Discursos João Paulo II 1999 - Sexta-feira, 17 de Dezembro de 1999

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À NOVA EMBAIXADORA DO PARAGUAI JUNTO


DA SANTA SÉ POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO


DAS CARTAS CREDENCIAIS


Sexta-feira, 17 de Dezembro de 1999

Senhora Embaixadora!

1. É para mim motivo de particular satisfação dar-lhe as boas-vindas e receber as Cartas Credenciais que a acreditam como Embaixadora Extraordinária e Plenipotenciária da República do Paraguai junto da Santa Sé. Agradeço-lhe vivamente as amáveis palavras que me dirigiu e, em particular, a deferente saudação do Senhor Presidente da República, Dr. Luís Angel Macchi, ao qual lhe peço que transmita os meus melhores votos de paz e bem-estar, juntamente com os meus votos pela prosperidade e progresso integral da querida Nação paraguaia.

2. Vossa Excelência vem representar um povo que, no ano que está para terminar, viveu acontecimentos muito importantes, no meio de uma situação socioeconómica e política que às vezes foi difícil e teve inclusive alguns episódios dramáticos. Contudo, no meio desta experiência, produziu-se também um despertar da consciência dos cidadãos, desejosos de construir melhores condições de convivência, sem sucumbir ao desânimo e à fatalidade. Nestas circunstâncias, o Governo de Unidade Nacional fez-se depositário de muitos anseios e esperanças que são, ao mesmo tempo, uma grande responsabilidade e um desafio à sua capacidade criativa, para obter uma sociedade mais harmónica, baseada na verdade, na justiça e na solidariedade. Para isto, será preciso erradicar as lutas internas e evitar a falta de vontade política, que tornariam vãos os esforços por construir um futuro melhor para todos.

Por isso desejo exortar os governantes, que receberam o encargo de levar avante o caminhar da sociedade paraguaia rumo às portas do Terceiro Milénio, a estarem sempre atentos ao clamor legítimo e às aspirações mais nobres de todos os cidadãos. Isto servir-lhes-á como um incentivo constante para lutarem sem tréguas pela melhoria das condições de vida dos mais desprotegidos, deterem a corrupção dos poderosos em prejuízo dos débeis e impedirem o empobrecimento paulatino de amplas camadas da população. Além disso, conseguir-se-à também deste modo combater a falta de confiança nas instituições democráticas, um fenómeno que comporta incalculáveis riscos, e favorecer-se-á um ordenamento social capaz de assegurar a participação de todos os cidadãos nas opções políticas e de garantir aos governados a possibilidade de escolher e controlar os seus próprios governantes.

3. Entretanto, o bem comum dos povos não depende apenas dos aspectos formais da sua organização política, mas é decidido fundamentalmente na adesão à verdade profunda do ser humano e da sua dimensão social. Neste sentido, eu advertia na Encíclica Centesimus annus que "uma democracia sem valores se converte facilmente num totalitarismo aberto ou dissimulado, como a história demonstra" (n. 46), visto que, sem uma verdade última que guie e oriente a acção política, "as ideias e as condições podem ser facilmente instrumentalizadas para fins de poder" (ibid.).

No centro desses valores, que um autêntico sistema democrático deve tutelar e desenvolver, estão sobretudo os direitos fundamentais da pessoa humana. A Santa Sé não tem poupado esforços para promover a defesa e a promoção destes direitos, em particular o direito e o respeito à vida, desde a sua concepção até ao término natural, os direitos e a promoção da família, da mulher, dos trabalhadores, das populações indígenas, dos emigrantes, dos anciãos e das crianças. Esta é uma causa nobre na qual a Igreja está firmemente comprometida, também nos fóruns internacionais, unindo na medida do possível os seus esforços aos dos homens e mulheres de boa vontade, com o fim de construir uma civilização do amor e da solidariedade, capaz de superar antigas barreiras, estreitos horizontes e ideologias transitórias.

O Paraguai, terra fértil, como Vossa Excelência o qualificou de maneira esplêndida, tanto pela riqueza humana da sua população como pela sua acendrada religiosidade e a sua luta tenaz em prol da liberdade e autonomia como Nação, reúne todos os requisitos necessários para poder construir "oñondivepa" - "todos juntos", em língua guarani - essa nova civilização, capaz de ir transformando o País num povo de irmãos.

4. Este encontro de boas-vindas, Senhora Embaixadora, oferece-me a oportunidade de reavivar a grata recordação da Visita Pastoral que tive a alegria de fazer ao seu País em 1988. Durante a mesma, pude perceber como a Igreja católica realiza a sua missão de anunciar a Boa Nova de Jesus Cristo entre os homens e mulheres do Paraguai, uma terra em que, já desde o início da evangelização do continente americano, a fé cristã se arraigou profundamente e foi configurando os usos e costumes dos seus habitantes.

Os Pastores da Igreja no Paraguai, identificados sempre com o destino dos seus fiéis e conscientes da sua responsabilidade de iluminar, com o Evangelho e a Doutrina Social da Igreja, as situações de cada momento histórico, não deixaram de fazer ouvir a sua voz também nos momentos de dificuldade, de grande perigo, de perda de valores e de confusão moral. Isto contribuiu, sem dúvida, para considerar a Igreja como uma das instituições mais críveis e merecedoras da confiança geral dos cidadãos.

Este é um aspecto importante do serviço ao Povo de Deus e por isso a Igreja, ainda que rejeite privilégios, proclama o seu direito a estar presente no tecido social, com as suas estruturas e os seus meios, considerando que o seu contributo ao bem da comunidade no seu conjunto não pode ser depreciado ou relegado ao âmbito meramente privado, segundo afirmam certas correntes de pensamento hoje em voga. "Não se pode circunscrever a Igreja aos seus templos, como não se pode circunscrever Deus à consciência dos homens" (Discurso às Autoridades e ao Corpo Diplomático, em Assunção, 16/5/1988, ed. port. de L'Osservatore Romano de 12 de Junho de 1988, pág. 9, n. 2). Com efeito, a proclamação do Evangelho não seria inteiramente fiel se excluísse alguns aspectos essenciais do ser humano, como é a vida em sociedade e a necessidade de construir entre todos uma sociedade mais justa, fraterna e solidária. A Igreja - dizia o Concílio Vaticano II - não só comunica ao homem a vida divina, mas também espalha a sua luz sobre o mundo, "enquanto cura e eleva a dignidade da pessoa humana, consolida a coesão da sociedade e dá um sentido mais profundo à quotidiana actividade dos homens" (Gaudium et spes GS 40).

5. Ao terminar estas palavras, permita-me, Senhora Embaixadora, expressar-lhe os meus melhores votos para que a sua permanência em Roma seja grata e a sua missão, ao serviço das relações entre o seu País e a Santa Sé, produza copiosos frutos de entendimento mútuo e de estreita colaboração, fazendo crescer as boas relações diplomáticas já existentes.

Com estes votos, que estendo à sua distinta família e aos seus colaboradores, peço-lhe que transmita a minha cordial saudação ao Governo do Paraguai, de maneira especial ao seu Presidente, e que se faça porta-voz do meu afecto e proximidade junto do povo paraguaio, para o qual invoco a maternal protecção de Nossa Senhora de Cacupé e que abençoo de coração.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PEREGRINOS DA REPÚBLICA TCHECA


VINDOS A ROMA PARA A ENTREGA DA ÁRVORE DE NATAL


Sábado, 18 de Dezembro de 1999

Senhor Presidente
Senhor Cardeal
Venerados Irmãos no Episcopado
Caríssimos Irmãos e Irmãs da República Tcheca!

1. Com grande alegria saúdo todos vós, que viestes para a entrega do abete vindo da querida Nação tcheca. Este presente de Natal testemunha o sentido de respeito e de deferência que o amado povo tcheco nutre pela Sé Apostólica e, ao mesmo tempo, é símbolo de cordial participação na alegria das festas natalícias que se celebram aqui no Vaticano, com a particular solenidade que o início do Grande Jubileu requer.

Já ontem pude encontrar numerosos representantes da República Tcheca por ocasião da Audiência concedida aos participantes no Congresso Internacional sobre João Hus, um importante momento de reflexão sobre uma página dolorosa da história religiosa e civil da Nação. E agora tenho a alegria de poder dirigir a minha cordial saudação ao Presidente da República Tcheca, Senhor Václav Havel, e à Ex.ma Esposa. Agradeço-lhe, Senhor Presidente, as nobres palavras com que quis sublinhar o significado da iniciativa assumida pelo Governo de presentear o Papa com a magnífica árvore de Natal, que se ergue majestosa ao lado do Presépio na Praça de São Pedro. Saúdo, além disso, o Senhor Cardeal Miloslav Vlk e agradeço-lhe as expressões de afecto fraterno que me dirigiu. Enfim, faço extensiva a minha saudação cordial a D. Frantisek Lobkowicz, aos Bispos da inteira Conferência Episcopal Tcheca, aos fiéis da diocese de Ostrava-Opava, principais artífices da concretização desta iniciativa, e aos fiéis da Comunidade tcheca de Roma.

A todos vós, aos vossos colaboradores que ficaram em casa, aos patrocinadores e a quantos se prestaram para o transporte da árvore, exprimo os meus mais vivos agradecimentos pelo contributo oferecido por cada um. Dirijo uma saudação especial à banda "Valasský-vojvoda", que acompanha o alegre encontro durante o qual se acendem as luzes da árvore. Graças a vós, a festa do Natal do Senhor, aqui na Praça de São Pedro, será certamente mais solene.

2. Este abete, que já há alguns dias se eleva para o céu adornado de luminárias sugestivas, provém da montanha Beskydy, Região de Ostrava e Opava, nos arredores de Morávka. Juntamente com esta árvore, quisestes oferecer outros pequenos abetes que serão colocados em vários lugares do Palácio Apostólico e da Cúria, todos enfeitados com produtos do trabalho artesanal da mesma Região. Além disso, unistes três estátuas vestidas com os costumes tradicionais de Valassako, que estão colocadas ao lado daquelas habitualmente usadas no Presépio da Praça de São Pedro. A árvore de Natal, juntamente com o Presépio, cria o clima típico do Natal e pode ajudar-nos a compreender melhor a mensagem de salvação que Cristo veio trazer com a sua Encarnação. Da manjedoura de Belém à Cruz no Gólgota, Ele deu testemunho, com a sua vida inteira, do amor de Deus pelos homens. Ele é, segundo o evangelista João, "a luz verdadeira que a todos ilumina" (1, 9).

Como símbolo desta Luz, brilham as luzes na árvore de Natal para fortalecer em nós a consciência do grande mistério: em Cristo está presente a luz capaz de transformar o coração do homem.

3. Caríssimos Irmãos e Irmãs, enquanto de coração vos agradeço esta visita, formulo a todos vós e aos vossos entes queridos os melhores votos para um alegre Natal e um feliz Ano Novo no calor das vossas famílias. Possam as iminentes festas natalícias suscitar e revigorar em todos a fé na presença e no amor de Deus.Com estes sentimentos, de bom grado concedo a vós, aos vossos familiares e à vossa inteira Nação, uma especial Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO NOVO EMBAIXADOR DA SUÉCIA


JUNTO DA SANTA SÉ POR OCASIÃO


DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


Segunda-feira, 20 de Dezembro de 1999



Senhor Embaixador

É-me grato dar-lhe hoje as boas-vindas ao Vaticano e receber das suas mãos as Cartas Credenciais, com as quais Vossa Excelência é acreditado como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário do Reino da Suécia. Desejo exprimir a minha gratidão a Sua Majestade o Rei Carlos XVI Gustavo e ao Governo sueco pelos sentimentos de obséquio que, por seu intermédio, quiseram exprimir à minha pessoa, assim como pelas palavras de apreço reservadas à actividade que a Santa Sé realiza em âmbito internacional.

Recordando-me do encontro do dia 13 de Novembro passado, desejo reiterar a Suas Majestades o Rei e a Rainha, e à Princesa Herdeira a certeza da minha oração pelas suas pessoas e pelo serviço que são chamados a prestar à Nação. Quero fazer extensivos estes mesmos sentimentos aos outros membros da Família real, às Autoridades governamentais e ao inteiro povo da Suécia, formulando votos de serenidade e de paz, na constante busca daquilo que contribui para a tutela e a promoção da pessoa humana e para o desenvolvimento dos autênticos valores da convivência civil.

Está ainda viva no meu coração a alegria pela recente proclamação como co-Padroeira da Europa, juntamente com Santa Catarina de Sena e Santa Teresa Benedita da Cruz, de Santa Brígida, ilustre filha da Suécia, peregrina de Cristo guiada por graças místicas extraordinárias. Tratou-se de uma ocasião providencial para reflectir sobre a comum responsabilidade dos cristãos prosseguirem no caminho rumo à plena unidade, de maneira a oferecer ao Continente um testemunho sempre mais crível do único Evangelho, fonte de esperança e fundamento sólido da civilização do amor.

Sinal visível deste ardente desejo, que para Santa Brígida constituiu um intenso programa de vida, foi a celebração ecuménica que se realizou na Basílica de São Pedro, no passado dia 13 de Novembro quando, juntamente com os mais altos Representantes luteranos da Suécia e da Finlândia e com os Bispos católicos de Estocolmo e de Copenhaga, orei a fim de que se realize quanto antes, para todos os discípulos de Cristo, o desejo do Mestre divino: Ut unum sint. Essa circunstância reavivou em mim a inesquecível recordação da viagem que há dez anos realizei a Estocolmo, Upsala, Vadstena e Linköping, quando tive ocasião de encontrar e dialogar com o amado povo da Suécia, apreciando o seu gosto pela vida, o amor pelas crianças e a generosidade de espírito ao acolher pessoas ali chegadas de outros Países, para encontrarem trabalho, dignidade e esperança.

A Santa Sé conhece e estima a acção da Suécia a favor da paz, da colaboração e do respeito pelos direitos humanos a níveis regional e internacional, assim como a generosidade concretamente demonstrada e praticada em benefício das Nações mais pobres. Estou persuadido de que este programa, unido à convicta adesão aos autênticos valores éticos e religiosos, contribuirá para a afirmação de uma civilização de paz e de mútua compreensão entre os povos. Não obstante as especificidades que lhes são próprias, os suecos saberão inserir-se de modo sempre mais profundo no conjunto dos povos da Europa, favorecendo a edificação da casa comum do Continente, assente na dignidade da pessoa, no respeito pelo carácter sagrado da vida, na valorização do papel central da família, no reconhecimento da importância da educação, na salvaguarda das liberdades fundamentais, a começar pela religiosa, e na promoção do contributo de cada um para o bem comum no contexto de um Estado governado pela lei e a razão.

Neste processo, a Igreja não deixará de cumprir a parte que lhe é própria, pondo à disposição do homem contemporâneo as riquezas da própria fé, mediante o constante anúncio do Evangelho, de maneira que a luz de Cristo vivifique os valores que sustentam a sociedade civil.

Senhor Embaixador, no Grande Jubileu do Ano 2000, que terá início com a já iminente abertura da Porta Santa, decerto virão a Roma também peregrinos seus compatriotas. Desejo transmitir-lhes a minha saudação, assegurando que encontrarão um acolhimento fraterno junto dos túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo. Aqui poderão sentir-se de algum modo na própria casa para celebrarem, juntamente com os cristãos provenientes de outras partes do mundo, o mistério da encarnação do Filho de Deus.

Enfim, as iminentes festas natalícias oferecem-me a oportunidade de apresentar a Vossa Excelência e à sua família e, por seu intermédio, aos Soberanos que o Senhor Embaixador representa, assim como ao inteiro Povo sueco, ardentes votos de Santo Natal e feliz Ano Novo. É de bom grado que uno aos votos a minha orante recordação ao Senhor, para que as cordiais relações entre a Suécia e a Santa Sé continuem a desenvolver-se nos sólidos caminhos já tradicionais. Além disso, confirmo-lhe a minha estima e o meu apoio no cumprimento da alta missão que lhe foi confiada e corroboro estes sentimentos com a invocação de abundantes bênçãos divinas sobre Vossa Excelência e as pessoas que lhe são queridas.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NO TRADICIONAL ENCONTRO DE NATAL


COM OS CARDEAIS, A FAMÍLIA PONTIFÍCIA,


A CÚRIA E A PRELATURA ROMANA


Terça-feira, 21 de Dezembro de 1999

"Rorate coeli desuper, et nubes pluant iustum!
Aperiatur terra, et germinet Salvatorem!" (Is 45,8).

1. É com grande prazer que me encontro convosco, caríssimos membros do Colégio Cardinalício e colaboradores da Cúria Romana, para esta reunião tradicional que, contudo, parece ter hoje um sabor particular: é a última do século e do Milénio. A peculiar circunstância convida-nos a colocar-nos, com a nossa reflexão, no horizonte do tempo que corre, para adorarmos os desígnios de Deus e renovarmos a nossa fé em Cristo, Senhor da história.

Agradeço-lhe, Senhor Cardeal Decano, as expressões de devoção que me dirigiu em nome do Colégio Cardinalício e dos presentes. Obrigado pelos bons votos, que retribuo de todo o coração a Vossa Eminência, aos Senhores Cardeais e aos Membros da Cúria Romana.

Queremos viver este encontro com a consciência de que constituímos uma comunidade muito especial, a comunidade dos mais íntimos colaboradores do Bispo de Roma, Sucessor do Apóstolo Pedro. O elemento que nos une pode ser sintetizado com a expressão ministerium petrinum.

2. Ministerium, ou seja, serviço. O Filho de Deus, que nasce como homem em Belém, dirá de si mesmo: "O Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por muitos" (Mc 10,45). Assim Cristo deixa-nos o modelo, antes, o "paramêtro", com o qual se deve medir a vocação de cada um de nós.

Se a vocação do Sucessor de Pedro, ao lado dos seus colaboradores, possui um significado particular na Igreja, é precisamente porque ela constitui um ministério, um serviço. A Pedro, Cristo diz: "Fortalece os teus irmãos" confirma fratres tuos (Lc 22,32). Conhecemos bem o contexto dramático destas palavras do Mestre divino: já na proximidade da paixão, à declaração de Pedro: "Senhor, Senhor, estou pronto a ir contigo até para a prisão e a morte" (Lc 22,33), Ele respondeu: "Digo-te [Pedro], o galo não cantará hoje sem que, por três vezes, tenhas negado conhecer-Me" (Lc 22,34). É neste contexto que se inserem as palavras de Cristo: "Roguei por ti, a fim de que a tua fé não desfaleça. E tu, uma vez convertido, fortalece os teus irmãos" (Lc 22,32).

3. É necessário deter-se em todo este contexto para compreender plenamente o sentido da vocação de Pedro na Igreja. Na narração do Evangelista, Pedro emerge em toda a sua fragilidade. Portanto, o "fortalecer" não deriva das suas capacidades: provém do poder de Cristo, que reza por ele. É em virtude do poder de Cristo que ele pode sustentar os irmãos, apesar da sua debilidade pessoal. É necessário ter bem presente esta verdade sobre o ministerium petrinum. Nunca a pode esquecer aquele que, como Sucessor de Pedro, exerce este ministerium, e tão-pouco a devem esquecer aqueles que a qualquer título participam nele.

Por ocasião do encontro hodierno, desejo abraçar com a memória os Sumos Pontífices que se sucederam no arco deste Milénio e todos aqueles que, de várias maneiras, colaboraram com eles. "Muito bem, servo bom e fiel, foste fiel em coisas de pouca monta, muito te confiarei. Entra no gozo do teu Senhor" (Mt 25,23). Temos confiança em que quantos participaram no ministerium petrinum ouviram estas palavras de Cristo. Esperamos escutá-las também nós, quando formos chamados a apresentar-nos perante o tribunal supremo.

A hodierna meditação cruze o limiar do terceiro Milénio e seja escutada por aqueles que nos sucederem, que assumirem depois de nós, como Sucessores de Pedro e como seus colaboradores, o ministerium petrinum, para o exercer segundo a vontade de Cristo. São os votos que formulo a todos os meus queridos Irmãos e Irmãs da grande comunidade que formamos, agradecendo incessantemente a todos e a cada um o apoio, a ajuda e a colaboração generosa que me oferecem.

4. Confirma fratres tuos! Nestes anos caminhámos rumo ao grande Jubileu juntamente com todo o Povo de Deus espalhado pelo mundo. Fazendo agora como que um balanço do itinerário até aqui percorrido, sinto o dever de agradecer ao Senhor em primeiro lugar a inspiração trinitária que o distinguiu. Ano após ano detivemo-nos em contemplação diante da pessoa do Filho, do Espírito e do Pai. Ao longo do Ano Santo cantaremos a glória comum das três Pessoas divinas. Assim, sentimo-nos mais do que nunca como povo congregado na Trindade, "de unitate Patris et Filii et Spiritus Sancti plebs adunata" (S. Cipriano, De orat. Dom. 23: PL 4, 536; cf. Lumen gentium LG 4).

São inumeráveis as iniciativas tomadas nas Igrejas particulares, em preparação para o Ano jubilar. A nível universal, de grande importância foram sobretudo os Sínodos continentais, dos quais é lícito esperar frutos abundantes com base nas directrizes apresentadas nas respectivas Exortações Apostólicas pós-sinodais. No início deste ano pude entregar na Cidade do México a Exortação Apostólica "Ecclesia in America", auspiciando um renovado impulso de evangelização da numerosa comunidade cristã americana. No mês de Junho visitei a minha Pátria de origem, indo a algumas Dioceses da Polónia onde ainda não estivera. No mês passado levei à Índia a Exortação Apostólica "Ecclesia in Asia", encorajando a pequena comunidade católica asiática a anunciar Cristo Salvador, com confiança mas em diálogo com as antigas religiões daquele imenso Continente. Sucessivamente, em Outubro realizou-se a II Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa, durante a qual se enfrentou o complexo desafio da evangelização no Continente europeu. Um desafio que confiámos à intercessão dos Santos, de modo especial dos três Padroeiros Bento, Cirilo e Metódio, que eu quis integrar na devoção do Povo de Deus com as três figuras femininas de Santa Brígida da Suécia, Santa Catarina de Sena e Santa Teresa Benedita da Cruz Edith Stein.

5. Confirma fratres tuos! O ano que acabamos de transcorrer foi importante também sob o aspecto ecuménico. Na Tertio millennio adveniente formulei votos por que o grande Jubileu possa ver os cristãos "se não totalmente unidos, pelo menos muito mais perto de superar as divisões do segundo Milénio" (n. TMA 34). Infelizmente, a meta ainda está distante. Todavia, como esquecer a intensa emoção das minhas recentes viagens à Roménia e à Geórgia? Fui ali como irmão entre irmãos e, no acolhimento daquelas antigas comunidades, pude experimentar um pouco da alegria que, durante séculos, acompanhou as relações entre o Oriente e o Ocidente. Outrora, a Igreja podia respirar plenamente com os "dois pulmões" das tradições diversas e complementares em que se exprime a riqueza do único mistério cristão. O que dizer, depois, dos progressos que se verificaram nas relações com os irmãos de tradição luterana? O documento sobre a justificação, recentemente assinado em Ausburgo, constitui um grande passo avante e um encorajamento a continuar o diálogo com decisão, a fim de que se realize a invocação de Cristo: "Pai, para que todos sejam um só" (Jn 17,21). Significativo foi também, como passo dado rumo ao esclarecimento das relações com a tradição hussita, o Congresso celebrado na semana passada sobre João Hus, precisamente aqui no Vaticano, com grande participação de eminentes estudiosos de todas as proveniências.

6. Rorate coeli desuper et nubes pluant iustum! Também neste ano o olhar da Igreja não deixou de perscrutar além dos seus confins visíveis, para reconhecer a obra misteriosa que o Espírito de Deus realiza entre os homens e, de modo particular, entre os crentes de outras religiões. Por iniciativa do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso, na esteira do inesquecível encontro de Assis em 1986, no passado mês de Outubro reunimo-nos na Praça de São Pedro com os representantes de várias religiões no mundo. Promovemos este encontro em plena sintonia com o espírito do Concílio, que na Declaração Nostra aetate encorajou o diálogo com as outras religiões, recordando todavia que ele se deve realizar sem se abandonar ao indiferentismo e à tentação do sincretismo. A fé em Cristo, "Caminho, Verdade e Vida" (cf. Jo Jn 14,6 cf. Nostra aetate NAE 2), é a razão de ser da Igreja e a força que sustenta e orienta a sua acção no mundo. É neste fundamento que o encontro com os crentes de outras religiões demonstra toda a sua fecundidade. Ele é legítimo e significativo, quer porque são muitos os âmbitos operativos nos quais nos podemos encontrar concordes no serviço a Deus e aos homens, quer porque é dever da Igreja glorificar a Deus pelos raios de verdade com que Ele alcança os seus filhos em todas as latitudes da terra oferecendo, do modo que só Ele conhece, aquela salvação que tem a sua nascente no mistério pascal de Cristo (cf. Gaudium et spes GS 22).

7. O anúncio da salvação não pode deixar de ser acompanhado de um activo testemunho de caridade. Também neste ano, diante dos grandes problemas do mundo, a Sé Apostólica esforçou-se para que não faltasse o contributo do fermento evangélico. Assim se sustentou o caminho do Povo de Deus que, nas suas realidades pastorais locais, de inúmeras maneiras vai ao encontro das exigências humanas e do serviço aos mais necessitados. Preocupou-se pela promoção de uma "cultura da caridade", capaz de fazer amadurecer relações solidárias entre os homens, de fazer dissipar preconceitos, de se dispor para a humildade do encontro e do diálogo. Disto em particular continuam a tornar-se beneméritos os Dicastérios da Cúria Romana, de forma especial aqueles que estão mais empenhados no campo da cultura e das problemáticas sociais. Na mesma direcção, há alguns dias ofereci várias linhas de reflexão, no contexto da anual Mensagem para o Dia Mundial da Paz. Queira o recém-nascido de Belém, Príncipe da paz, abençoar os esforços que todos os homens de boa vontade realizam com este objectivo.

8. "Venite et ascendamus ad montem Domini" (Is 2,3). Este Natal que inaugura as celebrações do Ano jubilar seja para cada um de nós uma ascensão ao monte do Senhor, onde a sua glória se revela a quantos abandonaram o homem velho (cf. Ef Ep 4,22-24) e se revestiram do hábito nupcial (cf. Mt Mt 22,12), abrindo-se plenamente a Cristo.

Ascendamus ad montem Domini! Sim, aceleremos com fé os passos rumo ao Jubileu, ano extraordinário de graça, expressa de modo particular pelo dom da indulgência. Longe de ser um "desconto" à mudança de vida do cristão, essa exige-a de forma ainda mais vigorosa. O compromisso espiritual até agora prodigalizado, e que devemos continuar a assumir também nos âmbitos de competência dos respectivos Dicastérios e, especialmente, no contexto do Comité para o Ano Santo, quer ajudar todos os crentes a tomarem consciência do verdadeiro sentido do evento jubilar. "Arrependei-vos e acreditai na Boa Nova" (Mc 1,15). Esta é a mensagem que deve vibrar com intensidade crescente ao longo dos próximos meses.

Os momentos jubilares previstos em diversos modos e lugares e, em particular, aqueles que se hão-de celebrar aqui em Roma, são expressões fortes do caminho de conversão que empenha o inteiro Povo de Deus.

9. "Ecce, virgo concipiet et pariet filium et vocabit nomen eius Emmanuel" (Is 7,14).
O Natal e o Ano jubilar transmitem-nos com vigor esta certeza que, desde há dois mil anos, sustém o caminho da Igreja, a impele ao afã do anúncio e a estimula a uma conversão constante. O Menino nascido em Belém é o Emanuel, o Deus connosco. É o Ressuscitado que guia a história e virá na glória, no fim dos tempos.

Faço votos de coração a cada um de vós, Senhores Cardeais, e a todos vós, estimados colaboradores da Cúria Romana, por que possais sentir profundamente os frutos da sua presença, na alegria de terdes sido escolhidos para trabalhardes, em íntima colaboração com o ministério do Sucessor de Pedro, como arautos do seu Reino de amor e de paz.

Abençoo todos vós com afecto. Feliz Natal! Próspero Ano Santo!



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


ÀS CRIANÇAS DA ACÇÃO CATÓLICA ITALIANA


Terça-feira, 21 de Dezembro de 1999

Caríssimos Meninos e Meninas
da Acção Católica Italiana!

Estou contente por vos acolher neste dia, como todos os anos, para este encontro que nos oferece a ocasião de darmos, uns aos outros, os bons votos para o Santo Natal e o novo Ano. Saúdo com grande afecto cada um de vós, juntamente com o Presidente Nacional da Acção Católica e o Assistente-Geral. A todos e a cada um saúdo e abraço com intensa cordialidade. Agradeço-vos as palavras que me dirigistes e os sentimentos que quisestes manifestar-me. Eles são-me particularmente gratos porque acompanhados da vossa lembrança na oração. Obrigado, queridos meninos, por tudo isto.

Já chegámos ao Santo Natal, festa muito sentida pelas famílias cristãs. O meu pensamento dirige-se, naturalmente, às vossas famílias e a todas as famílias do mundo. Ao retornardes a casa, levai aos vossos entes queridos a saudação do Papa e os votos mais ardentes de serenidade e de paz. Pensai, ao mesmo tempo, em quantos não poderão transcorrer com alegria serena estes dias de festa.

O Natal é um dia singular que convida à solidariedade e ao amor, a abrir o coração aos irmãos, de maneira especial a quantos estão em necessidade. Ao nascer em Belém, o Menino Jesus trouxe ao mundo o dom precioso do Amor para que, como luz radiosa, afugente do coração do homem as trevas do egoísmo e da tristeza e cumule de autêntica alegria a sua alma. São estes os votos a cada um de vós e aos vários grupos da Acção Católica que representais: oxalá redescubrais o amor divino, que envolve e dá sentido pleno à existência humana. Nossa Senhora, que em Belém deu ao mundo o nosso Redentor, vos ajude a acolhê-l'O na vossa alma.

Queridos meninos e meninas, neste ano à alegria do Natal une-se também a alegria pelo Ano jubilar, que iniciará precisamente na Noite Santa com a solene abertura da Porta Santa na Basílica Vaticana. Preparai-vos para viver intensamente este extraordinário tempo de graça; sede apóstolos dos vossos coetâneos, ajudando-os a captar o autêntico espírito do Ano Santo e a vivê-lo em profundidade.

Mais uma vez agradeço-vos esta agradável visita e, de coração, abençoo a vós, aos vossos amigos, às vossas famílias e a quantos vos acompanham no caminho de crescimento humano e espiritual.

Feliz Natal!



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NO CONGRESSO PROMOVIDO


PELA FEDERAÇÃO INTERNACIONAL


DOS "PUERI CANTORES"


Sexta-feira, 31 de Dezembro de 1999

Queridas Crianças

É-me grato receber-vos, acompanhados das vossas famílias e de numerosos representantes da Federação internacional dos Pueri Cantores, da qual saúdo o Presidente, o Senhor Buys, bem como o Mons. Valentin Miserachs, Presidente do Pontifício Instituto de Música Sacra. Para a Igreja, a vossa presença constitui um apelo a viver o grande Jubileu nos cânticos e na acção de graça.

1. Viestes do mundo inteiro, mas aqui estais na vossa casa, pois foi em Roma que o Papa Gregório o Grande fundou a primeira escola de cantores especializados em cantos sacros. Sob o seu impulso criou-se um repertório de música litúrgica. Então, na Europa inteira abriram-se escolas em que as crianças de todas as condições podiam aprender a cantar. Tais escolas de canto estiveram na origem da tradição musical da Igreja, tesouro inestimável do qual hoje sois os herdeiros e deveis conservá-lo e transmiti-lo como testemunhas fiéis.

2. Por conseguinte, tendes um papel importante a desempenhar na vida da Igreja. Sois os pequenos mensageiros da beleza. O mundo tem necessidade do vosso canto, dado que a linguagem da beleza sensibiliza os corações e contribui para o encontro com Deus. A alegria que vos permeia quando cantais deve brilhar ao vosso redor, suscitando um entusiasmo contagioso. Tende a mesma determinação em cantar bem, que o jovem Mozart demonstrava possuir quando compunha as suas escalas musicais. Certo dia, quando era criança, perguntaram-lhe: "Por que fazes tantos exercícios?". "Porque procuro duas notas que se amam!", respondeu ele. Vós que amais a música, esforçai-vos por cantar cada vez melhor! O Evangelho penetrará mais profundamente na vossa alma e na das pessoas que vos ajudam a rezar. Assim, sereis os mensageiros da paz e do amor de Deus.

3. Desta forma, sois mensageiros da , pois não basta que, pela qualidade do vosso canto, leveis o vosso auditório à oração e ao recolhimento. Dado que a música e o canto sacros são uma parte integrante da liturgia da Igreja, o vosso canto ajuda os fiéis a voltarem-se para Deus, de maneira especial durante a celebração da Eucaristia. Ao cantardes a glória de Deus, sois os servidores e os preciosos assistentes da Eucaristia. "No cântico, a fé é sentida como uma exuberância de alegria, de amor e de segura esperança da intervenção salvífica de Deus" (Carta aos Artistas, 12). O vosso canto seja sempre novo porque, entoando cânticos a Deus, cantais a novidade da graça de Deus, inextinguível manancial de alegria e de paz. Sim, "cantai a Javé um cântico novo" (Ps 96 [95], 1)!

4. Dilectos "pequenos cantores", o vosso canto vos ajude a fazer de toda a vida um cântico de louvor a Deus" (Santo Agostinho, Enn. in Ps 67,5). Com a vossa voz, juventude e vida, anunciai o Salvador Jesus!

Queridas crianças, encorajo-vos a entoar cânticos ao Senhor.


Discursos João Paulo II 1999 - Sexta-feira, 17 de Dezembro de 1999