Homilias JOÃO PAULO II 80


VISITA PASTORAL À PARÓQUIA ROMANA DE SANTO ESTANISLAU


Domingo, 13 de Maio de 1979




1. "Permanecei..."

A palavra que mais se repete nas leituras do quinto domingo de Páscoa é precisamente a palavra "Permanecei". Com esta palavra nos convida à união com Ele, Cristo ressuscitado, antes crucificado. Apresenta-nos esta união servindo-se duma semelhança tirada da ordem da natureza. As varas permanecem na videira e por isso dão fruto. Não podem dá-lo por si mesmas se vem a faltar a união orgânica com a vida. Se falta, ficam unicamente varas, varas secas, que são recolhidas e lançadas ao fogo, porque podem servir de lenha para arder. Pelo contrário, enquanto as varas permanecem na videira e dela recebem suco vital, continuam a ser varas verdadeiras. Constituem uma só coisa com a videira, e são mesmo definidas, juntamente com ela, com o nome global de videira. Merecem cuidados atentos por parte do dono, do vinhateiro. Ele olha atentamente para cada videira e cada vara. Se dá fruto, "poda-a" para dar ainda mais fruto. Mas, se não dá fruto, arranca-a para que não estorve e, com o seu cobrir-se de folhas infecundo, sobrecarregue a videira.

Esta a semelhança.

Esta a imagem em que é expresso tudo quanto devia ser dito, para os ouvintes compreenderem — primeiro: o mistério da permanência espiritual em Cristo; e depois: o dever de produzirem frutos espirituais, por isso mesmo que permanecem n'Ele. Por isso, usa o Mestre ao mesmo tempo a linguagem descritiva, mostrando a vara que permanece na videira, e a liguagem normativa, dando uma ordem diz: "permanecei em Mim".

2. Em que consiste este "permanecer" em Jesus Cristo? São João, que inseriu a alegoria da videira no seu Evangelho, é o mesmo que na sua primeira carta oferece resposta a esta pergunta. Aquele que observa os Seus mandamentos, permanece em Deus e Deus nele (1Jn 3,24). Esta é a prova mais evidente. O Apóstolo parece quase hesitar em responder à pergunta: se é possível estabelecer e constatar, com a ajuda dalgum critério verificável, uma realidade tão misteriosa, como é o permanecer de Deus no homem, e graças a isto do homem em Deus. Esta realidade é de natureza estritamente espiritual. E possível constatar, certificar-se alguém, desta realidade? Pode o homem ter a certeza de serem boas as suas obras, agradáveis a Deus, de servirem para a Sua permanência na alma? Pode o homem ter a certeza de se encontrar em estado de Graça?

O Apóstolo responde a esta pergunta como se respondesse a si mesmo e a nós, ao mesmo tempo: se o nosso coração não nos condena, temos confiança diante de Deus (1Jn 3,21), a confiança de permanecermos n'Ele e Ele em nós. Mas se, pelo contrário, temos razões de apreensão, é ao amor prático para com Deus e para com os irmãos que poderemos ir buscar segurança interior e paz, que poderemos tranquilizar os nossos corações diante d'Ele, sabendo que, se o nosso coração nos condena, Deus é maior que os nossos corações e conhece todas as coisas (1Jn 3,19-20). Nem então deixamos de estar atingidos pelo Seu amor, que pode transformar o estado de pecado em estado de Graça e fazer novamente do nosso coração morada do Deus Vivo. Só é necessária a nossa resposta ao Seu amor. O amor é princípio da Vida Divina das nossas almas. O amor é a lei do nosso permanecer em Cristo: da vara na videira.

Amemos portanto — escreve São João — amemos por acções e em verdade (1Jn 3,18). Demonstre o nosso amor a verdade interior dele mediante os factos. Fujamos das aparências do amor, ...não amemos com palavras nem com a língua, mas por acções e em verdade. Nisto conhecemos que somos da verdade e tranquilizaremos os nossos corações (1Jn 3,18-19). E nisto conhecemos que Ele permanece em nós: pelo Espírito que nos deu (1Jn 3,24).

3. Reunimo-nos hoje, queridos irmãos e Irmãs, na igreja de Santo Estanislau em Roma, para iniciar aqui o Jubileu do nono centenário do martírio do Padroeiro da Polónia. Ao mesmo tempo foi ele iniciado em Cracóvia segundo a antiquíssima tradição polaca: a 8 de Maio e no domingo que segue imediatamente este dia.

81 Todos os anos é esta solenidade a festa patronal da Igreja na Polónia, e liga-se intimamente com a solenidade da Claramontana Rainha da Polónia, a 3 de Maio, e com a festa de São Wojcheco (Adalberto) em Gniezno, a 23 de Abril.

No ano corrente que, em relação com o nono centenário da morte de Santo Estanislau, foi proclamado ano jubilar, esta festa anual de Cracóvia constitui o início das celebrações religiosas, cuja coroação se realizará nos domingos do Pentecostes e da Santíssima Trindade.

A habitual reunião dos Polacos na igreja romana de Santo Estanislau recorda a importante iniciativa do Servo de Deus, Cardeal Estanislau Hozjusz, Bispo de Wármia e um dos Legados do Papa no Concílio Tridentino, que mesmo ao lado desta igreja fundou o hospício de Santo Estanislau. O Cardeal, nascido em Cracóvia e por isso particularmente sensível ao culto do Santo Bispo e Mártir, quis designar com o nome do Santo este local de Roma, como a recordar, aos seus compatriotas da Polónia, que eles estão há muitos séculos em união com a Sé de Pedro e que nessa união devem continuar a viver. Aqui, neste hospício, terminou a sua vida em 1575 aquele grande homem da Igreja, amigo íntimo de São Carlos Borromeo, e foi sepultado na igreja de Santa Maria in Trastevere, na que é actualmente a igreja titular do Cardeal Primaz da Polónia. O aniversário desse ano, quadringentésimo da morte do Cardeal Hozjusz, foi, por assim dizer, preparação imediata para o jubileu de Santo Estanislau este ano.

4. Queridos Compatriotas. A eloquência dos factos é tal, que nos permite compreender de modo mais adequado e mais profundo o Evangelho da videira e das varas do domingo presente. Permanecemos em união com Cristo desde o Baptismo da Polónia e esta união espiritual encontra expressão visível na união com a Igreja. No ano do aniversário de Santo Estanislau devemos especial gratidão a Deus que aceitou o sacrifício do martírio e fortificou com este martírio a nossa união com Cristo, vivo na Igreja. E assim como durante o Milénio cantámos o "Te Deum" de acção de graças pelo dom da fé e do baptismo, convém-nos cantar este ano o "Te Deum" para agradecer aquilo que com o Baptismo se iniciou.

E, ao mesmo tempo, meditando na alegoria da videira e das varas, olhemos para a figura daquele "Dono" cultivador da vinha, que trata com solicitude cada sarmento e em caso de necessidade o poda para que haja mais fruto. Compreendendo mais profundamente o significado desta alegoria, peçamos com ardor e humildemente, cada um por si mesmo e todos por todos, para que as varas não sequem nem se apartem de Cristo, que é a videira. Peçamos que as forças da irreligiosidade, as forças da morte, não sejam mais poderosas que as forças da vida, que as luzes da fé. Acendamos sobre a Polónia e sobre os Polacos no mundo inteiro as luzes do milénio. Esforcemo-nos todos para que não se apaguem. Mas brilhem, assim como brilha há nove séculos a cruz de Estanislau de Szczepanow sobre o coração e a consciência dos Polacos, indicando-lhes Cristo que não deixa nunca de ser o caminho, a verdade e a vida (
Jn 14,6) dos homens e das nações.

E agora desejaria acrescentar umas palavras, para os Fiéis de língua italiana, aqui reunidos.

Estamos congregados nesta igreja romana de Santo Estanislau para iniciar o jubileu do 9° Centenário do martírio do Padroeiro da Polónia, como acontece contemporaneamente em Cracóvia. Ao mesmo tempo que vos agradeço, convido-vos a participardes, com o vosso pensamento e sobretudo com a vossa oração, nesta grande solenidade dos Polacos. A igreja de Santo Estanislau, em que nos encontramos, representa, já por si só, um vínculo concreto entre a cidade de Roma e a minha terra de origem, porque foi fundada pelo Cardeal polaco Estanislau Hozjusz, natural de Cracóvia e Bispo de Wármia, Legado Pontifício ao Concílio Tridentino, que morreu em 1575, precisamente no hospício anexo a este edifício sagrado.

Caríssimos, hoje lemos na Missa o Evangelho da videira e dos sarmentos. A palavra de Jesus é para todos estímulo a que permaneçamos unidos ao Senhor, pois, separados d'Ele estamos destinados a secar e a morrer. A Polónia, desde os tempos do seu Baptismo, permanece fielmente unida a Cristo e dá expressão a este vínculo espiritual de fé e amor, mediante a inserção visível na Igreja. Pois bem: no aniversário do martírio de Santo Estanislau devemos agradecer especialmente ao Senhor, que aceitou a oferta sacrifical daquela vida, mediante o qual se reforçou a nossa ligação a Cristo vivo na Igreja.

Portanto, queremos orar juntos com humildade e ardor, para que nunca nos separemos do Senhor e nunca as forças da fé e da vida hajam de sucumbir às da incredulidade e da morte. Assim seja.



16ª ASSEMBLÉIA GERAL DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL ITALIANA




15 de Maio de 1979




Venerados e caríssimos Irmãos no Episcopado Italiano

82 1. Não se perturbe o vosso coração (Jn 14,1).

Cristo pronuncia estas palavras, quando está para deixar este mundo, pois diz: Vou ... e virei outra vez (Cfr. Jn 14,2-3). Pronuncia-as tendo consciência de que vai chegar o príncipe deste mundo (Jn 14,30), quando Ele próprio tiver de enfrentar a prova da Cruz. Bem mais que os Seus discípulos, está Ele consciente do que Lhe acontecerá, de como irá decorrer a história da Igreja e do mundo. Apesar de tudo, pronuncia estas palavras que em si contêm o apelo à coragem: «Não se perturbe o vosso coração». E quase em contraste com tudo de que era profundo conhecedor, antes do apelo dá uma saudação de paz, uma segurança de paz: Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz (Jn 14,27).

Como se vê, nesta magnífica quadra pascal, encontramo-nos quase sempre no Cenáculo: onde a Igreja, no dia de Quinta-feira Santa, recebeu a Eucaristia; e onde, no dia do Pentecostes, iria receber o Espírito de verdade. Estamos nos princípios da Igreja.

2. Ao mesmo tempo, entramos já na Sua história. Como num caleidoscópio, passam diante de nós os acontecimentos que testemunham de que modo as palavras, pronunciadas no Cenáculo por Jesus Cristo, se aplicam na vida da primeira geração dos cristãos, que é a geração apostólica. Na liturgia do dia de hoje encontramo-nos, de facto, na trajectória da primeira viagem missionária de São Paulo, que, perseguido pelos Judeus e ameaçado de morte, anuncia o Evangelho. Em Listra, depois de o apedrejarem, arrastaram-no para fora da cidade e só o deixaram quando o tiveram por morto. Mas Paulo ergue-se e volta à cidade, para se dirigir em seguida a Icónio e a Antioquia. Em toda a parte organiza a Igreja, constitui para eles alguns anciãos em cada comunidade (Ac 14,23). Considera as provas que tem de enfrentar como coisa normal, porque não doutro modo mas só pelas muitas tribulações, temos de entrar no reino de Deus (Cfr. Ac 14,22). Nestas palavras ouvi-mos um como eco das palavras mesmas que o Senhor dirigiu aos discípulos no caminho de Emaús: Não tinha o Messias de sofrer estas coisas para entrar na Sua glória? (Lc 24,26).

Assim, com todas estas experiências foi crescendo a Igreja primitiva: cresceu mediante a fé que brota do anúncio do Evangelho dado pelos Apóstolos, apoiado este pela oração e pelo jejum; cresceu pelo poder da graça mesma de Deus. E aqueles que a constróem dão disto testemunho.

3. O dever de todos nós que hoje aqui, na Capela Sistina, celebramos juntos a Eucaristia, é servir, para que a Igreja cresça na nossa época, cresça nestes tempos difíceis; para que ela cresça, embora entre contrariedades e ameaças; para que saiba recolher o fruto das novas experiências desta Terra Italiana, deste Povo que há 2 000 anos está tão profundamente ligado à história do Evangelho e à sé de São Pedro, deste Povo cuja história se encontra toda impregnada, de modo excepcional, pela influência espiritual do Cristianismo. Não vale a pena, com efeito, explicar qual a posição de Roma e portanto da Itália, no contexto de toda a Igreja Católica. Trata-se dum privilégio, já não devido a atribuições de origem humana nem, menos ainda, a usurpações de poder, mas correspondente a um secreto desígnio do Senhor, porque foi Ele que impeliu para as praias da Itália e para o caminho de Roma os Seus apóstolos Pedro e Paulo, para cá trazerem o anúncio evangélico e confirmá-lo com o sacrifício das próprias vidas.

Por isso, no momento importante do nosso serviço comum, encontro-me hoje convosco, em forma oficial, veneráveis e queridos Irmãos de cada uma das Igrejas da Itália, depois dos encontros, numerosos e dispersos, que tive com muitos de vós nos meses passados. A vós devo, primeiro que tudo, uma saudação, que se inspira juntamente nos sentimentos de deferência e amizade para cada um de vós, e nas razões, sem dúvida bem mais altas da fé e da caridade. E tende a bondade — peço-vo-lo, caríssimos Irmãos — de levar esta minha saudação aos fiéis de cada uma das Igrejas a vós confiadas.

Sois os Bispos da Igreja de Deus que está na Itália; ou melhor — pelas bem conhecidas razões geográficas, históricas e teológicas que, providencialmente entrelaçadas, colocam Roma no centro da Itália e ao mesmo tempo do mundo católico — deve dizer-se: Somos os Bispos desta Igreja; todos juntos o somos, vós e eu. E isto quanto a mim, chamado a Roma «nullis meis meritis, sed sola dignatione misericordiae Domini», exige-me especial consciência de ser Vigário de Cristo e Pastor da Igreja universal precisamente porque sucessor de Pedro nesta abençoada Sede Romana; e digo ainda, exige-me a consequente responsabilidade de dever pensar e actuar — em linha, certamente, com a «sollicitudo omnium ecclesiarum», de que falava São Paulo (2Co 11,28) — com atenção e cuidado singularíssimo pelo incremento da vida espiritual e religiosa desta Cidade sagrada.

E daqui, por natural relação ou expansão, esta especial solicitude estende-se às outras Igrejas, que são contíguas à Igreja de Roma: às vetustas sés suburbicárias, depois às Igrejas da Região Lacial, depois às compreendidas no âmbito do antigo «Patrimonium S. Petri», e sucessivamente a quantas há em toda a Itália. Precisamente o dever pastoral é que me impõe promover a causa da evangelização e estimular a vida eclesial na Península inteira, contribuindo com dedicação plena e esforço constante e humilde.

4. Bispo convosco e como vós da Igreja na Itália, não posso ignorar os especiais problemas que se apresentam nos nossos dias, no quadro concreto das circunstâncias sociais, culturais e civis em que vive o País inteiro. Dir-vos-ei, a este propósito, que em Março último pude ler a meditada «introdução», que o vosso Presidente, o Senhor Cardeal António Poma, pronunciou diante do Conselho Permanente da Conferência Episcopal Italiana, precisamente em vista da presente 16 Assembleia Geral. Deve ter-se presente — dizia ele — que «o ministério de evangelização se exerce e chega à maturidade num determinado tempo e num terreno particular, que devemos conhecer e considerar». Examinei, em seguida, o esboço do documento pastoral sobre «Seminários e Vocações Sacerdotais», que discutireis nestes dias. Bem sei que este documento constitui o programa para o ano 1979-80 e, ao notar que ele tem a mesma data da minha recente Carta aos Sacerdotes, sublinho com prazer a sua concordância com aquilo que é para mim motivo do cuidado mais assíduo.

Sem querer agora antecipar conclusões que hão-de brotar, pelo contrário, da reflexão da vossa Assembleia, interessa-me manifestar, quase à maneira de adesão pessoal, a mais sentida complacência por este trabalho. É sentimento que me é sugerido por uma série de correlações nele incluídas: por exemplo, a coerência do tema das vocações sagradas e dos Seminários com os argumentos tratados nos anos precedentes, que todos tinham como eixo fundamental a evangelização, intitulando-se o último precisamente «evangelização e ministérios»; além disso, a actualidade e a correspondência do mesmo tema com as exigências do tempo presente, em que a flexão, verificada há cerca de 15 anos, está a tornar mais agudo o problema do serviço especificamente entregue ao sacerdócio ministerial dentro do Povo de Deus.

83 Agora, no meio da nossa assembleia eucarística, devemos encara a questão vocacional na sua exacta dimensão eclesiológica, e devemos sobretudo torná-la objecto de mais insistente invocação ao «dono da messe». Qualquer vocação sacerdotal, assim como nasce da voz do Senhor, assim é destinada ao serviço da Igreja, e é portanto no interior da Igreja que é necessário inserir, estudar e resolver o problema do ambicionado despertar das vocações sagradas.Tendo embora presentes as investigações sócio-estatísticas, é necessário convencermo-nos que este problema está ligado, da maneira mais íntima, com toda a pastoral ordinária. A vocação diz relação, primeiramente, com a vida da Paróquia, cujo influxo tem para ela importância fundamental sob os mais diversos aspectos: os da animação litúrgica, do espírito comunitário, da validez do testemunho cristão, do exemplo pessoal do Pároco e dos Sacerdotes seus colaboradores. Mas relação particularíssima existe com a vida da família: onde há eficaz e iluminada pastoral familiar, assim como se torna normal acolher a vida como dom de Deus, assim é mais fácil que ressoe a voz de Deus e que esta encontre generoso acolhimento. Outra relação especial existe com a pastoral da juventude, porque é indubitável que, se os jovens são seguidos, assistidos e educados na fé por Sacerdotes que vivem dignamente o seu sacerdócio, fácil será, no meio deles, identificar e descobrir aqueles que são chamados e ajudá-los a caminhar pelo caminho indicado pelo Senhor. Compreendeis, Irmãos caríssimos, quanto é necessária, neste particular, grande mobilização das forças apostólicas. partindo dos ambientes fundamentais da vida cristã: as Paróquias, as famílias, as associações e os grupos juvenis.

Quanto ao aspecto cristológico. para bem discernir a idoneidade e as qualidades dos chamados, não se pode igualmente renunciar a olhar para Cristo eterno sacerdote e a tomar d'Ele, do Seu ministério, do Seu sacerdócio, as medidas exactas para traçar as linhas genuínas do serviço presbiteral. Sobretudo indispensável é a oração: devemo-la praticar sem nunca nos cansarmos, devemo-la praticar também hoje. também agora, de tal maneira que, graças a esta nossa concelebração, aumente em nós não só a consciência do problema vocacional mas também a certeza do auxílio divino que não pode faltar. Mais uma vez queremos e devemos rogar com fervor ao Senhor da messe que envie trabalhadores para a Sua messe (
Mt 9,38 Lc 10,2). Será oração erguida em nome de Cristo; será, por isso, ouvida e ajudar-vos-á muito no trabalho de aprofundamento e de reflexão, que estais para dedicar a assunto tão grave e delicado.

5. Sei também que a outros assuntos particulares, Veneráveis Irmãos, aplicareis nestes dias a vossa atenção. Também por causa deles devo expressar-vos o meu aplauso e apreço. Penso no belo texto do «Catecismo dos jovens», pelo qual repito publicamente o que já mandei escrever ao Excelentissimo Presidente, que dele me fez presente antecipado: é texto que se recomenda por sabedoria pastoral e por experiência pedagógica. E sei doutro volume que, com igual empenho, se está preparando para os adultos. Mas, em relação ao tema predominante, quero insistir em que é muito fundamental o valor da catequese para o despertar das vocações: se a pastoral ordinária encontra na catequese uma das suas formas mais altas e um dos meios mais adequados, segue-se daí que a catequese, além de corresponder ao fim geral da evangelização, bem poderá ser dirigida também ao fim específico das vocações. Devo portanto repetir o que disse já da pastoral: é necessário imprimir grande desenvolvimento à catequese da juventude, como também à catequese da família. Este último assunto liga-se directamente ao tema, já escolhido para o próximo Sínodo dos Bispos. Sei como a Conferência Episcopal Italiana está já agora olhando para essa assembleia, que se reunirá no próximo ano, e como está já pensando nas necessárias investigações preliminares, para ser capaz de oferecer aos trabalhos sinodais o sempre precioso contributo da Igreja na Itália. Também nisto tenho gosto sincero, convencido que o argumento da família, e dos seus encargos no mundo contemporâneo, reveste na verdade interesse primário.

Há ainda a circunstância do 20° Congresso Eucarístico Nacional; ao dar notícia dele, direi que se pensou celebrá-lo em 1983, para o distanciar convenientemente do homónimo Congresso Internacional, que — bem o sabeis — se realizará em Lourdes em 1981. Para estas e outras iniciativas, ainda que menores, vão desde agora o meu interesse, a minha aprovação e solidariedade.

6. Com estes pensamentos e estes problemas, entramos, venerados e queridos Irmãos, na assembleia anual dos Pastores da Igreja, que está na Itália, desde os Alpes até à Sicília. E prestamos atenção ao que nos diz o Senhor, assim como o disse aos Apóstolos reunidos no Cenáculo. Recordemos que as Suas eram palavras de paz: Não se perturbe o vosso coração ... (Jn 14,1); Ouvistes que vos disse: agora vou, mas virei outra vez (Cfr. Jn 14,2-3).

A mesma afirmação será por ele repetida antes da Ascensão: Eu estarei sempre convosco, até ao fim do mundo (Mt 28,20). Aceitemos com grande fé estas palavras. Cristo está realmente connosco e chama-nos à paz e à fortaleza. O coração pode ser perturbado de vários modos: pode ser perturbado pelo temor, que paralisa as forças interiores; mas pode sê-lo também por aquele que provém da solicitude por um grande bem, por uma grande causa; e ser perturbado também pelo temor criativo, diria, que se manifesta como sentimento profundo de responsabilidade.

O Concílio Vaticano II, que propôs uma imagem tão verdadeira do mundo contemporâneo, chamou simultaneamente a Igreja inteira a um sentimento profundo de responsabilidade pelo Evangelho, pela história da salvação humana. Sobre cada um de nós pesa esta responsabilidade pastoral quanto aos irmãos, quanto aos compatriotas. Sobre o sucessor de São Pedro, a quem disse Cristo confirma os teus irmãos (Lc 22,32), pesa esta responsabilidade de modo particular, e eu, no vínculo da união colegial convosco, Veneráveis e queridos Irmãos, assumo-a quanto à bem amada «Igreja que está na Itália».

Recordemo-nos que a Igreja é a Comunidade do Povo de Deus. A nossa responsabilidade pastoral pela Igreja exerce-se, na medida essencial, tornando nós conscientes da sua própria responsabilidade, todos os que Deus nos confiou, e educando-os para esta responsabilidade quanto à Igreja e assumindo tal responsabilidade em comunhão com eles. Esta missão está diante do Episcopado italiano, como está diante, aliás, de todos os Episcopados do mundo. É necessário despertarmos a consciência da responsabilidade de todo o Povo de Deus e partilhá-la com todos; é necessário tornarmos cada um consciente dos próprios direitos e deveres, em todos os campos da vida cristã individual, familiar, social e civil; é necessário escavarmos, por assim dizer, todas as fontes da energia, que se encontra nas almas dos cristãos contemporâneos e, indirectamente, em todos os homens de boa vontade.

Confirma (Lc 22,32) significa «reforça», «torna mais forte»; mas significa também isto: ajuda a encontrar as fontes desta energia, que se manifestou nos 2000 anos do Cristianismo nesta Terra: refiro-me à energia de que tem igualmente necessidade todo o mundo contemporâneo. Este «confirma» apoia-se para todos nós, veneráveis e queridos Irmãos, no confide e no confidite evangélicos (Cfr. Mt 9,2 Jn 16,33). É necessário termos confiança em Cristo, é necessário fiarmo-nos em Cristo, que venceu por meio da Cruz. Devemos ter confiança. E peçamos à Sua Mãe Santíssima que nos ensine a ter sempre esta confiança, sem nenhum limite.

Ámen.



VISITA DO SANTO PADRE A MONTECASSINO



NO CEMITÉRIO POLACO DE MONTECASSINO


Sexta-feira, 18 de Maio de 1979




84 1. Vinde, subamos à montanha... (Is 2,3 cfr. Mi 4,2).

Ouvimos hoje este convite do Profeta e relemo-lo como imposição interior: imposição da consciência e imposição do coração. O dia 18 de Maio obriga-nos moralmente a vir a esta montanha; a determo-nos, com a oração nos lábios, diante dos túmulos dos soldados aqui caídos; a olharmos para as paredes do mosteiro que então — há 35 anos — ficou reduzido a escombros; a recordarmos aqueles acontecimentos; e a procurarmos, uma vez mais, tirar deles ensinamento para o futuro.

Caminhamos aqui sobre os vestígios duma grande batalha, uma das que deram o golpe decisivo à última guerra na Europa, à segunda grande guerra mundial. Essa guerra, entre os anos de 1939 e 1945, envolveu quase todas as Nações e Estados do nosso continente, abrangeu na sua órbita as potências extra-europeias, manifestou os auges do heroísmo nos militares, mas desvelou também o perigoso rosto da crueldade humana, deixou atrás de si os vestígios dos campos de extermínio, tirou a vida a milhões de seres humanos e destruiu os frutos do trabalho de muitas gerações. Difícil é enumerar todas as calamidades que desceram com ela sobre o homem, manifestando-lhe — no seu termo — também a possibilidade, através dos meios da mais moderna técnica dos armamentos, duma possível aniquilação futura de massa, diante da qual empalidecem as destruições do passado.

2. Quem fez esta guerra? Quem realizou a obra de destruição? Os homens e as Nações. Era uma guerra das Nações europeias, embora ligadas entre si pelas tradições duma grande cultura: ciência e arte profundamente radicadas no passado da Europa cristã. Os homens e as nações: era a guerra duns e doutras: e, como foram duns e doutras a vitória ou a derrota, assim também se repartem os efeitos desse conflito.

Porque desceram "à liça" homens e nações? Com certeza não foram levados a esta carnificina fratricida pelas verdades do Evangelho e pelas tradições da imponente cultura cristã. Foram arrastados à guerra pela força dum sistema que, em antítese do Evangelho e das tradições cristãs, fora imposto a alguns povos com desapiedada violência como programa, obrigando ao mesmo tempo os do outro lado a oporem resistência com as armas em punho. Em lutas gigantescas sofreu esse sistema derrota definitiva. O dia 18 de Maio foi uma das etapas decisivas de tal derrota.

Encontrando-nos em Montecassino no 35° aniversário daquele dia, desejamos, por meio da evocação eloquente dessa data, compreender, diante de Deus e da história, o significado de toda a terrível experiência da segunda guerra mundial. Não é fácil; mais, em certo modo, torna-se impossível exprimir em breves palavras o que foi objecto de tantas investigações, de estudos e monografias, e certamente sê-lo-á ainda por muito tempo. Toda a nossa geração sobreviveu a essa guerra, que pesou sobre a sua maturação e desenvolvimento, mas ela continua ainda a viver na órbita das consequências de tal conflito. Não é portanto fácil falar dum problema que tem, na vida de nós todos, dimensão tão profunda. Dum problema ainda vivo e ligado em certo sentido ao sangue e à dor de tantos corações e tantas Nações.

3. Todavia, se nos esforçamos por compreender esse problema diante de Deus e da história, então tomam importância, mais que um ou outro ajuste de contas com o passado, os ensinamentos para o futuro. Impõem-se estes com grande vigor, uma vez que a história não é só o grande polígono dos acontecimentos; mas é, também e sobretudo, livro aberto encerrando esses mesmos ensinamentos: é fonte da sabedoria da vida, para os homens e para as nações.

Quando tornamos a ler neste livro, com tanta dor aberto diante de nós, leva-nos ele à oração ardente, ao fervoroso anseio de reconciliação e paz. Viemos aqui sobretudo para pedir estas coisas, e por elas bradar diante de Deus e dos homens. Como porém a paz na terra depende da boa vontade dos homens, é difícil deixar de reflectir, ao menos brevemente, em que sentido devem orientar-se todos os esforços das pessoas de boa vontade — é necessário que o sejam todos se queremos assegurar este grande bem da paz e da reconciliação, para nós e para as gerações futuras.

O Evangelho de hoje contrapõe dois programas. Um baseado no princípio do ódio, da vingança e da luta. Outro baseado na lei do amor a Cristo diz: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem (Mt 5,44). É exigência difícil. Os que sobreviveram à guerra, como nós, e se encontraram com a ocupação, a crueldade e a violação mais brutal de todos os direitos humanos, sabem como é grave e difícil esta exigência. Mas, depois de tão terríveis experiências como a última guerra, ficamos a saber ainda melhor que, sobre o princípio que diz olho por olho e dente por dente (Mt 5,38) — sobre o principio do ódio, da vingança, da lutanão se pode construir a paz e a reconciliação entre os homens e entre as nações. Só se pode construir sobre o princípio da justiça e do amor recíproco. E por isso foi esta a conclusão que das experiências da segunda guerra mundial tirou a Organização das Nações Unidas, proclamando a "Carta dos direitos do homem". Unicamente sobre a base do pleno respeito dos direitos dos homens e dos direitos das nações — do pleno respeito pode construir-se no futuro a paz e a reconciliação da Europa e do mundo.

4. Peçamos, portanto, neste local de encarniçada batalha pela liberdade e pela justiça, que as palavras da liturgia de hoje se encarnem na vida.

Peçamos a Deus, que é Pai dos homens e dos Povos, como pede hoje o Profeta: "que nos ensine os Seus caminhos e andemos pelas Suas veredas...".

85 Ele julgará as nações e, dará as Suas leis a muitos povos. Estes, das suas espadas forjarão relhas de arados e, das suas lanças, foices. Uma nação não levantará a espada contra outra nação, e já não se adestrarão para a guerra.. ( Is Is 2,4).

Oremos assim, tendo presente que não se trata já de espadas ou de lanças mas das armas nucleares; dos meios de destruição, que são capazes de reduzir a nada a terra habitada pelos homens.

— Recordemo-nos ainda que em Montecassino, o Papa Paulo VI, em 1964, durante o Concílio Vaticano II proclamou São Bento Padroeiro da Europa, fazendo referência às milenárias tradições beneditinas de trabalho, oração e cultura, fruto da paz e da reconciliação.

— Recordemos, por fim, que o lugar onde nos encontramos foi tornado fértil pelo sangue de tantos heróis: diante da sua morte pela grande causa da liberdade e da paz, viemos uma vez mais, inclinar a cabeça.

Queridos compatriotas!

5. É um particular momento, este em que posso participar convosco no presente e grande aniversário. Há trinta e cinco anos terminava a batalha de Montecassino, uma das batalhas que decidiam o destino da última guerra. Para nós, que naquele período suportávamos as horrível opressões da ocupação, para a Polónia que se encontrava nas véspera da insurreição de Varsóvia, aquela batalha foi nova reconfirmação da inflexível vontade de viver da aspiração à independência da Pátria, virtude que não nos abandonou nem sequer por um momento. Em Montecassino combatia o soldado polaco, aqui ele caiu, aqui derramou o seu sangue pensando na pátria, naquela Pátria que para nós é Mãe amada precisamente porque o amor por ela exige sacrifícios e renúncias.

Não me compete a mim deter;me sobre o significado da batalha em si, sobre os resultados do soldado polaco nestes declives pedregosos. Os habitantes deste lindo País, a Itália recordam que o soldado polaco trazia à pátria deles a libertação. Recordam-no com estima e amor. Nós sabemos que este soldado, no mesmo momento ia por um longo e tortuoso caminho "da terra italiana à Polónia", como outrora as legiões de Dabrowski.

Guiava-o a consciência de uma causa justa, dado que uma causa justa foi e nunca deixará de ser o direito de uma nação à existência e à existência independente, à vida social no espírito das próprias convicções e tradições nacionais e religiosas, à soberania do próprio País.

Este direito do povo, violado durante mais de cem anos com a divisão foi novamente ameaçado em Setembro de 1939. E assim, durante o período a partir de 1 de Setembro até à batalha de Montecassino, aquele soldado ia por muitos caminhos olhando para a Divina Providência para a justiça dos tempos com os olhos depostos na imagem de Mãe de Jasna Gora. Ia e combatia de novo, como as gerações passadas para "a nossa e vossa liberdade".

6. Hoje, encontrando-nos aqui em Montecassino, desejo ser servo e voz desta ordem da vida do homem social e internacional, que se constrói sobre a justiça e o amor seguindo os conselhos do Evangelho de Cristo.

E precisamente por isto revivo convosco, mas sobretudo convosco que combatestes aqui, o valor moral desta batalha. Revivo-o convosco, Queridos Compatriotas, e ao mesmo tempo com todos aqueles que repousam aqui, Vossos companheiros de armas, com todos, a começar pelo Comandante, o Chefe e o Bispo Castrense, com todos até ao mais jovem soldado raso.

86 Muitas vezes caminhei neste cemitério. Li as inscrições sobre as lápides, com as indicações, para cada um, do dia e do lugar de nascimento. Estas inscrições reproduziam nos olhos da minha alma os traços da minha Pátria, daquela Pátria onde nasci.

Estas inscrições de tantos lugares da terra polaca, de todas as partes, do Oriente ao Ocidente, do Norte ao Sul, não cessam de gritar aqui no coração da Europa, aos pés da Abadia que recorda os tempos de São Bento, não cessam de gritar tal como gritavam os corações dos soldados que aqui combatiam.

Deus, que guardastes a Polónia por tantos séculos...
Inclinamos as nossas frontes perante os heróis.
Recomendamos a sua alma a Deus.
Recomendamos a Deus a Pátria, a Polónia, a Europa e o Mundo.




Homilias JOÃO PAULO II 80