Homilias JOÃO PAULO II 101


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II À POLÓNIA

HOMILIA E ACTO DE CONSAGRAÇÃO A NOSSA SENHORA

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Santuário Mariano de Jasna Gora, 4 de Junho de 1979




1. «Virgem Santa que defendes a clara Czestochowa...». Vêm-me ao espírito estas palavras do poeta Michiewicz, que, no princípio da sua obra «Pan Tadeusz», numa invocação à Virgem expressou o que palpitava e ainda palpita no coração de todos os polacos, servindo-se da linguagem da fé e da tradição nacional. Tradição que remonta a cerca de 600 anos, isto é, aos tempos da beata Rainha Edviges, aos alvores da dinastia Jagelónica. A imagem de Jasna Gora exprime uma tradição, uma linguagem de fé, mais antiga ainda que a nossa história, e reflecte ao mesmo tempo todo o conteúdo da «Bogurodzica», que ontem meditámos em Gniezno, recordando a missão de São Wojciech (Adalberto) e remontando aos primeiros momentos do anúncio do Evangelho em terra polaca.

Aquela que uma vez falara com aquele canto, falou depois com esta sua Imagem, manifestando por meio dela a sua maternal presença na vida da Igreja e da Pátria. A Virgem de Jasna Gora revelou sempre solicitude materna por cada alma; por cada família; por cada homem que vive nesta terra, trabalha, luta e cai no campo de batalha, é condenado ao extermínio, combate contra si mesmo, vence ou perde; por cada homem que deve deixar o solo pátrio para emigrar, por cada homem...

Os Polacos habituaram-se a ligar a este local e a este Santuário as numerosas vicissitudes da sua vida: os vários momentos alegres ou tristes, especialmente os momentos solenes decisivos, os momentos de responsabilidade como a escolha da própria orientação na vida, a escolha da vocação, o nascimento dos seus filhos, os exames finais... e tantos outros momentos. Habituaram-se a vir com os seus problemas a Jasna Gora para falar deles à Mãe do céu. Aquela que tem aqui não só a sua Imagem, a sua Efígie – uma das mais conhecidas e veneradas no mundo – mas que está aqui especialmente presente.Está presente no mistério de Cristo e da Igreja, como ensina o Concílio. Está presente para todos e para cada um daqueles que peregrinam a caminho d'Ela, mesmo só com a alma e o coração, quando não podem fazê-lo fisicamente. Os Polacos estão habituados a isto. Ao mesmo estão habituados povos afins, nações vizinhas. Cada vez mais, chegam aqui homens de toda a Europa e de mais além.

O Cardeal Primaz , durante a gran de novena , exprimia-se sobre o significado do Santuário de Czestochowa para a vida da Igreja com estas palavras: «Que sucedeu em Jasna Gora? Até a este momento não estamos habilitados a dar uma resposta adequada . Sucedeu alguma coisa mais do que se podia imaginar... Jasna Gora revelou-se como laço interno da vida polaca força que toca profundamente o coração e mantém a Nação inteira na humilde mas forte atitude de fidelidade a Deus, à Igreja e à sua Jerarquia. Para nós todos foi grande surpresa ver o poder da Rainha da Polónia manifestar-se tão magnificamente».

Levei, de facto, comigo da Polónia para a Cátedra de São Pedro em Roma, este «santo hábito» do coração, elaborado pela fé de tantas gerações, comprovado pela fé de tantas gerações, comprovado pela experiência cristã de tantos séculos e profundamente radicado na minha alma.

2. Várias vezes aqui veio o Papa Pio XI, naturalmente não como Papa, mas como Aquiles Ratti, primeiro Núncio na Polónia depois da reconquista da independência. Quando, depois da morte de Pio XII, foi eleito para a Cátedra de Pedro o Papa João XXIII, as primeiras palavras, que o novo Pontífice dirigiu ao Primaz da Polónia depois do Conclave, referiram-se a Jasna Gora. Recordou as visitas que fizera aqui, durante os anos da sua Delegação Apostólica na Bulgária, e pediu sobretudo uma oração incessante à Mãe de Deus, pelas intenções da sua nova missão. O seu pedido foi satisfeito todos os dias em Jasna Gora e não só durante o seu pontificado, mas também durante os dos seus Sucessores.

Todos sabemos quanto desejou vir aqui em peregrinação o Papa Paulo VI, tão ligado à Polónia desde o tempo do seu primeiro encargo diplomático na Nunciatura de Varsóvia. O Papa que tanto se esforçou por normalizar a vida da Igreja na Polónia, especialmente quanto à presente ordenação das terras do Ocidente e do Norte. O Papa do nosso Milénio! Precisamente por ocasião do Milénio, queria ele encontrar-se aqui como peregrino, ao lado dos filhos e das filhas da Nação polaca.

Depois de o Senhor chamar a si o Papa Paulo VI, na solenidade da Transfiguração do ano passado, os Cardeais escolheram-lhe sucessor a 26 de Agosto, dia em que na Polónia, e sobretudo em Jasna Gora, é celebrada a solenidade de Nossa Senhora de Czestochowa. A notícia da eleição do novo Pontífice João Paulo I foi comunicada aos fiéis pelo Bispo de Czestochowa, durante a própria celebração da tarde.

Que hei-de dizer de mim, a quem, depois do Pontificado de apenas 33 dias de João Paulo I, tocou, por imperscrutável decreto da Providência, aceitar a sua herança e a sucessão apostólica na Cátedra de São Pedro, a 16 de Outubro de 1978? Que hei-de dizer eu, primeiro Papa não italiano desde há 455 anos? Que hei-de dizer eu, João Paulo II, primeiro Papa Polaco na história da Igreja? Dir-vos-ei: naquele 16 de Outubro, em que o calendário litúrgico da Igreja na Polónia recorda Santa Edviges, regressava com o pensamento a 26 de Agosto, ao precedente Conclave e àquela eleição realizada na solenidade de Nossa Senhora de Jasna Gora. Nem precisava dizer, como antes os meus Predecessores, que iria contar com as vossas orações aos pés da Imagem de Jasna Gora. A chamada dum filho da nação polaca à Cátedra de Pedro contém evidente e estreita relação com este lugar santo, com este Santuário de grande esperança: Totus tuus, murmurara eu na oração, tantas vezes, diante desta Imagem.

3. E eis que hoje estou de novo com todos vós, Caríssimos Irmãos e Irmãs: convosco, amadíssimos compatriotas, contigo Cardeal Primaz da Polónia, com todo o Episcopado a que pertenci por mais de vinte anos como Bispo, Arcebispo Metropolita de Cracóvia e como Cardeal. Tantas vezes viemos aqui, a este santo lugar, com vigilante atenção pastoral, para ouvir bater o coração da Igreja e da Pátria no coração da Mãe. Jasna Gora é, na verdade, não só meta de peregrinação para os Polacos da mãe-pátria e do mundo inteiro, mas é o santuário da Nação. É necessário aplicar o ouvido a este lugar santo para perceber como bate o coração da Nação no coração da Mãe. Este coração, com efeito, pulsa como sabemos, com todas as chamadas da história, com todas as alternativas da vida nacional: quantas vezes, de facto, não vibrou ele com as lamentações dos sofrimentos históricos da Polónia, mas também com os brados de alegria e de vitória! Pode-se escrever a história da Polónia de diversos modos; especialmente a dos últimos séculos pode ser interpretada de pontos de vista diversos. Todavia, se queremos saber como interpreta esta história o coração dos Polacos, é necessário vir aqui, é necessário aplicar o ouvido a este Santuário, é necessário captar o eco da vida da nação inteira no coração da sua Mãe e Rainha. E se este coração bate com tom de inquietação, se ressoam nele a solicitude e o grito para a conversão e o reforço das consciências, é necessário corresponder a este convite. Nasce ele do amor materno, que a seu modo forma os processos históricos na terra polaca.

103 Os últimos decénios confirmaram e tornaram mais intensa tal união entre a Nação Polaca e a sua Rainha. Diante da Virgem de Czestochowa foi pronunciada a consagração da Polónia ao Coração Imaculado de Maria, a 8 de Setembro de 1946. Dez anos mais tarde, foram renovados em Jasna Gora os votos do Rei Jan Kazimierz, no 300.· aniversário de quando ele, a seguir ao período do «dilúvio» (invasão dos Suecos no século XVIII), proclamou a Mãe de Deus Rainha do reino polaco. Naquela data, começou a grande novena de nove anos, em preparação para o Milénio do Baptismo da Polónia. E finalmente, no ano mesmo do Milénio, a 3 de Maio de 1966, aqui, neste local, foi promovido pelo Primaz da Polónia o acto de total servidão à Mãe de Deus, pedindo a liberdade da Igreja na Polónia e no mundo inteiro. Este acto histórico foi pronunciado aqui, diante de Paulo VI ausente de corpo mas presente de espírito, como testemunho daquela fé viva e forte, que esperam e exigem os nossos tempos. O acto fala da «servidão» e esconde em si um paradoxo semelhante às palavras do Evangelho, segundo as quais é necessário perder a própria vida para a encontrar (Cfr. Mt Mt 10,39). O amor constitui, de facto, a consumação da liberdade, mas, ao mesmo tempo, «o pertencer» - isto é, o não ser livre - faz parte da sua essência. Mas este «não ser livre» no amor não é entendido como escravidão, mas sim como afirmação de liberdade e como consumação dela. O acto de consagração na escravidão indica portanto singular dependência e confiança sem limites. Neste sentido, a escravidão (a não - liberdade) exprime a plenitude da liberdade, do mesmo modo que o Evangelho fala da necessidade de perder a vida para a encontrar na sua plenitude.

As palavras desse acto, pronunciadas com a linguagem das experiências históricas da Polónia, dos seus sofrimentos e das suas vitórias, têm ressonância exactamente neste momento da vida da Igreja e do mundo, depois do encerramento do Concílio Vaticano II, que - segundo julgamos com razão - abriu uma nova era. Iniciou uma época de aprofundado conhecimento do homem, das suas «alegrias e esperanças e também das suas tristezas e angústias», como afirmam as primeiras palavras da Constituição pastoral Gaudium et Spes. A Igreja, consciente da sua alta dignidade e da sua magnífica vocação em Cristo, deseja ir ao encontro do homem. A Igreja deseja responder às eternas e sempre actuais interrogações dos corações e da História humana, e por isso realizou durante o Concílio uma obra de aprofundado conhecimento de si mesma, da própria natureza, da própria missão, dos próprios encargos. A 3 de Maio de 1966, o Episcopado polaco juntou a esta obra fundamental do Concílio o seu próprio acto de Jasna Gora: a consagração à Mãe de Deus pedindo a liberdade da Igreja no mundo e na Polónia. Foi um grito que partiu do coração e da vontade: grito de todo o ser cristão, da pessoa e da comunidade, em favor do pleno direito de anunciar a mensagem salvífica; grito que deseja tornar-se universalmente eficaz radicando-se na época presente e na futura. Tudo através de Maria! Esta é a autêntica interpretação da presença da Mãe de Deus no mistério de Cristo e da Igreja, como proclama o capítulo VIII da Constituição Lumen Gentium. Esta interpretação corresponde à tradição dos santos como Bernardo de Claraval, Grignion de Monfort e Maximiliano Kolbe.

4. O Papa Paulo VI aceitou este acto de consagração como fruto da celebração do Milénio polaco de Jasna Gora, como o certifica a sua bula, que se encontra junto da Nossa Senhora Negra de Czestochowa. Hoje o seu indigno Sucessor, vindo a Jasna Gora, deseja renovar esse acto no dia que se segue ao Pentecostes, exactamente quando em toda a Polónia se celebra a festa da Mãe da Igreja. Pela primeira vez festeja o Papa esta solenidade exprimindo juntamente convosco, Veneráveis e Caríssimos Irmãos, o reconhecimento ao seu grande Predecessor que, desde os tempos do Concílio, começou a invocar Maria com o título de Mãe da Igreja.

Este título permite-nos penetrar em todo o mistério de Maria desde o momento da Imaculada Conceição, passando pela Anunciação, a Visitação e o Nascimento de Jesus em Belém, até ao Calvário. Permite-nos a todos nós - como no-lo recorda a leitura de hoje - reencontrarmo-nos no Cenáculo, onde os Apóstolos juntamente com Maria, Mãe de Jesus, perseveram em oração, esperando, a seguir à Ascensão do Senhor, o cumprimento da promessa, isto é a vinda do Espírito Santo, para que possa nascer a Igreja. No nascimento da Igreja participa de modo especial Aquela a que devemos o nascimento de Cristo. A Igreja, nascida uma vez no cenáculo do Pentecostes, continua a nascer em cada cenáculo de oração. Nasce para se tornar nossa Mãe espiritual à semelhança da Mãe do Verbo Eterno. Nasce para revelar as características e a força daquela maternidade - maternidade da Mãe de Deus - graças à qual podemos «ser chamados filhos de Deus e sermo-lo realmente» (1Jn 3,1). De facto, a paternidade santíssima de Deus, na sua economia salvífica, serviu-se da virginal maternidade da sua humilde escrava, para completar nos filhos do homem a obra do autor divino.

Queridos compatriotas, Veneráveis e amadíssimos Irmãos no Episcopado, Pastores da Igreja na Polónia, Ilustríssimos Hóspedes, e vós, fiéis todos, permiti que na qualidade de Sucessor de São Pedro, hoje aqui presente convosco, confie toda a Igreja à Mãe de Cristo, com a mesma fé viva, com a mesma heróica esperança, com que o fizemos no dia memorável de 3 de Maio do Milénio polaco.

Permiti que eu traga para aqui – como há tempos fiz na Basílica romana de Santa Maria Maior, e depois no México no Santuário de Guadalupe - os mistérios dos corações, as dores e os sofrimentos, e por último as esperanças e as expectativas destes últimos fins do século XX da era cristã.

Permiti que tudo isto confie a Maria.
Permiti que Lho confie de modo novo e solene.
Sou um homem cheio duma grande confiança.
Aqui aprendi a sê-lo.

Amen.
* * *


ACTO DE CONSAGRAÇÃO A NOSSA SENHORA




104 «Grande Mãe do Deus feito Homem, Virgem Santíssima Nossa Senhora de Jasna Gora...».

Com estas palavras os Bispos polacos se dirigiram a Ti tantas vezes, em Jasna Gora, levando no coração as experiências e as penas, as alegrias e as dores, e sobretudo a fé, a esperança e a caridade dos seus compatriotas.

Seja-me lícito iniciar hoje com estas mesmas palavras o novo acto de consagração a Nossa Senhora de Jasna Gora, que nasce da mesma fé, esperança e caridade da tradição do nosso povo, consagração em que participei tantos anos, e ao mesmo tempo nasce dos novos deveres que devido a Ti ó Maria, me estão confiados a mim, homem indigno e ao mesmo tempo filho Teu adoptivo.

Tanto me diziam sempre as palavras que o Teu Filho Unigénito, Jesus Cristo, Redentor do homem, dirigiu do alto da Cruz indicando João, Apóstolo e Evangelista: a Mulher, eis aí o teu filho» (
Jn 19,26). Nestas palavras encontrava sempre indicado o lugar para cada homem e para mim mesmo.

Hoje, pelos desígnios imperscrutáveis da Divina Providência, presente aqui em Jasna Gora, na minha Pátria terrena, a Polónia, deseja confirmar primeiramente os actos de consagração e de confiança, que nos vários momentos - numerosas vezes e em várias formas - foram pronunciados pelo Cardeal Primaz e pelo Episcopado Polaco . De modo particularíssimo desejo confirmar e renovar o acto de consagração pronunciado em Jasna Gora a 3 de Maio de 1966, por ocasião do Milénio da Polónia; com este acto os Bispos polacos, dando-se a Ti, Mãe de Deus, «na Tua maternal escravidão de amor» queriam servir a grande causa da liberdade da Igreja não só na sua própria Pátria, mas também no mundo inteiro. Alguns anos depois, a 7 de Junho de 1976, eles consagraram a Ti a humanidade inteira, todas as nações e todos os povos do mundo contemporaneo, os seus irmãos mais próximos pela fé, pela língua e pela sorte comum na história, estendendo esta consagração até aos mais longínquos limites do amor, como o exige o Teu Coração: Coração de Mãe que abraça a cada um e a todos, em qualquer lugar e sempre.

Desejo hoje, vindo a Jasna Gora como primeiro Papa-peregrino, renovar este património de confiança, de consagração e de esperança, que tão entusiasticamente foi aqui acumulado pelos meus Irmãos no Episcopado e pelos meus compatriotas. E portanto confio-Te, ó Mãe da Igreja todos os problemas desta Igreja, toda a sua missão, todo o seu serviço, quando se está para concluir o segundo milénio da história do cristianismo sobre a terra.

Esposa do Espírito Santo e Sede da Sabedoria! A Tua intercessão devemos a magnífica visão e programa de renovação da Igreja na nossa época expresso no ensinamento do Concílio Vaticano II. Faz que desta visão e deste programa façamos objecto do nosso proceder, do nosso serviço, do nosso ensinamento, da nossa pastoral e do nosso apostolado, na mesma verdade, simplicidade e fortaleza com que no-los fez conhecer o Espírito Santo no nosso humilde serviço. Faz que a Igreja inteira se regenere, bebendo nesta nova fonte de conhecimento da sua natureza e missão, e não noutras «cisternas» alheias ou envenenadas (Cf. Jer. Jr 8,14).

Ajuda-nos, no grande esforço que estamos a realizar para nos encontrarmos de modo cada vez mais completo com os nossos irmãos na fé, com quem nos unem tantas coisas, embora haja ainda algumas que nos separam. Faz que, por todos os meios de conhecimento, de respeito recíproco, de amor e de colaboração comum nos vários campos, possamos redescobrir pouco a pouco o desígnio divino daquela unidade em que nós devemos entrar e introduzir a todos, para que o único redil de Cristo reconheça e viva a sua unidade na terra. o Mãe da unidade, ensina-nos sempre os caminhos que a ela conduzem.

Permite-nos que, no futuro, vamos ao encontro de todos os homens e de todos ospovos , que por caminhos de religiões diversas procuram a Deus e O querem servir. Ajuda-nos a todos a que anunciemos a Cristo e revelemos a força e a sabedoria divina (1Co 1,24) escondida na Sua cruz. Tu, que a primeira de todos, O revelaste em Belém não só aos simples e fiéis pastores, mas também aos sábios de países distantes.

Mãe do Bom Conselho! Indica-nos sempre como devemos servir o homem, a humanidade em cada nação, como conduzi-la pelos caminhos da Salvação. Como proteger a justiça e a paz no mundo, continuamente ameaçado de vários lados. Quão vivamente desejo, por ocasião deste encontro de hoje, confiar-Te todos estes difíceis problemas das sociedades, dos sistemas e dos Estados, problemas que não podem ser resolvidos com o ódio, a guerra e a autodestruição, mas só com a paz, com a justiça e com o respeito dos direitos dos homens e das nações.

Ó Mãe da Igreja! Faz que a Igreja goze de liberdade e paz no cumprimento da sua missão salvífica, e que para este fim atinja nova maturidade de fé e de unidade interior. Ajuda-nos a vencer as oposições e as dificuldades. Ajuda-nos a descobrir de novo toda a simplicidade e dignidade da vocação cristã. Faz que não faltem «os operários para a vinha do Senhor ». Santifica as famílias. Vela pela alma dos jovens e pelo coração das crianças. Ajuda a vencer as grandes ameaças morais que atingem os ambientes fundamentais da vida e do amor. Obtém para nós a graça de nos renovarmos continuamente por meio de toda a beleza do testemunho dado à Cruz e à Ressurreição do Teu Filho.

105 Quantos problemas deveria, ó Mãe, ter-Te apresentado neste encontro, catalogando-os um a um. Confio-os todos a Ti, porque Tu os conheces melhor que nós e de todos tomas cuidado.

Faço-o no lugar da grande consagração, do qual se abarca não só a Polónia, mas toda a Igreja nas dimensões dos países e dos continentes: toda a Igreja no Teu Coração maternal.

A Igreja inteira, de que sou o primeiro servidor, a Ti a ofereço e confio aqui, com imensa confiança, ó Mãe. Amen.



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II À POLÓNIA



DURANTE A SANTA MISSA ÀS RELIGIOSAS


Czestochowa, 5 de Junho de 1979


Queridas Irmãs

1. Alegro-me cordialmente com este encontro, que a Providência Divina nos preparou hoje aqui, aos pés da Senhora de Jasna Gora. Viestes em tão grande número de toda a Polónia, a fim de participar na peregrinação do vosso compatriota que Jesus Cristo, na Sua imperscrutável misericórdia, chamou, como em tempos Simão de Betsaida, e lhe ordenou que saísse da terra natal para assumir a sucessão na Sé dos Bispos de Roma.

Como agora, que me foi dada a graça de voltar mais uma vez a estas regiões, desejo falar-vos com as mesmas palavras com que mais de uma vez no passado vos falei na qualidade de sucessor de Santo Estanislau em Cracóvia. Agora estas palavras adquirem dimensão diversa, universal.

O tema da «vocação religiosa» é um dos mais belos de que nos falou e nos fala constantemente o Evangelho. O tema encontra particular encarnação em Maria, que disse de si mesma: Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra (Lc 1,38). Julgo que estas palavras encontraram profundo eco na vocação e na profissão religiosa de cada uma de vós.

2. Como me é hoje oferecida oportunidade de vos falar aqui, vêm-me ao espírito os esplêndidos capítulos do ensinamento da Igreja no último Concílio, como também os documentos - tão numerosos - dos últimos Papas.

Permiti todavia que, baseando-me em toda esta riqueza de ensinamentos da Igreja, me refira a algumas minhas modestas palavras. E faço-o porque nelas se repetem os meus encontros com os ambientes religiosos na Polónia, tão numerosos no passado. Levei-os comigo para Roma como «recurso» de experiência pessoal. Portanto ser-vos-á mais fácil encontrar-vos a vós mesmas nestas palavras, que - embora dirigidas a ambientes novos - falam dalguma maneira de vós: das Irmãs polacas e das famílias religiosas polacas.

3. Pouco depois do início do meu novo ministério, tive a felicidade de encontrar-me com quase 20 mil Irmãs de toda a Roma. Eis um trecho do discurso que então lhes dirigi.

106 A vossa « vocação é especial tesouro da Igreja, que não pode nunca deixar de pedir que o Espírito de Jesus Cristo desperte nas almas vocações religiosas. De facto, elas são, tanto para a comunidade do Povo de Deus como para o 'mundo', sinal vivo do 'século futuro': sinal que, ao mesmo tempo, se radica (mesmo por meio do vosso hábito religioso) na vida quotidiana da Igreja e da sociedade e penetra em todos os seus tecidos mais delicados...».

A vossa presença «deve ser para todos sinal visível do Evangelho. Deve ser também fonte de particular apostolado. Este apostolado é tão variado e rico, que me é mesmo difícil catalogar aqui todas as suas formas, campos e orientações. Está unido ao carisma específico de cada Congregação, ao seu espírito apostólico, que a Igreja e a Santa Sé aprovam com alegria, vendo nele a expressão da vitalidade do próprio Corpo Místico de Cristo. Esse apostolado é ordinariamente discreto, oculto, próximo do ser humano, e por isso convém especialmente à alma feminina, sensível ao próximo, e portanto chamada à missão de irmã e de mãe.

Esta vocação é exactamente a que se encontra no 'coração' mesmo do vosso ser de religiosas. Como Bispo de Roma peço-vos: sede espiritualmente mães e irmãs de todos os homens desta Igreja, que Jesus, na sua inefável misericórdia e graça, quis confiar-me» (L'Osservatore Romano, ed. semanal em português, 19.11.1978, p. 5).

4. No dia 24 de Novembro último ofereceu-se ocasião de me encontrar com o numeroso grupo dos Superiores-Gerais reunidos em Roma e presididos pelo Cardeal Prefeito da Sagrada Congregação para os Religiosos e os Institutos Seculares. Seja-me lícito reproduzir algumas frases do discurso pronunciado nessa ocasião.

«A vocação religiosa... pertence àquela plenitude espiritual que o Espírito - Espírito de Cristo - desperta e plasma no Povo de Deus. Sem as ordens religiosas, sem a vida 'consagrada' por meio dos votos de castidade, pobreza e obediência, a Igreja não seria plenamente ela mesma... As vossas casas devem ser sobretudo centros de oração, de recolhimento, de diálogo – pessoal e comunitário – com Aquele que é e deve continuar a ser o primeiro e principal interlocutor na sequência operosa dos vossos dias. Se souberdes alimentar este "clima" de intensa e amorosa comunhão com Deus, ser-vos-á possível levar à frente, sem tensões traumáticas ou debandadas perigosas, aquela renovação da vida e da disciplina, a que vos obrigou o Concílio Ecuménico Vaticano II» (L'Osservatore Romano, ed. citada, 3.12.1978, p. 10).

5. Por último no México. O encontro que se realizou na capital daquele país ficou-me profundamente gravado na memória e no coração. Não podia ser doutro modo, porque as Irmãs criam sempre nestes encontros um clima particularmente cordial e aceitam com alegria as palavras que lhes são dirigidas. Eis pois também alguns pensamentos desse encontro mexicano:

«A vossa vocação é uma vocação que merece a máxima estima por parte do Papa e da Igreja, ontem como hoje. Por isso, vos quero manifestar a minha alegre confiança em vós e animar-vos a não desfalecerdes no campo empreendido , em que vale a pena prosseguir com renovado espírito e entusiasmo... Quanto podeis fazer hoje pela Igreja e pela humanidade! Elas esperam a vossa generosa entrega, a dedicação do vosso coração livre, que dilate incalculavelmente as suas potencialidades de amor num mundo que está a perder a capacidade de altruísmo, de amor sacrificado e desinteressado . Recordai-vos , com efeito, que sois verdadeiramente místicas esposas de Cristo e de Cristo crucificado» (L'Osservatore Romano, ed. citada, 4.2.1979,
PP 7 pp. 7 e 8). E onde encontrareis o mesmo Cristo? Nas crianças, nos jovens do catecismo, em todos os homens.

6. E agora permiti que os meus pensamentos, juntamente com os vossos, se dirijam uma vez mais aqui, neste lugar, para a Senhora de Jasna Gora que é fonte de viva inspiração para cada uma de Vós. Cada uma de Vós, ouvindo as palavras pronunciadas em Nazaré, repita com Maria: Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra (Lc 1,38). Nestas palavras está encerrado em certo modo o protótipo de toda a profissão religiosa, mediante a qual cada uma de vós abraça, com todo o seu ser, o mistério da graça transmitida na vocação religiosa. Cada uma de vós, assim como Maria, escolhe Jesus, o Divino Esposo. E cumprindo os votos de pobreza, castidade e obediência, deseja viver para Ele, para o seu amor. Por meio destes votos cada uma de vós deseja dar testemunho da vida eterna que nos trouxe Cristo com a sua cruz e a sua ressurreição.

Inestimável é, queridas Irmãs , este sinal vivo que marca cada uma de vós no meio dos homens. E abraçando com fé, esperança e caridade o Divino Esposo, abraçai-Lo nas numerosas pessoas por vós servidas: nos doentes, anciãos, aleijados e diminuídos, de que nenhum outro, fora de vós, é capaz de ocupar-se, porque para tal é necessário sacrifício; e abraçai-Lo também na pastoral junto dos sacerdotes. Encontrá-lo-eis tanto no serviço mais simples como nos trabalhos que exigem às vezes preparação e cultura profunda. Encontrá-lo-eis em toda a parte, como a esposa do Cântico dos Cânticos: ... encontrei aquele a quem a minha alma ama (Ct 3,4).

Goze sempre a Polónia do vosso testemunho evangélico. Não faltem esses corações ardentes que levam o amor evangélico ao próximo. E alegrai-vos sempre com a alegria da vossa vocação, mesmo quando tiverdes de experimentar sofrimentos interiores ou exteriores ou trevas.

O Papa João Paulo II deseja pedir tudo isto, juntamente convosco, durante este Santíssimo Sacrifício.



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II À POLÓNIA



DURANTE A SANTA MISSA AOS PEREGRINOS


DA BAIXA SILÉSIA E DA SILÉSIA DE OPOLE


107
Jasna Góra, 5 de Junho de 1979




1. De Jasna Gora desejo mandar uma oração especial ao santuário de Santa Edviges em Trzebnica nas vizinhanças de Wroclaw. E faço-o por uma razão particular. A Providência Divina, nos seus imperscrutáveis desígnios, escolheu o dia 16 de Outubro de 1978 como dia de viragem na minha vida. A 16 de Outubro festeja a Igreja, na Polónia, Santa Edviges, e por isso me sinto em particular dever de oferecer hoje pela Igreja na Polónia esta oração à Santa que, além de ser a padroeira da reconciliação para as nações confinantes, é também a padroeira do dia da eleição do primeiro Polaco para a cátedra de Pedro. Deponho directamente esta oração nas mãos de todos os peregrinos, que hoje em número tão elevado vieram a Jasna Gora de toda a Baixa Silésia. Peço-vos que leveis, depois do regresso às vossas terras, esta oração do Papa ao santuário de Trzebnica, que se tornou a sua nova pátria de eleição. Complete ela assim a longa história das alternativas humanas e das obras da Divina Providência, ligadas àquele lugar e a toda a vossa terra.

2. Santa Edviges, esposa de Henrique da dinastia dos Piastos, chamado o Barbudo, provinha da família bávara dos Andechs. Entrou na história da nossa Pátria e indirectamente na de toda a Europa no século XIII, como a mulher perfeita (Pro. 31, 10) de que fala a Sagrada Escritura. Na nossa memória está especialmente vincado o acontecimento cujo protagonista foi seu filho, o príncipe Henrique o Pio. Foi ele quem opôs eficaz resistência à invasão dos Tártaros, invasão que em 1241 passou através da Polónia vinda do Oriente, da Ásia, só se detendo na Silésia nas imediações de Legnica. Henrique o Pio caiu, é certo, no campo de batalha, mas os Tártaros foram obrigados a retirar-se, e nunca mais voltaram tão perto do Ocidente nas suas correrias. Atrás do heróico filho estava a mãe, que lhe infundia coragem e recomendava a Cristo Crucificado a batalha de Legnica. O seu coração pagou com a morte do próprio filho a paz e a segurança das terras a ela sujeitas, como também das confinantes e das de toda a Europa ocidental.

Durante estes acontecimentos, já Edviges era viúva; e, sendo viúva , consagrou o resto da sua vida exclusivamente a Deus, entrando na abadia de Trzebnica por ela fundada. Lá terminou também a sua santa vida em 1243. Foi canonizada em 1267. Esta data está muito próxima da canonização de Santo Estanislau, realizada em 1253, o Santo que a Igreja venera na Polónia há séculos como seu Padroeiro principal.

Este ano, pelo nono centenário do seu martírio em Cracóvia, em Skalka, eu — como primeiro Papa filho da nação polaca, anteriormente sucessor de Santo Estanislau na cátedra de Cracóvia e agora eleito para a cátedra de São Pedro no dia de Santa Edviges — desejo enviar ao seu santuário de Trzebnica esta minha oração que assinala nova etapa na históriapluris secular em que todos participamos.

3. A presente oração uno em particular cordiais bons votos por todos os participantes nesta Sagrada Eucaristia, que hoje celebro em Jasna Gora. Os Santos, que hoje comemoramos aqui diante de Nossa Senhora de Jasna Gora, oferecem-nos, através dos séculos, um testemunho de unidade entre os compatriotas e de reconciliação entre as nações. Desejo augurar precisamente esta união e esta reconciliação. E por tal intenção oro com ardor.

A unidade enterra as suas raízes na vida da Nação — assim como as enterrou, durante o difícil período histórico para a Polónia, por meio de Santo Estanislau —precisamente quando a vida humana responde nos seus vários níveis às exigências da justiça e do amor. A família constitui o primeiro desses níveis. E eu, caríssimos compatriotas, desejo pedir hoje, juntamente convosco pela unidade de todas as famílias polacas. Esta unidade tem a sua origem no sacramento do Matrimónio, naquelas promessas solenes com que o homem e a mulher se unem entre si para toda a vida, repetindo o sacramental «não te abandonarei até à morte». Esta unidade brota do amor e da mútua confiança, e dela são fruto e prémio o amor e a confiança dos filhos para com os pais. Ai, se ele viesse a enfraquecer ou a fender-se entre os esposos, ou entre os esposos e os filhos ! Conscientes do mal que traz consigo a desagregação da família, pedimos hoje que não aconteça o que pode destruir a unidade, para que a família permaneça verdadeira «sede da justiça e do amor».

De semelhante justiça e amor precisa a Nação, se quer estar interiormente unida, se quer constituir unidade indissolúvel. E embora seja impossível comparar a Nação — sociedade composta de muitos milhões de pessoas —, compará-la com a família — a mais pequena comunidade, como é sabido, da sociedade humana —, todavia a unidade depende da justiça, que vale às necessidades e garante os direitos e os deveres de cada membro da Nação. De maneira que não surjam dissonâncias e contrastes, por causa das diferenças que trazem consigo os privilégios evidentes para uns e a discriminação para os outros. Pela história da nossa Pátria sabemos como é difícil esta missão; apesar disso, não podemos eximir-nos ao grande esforço que tende a construir a justa unidade entre os filhos da mesma Pátria. Deve isto ser acompanhado pelo amor por esta Pátria, amor pela sua cultura e pela sua história, amor pelos seus valores característicos, que decidem sobre o seu lugar na grande família das nações; amor, enfim, pelos compatriotas, homens que falam a mesma língua e são responsáveis pela causa comum que se chama «Pátria».

Rezando hoje juntamente convosco pela unidade interna da Nação, de que —sobretudo nos séculos XIII e XIV — se tornou Padroeiro, Santo Estanislau, desejo recomendar à Mãe de Deus em Jasna Gora a reconciliação entre as nações, de que vemos uma medianeira na figura de Santa Edviges. Como a condição da unidade interna no âmbito de toda a sociedade ou comunidade, tanto nacional como familiar, é o respeito dos direitos de cada um dos seus membros, assim também a condição da reconciliação entre as nações é o reconhecimento e respeito do direito de cada nação. Trata-se principalmente do direito à existência e à autodecisão, direito à própria cultura e ao seu multiforme desenvolvimento. Sabemos bem, pela história da nossa Pátria, quanto nos custou a infracção, violação e negação daqueles inalienáveis direitos. E por isso com maior fervor pedimos uma duradoira reconciliação entre as nações da Europa e do mundo. Seja ela fruto do reconhecimento e do verdadeiro respeito dos direitos de cada Nação.

4. A Igreja deseja colocar-se ao serviço da unidade entre os homens, deseja colocar-se ao serviço da reconciliação entre as nações. Pertence isto à sua missão salvífica. Abramos continuamente os nossos pensamentos e os nossos corações àquela paz, de que o Senhor Jesus tantas vezes falou aos Apóstolos, quer antes da Paixão quer depois da Ressurreição: Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz (
Jn 14,27).

Oxalá este Papa, que hoje fala aqui do alto de Jasna Gora, possa servir eficazmentea causa da unidade e da reconciliação no mundo contemporâneo. Não deixeis de o ajudar nisto com as vossas orações em toda a terra polaca.



Homilias JOÃO PAULO II 101