Homilias JOÃO PAULO II


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                                                                   1978





NO INÍCIO DO SEU PONTIFICADO


Domingo, 22 de Outubro de 1978




Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo! (Mt 16,16).

Estas palavras foram pronunciadas por Simão, filho de Jonas, na região de Cesareia de Filipe. Sim, ele exprimiu-as na sua própria língua, com uma profunda, vivida e sentida convicção; mas elas não tiveram nele a sua fonte, a sua nascente: .., porque não foram a carne nem o sangue quem to revelaram, mas o Meu Pai que está nos céus (Mt 16,17). Tais palavras eram palavras de Fé.

Elas assinalam o início da missão de Pedro na história da Salvação, na história do Povo de Deus. E a partir de então, de uma tal confissão de Fé, a história sagrada da Salvação e do Povo de Deus devia adquirir uma nova dimensão: exprimir-se na caminhada histórica da Igreja. Esta dimensão eclesial da história do Povo de Deus tem as suas origens, nasce efectivamente dessas palavras de Fé e está vinculada ao homem que as pronunciou, Pedro: Tu és Pedro — rocha, pedra — e sobre ti, como sobre uma pedra, Eu edificarei a Minha Igreja (Cfr. Mt 16,18).

Hoje e neste lugar é necessário que novamente sejam pronunciadas e ouvidas as mesmas palavras: Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo!

Sim, Irmãos e Filhos, antes de mais nada estas palavras.

O seu conteúdo desvela aos nossos olhos o mistério de Deus vivo, aquele mistério que o Filho veio colocar mais perto de nós. Ninguém como Ele, de facto, tornou o Deus vivo assim próximo dos homens e ninguém O revelou como o fez só Ele mesmo. No nosso conhecimento de Deus, no nosso caminhar para Deus, estamos totalmente dependentes do poder destas palavras: Quem me vê a Mim, vê também o Pai (Jn 14,9). Aquele que é infinito, imperscrutável e inefável veio para junto de nós em Jesus Cristo, o Filho unigénito, nascido de Maria Virgem no presépio de Belém.

O vós, todos os que já tendes a dita inestimável de crer; vós, todos os que ainda andais a buscar a Deus; e vós também, os atormentados pela dúvida:

— procurai acolher uma vez mais — hoje e neste local sagrado — as palavras pronunciadas por Simão Pedro. Naquelas mesmas palavras está a fé da Igreja; em tais palavras, ainda, encontra-se a verdade nova, ou melhor, a última e definitiva verdade — sobre o homem: o filho de Deus vivo. — Tu és o Cristo, Filho de Deus vivo!

Hoje o novo Bispo de Roma inicia solenemente o seu ministério e a missão de Pedro. Nesta Cidade, de facto, Pedro desempenhou e realizou a missão que lhe foi confiada pelo Senhor. Alguma vez, o mesmo Senhor dirigiu-se a ele e disse-lhe: Quando eras mais jovem, tu próprio te cingias e andavas por onde querias; mas quando fores velho, estenderás as mãos e outro cingir-te-á e levar-te-á para onde tu não queres (Jn 21,18).

2 Pedro, depois, veio para Roma! E o que foi que o guiou e o conduziu para esta Urbe, o coração do Império Romano, senão a obediência à inspiração recebida do Senhor? — Talvez aquele pescador da Galileia não tivesse tido nunca vontade de vir até aqui; teria preferido, quiçá, permanecer lá onde estava, nas margens do lago de Genesaré, com a sua barca e com as suas redes. Mas, guiado pelo Senhor e obediente à sua inspiração, chegou até aqui.

Segundo uma antiga tradição (e, qual foi objecto de uma expressão literária magnífica num romance de Henryk Sienkiewicz), durante a perseguição de Nero, Pedro teria tido vontade de deixar Roma. Mas o Senhor interveio e teria vindo ao encontro dele. Pedro, então, dirigindo-se ao mesmo Senhor perguntou: "Quo vadis Domine? — Onde ides, Senhor?". E o Senhor imediatamente lhe respondeu: "Vou para Roma, para ser crucificado pela segunda vez". Pedro voltou então para Roma e aí permaneceu até à sua crucifixão.

Sim, Irmãos e Filhos, Roma é a Sede de Pedro. No decorrer dos séculos sucederam-se nesta Sede sempre novos Bispos. E hoje um outro novo Bispo sobe à Cátedra de Pedro, um Bispo cheio de trepidação e consciente da sua indignidade. E como não havia ele de trepidar perante a grandeza de tal chamamento e perante a missão universal desta Sede Romana?

Depois, passou a ocupar hoje a Sé de Pedro em Roma um Bispo que não é romano, um Bispo que é filho da Polónia. Mas, a partir deste momento também ele se torna romano. Sim, romano! Até porque é filho de uma nação cuja história, desde os seus alvores, e cujas tradições milenárias estão marcadas por um ligame vivo, forte, jamais interrompido, sentido e vivido com a Sé de Pedro, de uma nação que a esta mesma Sé de Roma permaneceu sempre fiel. Oh, como é insondável o desígnio da Divina Providência!

Nos séculos passados, quando o Sucessor de Pedro tomava posse da sua Sede, era colocado sobre a sua cabeça o símbolo do trirregno, a tiara papal. O último a ser assim coroado foi o Papa Paulo VI em 1963, o qual, porém, após o rito solene da coroação, nunca mais usou esse símbolo do trirregno, deixando aos seus sucessores a liberdade para decidirem a tal respeito.

O Papa João Paulo I, cuja memória está ainda tão viva nos nossos corações, houve por bem não querer o trirregno; e hoje igualmente o declina o seu Sucessor. Efectivamente, não é o tempo em que vivemos tempo para se retornar a um rito e àquilo que, talvez injustamente, foi considerado como símbolo do poder temporal dos Papas.

O nosso tempo convida-nos, impele-nos e obriga-nos a olhar para o Senhor e a imergir-nos numa humilde e devota meditação do mistério cio supremo poder do mesmo Cristo.

Aquele que nasceu da Virgem Maria, o filho do carpinteiro — como se considerava —, o Filho de Deus vivo — confessado por Pedro — veio para fazer de todos nós um reino de sacerdotes (Cfr.
Ex 19,6).

O II Concílio do Vaticano recordou-nos o mistério de um tal poder e o facto de que a missão de Cristo — Sacerdote, Profeta, Mestre e Rei — continua na Igreja. Todos, todo o Povo de Deus é participe desta tríplice missão. E talvez que no passado se pusesse sobre a cabeça do Papa o trirregno, aquela tríplice coroa, para exprimir, mediante tal símbolo, o desígnio do Senhor sobre a sua Igreja; ou seja, que toda a ordem hierárquica da Igreja de Cristo, todo o seu "sagrado poder" que nela é exercitado mais não é do que o serviço, aquele serviço que tem como finalidade uma só coisa: que todo o Povo de Deus seja participe daquela tríplice missão de Cristo e que permaneça sempre sob a soberania do Senhor, a qual não tem as suas origens nas potências deste mundo, mas sim no Pai celeste e no mistério da Cruz e da Ressurreição.

O poder absoluto e ao mesmo tempo doce e suave do Senhor corresponde a quanto é o mais — profundo do homem, às suas mais elevadas aspirações da inteligência, da vontade e do coração. Esse poder não fala com a linguagem da força, mas exprime-se na caridade e na verdade.

O novo Sucessor de Pedro na Sé de Roma, neste dia, eleva uma prece ardente, humilde e confiante: O Cristo! Fazei com que eu possa tornar-me e ser sempre servidor do Vosso único poder! Servidor do Vosso suave poder! Servidor do vosso poder que não conhece ocaso! Fazei com que eu possa ser um servo! Mais ainda: servo dos Vossos servos.

3 Irmãos e Irmãs: não tenhais medo de acolher Cristo e de aceitar o Seu poder! E ajudai o Papa e todos aqueles que querem servir a Cristo e, com o poder de Cristo, servir o homem e a humanidade inteira! Não, não tenhais medo! Antes, procurai abrir, melhor, escancarar as portas a Cristo! Ao Seu poder salvador abri os confins dos Estados, os sistemas económicos assim como os políticos, os vastos campos de cultura, de civilização e de progresso! Não tenhais medo! Cristo sabe bem "o que é que está dentro do homem". Somente Ele o sabe!

Hoje em dia muito frequentemente o homem não sabe o que traz no interior de si mesmo, no profundo do seu ânimo e do seu coração, muito frequentemente se encontra incerto acerca do sentido da sua vida sobre esta terra. E sucede que é invadido pela dúvida que se transmuta em desespero. Permiti, pois — peço-vos e vo-lo imploro com humildade e com confiança — permiti a Cristo falar ao homem. Somente Ele tem palavras de vida; sim, de vida eterna.

Precisamente neste dia, a Igreja inteira celebra o seu "Dia Missionário Mundial"; ou seja, reza, medita e age a fim de que as palavras de vida de Cristo possam chegar a todos os homens e por eles sejam. acolhidas como mensagem de salvação, de esperança e de libertação total.

Quero agradecer a todos os presentes, que quiseram assim participar neste acto solene do início do ministério do novo Sucessor de Pedro.

Agradeço do coração aos Chefes de Estado, aos Representantes das Autoridades, às Delegações de Governos, pela sua presença que muito me honra.

Obrigado a Vós, Eminentíssimos Cardeais da Santa Igreja Romana!

Agradeço-vos, amados Irmãos no Episcopado! .

Obrigado a vós, Sacerdotes!

A vós, Irmãs e Irmãos, Religiosas e Religiosos das várias Ordens e Congregações, obrigado!

Obrigado a vós, Romanos!

Obrigado aos peregrinos, vindos aqui de todo o mundo!

4 E obrigado a todos aqueles que estão unidos a este Rito Sagrado através da Rádio e da Televisão!

E agora (em polaco)dirijo-me a vós, meus queridos compatriotas, Peregrinos da Polónia: aos Irmãos Bispos, tendo à frente o vosso magnífico Primaz; e aos Sacerdotes, Irmãs e Irmãos das Congregações religiosas, polacos, como também a vós, representantes da "Polónia" do mundo todo:

E que vos direi a vós, os que viestes aqui da minha Cracóvia, da Sé de Santo Estanislau, de quem eu fui indigno sucessor durante catorze anos! Que vos direi? — Tudo aquilo que vos pudesse dizer seria pálido reflexo em confronto com quanto sente neste momento o meu coração e sentem igualmente os vossos corações. Deixemos de parte, portanto, as palavras. E que fique apenas o grande silêncio diante de Deus, o silêncio que se traduz em oração.

Peço-vos que estejais comigo! Em Jasna Gora e em toda a parte. Não deixeis nunca de estar com o Papa, que neste dia ora com as palavras do poeta: "Mãe de Deus defendei vós a Límpida Czestochowa e resplandecei na 'Porta Aguda'!" (1). E as mesmas palavras eu as dirijo a vós, neste momento particular.

Fiz um apelo (em italiano)e um convite à oração pelo novo Papa, apelo que comecei a exprimir em língua polaca...

Com o mesmo apelo dirijo-me agora a vós, todos os filhos e todas as filhas da Igreja Católica. Lembrai-vos de mim, hoje e sempre, na vossa oração!

Aos católicos dos países de língua francesa (em francês), exprimo todo o meu afecto e toda a minha dedicação! E permito-me contar com o vosso amparo filial e sem reservas! Oxalá façais novos progressos na fé! Aqueles que não partilham esta fé, dirijo também a minha respeitosa e cordial saudação. Espero que os seus sentimentos de benevolência facilitarão a missão que me incumbe e que não deixa de ter reflexos sobre a felicidade e a paz do mundo!

A todos vós os que falais a língua inglesa (em inglês) envio, em nome de Cristo, uma cordial saudação. Conto com a ajuda das vossas orações e na vossa boa vontade, para levar avante a minha missão de serviço à Igreja e à humanidade. Que Cristo vos dê a Sua graça e a Sua paz, abatendo as barreiras da divisão e de tudo fazendo, n'Ele, uma só coisa.

Dirijo (em alemão) uma afectuosa saudação a todos os representantes dos povos dos países de língua alemã, aqui presentes. Diversas vezes, e ainda recentemente durante a minha visita à República Federal da Alemanha, tive ocasião de conhecer pessoalmente e de apreciar a benéfica actividade da Igreja e dos seus fiéis. Oxalá que o vosso compromisso e o vosso sacrifício por Cristo venham, também no futuro, a tornar-se fecundos para os grandes problemas e as preocupações da Igreja em todo o mundo. É isto o que vos peço, recomendando às vossas especiais orações o meu novo ministério apostólico.

O meu pensamento dirije-se agora para o mundo de língua espanhola (em espanhol), porção tão considerável da Igreja de Cristo. A vós, queridos Irmãos e Filhos, chegue neste momento solene a saudação afectuosa do novo Papa. Unidos pelos vínculos da comum fé católica, sede fiéis à vossa tradição cristã vivida num clima cada vez mais justo e solidário, mantende a vossa conhecida proximidade ao Vigário de Cristo e cultivai intensamente a devoção à nossa Mãe Maria Santíssima.

Irmãos e Filhos de língua portuguesa (em português): Como "servo dos servos de Deus", eu vos saúdo afectuosamente no Senhor. Abençoando-vos, confio na caridade da vossa oração e na vossa fidelidade, para viverdes sempre a mensagem deste dia e deste rito: Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo!

5 Que o Senhor, na Sua misericórdia, nos acompanhe a todos com a Sua graça e com o Seu amor pelos homens (em russo).

Com afecto sincero saúdo e abençoo todos os Ucranianos e Rutenos no mundo (em ucraniano).

Do coração saúdo e abençoo os Checos e os Eslovacos, que me estão tão próximos (em língua eslovaca).

Os meus sinceros bons votos para os irmãos Lituanos (em lituano). Sede felizes e fiéis a Cristo.

Abro o coração a todos os Irmãos das Igrejas e das Comunidades Cristãs, saudando-vos (em italiano)em particular a vós, os que estais aqui presentes, na expectativa do próximo encontro pessoal; mas desde já vos quero expressar sincero apreço por haverdes querido assistir a este rito solene.

E quero ainda dirigir-me a todos os homens — a cada um dos homens (e com quanta veneração o apóstolo de Cristo deve pronunciar esta palavra, homem!) :

— rezai por mim!

— ajudai-me, a fim de que eu vos possa servir!

Ámen.

Nota

1) (Ndr.) A famosa porta da cidade de Vilna (outrora Polónia, hoje Lituânia) ao cimo da qual se encontra uma estátua de Nossa Senhora "Mãe de Misericórdia", à qual todos os anos é dedicada uma festa particular no dia 16 de Novembro.

POR OCASIÃO DE UM ENCONTRO DE ORAÇÃO COM OS SEMINARISTAS ROMANOS


6
Domingo, 19 de Novembro de 1978




1. O nosso encontro de hoje tem o carácter duma audiência particular. É — se assim se pode dizer — uma audiência eucarística. Não é "dada" e "recebida", é "celebrada". É esta uma sagrada liturgia. Concelebram comigo, novo Bispo de Roma, e com o Senhor Cardeal Vigário, os Superiores dos Seminários desta Diocese, e participam nesta Eucaristia os Alunos do Seminário Romano, do Seminário "Capranica" e do Seminário Menor.

O Bispo de Roma deseja visitar os seus seminários, mas, por agora, sois vós que vindes hoje visitá-lo nesta sagrada Audiência!

A Santa Missa é também uma audiência. Talvez a comparação seja demasiado ousada, talvez inconveniente, quiçá demasiado "humana", mas permito-me fazê-la: esta é uma das audiências que o próprio Cristo concede continuamente à humanidade — que faculta a uma determinada comunidade eucarística — e a cada um de nós que constituímos esta assembleia.

2. Durante a audiência escutamos aquele que fala. E também nós procuramos falar-Lhe de modo que Ele nos possa ouvir.

Na Liturgia Eucarística, Cristo fala, antes de mais, com a força do seu Sacrifício. É um discurso muito conciso e, ao mesmo tempo, abrasador. Pode dizer-se que sabemos de cor este discurso: todavia apresenta-se-nos sempre novo, sagrado, revelador. Contém em si todo o mistério do amor e da verdade, porque a verdade vive do amor, e o amor da verdade. Deus, que é Verdade e Amor, manifestou-se na história da criação e na história da salvação; é esta história que Ele nos repropõe mediante este sacrifício redentor que nos transmitiu no sinal sacramental, para que o não recordemos tão somente, mas o renovemos, o recelebremos.

De cada vez que celebramos o Sacrifício Eucarístico, somos introduzidos no mistério do próprio Deus e também em toda a profundidade da realidade humana. A Eucaristia é anúncio de morte e de ressurreição. Nela se exprime o mistério pascal como início de um novo Tempo e como esperança final.

É o próprio Cristo que fala, e nós nunca deixamos de escutar. Desejamos continuamente esta sua força de salvação, que se tornou "garantia" divina das palavras de vida eterna.

Ele tem palavras de vida eterna (Cfr.
Jn 6,68).

3. O que Lhe queremos dizer é sempre nosso, porquanto nasce das experiências humanas, dos nossos desejos e também das nossas ansiedades. É muitas vezes uma linguagem de sofrimento, mas também de esperança. Falamos-Lhe de nós mesmos, de todos aqueles que esperam que nós os recordemos a Ele.

O que dizemos inspira-se na Palavra de Deus. A liturgia da palavra precede a liturgia eucarística. Em relação à palavra escutada hoje, teremos muitas coisas a dizer a Cristo durante esta sagrada Audiência.

7 Queremos, antes de mais, falar-Lhe deste particular talento — e talvez não apenas um, mas cinco — que recebemos: a vocação sacerdotal, a chamada a encaminharmo-nos para o sacerdócio entrando no seminário. Todo o talento constitui obrigação. Quanto mais nos não devemos sentir obrigados por este talento a não

dissipá-lo, a não "escondê-lo debaixo da terra", mas a fazê-lo frutificar! É mediante uma séria preparação — o estudo, o trabalho sobre o próprio eu e uma consciente formação do "homem novo" — que, dando-se o jovem a Cristo sem reservas no serviço sacerdotal, vivido em celibato, pode chegar a ser, de modo particular, um homem "para os outros".

Queremos ainda falar com Cristo do caminho condutor ao sacerdócio para cada um de nós, quer falar cada um do seu próprio caminho. Nele procuramos perseverar com temor de Deus, tal como nos convida a fazer o salmista. É este o caminho que nos faz sair das trevas para nos conduzir à luz, como escreve São Paulo. Queremos ser "filhos da luz". Queremos vigiar, queremos ser moderados, sóbrios e responsáveis por nós mesmos e pelos outros.

De certo que cada um de vós terá ainda a dizer muitas outras coisas durante esta Audiência — cada um de vós, Superiores, e cada um de vós, caríssimos Alunos.

E eu, vosso novo Bispo, que direi eu a Cristo?

Antes de mais desejo dizer-Lhe: agradeço-Te todos aqueles que me deste. Quero ainda dizer-Lhe (repito-o continuamente): A messe é grande! Manda operários para a tua messe.

Além disso quero dizer-Lhe: Guarda-os na verdade e concede-lhes que amadureçam na graça do sacramento do sacerdócio para o qual se preparam.

Quero dizer-Lhe tudo isto através de Sua Mãe, que venerais no Seminário Romano, olhando para a imagem da "Senhora da Confiança", de que o Servo de Deus, João XXIII, era particularmente devoto.

A esta Mãe confio, assim, cada um de vós e os três Seminários da minha nova Diocese. Ámen.





NA PARÓQUIA DE SÃO FRANCISCO XAVIER


NO BAIRRO ROMANO DA GARBATELLA


Domingo, 3 de Dezembro de 1978




Caríssimos Irmãos e Irmãs

8 1. Estou aqui hoje para visitar a vossa Paróquia dedicada a São Francisco Xavier; faço-o com grande comoção e alegria íntima. Esta é a minha primeira visita a uma paróquia na diocese de Roma, que me confiou Cristo mediante a eleição para Bispo de Roma, realizada a 16 de Outubro em consequência dos votos dos Cardeais, reunidos em conclave. Ao tomar posse da Basílica de São João de Latrão, catedral do Bispo desta Cidade, disse que entrava naquele momento, em certo modo, em todas as paróquias da diocese de Roma. Naturalmente tal ingresso nas paróquias de Roma, durante as cerimónias no Latrão de 12 de Novembro, era sobretudo intencional. As visitas efectivas às paróquias romanas devem, ao contrário, ser feitas pouco a pouco. Espero que todos o compreendam e sejam indulgentes para comigo, em consideração da mole imensa de obrigações inerentes ao meu ministério.

É grande alegria para mim poder visitar, como primeira paróquia romana, precisamente a vossa, a que me une uma recordação especial. De facto, nos primeiros anos a seguir à guerra, sendo estudante em Roma dirigia-me quase todos os domingos à Garbatella, para ajudar no serviço pastoral. Alguns momentos daquele período estão ainda vivos na minha memória, embora me pareça que, durante mais de trinta anos, muitas coisas se tenham aqui modificado enormemente.

2. Roma inteira está mudada. Então havia poucos arrabaldes. Hoje encontramo-nos aqui no centro dum grande bairro habitado. Os edifícios ocupam agora todo o terreno da verdura suburbana. Eles mesmos falam da gente que os habita. Vós, caríssimos Paroquianos, sois esses habitantes. Constituis a cidadania de Roma e, ao mesmo tempo, uma comunidade definida do Povo de Deus. A paróquia é exactamente essa comunidade e cada vez mais se torna, por meio do Evangelho, a Palavra de Deus, que é anunciada aqui com regularidade e também porque se vive aqui a vida sacramental. Vindo eu hoje ter convosco, em nome de Cristo, penso sobretudo naquilo que o próprio Cristo transmite a vós por meio dos seus sacerdotes, vossos pastores. Mas não somente por meio deles. Penso em tudo quanto opera Cristo por meio de vós todos.

3. Para quem vai o meu pensamento de modo especial e a quem me dirijo? Dirijo-me a todas as famílias que vivem nesta comunidade paroquial e constituem parte da Igreja de Roma. Para visitar as paróquias, como parte da Igreja-Diocese, é necessário atingir todas as "igrejas domésticas", isto é todas as famílias; assim eram chamadas, de facto, todas as famílias pelos Padres da Igreja. "Fazei da vossa casa uma igreja", recomendava São João Crisóstomo aos seus fiéis num sermão. E no dia seguinte repetia: "Quando ontem vos disse 'fazei da vossa família uma igreja', vós prorrompestes em aclamações de júbilo e manifestastes de maneira eloquente a grande alegria que inundou o vosso ânimo ao ouvir essas palavras" (In Genesim Serm. VI, 2; PG 54 607 s.; cfr. também Lumen Gentium
LG 11 Apostolicam actuositatem AA 11). Por isso, encontrando-me hoje aqui entre vós diante deste altar, como Bispo de Roma, dirijo-me em espírito a todas as famílias. Muitas estão certamente aqui. presentes: a elas dirijo a minha saudação cordial; mas, com o pensamento e o coração, procuro-as todas.

Digo a todos os esposos e pais, jovens e pessoas de idade: dai-vos as mãos como fizestes no dia das vossas núpcias, ao receberdes alegremente o Sacramento do Matrimónio. Imaginai que o vosso Bispo vos pede hoje, de novo, o consentimento e vós pronunciais, como então, as palavras da promessa matrimonial, o juramento do vosso Matrimónio.

Sabeis porque o recordo? Porque da observância destas obrigações dependem a "igreja doméstica" — a qualidade e a santidade da família — e a educação dos vossos filhos. Tudo isto vos confiou Cristo, caríssimos Esposos, no dia em que, mediante o ministério do sacerdote, uniu para sempre as vossas vidas, no momento em que pronunciastes as palavras que não deveis nunca esquecer: "até à morte". Se as recordais e as observais, meus caríssimos Irmãos e Irmãs, sois também apóstolos de Cristo e contribuís para a obra da salvação (Cfr. Lumen Gentium LG 35 Lumen Gentium LG 41 Gaudium et Spes GS 52).

4. Agora o meu pensamento vai também para vós, pequeninos, para vós, jovens. O Papa tem por vós especial predilecção porque não só representais mas sois o futuro da Igreja e portanto o futuro da vossa paróquia. Sede profundamente amigos de Jesus e levai para a família, para a escola e para o bairro o exemplo da vossa vida cristã, límpida e alegre. Sede sempre jovens cristãos, verdadeiras testemunhas do ensinamento de Cristo. Sede mesmo portadores de Crista para esta sociedade perturbada, hoje mais que nunca necessitada d'Ele. Anunciai a todos com a vossa vida que só Cristo é a verdadeira salvação da humanidade.

5. Dirijo-me ainda, nesta visita, aos doentes, aos que sofrem, e às pessoas isoladas, abandonadas, que precisam da compreensão, do sorriso, da ajuda e da solidariedade dos irmãos. Neste momento vai o meu pensamento também para todos — doentes, médicos, pessoal de assistência, capelães e irmãs — que se encontram no grande hospital existente nos limites da paróquia, o Centro Traumatológico Ortopédico. Para todos a minha afectuosa palavra de ânimo e a certeza da oferta das minhas orações.

6. Agora que abraçámos com o pensamento e o coração toda a vossa Comunidade, desejo dedicar-me àqueles que nela, de modo especial, se entregaram a Cristo.

Paternal apreço desejo manifestar ás Religiosas que vivem, oram e trabalham nesta populosa paróquia: as Irmãs da Caridade de São Vicente de Paulo, que se dedicam ao cuidado dos pequeninos e dos pobres; as Irmãs Escravas do Santuário, que estão consagradas ao apostolado da escola; as Irmãs Discípulas de Jesus Eucarístico, que unem à adoração incessante de Jesus Eucaristia a actividade em favor da educação das crianças; as Clarissas Capuchinhas que, há 400 anos no silêncio e na pobreza, oram e se oferecem pela Igreja e pelo mundo.

Obrigado, obrigado, Irmãs caríssimas! O vosso Esposo Jesus vos recompense pelo bem que fazeis. Continuai a servir o Senhor "em alegria", com generosa e intensa constância.

9 7. Dirijo as últimas palavras a vós, caríssimos Irmãos Sacerdotes, a Vós, caríssimo Pároco, e a todos os vossos colaboradores. Tive já ocasião de encontrar-me convosco em particular e pudemos reflectir juntos, sobre várias questões da vossa Paróquia. Muito vos agradeço a vossa colaboração comigo, com o Cardeal Vigário de Roma, com o Bispo Auxiliar do vosso sector. Graças ao vosso ministério, o próprio Cristo vem a esta comunidade e nela vive, ensina, santifica, absolve e, sobretudo, de todos e de tudo faz dádiva ao Pai, como diz a terceira Oração Eucarística. Não vos canseis do santo ministério, não vos canseis do trabalho em favor do vosso Mestre. Por meio de vós chegue a todos a voz do Advento, que soa tão clara nas palavras do Evangelho: "Velai!".

8. A vossa Paróquia celebra hoje a festa do seu Titular, São Francisco Xavier, apóstolo do Extremo Oriente, missionário e padroeiro das missões. Quanto não mereceu ele para esta causa única: levar o advento de Cristo aos corações daqueles que o ignoravam, daqueles a quem não tinha ainda chegado o seu Evangelho! A vossa Paróquia deseja seguir o seu Padroeiro, e hoje celebra o seu dia missionário. Oxalá a palavra de Deus chegue a todos os confins da terra!

Oxalá encontre o caminho para cada um dos corações humanos!

Esta á oração que elevo, juntamente convosco, por intercessão de São Francisco Xavier, eu, vosso Bispo: Vem, Senhor Jesus, Maranatha! Ámen.





NA SOLENIDADE DA IMACULADA CONCEIÇÃO


Sexta-feira, 8 de Dezembro de 1978

Basílica de Santa Maria Maior




1. Ao mesmo tempo que, a primeira vez como Bispo de Roma, transponho hoje o limiar da Basílica de Santa Maria Maior, apresenta-se diante dos meus olhos o acontecimento que vivi neste lugar, a 21 de Novembro de 1964. Era o encerramento da terceira sessão do Concílio Vaticano II, depois da solene proclamação da Constituição dogmática sobre a Igreja, que principia com as palavras "Lumen Gentium" (luz das gentes). Para o mesmo dia, tinha o Papa Paulo VI convidado os Padres conciliares a encontrarem-se aqui precisamente, no mais venerado templo mariano de Roma, para exprimirem a alegria e a gratidão pela obra ultimada nesse dia.

A Constituição Lumen Gentium é o documento principal do Concilio, documento "chave" da Igreja no nosso tempo, pedra angular de toda a obra de renovação que o Vaticano II empreendeu e cujas directrizes apresentou.

O último capítulo desta Constituição tem o título: "A bem-aventurada Virgem Maria Mãe de Deus, no mistério de Cristo e da Igreja". Paulo VI, falando nessa manhã na Basílica de São Pedro, com o pensamento fixo na importância da doutrina expressa no último capitulo da Constituição Lumen Gentium, chamou pela primeira vez a Maria "Mãe da Igreja". Chamou-Lhe assim de modo solene, e começou a chamá-l'A com este nome, com este título, mas sobretudo a invocá-1'A a fim de que participasse como Mãe na vida da Igreja: desta Igreja que durante o Concílio tornou mais profundamente consciência da própria natureza e da própria missão. Para dar maior relevo a esta expressão, Paulo VI, juntamente com os Padres conciliares, veio precisamente aqui, a esta Basílica de Santa Maria Maior, onde Maria está circundada há tantos séculos da particular veneração e amor, sob o título de "Salvação do Povo Romano".

2. Seguindo as pisadas deste grande Predecessor, que foi para mim verdadeiro pai, também eu aqui estou. Depois do solene acto na Praça de Espanha, cuja tradição remonta a 1856, venho aqui em consequência dum cordial convite a mim dirigido pelo Eminentíssimo Arcipreste desta Basílica, Cardeal Confalonieri, Decano do Sacro Colégio, e por todo o Cabido.

Julgo porém que, juntamente coro ele, me convidam para aqui todos os meus Predecessores na Cátedra de São Pedro: o Servo de Deus Pio XII, o Servo de Deus Pio IX; todas as gerações dos Romanos; todas as gerações dos cristãos e todo o Povo de Deus. Parecem dizer: Vai! Honra o grande mistério escondido desde a eternidade, no próprio Deus. Vai! Dá testemunho a Cristo nosso Salvador, filho de Maria. Vai! e anuncia este momento especial: na história o momento de viragem da salvação do homem.

10 Esse ponto decisivo na história da salvação é precisamente a "Conceição Imaculada". Deus, no seu eterno amor, escolheu desde a eternidade o homem: escolheu-o no seu Filho. Deus escolheu o homem, a fim de que possa atingir a plenitude do bem, mediante a participação na sua mesma vida: Vida Divina, por meio da graça. Escolheu-o desde a eternidade, e irreversivelmente. Nem o pecado original, nem toda a história das culpas pessoais e dos pecados sociais puderam dissuadir o eterno Pai deste seu plano de amor. Não puderam anular a escolha de nós no eterno Filho, Verbo consubstancial ao Pai. Como esta escolha devia tomar forma na Encarnação, e como o Filho de Deus devia para a nossa salvação fazer-se homem, exactamente por isto o Pai eterno escolheu para Ele, entre a humanidade, a própria Mãe. Cada um de nós torna-se homem porque concebido no seio materno e dele nascido. O eterno Pai escolheu o mesmo caminho para a humanidade do seu Filho eterno. Escolheu a sua Mãe de entre aquele povo a que havia séculos confiara de modo especial os seus mistérios e as suas promessas. Escolheu-a da estirpe de David e ao mesmo tempo de toda a humanidade. Escolheu-a de estirpe real, mas ao mesmo tempo de entre a gente pobre.

Escolheu-a desde o princípio, desde o primeiro momento da conceição, tornando-a digna da maternidade divina, para a qual no tempo estabelecido seria chamada. Fê-la primeira herdeira da santidade do próprio Filho. Primeira entre os remidos pelo Seu sangue, d'Ela recebido humanamente falando. Tornou-a imaculada no momento mesmo da conceição.

Toda a Igreja contempla hoje o mistério da Imaculada Conceição e com ele se alegra. Este é um dia especial da época do Advento.

3. Exulta com este mistério a Igreja Romana e eu, como novo Bispo desta Igreja, participo pela primeira vez nesta alegria. Por isso tanto desejava vir aqui, a este templo, onde há séculos Maria é venerada como "Salus Populi Romani" (Salvação do Povo Romano). Este título e esta invocação não nos dizem acaso que a salvação (salus) se tornou, de modo singular, herança do Povo Romano (Populi Romani)? Não é acaso esta a salvação que nos trouxe Cristo e nos traz continuamente, Ele só? E Sua Mãe, que exactamente como Mãe, foi — de modo excepcional, "mais eminente" (Paulo VI, Credo) — remida por Ele, Seu Filho, não é acaso também Ela — por Ele, Seu Filho — chamada, de modo mais explícito, simples e vigoroso ao mesmo tempo, a participar na salvação dos homens, do povo romano e da humanidade inteira? Para todos conduzir ao Redentor. Para dar testemunho d'Ele, mesmo sem palavras, só com o amor, no qual se exprime "o génio da mãe". Para aproximar até aqueles que opõem maior resistência, para os quais é mais difícil crer no amor; que julgam o mundo como grande polígono "de luta de todos contra todos" (conforme se expressou uni dos filósofos do passado). Para aproximar a todos — quer dizer, cada um — do Seu Filho. Para revelar o primado do amor na história do homem. Para anunciar a vitória final do amor. Não pensa acaso a Igreja nesta vitória, quando nos recorda hoje as palavras do livro do Génesis: "Esta (a descendência da mulher) esmaga a cabeça da serpente" (Cfr.
Gn 3,15)?

4. "Salus Populi Romani"!

O novo Bispo de Roma transpõe hoje o limiar do templo mariano da Cidade Eterna, conhecendo a luta entre o bem e o mal que penetra o coração de cada homem, a qual se trava na história da humanidade e também na alma do "povo romano". Eis o que a este propósito nos diz o último Concílio: "Uni duro combate contra os poderes das trevas atravessa, com efeito, toda a história humana; começou no principio do mundo e, segundo a palavra do Senhor, durará até ao último dia. Inserido nesta luta, o homem deve combater constantemente, se quer ser fiel ao bem; e só com grandes esforços e a ajuda da graça de Deus conseguirá realizar a sua própria unidade" (Gaudium et Spes GS 37).

Por isso o Papa, nos princípios do seu serviço episcopal na Cátedra de São Pedro em Roma, deseja confiar a Igreja de modo particular Aquela em que se realizou a estupenda e total vitória do bem sobre o mal, do amor sobre o ódio, da graça sobre o pecado. Aquela de quem Paulo VI disse que é "início do mundo melhor", à Imaculada. Confia-Lhe a sua pessoa, como servo dos servos, e todos aqueles que com ele servem. Confia-Lhe a Igreja Romana, como penhor e princípio de todas as Igrejas do mundo, na sua universal unidade. Confia-Lha e oferece-a como sua propriedade.

"Totus Tuus ego sum et omnia mea Tua sunt. Accipio Te in mea omnia!" (Sou todo Teu, e tudo o que tenho é Teu. Sê Tu minha guia em tudo).

Com este simples e ao mesmo tempo solene acto de oferta, o Bispo de Roma João Paulo II deseja mais uma vez garantir o próprio serviço ao Povo de Deus, que não pode ser coisa diferente da imitação humilde de Cristo e d'Aquela que disse de si mesma: Eis aqui a escrava do Senhor (Lc 1,38).

Seja este acto sinal de esperança, como sinal de esperança é o dia da Imaculada Conceição projectado sobre o fundo de todos os dias do nosso Advento.





Homilias JOÃO PAULO II