Homilias JOÃO PAULO II 26


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II

À REPÚBLICA DOMINICANA,

MÉXICO E BAHAMAS



NA MISSA POR OCASIÃO DA INAUGURAÇÃO


DA III CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO


LATINO-AMERICANO


Basílica de Nossa Senhora de Guadalupe

27 de Janeiro de 1979




1. Salve, Maria!

Quão profunda é a minha alegria, queridos Irmãos no Episcopado e amadíssimos Filhos, pelo facto de os primeiros passos da minha peregrinação, como Sucessor de Paulo VI e de João Paulo I, me terem trazido precisamente aqui. Me terem trazido até junto de Ti, Maria, a este Santuário do povo do México e de toda a América Latina, onde desde há tantos séculos se manifestou a Tua maternidade!

Salve, Maria!

Pronuncio com imenso amor e com reverência estas palavras, tão simples e ao mesmo tempo tão maravilhosas. Ninguém Te poderá saudar nunca de modo mais estupendo do que o fez um dia o Arcanjo no momento da Anunciação: "Ave Maria, gratia plena, Dominus tecum". Eu repito estas palavras, que tantos corações guardam e tantos lábios pronunciam em todo o mundo. Nós, os aqui presentes, repetimo-las juntos, conscientes do que são estas palavras com as quais o próprio Deus, através do seu mensageiro, Te saudou a Ti, a Mulher prometida no Éden e desde toda a eternidade eleita corno Mãe do Verbo, Mãe da divina Sabedoria, Mãe do Filho de Deus.

Salve, Mãe de Deus!

2. O teu Filho Jesus Cristo é o nosso Redentor e Senhor. É o nosso Mestre. Todos nós aqui reunidos somos seus discípulos. Somos os sucessores dos Apóstolos, daqueles a quem o mesmo Senhor disse: Ide, pois, ensinai todas as gentes, baptizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a observar tudo o que vos mandei. E eis que Eu estou convosco todos os dias até ao fim do mundo (Mt 28,19-20).

Congregados aqui, o Sucessor de Pedro e estes sucessores dos Apóstolos, damo-nos conta de corno tais palavras se cumpriram, de maneira admirável, nesta terra. Com efeito, desde que em 1492 começa a gesta evangelizadora no Novo Mundo, passam apenas vinte anos até chegar ao México a fé. Pouco mais tarde é criada a primeira sede arquiepiscopal, regida por Juan Zumárraga, ao qual secundaram outras grandes figuras de evangelizadores, que difundiram o Cristianismo em zonas muito vastas.

Outras epopeias religiosas não menos gloriosas escreverão no hemisfério sul homens como um Santo Toríbio de Mogroviejo e muitos outros que mereceriam ser citados em lista assaz longa. Os caminhos da fé vão-se alargando sem cessar; e no final do primeiro século de evangelização as sedes episcopais no novo Continente já são mais de setenta, compreendendo uns quatro milhões de cristãos. Uma empresa singular, esta, que se continuará por muito tempo, até abarcar hoje em dia, após cinco séculos de evangelização, quase metade de toda a Igreja Católica, arraigada na cultura do povo latino-americano e formando parte da sua identidade própria.

27 E à medida que nestas terras se ia realizando o mandato de Cristo, à medida que, com a graça do Baptismo, se iam multiplicando por toda a parte os filhos da adopção divina, aparecia também a Mãe. Com efeito, a Ti, Maria, o Filho de Deus e ao mesmo tempo Teu Filho, do alto da Cruz indicou um homem e disse: Mulher, eis o teu filho! (Jn 19,26). E naquele homem Ele Te confiou cada um dos homens, confiou-Te os homens todos. E Tu, que no momento da Anunciação concentraste todo o programa da Tua vida nestas simples palavras — eis a serva do Senhor! Faça-se em Mim segundo a tua palavra (Lc 1,38) — Tu, todos abraças, de todos Te aproximas, a todos procuras atrair maternalmente. Deste modo se realiza aquilo que o último Concílio declarou acerca da Tua presença no mistério de Cristo e da Igreja. Continuas a estar de maneira admirável no mistério de Cristo, Teu Filho unigénito, porque estás sempre onde quer que estejam os homens seus irmãos, onde quer que esteja a Igreja.

3. Os primeiros missionários chegados à América, de facto, provenientes de terras de eminente tradição mariana, conjuntamente com os rudimentos da fé cristã vão ensinando também o amor a Ti, Mãe de Jesus e de todos os homens. E a partir do momento em que o índio Juan Diego falou da doce Senhora de Tepeyac, Tu, Mãe de Guadalupe, entras de modo determinante na vida cristã do povo do México. Não de menor alcance foi a Tua presença noutras partes, onde os Teus filhos te invocam com nomes cheios de ternura, como Nossa Senhora da Altagraça, da Aparecida, de Luján e tantos outros não menos queridos, para não fazer uma lista interminável dos nomes com que, em cada Nação e mesmo em cada zona geográfica, os povos latino-americanos Te exprimem a sua devoção mais profunda e Tu os proteges no seu peregrinar na fé.

O Papa — que provém também ele de um País onde as tuas imagens, especialmente uma, a de Jasna Góra, são sinal igualmente da Tua presença na vida da nação e nas alternativas da sua história — é particularmente sensível a este sinal da Tua presença aqui, na vida do Povo de Deus no México, na sua história, também esta não fácil e por vezes até dramática. Mas estás igualmente presente na vida de tantos outros povos e nações da América Latina, presidindo e guiando não somente o seu passado remoto ou recente, mas também o momento actual, com as suas incertezas e sombras. Este Papa percebe no fundo do seu coração os vínculos particulares que Te unem a Ti com este Povo e a este Povo contigo. Sim: este Povo, que afectuosamente Te chama "La Morenita"; este Povo — e indirectamente todo este imenso Continente — vive a sua unidade espiritual graças ao facto de Tu seres a Mãe. Uma Mãe que, com o seu amor, cria, conserva e aumenta espaços de aproximação recíproca entre os seus filhos.

Salve, Mãe do México! Mãe da América Latina!

4. Nós encontramo-nos aqui nesta hora insólita e maravilhosa da história do mundo. Chegámos a este lugar, conscientes de nos acharmos num momento crucial. Com esta reunião de Bispos desejamos reenlaçar-nos com a precedente Conferência do Episcopado Latino-americano que se realizou há dez anos atrás em Medellín, em coincidência com o Congresso Eucarístico de Bogotá, e na qual participou o Papa Paulo VI, de inolvidável memória. Viemos aqui, não tanto para tornar a examinar, passados dez anos, o mesmo problema, quanto para o rever de um modo novo, num novo lugar e num novo momento histórico.

Queremos tomar como ponto de partida o que se acha contido nos documentos e resoluções daquela outra Conferência. E queremos, por outro lado, sobre a base das experiências destes dez anos, do desenvolvimento do modo de pensar e à luz das experiências de toda a Igreja, dar um justo e necessário passo em frente.

Realizou-se a Conferência de Medellín pouco depois do encerramento do II Concílio do Vaticano, o Concílio do nosso século; e teve como objectivo coligir as posições peculiares e conteúdo essencial do mesmo Concílio, a fim de aplicá-los e fazer deles uma força orientadora na situação concreta da Igreja Latino-americana.

Sem o Concílio não teria sido possível a reunião de Medellín, que intentou ser um impulso de renovação pastoral, um novo "espírito" em ordem ao futuro, em plena fidelidade eclesial na interpretação dos sinais dos tempos na América Latina. A intencionalidade evangelizadora era bem clara e resta patente nos dezasseis temas tratados, reunidos em torno de três grandes áreas, mutuamente complementares: promoção humana, evangelização e crescimento na fé, Igreja visível e suas estruturas.

Com a sua opção pelo homem latino-americano encarado na sua integridade, com o seu amor preferencial mas não exclusivo pelos pobres, com o seu alento a uma libertação integral dos homens e dos povos, Medellín, a Igreja ali presente, foi uma chamada de esperança para metas mais cristãs e mais humanas.

Entretanto passaram mais de dez anos. E fizeram-se interpretações, às vezes contraditórias, nem sempre correctas e nem sempre benéficas para a Igreja. Por isso, a Igreja põe-se à procura dos caminhos que lhe permitam compreender mais profundamente e cumprir com maior empenho a missão recebida de Cristo Jesus.

Neste sentido tiveram grande importância as sessões do Sínodo dos Bispos que se realizaram nestes anos, sobretudo a reunião do ano de 1974, centrada sobre a Evangelização, cujas conclusões foram coligidas depois, de modo vivo e alentador, pela. Exortação Apostólica Evangelii nuntiandi de Paulo VI.

28 Este é o tema que hoje colocamos sobre a nossa mesa de trabalho, ao propor-nos estudar "A Evangelização no presente e no futuro da América Latina".

Encontrando-nos neste lugar santo para iniciar os nossos trabalhos, representa-se-nos ante o olhar o Cenáculo de Jerusalém, local da instituição da Eucaristia. Ao mesmo Cenáculo tornaram os Apóstolos depois da Ascensão do Senhor, a fim de aí, permenecendo em oração com Maria, a Mãe de Cristo, poderem preparar os seus corações para receber o Espírito Santo, no momento do nascimento da Igreja.

Também nós vimos aqui para isso, também nós esperamos a descida do Espírito Santo, que nos fará ver os caminhos da evangelização, através dos quais a Igreja deve continuar e renascer neste nosso grande Continente. Também nós hoje, e nos próximos dias, desejamos permanecer em oração com Maria, Mãe de nosso Senhor e Mestre: contigo, Mãe da esperança, Mãe de Guadalupe.

5. Permite-me, pois, que eu, João Paulo II, Bispo de Roma e Papa, juntamente com os meus Irmãos no Episcopado que representam a Igreja do México e de toda a América Latina, neste momento solene, confiemos e Te ofereçamos a Ti, serva do Senhor, todo o património do Evangelho, da Cruz e da Ressurreição, de que nós todos somos testemunhas, apóstolos, mestres e bispos.

Ó Mãe! Ajuda-nos a ser fiéis dispensadores dos grandes mistérios de Deus. Ajuda-nos a ensinar a verdade que Teu Filho anunciou e a difundir o amor, que é o principal mandamento e o primeiro fruto do Espírito Santo. Ajuda-nos a confirmar os nossos irmãos na fé e ajuda-nos a despertar a esperança na vida eterna. Ajuda-nos a guardar os grandes tesouros encerrados nas almas do Povo de Deus que nos foi confiado.

Nós Te oferecemos todo este Povo de Deus. Oferecemos-Te a Igreja do México e de todo o Continente; e oferecemos-T'a como propriedade Tua. Tu que entraste estavelmente no mais íntimo dos corações dos fiéis através do sinal da Tua presença., que é a Tua imagem no Santuário de Guadalupe, vive corno em tua casa nestes corações, também daqui para o futuro. Sé um de casa nas nossas famílias, nas nossas paróquias, missões, dioceses e em todos os povos.

E fá-lo por meio da Igreja Santa, a qual, imitando-Te a Ti, Mãe, deseja ser cada vez mais urna boa mãe, cuidar das almas em todas as suas necessidades, anunciando o Evangelho, administrando os Sacramentos, salvaguardando a vida das famílias mediante o sacramento do Matrimónio, reunindo todos na comunidade eucarística por meio do Santíssimo Sacramento do altar e acompanhando-os com amor desde o berço até à entrada na eternidade.

Ó Mãe! Desperta nas jovens gerações a disponibilidade para o exclusivo serviço de Deus. Implora para nós abundantes vocações locais para o sacerdócio e para a vida consagrada.

Ó Mãe! Corrobora a fé de todos os nossos irmãos e irmãs leigos, para que em todos os diversos campos da vida social, profissional, cultural e política actuem de acordo com a verdade e a lei que o Teu Filho veio trazer à humanidade, a fim de conduzirem a todos à. salvação eterna e, ao mesmo tempo, a fim de tornarem a vida sobre a terra mais humana e mais digna do homem.

A Igreja que desenvolve a sua actividade entre as nações americanas, a Igreja no México, quer servir, com todas as suas forças, esta causa sublime com renovado espírito missionário. Ó Mãe! Faz com que saibamos servi-la na verdade e na justiça. Faz com que nós mesmos sigamos este caminho e por ele conduzamos os demais, sem jamais nos desviarmos por atalhos tortuosos, arrastando connosco os outros.

Nós Te oferecemos e a Ti confiamos todos aqueles e tudo aquilo que é objecto da nossa responsabilidade pastoral, confiando em que Tu hás-de estar connosco e nos ajudarás a realizar aquilo que o Teu Filho nos mandou fazer (Cfr.
Jn 2,5). Depositamos em Ti esta confiança ilimitada; e com ela, eu, João Paulo II, juntamente com todos os meus Irmãos no Episcopado do México e da América Latina, queremos vincular-Te de um modo ainda mais forte ao nosso ministério, à Igreja e à vida das nossas nações. Desejamos pôr nas Tuas mãos todo o nosso porvir, o porvir da evangelização na América Latina.

29 Rainha dos Apóstolos! Aceita a nossa prontidão para servir sem reservas a causa do Teu Filho, a causa do Evangelho e a causa da paz, baseada na justiça e no amor entre os homens e entre os Povos.

Rainha da Paz! Salva as Nações e os Povos do inteiro Continente, que confiam em Ti, das guerras, do ódio e da subversão.

Faz com que todos, governantes e súbditos, aprendam a viver em paz, se eduquem para a paz, façam tudo aquilo que exige a justiça e o respeito pelos direitos de todo o homem, para que se consolide a paz.

Aceita esta nossa confiada entrega, ó serva do Senhor! Que a Tua maternal presença no mistério de Cristo e da Igreja se converta em fonte de alegria e de liberdade para cada um e para todos; fonte daquela liberdade por meio da qual Cristo nos libertou (
Ga 5,1), e finalmente fonte daquela paz que o mundo não pode dar, mas que somente a dá Ele, Cristo (Cfr. Jn 14,27).

Finalmente, ó Mãe, recordando e confirmando o gesto dos meus Predecessores Bento XIV e Pio X, que Te proclamaram Padroeira do México e de toda a América Latina, eu Te apresento um diadema em nome de todos os Teus filhos mexicanos e latino-americanos, para que os conserves debaixo da Tua protecção e guardes a sua concórdia na fé e a sua fidelidade a Cristo, Teu Filho, Ámen!



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II

À REPÚBLICA DOMINICANA,

MÉXICO E BAHAMAS



DURANTE A MISSA CELEBRADA


NO PÁTIO DO SEMINÁRIO MAIOR PALAFOXIANO


EM PUEBLA DE LOS ANGELES




28 de Janeiro de 1979


Queridos filhos e filhas

Puebla de los Angeles: o nome sonoro e expressivo da vossa Cidade encontra-se, hoje em dia, em milhões de lábios, ao longo da América Latina e do mundo inteiro. A vossa Cidade torna-se símbolo e sinal para a Igreja latino-americana. É aqui, de facto, que se reúnem, a partir de hoje, convocados pelo Sucessor de Pedro, os Bispos de todo o Continente para reflectirem sobre a missão dos Pastores nesta parte do mundo, nesta hora singular da História.

O Papa quis subir até estas paragens onde parece abrir-se toda a América Latina. E é com a impressão de contemplar o perfil de cada uma das Nações, que, neste altar erguido sobre as montanhas, o Papa quis celebrar este Sacrifício Eucarístico, para invocar sobre esta Conferência, sobre os que nela participam e sobre os seus trabalhos, a luz, o calor, todos os dons do Espírito de Deus, Espírito de Jesus Cristo.

Nada é mais natural e necessário do que invocá-1'O nesta circunstância. A grande Assembleia que se abre, é, com efeito, na sua essência mais profunda, uma reunião eclesial: eclesial para aqueles que aqui se reúnem, Pastores da Igreja de Deus que está na América Latina; eclesial pelo tema que estuda, a missão da Igreja neste Continente; eclesial pelos objectivos que se propõe, de tornar cada vez mais eficaz o contributo original que a Igreja tem o dever de oferecer ao bem-estar, à harmonia, à justiça e à paz destes povos. Pois bem, não há Assembleia eclesial onde não esteja, na plenitude da sua acção misteriosa, o Espírito de Deus.

O Papa invoca-O com todo o fervor do seu coração. Oxalá que o lugar onde se reúnem os Bispos seja um novo Cenáculo, muito maior que o de Jerusalém, onde os Apóstolos eram apenas Onze naquela manhã, mas, coma o de Jerusalém, aberto às chamas do Paráclito e à força de um renovado Pentecostes.

30 Oxalá que o Espírito realize em vós, Bispos, aqui congregados, a multiforme missão que o Senhor Jesus Lhe confiou: intérprete de Deus para fazer compreender o seu desígnio e a sua palavra inacessíveis à simples razão humana (Cfr. Jn 14,26), abra a inteligência destes Pastores e os introduza na Verdade (Cfr. Jn 16,13); testemunha de Jesus Cristo, dê testemunho na consciência e no coração dos mesmos Pastores e os transforme, por sua vez, em testemunhas coerentes, criveis, eficazes durante os seus trabalhos (Cfr. Jn 15,26); Advogado ou Consolador, infunda ânimo contra o pecado do mundo (Cfr. Jn 16,8) e lhes coloque nos Lábios o que haverão de dizer, sobretudo no momento em que o testemunho há-de custar sofrimento e fadiga.

Peço-vos, pois, queridos filhos e filhas, que vos unais a mim nesta Eucaristia, nesta invocação do Espírito. Não é para si mesmos, nem por interesses pessoais que os Bispos, vindos de todos os ambientes do Continente se encontram aqui: é para vós, Povo de Deus nestas terras, e para vosso bem. Participai, pois, nesta III Conferência, também desta maneira: pedindo, cada dia, para cada um deles, a abundância do Espírito Santo.

Foi dito, de forma bela e profunda, que o nosso Deus, no seu mistério mais íntimo, não é solidão, mas uma família, dado que tem em Si mesmo paternidade, filiação e a essência da família, que é o amor. Este amor, na família divina, é o Espírito Santo. O tema da família, pois, não é alheio ao tema do Espírito Santo. Permiti que, sobre este tema da família — o qual, certamente, ocupará os Bispos durante estes dias — vos dirija o Papa algumas palavras.

Sabeis que, com palavras densas e prementes, a Conferência de Medellín falou da Família. Os Bispos, naquele ano de 1968, viram, no vosso grande sentido de família, um rasgo primordial da vossa cultura latino-americana. Fizeram ver que, para o bem dos vossos países, as famílias latino-americanas deveriam ter sempre três dimensões: a de serem educadoras na fé, a de serem formadoras de pessoas e a de serem promotoras de desenvolvimento. Colocaram também em relevo os graves obstáculos que as famílias encontram no cumprimento desta tríplice incumbência. E recomendaram, "por isso", a atenção pastoral às famílias, como uma das atenções prioritárias da Igreja neste Continente.

Passados dez anos, a Igreja na América Latina sente-se feliz por tudo o que pode fazer em favor da Família. Mas reconhece, com humildade, quanto lhe falta ainda para fazer, ao cair na conta de que a Pastoral familiar, longe de ter perdido o seu carácter prioritário, hoje aparece como ainda mais urgente, como elemento muito importante na Evangelização.

Com efeito, a Igreja está consciente de que, nos tempos que correm, a Família enfrenta, na América Latina, sérios problemas. Ultimamente, alguns países introduziram na sua legislação o divórcio que consigo traz uma nova ameaça à integridade familiar. Na maioria dos vossos países lamenta-se que um número alarmante de crianças, futuro destas Nações e esperança para os tempos vindouros, nasçam em lares sem estabilidade alguma, ou, como costuma chamar-se-lhes, em "famílias incompletas". Além disso, em certos lugares do "Continente da Esperança" esta mesma esperança está em perigo de desvanecer, pois cresce no interior de famílias muitas das quais não podem viver normalmente porque nelas particularmente se repercutem os resultados mais negativos do desenvolvimento: índices verdadeiramente deprimentes de insalubridade, pobreza e mesmo miséria, ignorância e analfabetismo, condições desumanas de habitação, subalimentação crónica, e tantas outras realidades não menos tristes.

Em defesa da família, contra estes males, a Igreja compromete-se a dar a sua ajuda, e convida os Governos a que se proponham como ponto-chave da sua acção: uma política sócio-familiar inteligente, audaz e perseverante, reconhecendo que, sem dúvida, aqui se encontra o futuro — a esperança do Continente. Deveria acrescentar-se que tal política familiar não deve entender-se como um esforço indiscriminado por reduzir a qualquer preço o índice de natalidade — aquilo que o meu Predecessor Paulo VI chamava "diminuir o número dos convidados para o banquete da vida" —, quando é notório que, mesmo para o desenvolvimento, é indispensável um equilibrado índice de população. Trata-se de concordar esforços para criar condições favoráveis à existência de famílias sãs e equilibradas: "aumentar a comida na mesa", sempre na expressão de Paulo VI.

Além da defesa da Família, devemos falar também de promoção da Família. Para essa promoção hão-de contribuir muitos organismos: governos e organismos governamentais, a escola, os sindicatos, os meios de comunicação social, as comissões de bairros, as diversas associações voluntárias ou espontâneas que hoje em dia florescem por toda a parte,

A Igreja deve oferecer também a sua contribuição na linha da sua missão espiritual de anúncio do Evangelho e de condução dos homens à Salvação, que tem igualmente enorme repercussão sobre o bem-estar da Família. E que pode fazer a Igreja, unindo os seus esforços aos dos outros? Estou certo de que os vossos Bispos farão todo o possível para dar a esta pergunta respostas adequadas, justas e válidas. Lembro-vos quanto valor tem para a Família o que a Igreja já faz na América Latina: por exemplo, no sentido de preparar os futuros esposos para o matrimónio; de ajudar as famílias quando a sua existência é atravessada por crises normais que, bem encaminhadas, podem até ser fecundas e enriquecedoras; de tornar cada família cristã uma verdadeira "ecclesia domestica", com todo o rico conteúdo desta expressão; de preparar muitas famílias para a missão de evangelizadoras de outras famílias; de colocar em realce todos os valores da vida familiar; de ir em auxilio das famílias incompletas; de estimular os governantes a suscitarem nos respectivos países aquela política sócio-familiar da qual falávamos há pouco. A Conferência de Puebla apoiará, com certeza, estas iniciativas, e talvez sugira outras. Alegra-nos pensar que a história da América Latina terá, assim, motivos para agradecer à Igreja o muito que ela fez, faz e fará pela Família, neste vasto Continente.

Filhos e filhas muito queridos: neste momento, e deste Altar, o Sucessor de Pedro sente-se singularmente próximo de todas as famílias da América Latina. É como se cada lar se abrisse e o Papa pudesse entrar em todos e cada um deles: casas onde não faltam o pão e o bem-estar mas faltam talvez a concórdia e a alegria; casas em que as famílias vivem mais modestamente e na insegurança do amanhã, ajudando-se mutuamente a conduzir uma existência difícil mas digna; habitações pobres, nas periferias das vossas cidades, onde há muito sofrimento escondido, apesar de em meio delas existir a alegria simples dos pobres; humildes choupanas de camponeses, de indígenas, de emigrantes, etc. Para cada família em particular, o Papa desejaria poder dizer uma palavra de conforto e de esperança. Vós, famílias que podeis gozar do bem-estar, não vos fecheis dentro da vossa felicidade; abri-vos aos outros, para repartirdes aquilo que vos sobra e a outros falta. Famílias oprimidas pela pobreza, não desanimeis, e, sem terdes o luxo por ideal, nem a riqueza como princípio de felicidade, procurai, com a ajuda de todos, superar os momentos difíceis, na esperança de dias melhores. Famílias visitadas e angustiadas pelo sofrimento físico ou moral, provadas pela doença ou pela miséria, não acrescenteis a esse sofrimento a amargura ou o desespero, mas sabei aliviar a dor com a esperança. Famílias todas da América Latina, estai certas de que o Papa vos conhece e deseja conhecer-vos ainda mais porque vos ama com delicadeza de Pai.

Esta é, no quadro da visita do Papa ao México, a Jornada da Família. Recebei, pois, famílias latino-americanas, com a vossa presença aqui, ao redor do Altar, ou através da rádio ou da televisão, recebei a visita que o Papa deseja fazer a cada uma de vós. E dai ao Papa a alegria de vos ver crescer nos valores cristãos, para que a América Latina encontre, nos seus milhões de famílias, razões para confiar, para esperar, para lutar, para construir.

VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II

À REPÚBLICA DOMINICANA,

MÉXICO E BAHAMAS



NA CATEDRAL DE OAXACA


31
Sexta-feira, 29 de Janeiro de 1979


Queridos irmãos e irmãs

Esta cerimónia, em que vou conferir com imenso gosto alguns ministérios sagrados a descendentes das antigas estirpes desta terra da América, confirma a verdade do que disse uma alta personalidade do vosso País ao meu venerado predecessor Paulo VI: Desde o começo da história das nações americanas, foi sobretudo a Igreja quem protegeu os mais humildes, a sua dignidade e valor, como pessoas humanas.

A verdade de tal afirmação é hoje de novo confirmada, uma vez que o Bispo de Roma e Pastor da Igreja Universal chamará alguns de entre eles a colaborarem com os seus Pastores no serviço da comunidade eclesial, para maior crescimento e vitalidade desta (Cfr. Evangelii NuntiAndi,
EN 73).

1. É sabido que estes ministérios não transformam leigos em clérigos: os que os recebem continuam sendo leigos, isto é, não deixam o estado em que viviam quando foram chamados (Cfr, 1Co 7,20).. Também quando cooperam, como suplentes ou ajudantes, com os Ministros sagrados, estes leigos são sobretudo colaboradores de Deus (Cfr. 1Co 3,9), que recorre também a eles para dar cumprimento à sua vontade de salvar todos os homens (Cfr. 1Tm 2,4).

Mais ainda, precisamente porque estes leigos se comprometem, de maneira deliberada, com esse desígnio salvífico, a ponto de tal compromisso ficar sendo para eles a razão última da sua presença no mundo (Cfr. São João Crisóstomo, In Act. Ap. 20, 4), devem ser considerados como arquétipos ou modelos da participação de todos os fiéis na missão salvífica da Igreja.

2. Na realidade, todos os fiéis, em virtude do próprio Baptismo e do Sacramento da Confirmação, têm de professar publicamente a fé recebida de Deus por meio da Igreja, difundi-la e defendê-la como verdadeiras testemunhas de Cristo (Cfr. Lumen Gentium LG 11). Ou seja, estão chamados à evangelização, que é dever fundamental de todos os membros do Povo de Deus (Cfr. Ad Gentes AGD 35), tenham ou não tenham particulares funções ligadas mais intimamente aos deveres dos Pastores (Apostolicam Actuositatem AA 24).

A este propósito, deixai que o Sucessor de Pedro lance um fervoroso apelo, a todos e a cada um, para que assimilem e pratiquem os ensinamentos e as orientações do Concílio Vaticano II, que dedicou aos leigos o capítulo IV da Constituição dogmática Lumen Gentium e o Decreto Apostolicam Actuositatem.

Desejo ainda — como recordação da minha passagem entre vós e pondo também os olhos nos fiéis do mundo inteiro — aludir brevemente a tudo o que é próprio da cooperação dos leigos no apostolado único, nas suas expressões tanto individuais como associadas, e na sua característica determinante. Para isso, vou inspirar-me na invocação a Cristo, que lemos na oração de Laudes desta segunda-feira da quarta semana do tempo litúrgico ordinário: "Vós que estais sempre actuando no mundo em união com o Pai, renovai todas as coisas com a virtude do Espírito Santo".

Com efeito, os leigos, que por vocação divina comunicam com toda a realidade do mundo, injectando nela a sua fé, tornada realidade na sua vida pública e particular (Cfr. Sant. 2, 17), são os protagonistas mais imediatos da renovação dos homens e das coisas. Com a sua presença activa de crentes, trabalham na progressiva consagração do mundo a Deus (Cfr. Lumen Gentium LG 34). Esta presença compagina-se com toda a economia da religião cristã, que é doutrina mas é sobretudo acontecimento: o acontecimento da Encarnação, Jesus Homem-Deus que recapitulou em si o universo (Cfr. Ep 1,10); corresponde ao exemplo de Cristo, que fez também do contacto físico um veículo de comunicação do seu poder restaurador (Cfr. Mc 1,41 Mc 7,33 Mt 9,29 ss. e Mt 20,34 Lc 7,14 Lc 8,54); é inerente à índole sacramental da Igreja, que, feita sinal e instrumento da união dos homens com Deus e da unidade de todo o género humano (Cfr. Lumen Gentium LG 1), foi chamada por Deus a estar em comunhão permanente com o mundo para ser nele o fermento a transformá-la do interior (Cfr. Mt 13,33).

O apostolado dos leigos, assim entendido e posto em prática, confere sentido pleno a todas as manifestações da história humana, respeitando-lhe a autonomia e favorecendo-lhe o progresso que exige a natureza própria de cada uma delas. Ao mesmo tempo, dá-nos a chave para interpretarmos em plenitude o sentido da história, uma vez que todas as realidades temporais, como os acontecimentos que as manifestam, adquirem o seu significado mais profundo na dimensão espiritual que estabelece a relação entre o presente e o futuro (Cfr. He 13,14). O desconhecimento ou a mutilação desta dimensão converter-se-ia, de facto, num atentado contra a essência mesma do homem.

32 3. Ao deixar esta terra, levo de vós agradável recordação, a de me ter encontrado com almas generosas que desde já oferecerão a sua vida pela difusão do Reino de Deus. E, ao mesmo tempo, estou seguro que, à semelhança de árvores plantadas junto a rios de água, darão frutos abundantes a seu tempo (Cfr. Ps 1,3) para a consolidação do Evangelho.

Ânimo! Sede fermento no meio da massa (Mt 13,33), fazei Igreja! Por toda a parte vá despertando o vosso testemunho outros anunciadores da salvação: Quão formosos são os pés dos que anunciam boas novas! (Rm 10,15). Demos graças a Deus que principiou em vós a boa obra e a completará até ao dia de Cristo Jesus (19).



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II

À REPÚBLICA DOMINICANA,

MÉXICO E BAHAMAS



NO SANTUÁRIO DE NOSSA SENHORA DE ZAPOPÁN


Terça-feira, 30 de Janeiro de 1979



Queridos irmãos e irmãs

1. Eis-nos aqui reunidos hoje, neste formoso santuário de Nossa Senhora da Imaculada Conceição de Zapopán, na grande Arquidiocese de Guadalajara. Não queria nem podia furtar-me a este encontro — à volta do altar do Jesus e aos pés de Maria Santíssima — com o Povo de Deus que peregrina a este lugar. Este santuário de Zapopán com efeito, uma prova mais, palpável e consoladora, da intensa devoção que, há séculos, o povo mexicano e, com ele, todo o povo latino-americano, professam à Virgem Imaculada.

Como o de Guadalupe, também este santuário vem da época colonial; como aquele, as suas origens sobem ao valioso esforço de evangelização dos missionários (neste caso, dos filhos de São Francisco) entre os índios, tão bem dispostos a receber a mensagem de salvação em Cristo e a venerar sua Mãe Santíssima, concebida sem mancha de pecado. Assim, estes povos compreendem o lugar único e excepcional de Maria na realização do plano de Deus (Cfr. Lumen Gentium LG 53 ss.), a sua santidade eminente e a sua relação maternal connosco (Lumen Gentium LG 61,66). Daqui em diante, ela, a Imaculada, representada nesta pequena e simples imagem, fica incorporada na piedade popular do povo da Arquidiocese de Guadalajara, da Nação Mexicana e de toda a América Latina. Como Maria disse profeticamente no seu cântico do Magnificat: Chamar-me-ão bem-aventurada todas as gerações (Lc 1,48).

2. Se isto é verdade em todo o mundo católico, muito mais o é no México e na América Latina. :Pode-se dizer que a fé e a devoção a Maria e seus mistérios pertencem à identidade própria destes povos e caracterizam a sua piedade popular, da qual falava o meu predecessor Paulo VI na Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi (Cfr. Evangelii Nuntiandi EN 48). Esta piedade popular não é por força um sentimento vago, destituído de sólida base doutrinal como se constituísse forma inferior de manifestação religiosa. Quantas vezes é, pelo contrário, como que a expressão verdadeira da alma dum povo, ao ser tocada pela graça e forjada pelo encontro feliz entre a obra de evangelização e a cultura local, de que fala também a Exortação acima citada (Evangelii Nuntiandi EN 20). Assim, guiada e sustida e, dando-se o caso, purificada pela acção constante dos pastores, e exercida diariamente na vida do povo, a piedade popular é verdadeiramente a piedade dos "pobres e simples" (Evangelii Nuntiandi EN 48). É a maneira como estes predilectos do Senhor vivem e traduzem, nas suas atitudes humanas e em todas as dimensões da vida, o mistério da fé que receberam.

Esta piedade popular no México e em toda a América Latina é forçosamente mariana. Nela, Maria Santíssima ocupa o mesmo lugar preeminente que ocupa na totalidade da fé cristã. Ela é a mãe, a rainha, a protectora e o modelo. A ela se vem para a honrar, para pedir a sua intercessão, para aprender a imitá-la, quer dizer, para aprender a ser verdadeiro discípulo de Jesus. Porque, como o mesmo Senhor diz: Quem fizer a vontade de Deus é meu irmão, minha irmã e minha mãe (Mc 3,35).

Longe de ocultar a mediação insubstituível e única de Cristo, esta função de Maria sendo acolhida e posta em relevo, "serve para demonstrar o poder d'Ela", como ensina o Concílio Vaticano II (Lumen Gentium LG 60), porque tudo o que ela é e tem, vem-lhe da "superabundância dos méritos de Cristo, apoia-se na sua mediação" e a ele conduz (Lumen Gentium LG 60). Os fiéis que vêm a este santuário bem o sabem e põem-no em prática, ao dizerem — sempre com ela, olhando para Deus Pai, no dom do seu Filho amado tornado presente entre nós pelo Espírito —: Glorifica a minha alma ao Senhor (Lc 1,46).

3. Precisamente, quando os fiéis vêm a este santuário, como quis também vir eu hoje, peregrino nesta terra mexicana, que outra coisa fazem senão louvar e honrar a Deus Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, na figura de Maria, unida por vínculos indissolúveis com as três pessoas da Santíssima Trindade, como também ensina o Concílio Vaticano II (Cfr. Lumen Gentium LG 53)? A nossa visita ao santuário de Zapopán — a minha hoje, a vossa tantas vezes — significa, por isso mesmo, a vontade e o esforço de cada pessoa para se abeirar de Deus e deixar-se inundar por Ele, mediante a intercessão, o auxilio e o modelo de Maria.

Nestes lugares de graça, tão característicos da geografia religiosa mexicana e latino-americana, o Povo de Deus — junto na Igreja com os seus pastores e nesta feliz ocasião com quem humildemente preside na Igreja à caridade (Cfr. Inácio de Antioquia, ad Rom. pról.) — reúne-se à volta do altar e sob o olhar materno de Maria, para dar testemunho de que o que conta, neste mundo e na vida humana, é a abertura ao dom de Deus, que se comunica em Jesus, nosso Salvador, e nos vem por Maria. Isto é o que dá à nossa existência terrena a sua verdadeira dimensão transcendente, como Deus a quis desde o princípio, como Jesus Cristo a restaurou com a sua Morte e Ressurreição, e como resplandece na Virgem Santíssima.


Homilias JOÃO PAULO II 26