacramental do pão e do vinho. Este sacrifício marca o ritmo constante da vida da Igreja; também da vossa Paróquia.

219 Neste sacrifício Cristo cria esta Paróquia, porque está convosco. Está com todos e com cada um, como Aquele que "se compadece"; está, portanto, também com aqueles que pecam por ignorância ou por erro (He 5,2), como Aquele que, oferecendo-Se a Si -mesmo em sacrifício pelas pecados, pode e deseja aproximar todos da fonte da verdade e da santidade.

Terminando esta parte da nossa reflexão sobre a liturgia da Palavra de hoje, dir-nos-emos a nós mesmos deste modo: nós, a comunidade de São Pio V, somos paróquia porque permanecemos em viva união com o Sacerdócio de Cristo; porque participamos dele.

4. Continuemos a nossa reflexão sobre a Palavra de Deus da liturgia de hoje. Aquele pedinte cego, Bartimeu; depois de ser chamado por Cristo, formula o principal pedido da sua vida: "Rabbi, que eu recupere a vista!"; e recebe a vista e a resposta: Vai, a tua fé te salvou (Cfr. Mc Mc 10,51-52).

Penso, caros paroquianos de São Pio V, que a vossa Paróquia é um lugar onde tantos de vós deveis a Cristo o grande dom da vista espiritual: o dom da fé, mediante a qual conhecemos a Deus e as grandes obras de Deus (Ac 2,11) na história do homem. Sim, a paróquia existe para que nós, neste "ver" através da fé, nascido do Espírito Santo, nos completemos e ajudemos a educar-nos reciprocamente. Embora este ver através da fé seja o fruto da graça de Deus nas suas relações com a alma humana, nas suas relações com a nossa inteligência, este ver está todavia e contemporaneamente, confiado também à nossa solicitude humana e ao nosso zelo.

Está confiado ao trabalho da Igreja. Ao seu ensino. A sua catequese.

E é esta a principal função da paróquia. Na paróquia, tão grande tarefa deve ser realizada não apenas pelos sacerdotes, como mestres da fé, mas também pelas outras pessoas: as irmãs e os leigos. Particularmente fundamental neste campo é o dever da família. Dirigindo-me aos pais cristãos, na Exortação Apostólica Catechesi Tradendae, publicada dias atrás, disse precisamente: "A acção catequética da família tem um carácter particular e, num certo sentido, insubstituível... Esta educação para a fé feita pelos pais — a qual deve começar desde a mais tenra idade das crianças — já se realiza quando os membros de uma determinada família se ajudam uns aos outros a crescer na fé graças ao próprio testemunho de vida cristã, muitas vezes silencioso, mas perseverante, no desenrolar-se de uma vida de todos os dias vivida segundo o Evangelho" (Catechesi Tradendae CTR 68).

Não podemos, todavia, esquecer que entre nós, no âmbito desta comunidade que tem o nome de paróquia de São Pio V, há certamente muitos que "não vêem", que "são cegos" em relação a Deus e às suas grandes obras. Permanecem e obstinam-se neste estado. E talvez façam desta sua não-fé um programa que quereriam inocular ou impor aos outros... É verdadeiramente enorme a importância da paróquia como comunidade de fé, como comunidade de crentes. Enorme é também a sua missão, a sua vocação apostólica. Cristo Jesus, nosso Salvador, venceu a morte e fez resplandecer a vida e a imortalidade por meio do Evangelho (Tim 1, 10).

5. A paróquia é um lugar de evangelização. É, portanto, lugar de grande e de múltiplo trabalho. Trabalho semelhante ao daquele agricultor de que fala a liturgia de hoje no Salmo responsorial: Na ida, vão a chorar, carregando as sementes para espalhar... Quem semeia com lágrimas colherá com alegria (Ps 125,6 Ps 125,5).

Numa circunstância tão cara para mim como é esta, da visita à vossa Paróquia, quero fazer votos por este multíplice trabalho, este esforço, e talvez estas lágrimas de que fala o Salmista, para vos desejar, depois, os frutos deste trabalho: a ceifa, os molhos de trigo que se recolhem com humana e, ao mesmo tempo, divina satisfação.

Amen!



SANTA MISSA NO CEMITÉRIO DE CAMPO VERANO


NA COMEMORAÇÃO DE TODOS OS SANTOS




Quinta-feira, 1 de Novembro de 1979




220 1. Reunimo-nos hoje nós todos, no principal campo santo de Roma. Vieram aqui todos quantos encontram neste cemitério um valor e uma eloquência particulares. Fala-nos dos Mortos que vivem em nós: na nossa memória. no nosso amor e nos nossos corações. Fala-nos dos nossos Pais, isto é daqueles que nos deram a vida terrestre, graças a quem todos nos tornámos participantes da humanidade. Este cemitério fala-nos também de muitas outras pessoas, cujo amor, exemplo e influxo deixaram em nossas almas vestígios duradoiros. Vivemos sempre no âmbito da verdade por elas vivida, no âmbito dos problemas a que elas se dedicaram. Somos, em certo sentido, a sua continuidade. Vivem elas em nós, e não podemos deixar nós de viver nelas.

Vindo hoje a este campo santo, queremos manifestar tudo isto. Deste modo, o cemitério de Roma — assim como todos os cemitérios da Itália e do mundo — torna-se lugar duma assembleia admirável: lugar que dá testemunho de os mortos não cessarem de viver em nós, vivos, porque nós, vivos, não cessamos de viver deles e neles.

2. Se esta verdade psicológica, até certo modo subjectiva, não pode ser falaz, nós, seguindo as palavras da festividade litúrgica de hoje, devemos confessar a mesma coisa que, com tanta simplicidade e força, anuncia o Salmo responsorial:

Do Senhor é a terra e tudo o que ela encerra, a órbita terrestre e todos os que nela habitam (
Ps 24,1).
É do Senhor!...

Se o mundo, esta terra e tudo o que ela encerra, e se enfim o homem mesmo, não "têm aquele Senhor, não Lhe pertencem, não são criaturas Suas..., então o nosso sentido da comunhão com os mortos, a nossa recordarão e o nosso amor desaparecem logo à nascença. Então devemos abandonar aquilo em que se exprime cada um de nós tão energicamente a si mesmo; devemos apagar o que tão energicamente decide de cada um de nós.

Então desvela-se de facto — com necessidade quase implacável —, esta segunda alternativa: a terra, depois de por certo tempo aceitar o domínio do homem, vem afinal a mostrar-se por sua vez dominadora dele. Então o cemitério é o lugar da derrota definitiva do homem. É o lugar em que se manifesta uma definitiva e irrevocável vitória da "terra" sobre todo o ser humano; apesar de tão rico; o lugar do domínio da terra sobre aquele que, durante a própria vida, pretendia ser o seu dominador.

Estas são as inexoráveis consequências lógicas da concepção daqueles que recusam Deus e reduzem toda a realidade exclusivamente à matéria. No momento em que o homem, na sua mente e no seu coração; faz que Deus morra, deve capacitar-se de ter condenado a uma morte irreversível a sua pessoa, de ter aceitado o programa da morte do homem. Infelizmente este programa, e muitas vezes sem reflexão da nossa parte, torna-se o programa da civilização contemporânea.

Nós, aqui reunidos, viemos hoje a este campo santo para confessar a presença de Deus e o Seu senhorio sobre o mundo criado: para confessar a sua presença salvífica na história do homem. Nós somos, como diz o Salmo, a geração que o procura, que procura o rosto do Deus de Jacob (Cfr. Sl Ps 24,6).

Sim, viemos aqui para confessar o mistério do Cordeiro de Deus, do qual recebemos a salvação e a vida eterna. Mais, o Filho de Deus, Deus verdadeiro, fez-se homem e como homem aceitou a morte, para nos dar a participação na vida do próprio Deus. Desta participação fala-nos hoje o Apóstolo João com as palavras da sua primeira Carta: Com que amor nos amou o Pai, ao querer que fossemos chamados filhos de Deus. E, de facto, somo-lo! (1Jn 3,1).

Tal consciência acompanha-nos hoje, vindos para orar sobre os túmulos dos nossos queridos e para celebrar, no meio destes túmulos, o Sacrifício do Corpo e do Sangue de Cristo. Ao oferecê-lo, pensemos, com o Autor do Apocalipse, naqueles que lavaram os seus vestidos e os branquearam no sangue do Cordeiro (Ap 7,14).

221 Vimos aqui com fé. A fé tira os selos destes túmulos e permite-nos pensar, naqueles que morreram, como em pessoas que, por obra de Cristo, vivem em Deus. Com esta consciência e com esta fé, nós todos, o Bispo de Roma e os Párocos das várias freguesias romanas, celebramos aqui hoje o Sacrifício de Cristo. Celebramo-lo com a esperança da vida eterna, que nos foi dada por Cristo. E todo o que n'Ele tem esta esperança, purifica-se a si mesmo, como também Ele é puro (1Jn 3,3).

O Cristianismo é um programa cheio de vida. Diante da experiência quotidiana da morte, de que a nossa humanidade se torna participante, repete ele incansavelmente: "Creio na vida eterna". E nesta dimensão de vida encontra-se a realização definitiva do homem no próprio Deus: Sabemos que... seremos semelhantes a Ele, porque O veremos como Ele é (1Jn 3,2).

4. Por isso, somos também hoje chamados a encontrar-nos à volta de Cristo, ao pronunciar Ele o seu sermão da montanha. O Evangelho das oito Bem-aventuranças toca nestas duas dimensões da vida, uma das quais pertence a esta terra e é temporal, ao passo que a outra traz em si a esperança da vida eterna.

Ouvindo estas palavras, pode-se olhar para a vida eterna a partir da temporalidade. Mas pode-se também e deve-se olhar para a temporalidade, para a nossa vida na terra, através da perspectiva da vida eterna.

E devemos perguntar-nos também como deve ser esta nossa vida, a fim de a esperança da vida eterna poder desenvolver-se e maturar nela. Assim compreendemos de maneira exacta o que Jesus quer dizer quando proclama "bem-aventurados" os pobres de espírito — os mansos — e os que estão aflitos com urna aflição bem levada — e aqueles que têm fome e sede de justiça — e os misericordiosos — e os puros de coração — e os pacíficos — e os que sofrem perseguição por causa da justiça.

Cristo quer que nós sejamos desses. E, feitos como esses, nos espera o Pai.

Não nos afastemos deste campo santo sem um olhar profundo sobre a nossa vida. Olhemos para ela na perspectiva de Deus vivo, na perspectiva da eternidade. Então também o nosso encontro, com aqueles que nos deixaram. dará pleno fruto: A sua esperança está cheia de imortalidade (Sg 3,4).



VISITA PASTORAL DO SANTO PADRE

À PARÓQUIA ROMANA DE SÃO LUCAS EVANGELISTA


Domingo, 4 de Novembro de 1979




Irmãs e Irmãos caríssimos!

Graça e paz a vós da parte de Deus, Pai nosso, e da do Senhor Jesus Cristo (Rm 1,7).

1. Desejo, com estas palavras de São Paulo aos Romanos, apresentar hoje a minha saudação cordial a todos os componentes da Paróquia de São Lucas, jovem ainda, é verdade — de facto foi constituída juridicamente em 1956 —, mas cheia já de dinamismo e vitalidade.

222 Dias atrás, exactamente de 13 a 28 de Outubro, o Bispo Auxiliar do Sector, Dom Giulio Salimei, fez a visita pastoral. Tomei conhecimento, com intima satisfação e legítima alegria, da relação por ele elaborada e também da preparada pelo pároco, Monsenhor Alessandro Agostini, com os sacerdotes que com ele trabalham para o vosso bem. Pretendo, com esta minha visita, concluir e, de certo moda, "selar" a do Bispo Auxiliar.

Uma saudação, antes de mais, ao Cardeal Vigário e ao Bispo Salimei, ao pároco e ao grupo de sacerdotes que oferecem as suas melhores energias físicas e espirituais a esta comunidade paroquial, que apresenta vários e complexos problemas, entre os quais o mais pequeno não é o da sua numerosa população: cerca de trinta mil habitantes, com oito mil famílias. Uma saudação aos Sacerdotes das paróquias vizinhas, aos Religiosos e às Religiosas que vivem e trabalham no âmbito da paróquia: desejo recordar neste momento o Centro provincial dos Irmãos do Padre Charles de Foucauld; as Irmãs Oblatas do Sagrado Coração de Jesus que generosamente se dedicam ao serviço da paróquia; o numeroso grupo das Irmãs da Misericórdia de Verona, empenhadas nas suas variadas actividades educativas, catequéticas e caritativas. Esta presença é para mim expressão da comunidade, tão cara e preciosa à vida da Igreja, tão útil à existência e ao serviço sacerdotal.

Dirijo uma saudação cordial aos membros dos numerosos grupos juvenis dezassete ao todo! — que, de vários modos e com múltiplas iniciativas, procuram aprofundar juntos as exigências da fé cristã; uma saudação respeitosa e afectuosa aos pais e mães de família que, embora no meio de tantas dificuldades, querem viver em plenitude o mistério cristão do seu matrimónio, e se comprometem, com todos os esforços, a educar cristãmente os filhos. Uma terna saudação aos nossos irmãos doentes, que trazem em si o sinal do sofrimento de Cristo e da Igreja; aos pobres, que têm necessidade do nosso gesto concreto de solidariedade e de amor. Uma saudação paternal às crianças, a nossa autêntica alegria e a nossa serena esperança num futuro melhor.

Mas hoje desejo dirigir uma saudação particular aos catequistas da paróquia, que são 160 ao todo. Devo dar-vos — jovens, Irmãs e pais — dedicados a esta obra tão meritória, o meu aplauso e o de toda a Igreja pelo compromisso generoso que pondes em prática ajudando a juventude no seu itinerário de fé. Repito-vos as palavras que dirigi aos catequistas de todo o mundo na minha recente Exortação Apostólica Catechesi Tradendae: "Desejo agradecer-vos em nome de toda a Igreja, também a vós catequistas paroquiais,... que pelo mundo inteiro vos dedicastes à educação religiosa de numerosas gerações. A vossa actividade, muitas vezes humilde e escondida, mas realizada com um zelo inflamado e generoso, é uma forma eminente de apostolado leigo..." (Catechesi Tradendae, 66).

E eis-me de fronte a uma comunidade que se preparou para este encontro com o Papa com exemplar seriedade, cuja expressão mais tangível foi a vigília nocturna de oração. É uma comunidade que quer viver intensamente e participar aos outros a própria fé cristã numa articulada união fraterna: a fonte desta união, comunhão e cooperação é o amor infundido em nossos corações pelo próprio Cristo, nosso Senhor e Mestre, como o sublinha hoje, de modo particular, a Liturgia da Palavra.

2. Cristo diz: Se alguém me ama, guardará as minhas palavras; meu Pai o amará e nós viremos a ele... (
Jn 14,23). Mesmo no centro do ensino de Cristo encontra-se o grande mandamento do amor.

Este mandamento foi já inscrito na tradição do Antigo Testamento, como o testemunha a primeira leitura de hoje, tirada do livro do Deuteronómio.

Quando o Senhor Jesus responde à pergunta de um dos escribas, refere-se a esta fórmula da Lei divina, revelada na Antiga Aliança:

Qual é o primeiro de todos os mandamentos?

O primeiro é... amarás... o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua mente e com todas as tuas forças.

E o segundo é este: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há nenhum mandamento maior que estes (Mc 12,29-31).

223 3. Aquele interlocutor, evocado por São Marcos, aceitou com reflexão a resposta de Cristo. Aceitou-a com profunda aprovação. É preciso que também nós, neste dia, reflictamos brevemente sobre este "maior dos mandamentos", para o podermos aceitar de novo com plena aprovação e com profunda convicção. Acima de tudo, Cristo difunde o primado do amor na vida e na vocação do homem. A maior das vocações do homem é a chamada ao amor. O amar dá também significado definitivo à vida humana. É a condição essencial da dignidade do homem, a prova da nobreza da sua alma. São Paulo dirá que é o vínculo da perfeição (Col 3,14). É a realidade maior na vida do homem, porque o verdadeiro amor traz consigo a dimensão da eternidade. É imortal: a caridade não passa jamais, lemos na primeira Carta aos Coríntios (1Co 13,8). O homem morre no que diz respeito ao corpo, pois é esse o destino de cada um sobre a terra. Mas esta morte não danifica o amor que se desenvolveu na sua vida. Sem dúvida, ele permanece para dar testemunho a favor do homem, perante Deus que é amor. É ele que determina o lugar do homem no Reino de Deus; na ordem da Comunhão dos Santos. O Senhor Jesus diz ao seu interlocutor do Evangelho de hoje, vendo que ele compreende o primado do amor entre os mandamentos: Não estás longe do reino de Deus (Mc 12,34).

4. São dois os mandamentos do amor, como afirma expressamente o Mestre na sua resposta — mas o amor é um só. Um e idêntico que abrange Deus e o próximo. Deus, sobre todas as coisas, porque Ele está acima de tudo. O próximo, na medida do homem e, portanto, "como a si mesmo".

Estes dais amores estão tão intimamente ligados entre si, que um não pode existir sem o outro. Di-lo, noutro passo, São João: Em verdade, quem não ama a seu irmão, que vê, não pode amar a Deus, que não vê (1Jn 4,20). Portanto, não se pode separar um amor do outro. O verdadeiro amor ao homem, ao próximo, precisamente porque amor verdadeiro, é, ao mesmo tempo, amor a Deus. Isto pode embaraçar alguém. Embaraça certamente. Quando o Senhor Jesus apresenta aos seus ouvintes a visão do juízo final, referida no Evangelho de São Mateus, diz: Tive fome e destes-me de comer / tive sede e destes-me de beber / era peregrino e destes-me hospedagem / estava nu e vestistes-me / doente e visitastes-me / na prisão e fostes-me ver (Mt 25,35-36).

Então os que escutam estas palavras ficam maravilhados, pois vemo-los perguntar: Senhor, quando é que te fizemos tudo isto? E a resposta: Em verdade vos digo que tudo o que fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos — isto é, ao vosso próximo, a qualquer dos homens — a mim o fizestes (Cfr. Mt Mt 25,37 Mt Mt 25,40).

5. Esta verdade é muito importante para toda a nossa vida e para o nosso comportamento. É particularmente importante para aqueles que procuram amar os homens, mas "não sabem se amam a Deus", ou mesmo declaram não "saber" amál'O. É fácil de explicar esta dificuldade quando se toma em consideração toda a natureza do homem, toda a sua psicologia. De certo modo é mais fácil ao homem amar aquele que vê do que Aquele que não vê (Cfr. 1Jn 4,20),

6. E, no entanto, o homem é chamado — e chamado com grande firmeza, como o testemunham as palavras do Senhor Jesus — ao amor a Deus, ao amor que está sobre todas as coisas. Se fizermos uma reflexão sobre este mandamento, sobre o significado das palavras escritas já no Antigo Testamento e repetidas com tanta determinação por Cristo, devemos reconhecer que elas nos dizem muito do próprio homem. Revelam a perspectiva mais profunda e, ao mesmo tempo, definitiva do seu ser, da sua humanidade. Se Cristo prescreve ao homem tal amor como dever — isto é, o amor de Deus que ele, homem, não vê — quer dizer que o coração humano esconde em si a capacidade para este amor, que o coração humano foi criado "à medida de tal amor". Não será esta a primeira verdade sobre o homem, ou seja que ele é a imagem e a semelhança de Deus? Não fala Santo Agostinho do coração humano que permanece inquieto até que repousa em Deus?

Assim o mandamento do amor a Deus sobre todas as coisas revela uma gama das possibilidades interiores do homem. Não se trata de uma gama abstracta. Tem sido reconfirmada, e continua a sê-lo constantemente, por todos os homens que tomam a sério a sua fé e o facto de serem cristãos. Nem sequer faltam homens que tenham confirmado heroicamente esta gama das possibilidades interiores do homem.

7. Na nossa época encontramos uma crítica, não raro radical, da religião, uma crítica da cristandade. E então, até este "maior dos mandamentos" se torna vítima da análise destrutiva. Se se poupa e, até geralmente, se aprova o amor ao homem, o amor a Deus é, ao contrário e por vários motivos, refutado. O mais frequente é fazê-lo como expressão ateia da visão do mundo.

No contacto com esta crítica, que é apresentada de várias formas — quer de forma sistemática, quer circulante — é necessário ponderar ao menos as suas consequências no próprio homem. De facto, se Cristo, mediante o seu maior mandamento, revelou a inteira escala das possibilidades interiores do homem, então devemos responder no nosso íntimo à pergunta: recusando este mandamento não estamos a diminuir o homem?

Neste momento basta que eu me limite a fazer apenas esta pergunta.

8. O que quero desejar-vos, neste encontro com a vossa Paróquia, exprime-se sobretudo no fervoroso desejo de que o grande mandamento do Evangelho seja o princípio da vida de cada um de vós e de toda a vossa Comunidade. É exactamente este mandamento que dá o verdadeiro sentido à vossa vida. Vale a pena viver e fazer esforços todos os dias em seu nome. À sua luz até a sorte mais adversa — o sofrimento, a invalidez física e a própria morte — adquire valor. Disto nos falam, de modo esplêndido, as palavras do salmo, na liturgia de hoje: Amo-vos, Senhor, minha força, / Senhor, minha rocha, meu baluarte, / meu libertador; / Deus meu, meu rochedo, em que me refugio... (Ps 17,1-3).

224 Desejo, portanto, que em todos e cada um de vós se cumpram as palavras de Cristo: Se alguém me ama, guardará as minhas palavras; meu Pai o amará e nós viremos a ele e faremos nele a nossa habitação (Jn 14,23).



Homilias JOÃO PAULO II 215