Homilias JOÃO PAULO II 18

RADIODIFUSÃO DA PRIMEIRA MISSA CELEBRADA


EM POLONÊS NA CAPELA SISTINA




7 de Janeiro de 1979




Queridos Irmãos e Irmãs em Cristo

É com grande comoção que celebro a Eucaristia na minha língua materna. Faço-o na Capela Sistina, neste lugar onde a 16 de Outubro de 1978 ouvi o novo chamamento de Cristo Senhor e o aceitei em espírito de obediência de fé para com o meu Salvador e de plena confiança em Nossa Senhora, Mãe de Cristo e Mãe da Igreja. Hoje, celebro, pela primeira vez, neste lugar, na minha língua materna, aproveitando o convite da Rádio Vaticana que a partir de agora transmitirá todos os domingos a Santa Missa na nossa língua pátria para todos os que têm dificuldade em participar de outro modo na Missa. Exprimo assim a minha grande alegria e o meu agradecimento a Deus por este acontecimento que realiza o desejo, expresso desde há tempos, pelos meus compatriotas na Polónia e no mundo inteiro. É sabido que nos diversos países do mundo a língua dos nossos pais não deixa de ser para muita gente, a língua que empregamos na oração. É para mim motivo de grande alegria poder hoje, graças às ondas radiofónicas, chegar até vós com todos os que aqui estão presentes, na unidade do sacrifício eucarístico. Espero que, do mesmo modo, possa vir a encontrar-me e a unir-me com todos os irmãos e irmãs noutras línguas. Eu considero esta união na eucaristia, na liturgia da palavra, na liturgia do sacrifício do corpo e do sangue de Jesus Cristo, essencial e fundamental para o Sucessor de Pedro, para este apóstolo a quem o Senhor disse: E tu, uma vez convertido, fortalece os teus irmãos (Lc 22,32 Lc 22,2). Hoje, queridos compatriotas, ao encontrar-me convosco, na celebração do sacrifício de Cristo, lembro-me daqueles encontros anuais, em que, como Arcebispo de Cracóvia, me sentia honrado por me encontrar com os representantes de todas as paróquias da nossa real cidade. Assim acontecia sempre na festividade dos Três Reis Magos. Era ao entardecer, durante a missa na catedral de Wawel. Naqueles momentos dávamos uns aos outros as Boas-Festas de Ano Novo. Hoje repito esses bons votos em circunstâncias deveras insólitas. Encontram-se neste momento, na Capela Sistina, os representantes da Arquidiocese de Cracóvia e dos filhos da Polónia residentes em Roma, que ontem vieram participar na Consagração episcopal do meu sucessor na Sé da Arquidiocese de Cracóvia. A todos eles e, entre eles, em particular ao Metropolita de Cracóvia, dirijo pois os meus bons votos, que recebo do próprio coração da Eucaristia.

Sinto-me feliz pela vossa presença, por vós que viestes da amada Cracóvia, Cidade e Arquidiocese; permiti que torne estes meus votos ainda mais extensivos: a toda a nossa querida Pátria, a todos os compatriotas, a todos os que me ouvem neste momento e também a todos aqueles a quem agora isso não é possível. Dirijo estes votos a todas as famílias, a todas as gerações, aos anciãos, aos doentinhos, aos que sofrem, aos homens na pujança das suas forças, aos pais e aos educadores; ao mesmo tempo, a toda a juventude e a todas as crianças; aos homens que trabalham duramente, fisicamente, aos cientistas e aos homens da cultura. Estes meus votos vão também para os homens de todas as profissões, sem excepção. Todos os anos, no mês de Janeiro, nos encontramos entre os diversos grupos por ocasião do «oplatek» (n.d.tr.: «oplatek» é o pão bento que, em sinal de união, as famílias se oferecem mutuamente repartindo-o entre si). Renovo em espírito, perante todos, esse gesto. Com ele, no início do novo ano, com este gesto da mão e do coração, quero chegar a toda a Igreja da Polónia, a todas as dioceses e paróquias, aos Religiosos e Religiosas, a todos os Sacerdotes, a todos os Irmãos no episcopado com o nosso querido Primaz, em primeiro lugar. Em espírito, vou a todos os centros católicos de estudos superiores, a todos os seminários, a todos os noviciados, a todas as comunidades juvenis recolhidas ou nos retiros espirituais, ou no trabalho pela formação do homem novo em Jesus Cristo.

O ano 1979 é o ano do jubileu de Santo Estanislau: passaram novecentos anos sobre o seu martírio. No jubileu deste patrono do povo da Polónia, nos primeiros dias do seu ano jubilar, desejo antes de mais, a unidade espiritual da qual, Santo Estanislau, primeiro com o seu sacrifício e depois com a sua canonização, foi, para os nossos antepassados, fonte e inspiração. Hoje, depois de tantas provas ao longo da história, temos necessidade da mesma união espiritual da nossa Pátria. Temos necessidade da união de espírito e da fortaleza de espírito. São estes os meus mais calorosos votos. Desejo que eles cheguem a todos. Desejo que todos os que estão investidos de poder na nossa Pátria, possam bem servir para o bem comum de toda a Nação para a qual desejo, com todo o meu coração, a paz; para a qual, como seu filho, desejo todo o bem; ela merece ser respeitada na grande família das Nações. Esta Igreja viveu durante um milénio no fiel tenaz serviço à Nação e ainda hoje serve a mesma Nação.

19 Na liturgia de hoje o profeta Isaías fala do futuro Messias, de Cristo: Eis o meu servo, que Eu amparo, o meu eleito, no qual a Minha alma põe a sua complacência; fiz repousar sobre ele o Meu espírito, para que leve às nações a verdadeira justiça. Ele não grita, não levanta a voz, não clama nas ruas. Não quebrará a cana rachada, não apagará a mecha que ainda fumega. Anunciará com toda a fidelidade a verdadeira justiça. Não desanimará, ,nem desfalecerá, até que tenha estabelecido a verdadeira justiça sobre a terra; as ilhas esperam a sua doutrina (Is 42,1-4).

Formulo votos por que Cristo, Jesus Cristo, esteja convosco no ano agora iniciado, ano de 1979, depois do Seu nascimento. Ano do Senhor. Ámen.



VISITA PASTORAL À PARÓQUIA ROMANA

DE SANTA MARIA LIBERATRICE

(NOSSA SENHORA DO LIVRAMENTO)




14 de Janeiro de 1979




Queridos Irmãos e Irmãs

1. Ouvimos a Palavra de Deus na liturgia de hoje, que nos fala, com a linguagem do livro de Samuel, da carta de São Paulo aos Coríntios e do Evangelho de São João. Embora estas linguagens, que ouvimos, sejam muito diversas, a Palavra de Deus do domingo de hoje fala-nos sobretudo duma questão: a «vocação», a «chamada». Vem isto acentuado na descrição que nos dá o livro de Samuel; Deus chama pelo nome um rapazinho; chama com voz perceptível, dizendo o seu nome. Samuel percebe a voz e desperta três vezes do sono, e três vezes não chega a compreender de quem seja aquela voz, quem o chama pelo nome. Só à quarta vez, ensinado por Heli, dá resposta adequada: Falai, Senhor; o vosso servo escuta (1S 6,19-20).

Deus, que chama o homem ao seu serviço e lhe indica um encargo, tem para isso um direito fundamental. Só Ele tem esse direito, porque é Criador e Redentor de cada um de nós. Se nos chama, se nos convida a seguirmos um caminho determinado, fá-lo para nós não esbanjarmos a sua iniciativa; para nós respondermos com a nossa própria vida ao dom d'Ele recebido; para nós vivermos de modo digno do homem, que é «templo de Deus»; para nós sermos capazes de cumprir aquele dever particular que Ele deseja confiar-nos.

2. A Paróquia, que — segundo a afirmação do Concílio Vaticano II —é «como a célula» da Diocese (Cfr. Decr. Apostolicam Actuositatem AA 10), é exactamente o ambiente, em que deve o cristão ouvir o chamamento que Deus lhe dirige, aceitá-lo e pô-lo em execução; e nisto é certamente ajudado pela fé e pela vida de fé de toda a comunidade paroquial. Vida de fé que tem início na família, dinamicamente inserida na paróquia, e se desenvolve, do Baptismo até ao encontro com Cristo na morte, seguindo o princípio da íntima colaboração entre família e paróquia, as quais cooperam juntas para a formação do cristão consciente e adulto.

Eis, portanto, a necessidade insuprimível da catequese paroquial, que integra e completa o ensino da Religião dado na Escola, e une o conhecimento religioso com a vida sacramental.

Exactamente neste contexto, cada um dos paroquianos — especialmente se for jovem — deve conscientemente fazer a si mesmo a pergunta fundamental da própria existência cristã: «Para que me chama Deus?». Poderá ser a chamada a uma determinada profissão, que ponha o chamado ao serviço dos outros e da sociedade, como ser médico, professor, advogado, profissional, operário ...; ou a vocação à vida familiar mediante o sacramento do Matrimónio; ou a chamada, para alguns, ao serviço exclusivo de Deus, como — é o que a liturgia nos recorda hoje — aconteceu com Samuel, com André e com Simão. Mas, toda a vida do homem e do cristão, fruto do amor infinito de Deus Pai, é uma «vocação», que abraça os diversos períodos da existência e imprime sentido nas diversas situações, mesmo ao sofrimento, à doença e à velhice. Sempre e em todas as circunstâncias, deve o cristão saber repetir, com fé e convicção, as palavras do jovem Samuel: Fala, Senhor, que o teu servo escuta (1S 3,9).

3. Desejava que esta comovedora e generosa disponibilidade ao chamamento de Deus estivesse sempre actual em todos os numerosíssimos fiéis desta paróquia, para formarem uma comunidade cristã viva, alegre, e orgulhosa de saber dizer «sim» a Cristo e à Igreja.

O meu pensamento afectuoso vai primeiramente para o Pároco e seus colaboradores, que dedicam as suas energias com abnegação, ao bem da paróquia; para as crianças, que dão conforto e esperança; aos adolescentes, que vão dando os primeiros, talvez ainda difíceis, passos no sentido das obrigações da vida; para os jovens, que procuram a alegria, a plenitude da alegria; para os adultos ansiosos de contribuir, com todas as suas forças, para a construção duma sociedade mais justa e mais serena; para os pais e as mães, que desejam conservar e avivar a força da sua união indissolúvel; para os doentes, que sofrem no corpo e no espírito; para os anciãos, desejosos de compreensão, de afecto e de merecido respeito.

20 Uma recordação e saudação particular aos Religiosos e às Religiosas, que exercem o seu meritório apostolado no ambiente da paróquia: aos Salesianos de Don Bosco, que há 75 anos trabalham, com incansável dedicação, no bairro do Testaccio; às Filhas da Divina Providência; às Filhas de Maria Auxiliadora; à Comunidade da Congregação das Irmãs Mestras de Santa Doroteia Filhas dos Sagrados Corações.

4. A vossa paróquia, queridos Irmãos e Irmãs, é dedicada a Nossa Senhora do Livramento: do cimo do altar-mor sorri a sua imagem, fragmento duma antiquíssima pintura a fresco, que pertencia à igreja de «Santa Maria Liberatrice no Foro Romano», de que há notícias desde o século XII.

Este título, que usais para invocar aqui a Santíssima Virgem, é muito significativo: o homem aprecia muito a liberdade; mas simultaneamente não sabe muitas vezes usá-la; usa-a mal. Muitas vezes o uso desregrado da liberdade faz que o homem a perca; deixa de ser livre.

Cristo ensina-nos o bom e perfeito uso da liberdade. Disto tinha consciência de modo especial São Paulo, quando escrevia aos Gálatas: Foi para a liberdade que nos libertou Cristo (
Ga 5,1).

A Mãe de Cristo colabora com o seu Filho nesta grande obra que Ele quer realizar em cada um de nós. E fá-lo de modo materno, e com tal amor que só a mãe pode exprimir.

Queridos Irmãos e Irmãs

Entreguemos a nossa liberdade a Maria. Ela nos ajudará a descobrir aquele bem verdadeiro que a liberdade encerra.

Ela nos ajudará a usar da liberdade do melhor modo; Ela que «liberta». assim como faz toda a mãe. Sabemos bem que muitas vezes basta o mesmo conhecimento existente n'Ela — que sente tudo quanto é capaz de embaraçar-nos, de aviltar-nos e de humilhar-nos — basta para aliviar os grandes pesos do nosso coração.

As vezes basta uma palavra sua, um olhar seu, um sorriso seu.

Ela «liberta» com bondade, de modo maternal.

Ao homem, caído no mais profundo e «enredado» nos muitos laços, é necessária esta segurança de haver Alguém diante de quem ele não perdeu o seu valor.

21 Mãe que «liberta» mediante o amor.

Suplico-vos, Mãe de Deus, Padroeira desta paróquia: A todos os teus filhos e às tuas filhas mostrai-Vos Libertadora.

Nossa Senhora do Livramento, rogai por nós!





VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II

À REPÚBLICA DOMINICANA,

MÉXICO E BAHAMAS



DURANTE A MISSA CONCELEBRADA


NA PRAÇA DA INDEPENDÊNCIA EM SÃO DOMINGOS


25 de Janeiro de 1979

Irmãos no Episcopado, queridos filhos


1. Nesta Eucaristia em que compartilhamos a mesma fé em Cristo, o Bispo de Roma e da Igreja universal, presente entre vós, dá-vos a sua saudação de paz: Graça e paz da parte de Deus Pai e da de nosso Senhor Jesus Cristo (Ga 1,3).

Venho até estas terras americanas como peregrino de paz e de esperança, para participar num acontecimento eclesial de evangelização, e venho estimulado pelas palavras do Apóstolo Paulo: Porque, se anuncio o Evangelho, não tenho de que me gloriar, pois que me é imposta essa obrigação: Ai de mim se não evangelizar (1Co 9,16).

O actual período da história da humanidade requer uma transmissão reavivada da fé, para comunicar ao homem de hoje, adaptada às suas concretas condições de vida, a mensagem perene de Cristo.

Esta evangelização é uma constante e uma exigência essencial da dinâmica eclesial. Paulo VI, na sua exortação Evangelii nuntiandi afirmava que "evangelizar, constitui a graça e a vocação própria da Igreja, a sua mais profunda identidade. Ela existe para evangelizar" (Evangelii nuntiandi EN 14).

E o mesmo Pontífice explicita que "Cristo, como evangelizador, anuncia em primeiro Lugar, um reino, o Reino de Deus" (Ibid. 8); "Como núcleo e centro da sua Boa Nova, Jesus anuncia a Salvação, esse grande dom de Deus que é libertação de tudo aquilo que oprime o homem, mas que é, sobretudo, libertação do pecado e do Maligno" (Ibid., 9).

2. A Igreja, fiel à sua missão, continua a apresentar aos homens de cada tempo, com a ajuda do Espírito Santo e sob a guia do Papa, a mensagem de salvação do seu divino Fundador.

22 Esta terra dominicana foi, um dia, a primeira destinatária, e logo a seguir propulsora, de urna grande empresa de evangelização, que merece profunda admiração e gratidão.

Desde fins do século XV que esta querida Nação se abre à fé de Jesus Cristo à qual permaneceu fiel até hoje. A Santa Sé, por seu lado, cria as primeiras sedes episcopais da América, precisamente nesta ilha, e posteriormente a sede arquiepiscopal e primaz de São Domingos.

Num período relativamente curto, os caminhos da fé vão sulcando a geografia dominicana e continental, lançando os alicerces do legado feito vida que hoje contemplamos naquele que foi chamado o Novo Mundo.

Desde os primeiros momentos da descoberta, se manifesta a preocupação da Igreja em tornar presente o reino de Deus no coração dos novos povos, raças e culturas, e em primeiro lugar entre os vossos antepassados.

Se quisermos tributar um merecido agradecimento aos que transplantaram as sementes da fé, ternos que prestar essa homenagem em primeiro lugar às ordens religiosas, que se distinguiram, mesmo à custa de terem que oferecer mártires, na tarefa evangelizadora; sobretudo os Religiosos dominicanos, franciscanos, agostinhos, mercedários e mais tarde os jesuítas, que tornaram árvore frondosa aquilo que brotara de débeis raízes. E o solo da América estava preparado por correntes de espiritualidade própria para receber a nova sementeira cristã.

Por outro lado, não se trata de uma difusão da fé desencarnada da vida dos seus destinatários, não obstante dever conservar sempre a sua essencial referência a Deus. Por isso, a Igreja, nesta ilha, foi a primeira a reivindicar a justiça e a promover a defesa dos direitos humanos nas terras que se abriam para a evangelização.

As lições que deixaram António Montesinos, Córdoba, Bartolomeu de las Casas, dos quais foram eco também noutros lugares, João de Zumárraga, Motolinia, Vasco de Quiroga, José de Anchieta, Toribio de Mogrovejo, Nóbrega e tantos outros, são lições de humanismo, de espiritualidade e de anseio por dignificar o homem. Eram homens em quem palpitava a preocupação pelo fraco, pelo indefeso, pelo indígena, sujeitos dignos de todo o respeito como pessoas e corno portadores da imagem de Deus, destinados a uma vocação transcendente. Daqui viria a nascer, com Francisco de Vitória, o primeiro Direito Internacional.

3. E — eis a grande lição, válida também hoje —, não podem dissociar-se o anúncio do Evangelho e a promoção humana; mas, para a Igreja, Evangelho não pode ser confundido — como pretendem alguns — com promoção humana, nem exaurir-se nela. Seria fechar ao homem espaços infinitos que Deus lhe abriu. E seria falsear o significado profundo e completo da evangelização, que é, antes de tudo, anúncio da Boa Nova do Cristo Salvador.

A Igreja, especialista em humanidade, fiel aos sinais dos tempos, e em obediência ao convite premente do último Concilio, quer, hoje, continuar a sua missão de fé e de defesa dos direitos humanos, convidando os cristãos a comprometerem-se na construção de um mundo mais justo, mais humano e habitável, que não se feche em si mesmo, mas que se abre para Deus.

Tornar esse mundo mais justo, significa, entre outras coisas, esforçar-se por que não haja crianças sem alimento suficiente, sem educação, sem instrução; por que não haja jovens sem formação conveniente; por que não haja camponeses sem terra para viverem e se desenvolverem dignamente; por que não haja trabalhadores maltratados nem lesados nos seus direitos; por que não haja sistemas que permitam a exploração do homem pelo homem ou pelo Estado; por que não haja homens a quem sobra muito, enquanto que a outros tudo falta sem que eles tenham culpa; por que não haja corrupção; por que não haja famílias mal constituídas, separadas, desunidas, insuficientemente atendidas; por que não haja injustiça e desigualdade na aplicação da justiça; por que não haja ninguém sem o amparo da lei e por que a lei ampare a todos igualmente; por que não prevaleça a força sobre a verdade e o direito, mas prevaleçam a verdade e o direito sobre a força; e que o económico e o politico não prevaleçam nunca sobre o humano.

4. Mas não vos contenteis com esse mundo mais humano. Construí um mundo explicitamente mais divino, mais segundo Deus, regido pela fé, e no qual a fé inspire o progresso moral, religioso e social do homem. Não percais de vista a orientação vertical da evangelização. Ela é suficientemente forte para libertar o homem, porque é a revelação do amor: o amor do Pai pelos homens, por todos e cada um dos homens; amor revelado em Jesus Cristo. Porque Deus amou de tal modo o inundo que lhe deu o Seu Filho único, para que todo o que n'Ele crer não pereça, mas tenha a vida eterna (
Jn 3,16). Jesus Cristo manifestou esse amor, antes de mais, na sua vida oculta — Tudo Ele fez bem (Mc 7,37) e anunciando o Evangelho; depois, com a sua morte e a sua ressurreição, o mistério pascal em que o homem encontra a sua vocação definitiva para a vida eterna, para a união com Deus. Ë a missão escatológica do amor.

23 Queridos filhos: termino, exortando-vos a serdes sempre dignos da fé recebida. Amai a Cristo, amai ao homem por amor d'Ele, e vivei a devoção à nossa querida Mãe do céu, à qual invocais com o lindíssimo nome de Nossa Senhora da Altagracia, e à qual o Papa quer deixar, como homenagem de devoção, um diadema. Ela vos ajude a caminhar para Cristo, conservando e desenvolvendo em plenitude a semente lançada pelos vossos primeiros evangelizadores. isto o que o Papa espera de todos vós. Vós, aqui presentes, filhos de Cuba, da Jamaica, de Coração e Antilhas, do Haiti, da Venezuela e dos Estados Unidos. E sobretudo de vós, filhos da terra dominicana. Assim seja.



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II

À REPÚBLICA DOMINICANA,

MÉXICO E BAHAMAS



DURANTE A MISSA NA CATEDRAL DE SÃO DOMINGOS


PARA OS SACERDOTES, RELIGIOSOS,


RELIGIOSAS E SEMINARISTAS


Sexta-feira, 26 de Janeiro de 1979


Queridos irmãos e irmãs

Bendito seja o Senhor que me trouxe aqui, a este solo da República Dominicana, onde, felizmente, para glória e louvor de Deus neste Novo Continente, despontou também o dia da salvação. Quis vir a esta Catedral de São Domingos para estar entre vós, queridos sacerdotes, diáconos, religiosos, religiosas e seminaristas, para vos manifestar o meu afecto especial por vós em quem o Papa e a Igreja depositam as suas melhores esperanças, para que vos sintais mais alegres na fé, de modo que o vosso orgulho por serdes o que sois transborde por causa de mim (Cfr. Ph 1,25).

Mas sobretudo quero unir-me a vós na acção de graças a Deus. Graças pelo crescimento e o zelo desta Igreja que conta no seu haver tantas e tão belas iniciativas e que dá mostras de tão grande entrega ao serviço de Deus e dos homens. Dou graças com imensa alegria — para o dizer com palavras do Apóstolo — pela parte que tomastes na difusão do Evangelho, desde o primeiro dia até agora. Estou persuadido de que Aquele que começou em vós a boa obra a completará até ao Dia de Cristo Jesus (Ibid. Ph 1,3 ss).

Gostaria sinceramente de dispor de muito tempo para estar convosco, para fixar os vossos nomes e para escutar dos vossos lábios o que transborda do coração (Mt 12,34), aquilo que de maravilhoso experimentastes dentro de vós — fecit mihi magna qui potens est... (Lc 1,49) —, tendo sido fiéis ao encontro com o Senhor. Um encontro que Ele fez de predilecção.

É isto, precisamente — o encontro pascal com o Senhor —, o que desejo propor à vossa reflexão, para reavivar ainda mais a vossa fé e o vosso entusiasmo nesta Eucaristia; um encontro pessoal, vivo, de olhos abertos e coração palpitante, com Cristo ressuscitado (Cfr. Lc 24,30) o objectivo do vosso amor e de toda a vossa vida.

Acontece, por vezes, que a nova sintonia de fé com Jesus enfraquece ou se atenua — coisa que o povo fiel nota logo, contagiando-se, por isso, de tristeza — porque o trazemos dentro, sim, mas confundido, com as nossas propensões e os nossos raciocínios humanos (Cfr. ibid. Lc 24,15) sem deixarmos brilhar, com toda a sua intensidade, a luz grandiosa que Ele encerra para nós. Talvez haja ocasiões em que falamos d'Ele, apoiados em alguma premissa de mudança ou em dados de saber sociológico, político, psicológico, linguístico, em vez de fazermos derivar os critérios básicos da nossa vida e da nossa actividade de um Evangelho vivido com integridade, com alegria, corn a confiança e esperança imensas que a cruz de Cristo encerra.

Uma coisa é clara, queridos irmãos: a fé em Cristo ressuscitado não é resultado de um saber técnico ou fruto de uma bagagem científica (Cfr. 1Co 1,26). O que se nos pede é que anunciemos a morte de Jesus e proclamemos a Sua ressurreição (Sagrada Liturgia). Jesus vive. Deus ressuscitou-O, libertando-O dos grilhões da morte (Ac 2,24). Aquilo que entre as primeiras testemunhas foi um trémulo murmúrio, depressa se transformou em alegre experiência da realidade d'Aquele com Quem comemos e bebemos... depois da Sua ressurreição dos mortos (Ac 10,41). Sim, Cristo vive na Igreja, está em nós, portadores de esperança e de imortalidade.

Se, pois, encontrastes Cristo, vivei Cristo, vivei com Cristo! E anunciai-O em primeira pessoa, como autênticas testemunhas: Para mim, viver é Cristo (Flp.1, 21). Nisto está, também, a verdadeira libertação: em proclamar Jesus livre de ligaduras, presente em homens transformados, feitos nova criatura. Porque é que o nosso testemunho, por vezes se torna vão? Porque apresentamos um Jesus sem toda a força sedutora que a sua Pessoa oferece; sem tornarmos patentes as riquezas do ideal sublime que é segui-l'O; porque nem sempre chegamos a mostrar uma convicção feita vida acerca do valor estupendo da nossa entrega à grande causa eclesial que servimos.

Irmãos e irmãs: É preciso que os homens vejam em nós os dispensadores dos mistérios de Deus (Cfr. 1Co 4,1), testemunhas críveis da sua presença no mundo. Pensemos frequentemente que Deus não nos pede, ao chamar-nos, só parte da nossa pessoa, mas toda a nossa pessoa e todas as energias vitais, para anunciarmos aos homens a alegria e a paz da nova vicia em Cristo e para os guiarmos ao Seu encontro. Para isso, que o nosso primeiro cuidado seja buscar o Senhor, e, uma vez que O encontrámos, comprovar onde e como Ele vive, ficando nós com Ele todo o dia (Cfr. Jn 1,39). Ficando com' Ele de maneira especial na Eucaristia, onde Cristo Se nos dá, e na oração, mediante a qual nós nos damos a Ele. A Eucaristia tem de completar-se e prolongar-se através da oração no nosso labor quotidiano como um "sacrifício de louvor" (Missal Romano, Oração Eucarística I). Na oração, no trato confiado com Deus nosso Pai, discernimos melhor onde está a nossa força e onde está a nossa fraqueza porque o Espírito vem em nosso auxílio (Cfr. Rm 8,26). O mesmo Espírito fala-nos e vai-nos submergindo, pouco a pouco, nos mistérios divinos, nos desígnios de amor aos homens que Deus realiza mediante a nossa consagração ao Seu serviço.

24 Do mesmo modo que Paulo, durante uma reunião em Tróade, para a fracção do pão, continuaria eu a falar convosco até à meia-noite (Cfr. Ac 20,6). Teria muitas coisas para vos dizer, mas, não posso fazê-lo agora. Entretanto, recomendo-vos a leitura atenta do que recentemente disse ao Clero, aos Religiosos, às Religiosas e aos Seminaristas, em Roma. Essa leitura prolongará este encontro que continuará espiritualmente com outros semelhantes nos próximos dias. Que o Senhor e a nossa boa Mãe Maria Santíssima vos acompanhem sempre e encham a vossa vida de um grande entusiasmo no serviço da vossa altíssima vocação eclesial.

Vamos continuar a Missa, depondo na mesa das ofertas os nossos desejos de vivermos a nova vida, as nossas necessidades e as nossas súplicas, as necessidades e as súplicas da Igreja e da Nação Dominicana. Coloquemos lá também os trabalhos e os frutos da III Conferência Geral do Episcopado Latino-americano, que se vai realizar em Puebla.



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II

À REPÚBLICA DOMINICANA,

MÉXICO E BAHAMAS



DURANTE A MISSA NA CATEDRAL


METROPOLITANA DA CIDADE DO MÉXICO




Sexta-feira, 26 de Janeiro de 1979

Queridos Irmãos no Episcopado

e Caríssimos filhos

Há poucas horas ainda que, com profunda comoção, pisei pela primeira vez esta terra bendita. E agora tenho a ventura de me encontrar convosco, com a Igreja e o povo mexicano, neste dia que será o dia do México.

É um encontro que se iniciou com a minha chegada a esta linda Cidade; se prolongou enquanto atravessava as ruas e as praças, e se intensificou ao entrar nesta Catedral. Mas é aqui, na celebração do Sacrifício eucarístico, que o mesmo encontro chega ao auge.

Coloquemo-lo sob a protecção da Mãe de Deus, a Virgem de Guadalupe, que o povo mexicano ama com a mais arraigada devoção.

A vós, Bispos desta Igreja; a vós, sacerdotes, religiosos, religiosas, seminaristas, membros dos Institutos Seculares, leigos dos movimentos católicos e de apostolado; a vós, crianças, jovens, adultos, anciãos; a vós todos, mexicanos, que tendes um passado esplêndido de amor a Cristo, mesmo no meio das provas; a vós que levais no fundo do coração a devoção à Virgem de Guadalupe, o Papa quer falar hoje de algo que é, e deve ser mais ainda, uma característica vossa, cristã e mariana: a fidelidade à Igreja.

De entre tantos títulos atribuídos à Santíssima Virgem, no decurso dos séculos, pelo amor filial dos cristãos, há um de profundíssimo significado: Virgo Fidelis, Virgem fiel. Que significa esta fidelidade de Maria? e quais são as suas dimensões?

A primeira dimensão chama-se busca. Maria foi fiel, antes de mais, quando, com amor se pôs a buscar o sentido profundo do Desígnio de Deus n'Ela e para o mundo. "Quomodo fiat? — Como poderá ser?", perguntou Ela ao Anjo da Anunciação. Já no Antigo Testamento, o sentido desta busca se traduz numa expressão de rara beleza e de extraordinário conteúdo espiritual: "buscar o Rosto do Senhor". Não haverá fidelidade se na raiz não houver esta busca ardente, paciente e generosa; se no coração do homem não se encontrar uma pergunta para a qual só Deus tem a resposta, ou melhor dizendo, para a qual só Deus é a resposta.

25 A segunda dimensão da fidelidade chama-se acolhimento, aceitação. O "quomodo fiat" transforma-se, nos lábios de Maria, num "fiat". Assim se faça, estou pronto, aceito: este é o momento crucial da fidelidade, momento em que o homem entende que jamais compreenderá totalmente o "como", que no Desígnio de Deus há mais zonas de mistério do que de evidência, e que, por mais que faça, não conseguirá nunca aceitá-lo todo. É então que o homem aceita o mistério e lhe dá um lugar no seu coração, do mesmo modo que Maria conservava todas estas coisas, meditando-as no seu coração (Lc 2,19 cfr. Lc 3,15). É o momento em que o homem se abandona ao mistério, não com a resignação de quem capitula perante um enigma ou um absurdo, mas antes com a disponibilidade de quem se abre para ser habitado por algo — por Alguém! — maior que o próprio coração. Essa aceitação realiza-se em definitivo pela fé que é a adesão de todo o ser ao mistério que se revela.

A terceira dimensão da fidelidade é a coerência. Viver de acordo com o que se crê. Ajustar a própria vida ao objecto da própria adesão. Aceitar incompreensões, perseguições, mas não permitir rupturas entre aquilo que se vive e aquilo em que se crê: é isto, a coerência. E talvez que aqui se encontre o núcleo mais íntimo da fidelidade. Mas toda a fidelidade deve passar pela prova mais exigente: a da duração. Por isso a quarta dimensão da fidelidade é a constância. fácil ser coerente por um ou por alguns dias. Difícil e importante é ser coe rente toda a vida. fácil ser coerente na hora da exaltação, difícil é sê-lo na hora da tribulação. E só pode chamar-se fidelidade uma coerência que dura ao longo de toda a vida. O "fiat" de Maria, na Anunciação, tem a sua plenitude no "fiat" silencioso que Ela repete ao pé da cruz. Ser fiel é não atraiçoar nas trevas aquilo que se aceitou em público.

De todos os ensinamentos que a Virgem Santíssima dá aos seus filhos do México, o mais belo e importante talvez seja esta lição de fidelidade. É tal fidelidade que o Papa se compraz em descobrir no povo mexicano e que do povo mexicano ele espera.

Na minha Pátria costuma dizer-se: "Polónia semper fidelis". Eu quero poder dizer também: "Mexicum semper fidelis, sempre fiel"!

De facto, a história religiosa desta Nação é uma história de fidelidade; fidelidade às sementes de fé lançadas pelos primeiros missionários; fidelidade a uma religiosidade simples mas arraigada, sincera até ao sacrifício; fidelidade à devoção mariana; fidelidade exemplar ao Papa. Eu não tinha necessidade de vir até ao México para conhecer esta fidelidade ao Vigário de Jesus Cristo, pois que desde há muito a conhecia; mas agradeço ao Senhor poder experimentá-la no calor do vosso acolhimento.

Nesta hora solene desejaria convidar-vos a consolidar essa fidelidade e a robustecê-la. Quereria convidar-vos a traduzi-la em inteligente e forte fidelidade à Igreja, hoje. E quais serão as dimensões desta fidelidade senão as mesmas da fidelidade de Maria?

O Papa que vos visita, espera de vós um generoso e nobre esforço no sentido de conhecerdes cada vez melhor a Igreja. O Concílio Vaticano II quis, acima de tudo, ser um Concílio sobre a Igreja. Tomai nas vossas mãos os documentos conciliares, especialmente a Lumen Gentium, estudai-os com amorosa atenção, em espírito de oração, para verdes o que é que o Espírito quis dizer sobre a Igreja. Assim podereis dar-vos conta de que não há — como pretendem alguns — uma "nova Igreja" diferente ou oposta à "velha Igreja", mas que o Concílio quis revelar com maior clareza a única Igreja de Jesus Cristo, com aspectos novos, mas sempre a mesma na sua essência.

O Papa espera de vós, além disso, uma leal aceitação da Igreja. Não seriam fiéis, neste sentido, os que ficassem agarrados a aspectos acidentais da Igreja, válidos no passado, mas já superados. Nem tão pouco seriam fiéis os que, em nome de um profetismo pouco esclarecido, se lançassem na aventurosa e utópica construção de uma Igreja chamada do futuro, desencarnada da presente. Devemos ser fiéis à Igreja que, nascida, de uma vez para sempre, do Desígnio de Deus, da cruz, do sepulcro aberto do Ressuscitado e da graça do Pentecostes, nasce de novo em cada dia, não do povo ou de outras categorias racionais, mas das mesmas fontes das quais nasceu na sua origem. Ela nasce hoje para construir com todas as gentes um povo desejoso de crescer na fé, na esperança e no amor fraterno.

O Papa espera, também, de vós, a plena coerência da vossa vida com a vossa pertença à Igreja. Essa coerência significa termos consciência da nossa própria identidade de católicos e manifestarmo-la, com respeito total, mas sem vacilações e sem temores. Hoje, a Igreja tem necessidade de cristãos dispostos a darem claro testemunho da sua condição e a assumirem a sua própria parte na missão da Igreja no mundo, sendo fermento de religiosidade, de justiça, de promoção da dignidade do homem, em todos os ambientes sociais, e procurando dar ao mundo um suplemento de alma, para que ele seja um mundo mais humano e fraterno, do qual se olha para Deus.

O Papa espera, ao mesmo tempo, que a vossa coerência não seja efémera, mas constante e perseverante. Pertencer à Igreja, viver na Igreja, ser Igreja, é, hoje, algo de muito exigente. Isto talvez não custe a perseguição clara e directa, mas poderá custar o desprezo, a indiferença, a marginalização. E então é fácil e frequente o perigo do medo, do cansaço e da insegurança. Não vos deixeis vencer por estas tentações. Não permitais que, por algum destes sentimentos, se desvaneça o vigor e a energia espiritual do vosso "ser Igreja", essa graça que se tem de pedir e estar pronto para a receber com grande pobreza interior, e que se tem de começar a viver cada manhã. E cada dia com maior fervor e intensidade.

Queridos Irmãos e filhos: nesta Eucaristia que sela um encontro do servo dos servos de Deus com a alma e a consciência do povo mexicano, o novo Papa desejaria — para o oferecer ao Senhor — recolher dos vossos lábios, das vossas mãos e das vossas vidas um compromisso solene. Compromisso das almas consagradas, das crianças, dos jovens, dos adultos e anciãos, das pessoas cultas, da gente simples, dos homens e das mulheres, de todos: o compromisso da fidelidade a Cristo e à Igreja de hoje. Coloquemos sobre o altar esta intenção e este compromisso.

26 Que a Virgem fiel, a Mãe de Guadalupe, da qual aprendemos a conhecer o Desígnio, a promessa e a aliança de Deus, nos ajude, com a sua intercessão, a subscrever este compromisso e a cumpri-lo até ao fim da nossa vida, até o dia em que a voz do Senhor nos diga: Vem, servo bom e fiel; entra na alegria do teu Senhor (Mt 25,21-23). Assim seja.



Homilias JOÃO PAULO II 18