Homilias JOÃO PAULO II 114


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II À POLÓNIA



NO SANTUÁRIO DE SANTA CRUZ


Mogila, 9 de Junho de 1979

1. Eis-me novamente diante desta Cruz, junto da qual vim tantas vezes como peregrino, diante desta cruz que ficou para todos nós como a mais preciosa relíquia do nosso Redentor.


Quando nas proximidades de Cracóvia surgia Nowa Huta — enorme conjunto industrial e nova grande cidade: nova Cracóvia — talvez não nos déssemos conta que estava a surgir precisamente ao lado desta Cruz, ao lado desta relíquia que, juntamente com a antiquíssima abadia dos cistercienses, herdámos desde os tempos dos Piastos. Era o ano de 1222, a época do príncipe Lezek Bialy, a época do bispo Ivo Odrowaz, no período antecedente à canonização de Santo Estanislau. Naquele tempo, no terceiro centenário do nosso Baptismo, foi fundada aqui a abadia dos cistercienses, e depois foi-lhe levada a relíquia da Santa Cruz, que desde há séculos se tornou meta de peregrinações da região de Cracóvia: do Norte da parte de Kielce, do Oriente da parte de Tarnow, e do Ocidente da Silesia. Tudo isto se realizou num território onde, segundo a tradição, surgia outrora Stara Huta, quase antiga mãe histórica da actual Nowa Huta.

Desejo hoje saudar aqui, mais uma vez, os peregrinos de Cracóvia, os peregrinos da Silésia, e os peregrinos da diocese de Kielce.

Vamos juntos, peregrinos, em direcção da Cruz do Senhor, porque ela inicia uma nova era na história do homem. Esta, é tempo de graça, tempo de salvação. Através da Cruz o homem pôde compreender o sentido da sua própria sorte, da sua própria existência sobre a terra. Descobriu quanto Deus o amou . Descobriu , e descobre continuamente , à luz da fé , quanto é grande o seu valor. Aprendeu a medir a sua própria dignidade com a medida daquele sacrifício que Deus ofereceu no seu Filho para a salvação do homem: porque Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o Seu Filho único, para que todo o que n'Ele crer não pereça, mas tenha a vida eterna (Jn 3,16).

Embora os tempos mudem, embora no espaço dos campos de outrora, nas vizinhanças de Cracóvia, tenha surgido um enorme conjunto industrial, embora vivamos numa época de progresso vertiginoso das ciências naturais e de um progresso igualmente surpreendente da técnica, todavia a verdade da vida do espírito humano – que se exprime através da cruz — não declina, é sempre actual, não envelhece nunca. A história de Nowa Huta está escrita também através da cruz: primeiro, através da antiga, da de Mogila, herdada desde há séculos; e depois através da outra, da nova... que foi levantada não longe daqui.

115 Ali onde se levanta a cruz aparece o sinal de que já lá chegou a Boa Nova da salvação do homem mediante o Amor. Ali onde se levanta a cruz, está o sinal de que teve início a evangelização. Outrora, os nossos pais levantavam, em vários lugares da terra polaca, a cruz como sinal de que já ali tinha chegado o Evangelho, que se tinha iniciado a evangelização, a qual devia continuar ininterruptamente até hoje. Com este pensamento foi também levantada a primeira cruz em Mogila, nas vizinhanças de Cracóvia, nas proximidades de Stara Huta.

A nova cruz de madeira foi erguida não longe daqui, precisamente durante as celebrações do Milénio. Com ela recebemos um sinal, isto é que nas vésperas do novo milénio — nestes novos tempos, nestas novas condições de vida — volta a ser anunciado o Evangelho. Iniciou uma nova evangelização, quase como se se tratasse de um segundo anúncio, embora na realidade seja sempre o mesmo. A cruz está erguida sobre o mundo que gira.

Agradecemos hoje, diante da cruz de Mogila, da cruz de Nowa Huta, este novo início da evangelização aqui verificada. E pedimos todos que frutifique, tal como a primeira — ou melhor, ainda mais.

2. A nova cruz que surgiu não longe da antiquíssima relíquia da Santa Cruz na abadia dos cistercienses, anunciou o nascimento da nova igreja. Este nascimento gravou-se profundamente no meu coração, e eu, deixando a sede de Santo Estanislau pela sede de São Pedro, levei-a comigo como uma nova relíquia, como uma relíquia inestimável dos nossos tempos.

A nova cruz apareceu quando para o terreno dos antigos campos dos arredores de Cracóvia, que se tornou terreno de Nowa Huta, vieram homens novos para iniciar um novo trabalho. Dantes, aqui trabalhava-se duramente, trabalhava-se nos campos, e a terra era fértil e por conseguinte trabalhava-se com gosto. Desde há alguns decénios começou a indústria; a grande indústria, a indústria pesada. E os homens que chegaram aqui, vindos de várias partes, vieram para gastar aqui as suas energias como operários de siderurgia .

Precisamente eles trouxeram consigo esta nova cruz. Foram eles a erguê-la como sinal da vontade de construir uma nova igreja. Precisamente esta cruz, diante da qual nos encontramos neste momento. Tive a felicidade, como vosso arcebispo e cardeal, de benzer e consagrar, em 1977, esta igreja que nasceu de uma nova cruz.

Esta igreja nasceu dum trabalho novo. Ousarei dizer que nasceu de Nowa Huta. Todos, de facto, sabemos que no trabalho do homem está profundamente gravado o mistério da cruz, a lei da cruz. Não se verificarão nela as palavras do Criador, pronunciadas depois da queda do homem: comerás o pão com o suor do teu rosto (
Gn 3,19)? Tanto o antigo trabalho nos campos que faz nascer o trigo, mas também os espinhos e os cardos, como o novo trabalho nos altos-fornos e nas novas fundições, realiza-se sempre «com o suor do rosto». A lei da cruz está inscrita no trabalho humano. Com o suor da fronte trabalhou o agricultor. Com o suor do rosto trabalha o operário siderúrgico. E com o suor da fronte, com o tremendo suor da morte — agoniza Cristo na cruz.

A cruz não se pode separar do trabalho humano. Não se pode separar Cristo do trabalho humano. E isto foi confirmado aqui em Nowa Huta. E este foi o princípio da nova evangelização, nos alvores do milénio do cristianismo na Polónia. Este novo início vivemo-lo juntos e levei-o comigo, de Cracóvia para Roma, como uma relíquia.

O cristianismo e a Igreja não têm medo do mundo do trabalho. Não têm medo do sistema baseado sobre o trabalho. O Papa não tem medo dos homens do trabalho. Eles sempre lhe estiveram particularmente próximos. Saiu do meio deles. Saiu das pedreiras de Zakrowek, das caldeiras de Solvay em Boreki, depois de Nowa Huta. Através de todos estes ambientes, através das suas próprias experiências de trabalho – ouso dizer — o Papa aprendeu novamente o Evangelho. Deu-se conta e está convencido de quão profundamente está gravado no Evangelho a problemática contemporânea do trabalho humano. Como é impossível resolvê-la até ao fim sem o Evangelho.

De facto, a problemática contemporânea do trabalho humano (só contemporânea, afinal?), em última análise, não se reduz — perdoem-me todos os especialistas — nem à técnica nem à economia, mas a uma categoria fundamental: isto é, à categoria da dignidade do trabalho, ou seja da dignidade do homem. A economia, a técnica e muitas outras especializações e matérias adquirem a sua razão de ser daquela única categoria essencial. Se não se referem a ela e se se formam fora da dignidade do trabalho humano, estão em erro, são nocivas e são contra o homem.

Esta categoria fundamental é humanística. Permito-me dizer que esta categoria fundamental, categoria do trabalho como medida da dignidade do homem, é cristã. Encontramo-la no seu mais elevado grau de intensidade, em Cristo.

116 Baste isto, caríssimos Irmãos. Não foi só uma vez que, como vosso Bispo, me encontrei aqui convosco, e tratei mais amplamente todos estes temas. Hoje, como vosso hóspede, devo tratá-los de modo mais conciso. Mas recordai esta antiga máxima: Cristo não aprovará nunca que o homem seja considerado — ou se considere a si próprio — apenas como instrumento de produção, que seja apreciado, estimado e avaliado segundo tal princípio. Cristo não o aprovará nunca! Por isso se fez crucificar, como se fosse a grande soleira da história espiritual do homem, para opor-se a qualquer degradação do homem, mesmo à degradação mediante o trabalho. Cristo permanece diante dos nossos olhos sobre a cruz, para que cada homem seja consciente daquela força que Ele lhe deu: Deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus (Jn 1,12).

E disto devem recordar-se tanto os trabalhadores como os dadores de trabalho, tanto o sistema de trabalho como o da retribuição devem recordá-lo o Estado, a nação e a Igreja.

Quando estava entre vós, procurava dar testemunho disto. Rezai para que eu continue a prestar tal testemunho também no futuro, tanto mais que agora estou em Roma; para que continue a prestá-lo perante toda a Igreja e perante o mundo contemporâneo.

3. Com alegria penso na bênção do magnífico templo em Mistrzejowice cuja construção progrediu decididamente. Sabeis todos que recordo os inícios desta obra: os primeiros inícios. E todas as etapas seguintes da construção. Juntamente convosco volto com a oração e o coração ao túmulo do sacerdoteJosé, de santa memória, que iniciou esta obra consagrando-lhe todas as suas forças e imolando sobre o seu altar toda a sua jovem vida. Agradeço a todos aqueles que continuam esta obra com tanto amor e perseverança.

Neste momento o meu pensamento dirige-se também para a colina de Krzeslowice. Os esforços de tantos anos estão lentamente dando os seus frutos. De todo o coração abençoo esta obra e todas as outras igrejas que surgem e surgirão nesta região e nos seus bairros sempre em aumento.

Da cruz em Nowa Huta começou a nova evangelização: a evangelização do segundo Milénio. Esta igreja testemunha-o e confirma-o. Ela nasceu de uma fé consciente e viva e é necessário que continue a servi-la.

A evangelização do novo milénio deve referir-se à doutrina do Concílio Vaticano II. Deve ser, como ensina este Concílio, obra comum dos Bispos, dos sacerdotes, dos religiosos e dos leigos, obra dos pais e dos jovens. A paróquia não é só lugar onde se ensina a catequese, é também ambiente vivo que deve actuá-la.

A igreja cuja construção, com tanto esforço mas também com tanto entusiasmo, estais levando a termo, surge para que através dela entre o Evangelho de Cristo em toda a vossa vida. Construístes a igreja; edificai a vossa vida com o Evangelho!

Maria, Rainha da Polónia, e o Beato Maximiliano Kolbe vos ajudem nisto, continuamente.



Nota

(a) Escreve René Laurentin, enviado especial do Figaro: «Esta etapa da visita do Papa (a Nowa Huta, cidade siderúrgica nos arrabaldes de Cracóvia), não tinha sido autorizada. O Papa só conseguiu licença para ir ao Santuário Cisterciense em Mogila, nas proximidades. É que a igreja de Nowa Huta representava demasiadas coisas...

117 De facto autorização de construir uma igreja ali, muitas vezes negada, foi finalmente concedida por Gomulka em 1956, no fim do período stalineano. No sítio escolhido foi colocada uma cruz. Entretanto a autorização foi anulada: uma igreja era inútil numa cidade socialista; o terreno seria para uma escola. A 27 de Abril de 1960, a polícia arranca a cruz... Prevenidos os operários, saíram à rua. Foi uma afluência enorme, um protesto unânime e motins que duraram três dias. Houve uns 200 feridos...

Alguns anos depois, o futuro João Paulo II. conseguiu novamente licença de construir... Não seria no lugar da revolta, cuja terra ensanguentada foi recolhida como símbolo e relíquia pela população, mas noutro. Os voluntários afluíram de todos os lados para a construir: operários e jovens estrangeiros, sobretudo alemães vindos em espírito de reparação e reconciliação...

O povo que a tinha construído, aceitou que não tivesse sinos, mas exigiu uma cruz a coroá-la...» (Figaro, 9-10 Junho).



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II À POLÓNIA

MISSA PONTIFICAL DO SANTO PADRE

EM HONRA DE SANTO ESTANISLAU


Cracóvia, 10 de Junho de 1979


Louvado seja Jesus Cristo!

1. Todos nós hoje aqui reunidos nos encontramos diante de um grande mistério da história do homem. Cristo, depois da sua Ressurreição, encontra-se com os apóstolos na Galileia e dirige-lhes as palavras que há pouco ouvimos dos lábios do diácono que proclamou o Evangelho: Foi-Me dado todo o poder no céu e na terra: Ide, pois, ensinai todas as nações, baptizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a cumprir tudo o que vos tenho mandado. E Eu estarei sempre convosco, até ao fim do mundo (Mt 28,18-29).

Nestas palavras está encerrado o grande mistério da história da humanidade e da história do homem.

Cada homem, de facto, caminha. Caminha em direcção ao futuro. Também as nações caminham. E toda a humanidade. Caminhar significa não só sofrer as exigências do tempo, deixando continuamente atrás de si o passado: o dia de ontem, os anos, os séculos... Caminhar significa estar consciente também do fim.

Será que o homem e a humanidade no seu caminho através desta terra passam apenas ou desaparecem? Para o homem tudo consistirá no que ele, sobre esta terra, constrói, conquista e usufrui? Independentemente de todas as conquistas, de todo o conjunto da vida (cultura, civilização e técnica) não o esperará nada mais? «Passa a figura deste mundo»! E o homem? Passa totalmente junto com ela?...

As palavras pronunciadas por Cristo no momento da despedida dos Apóstolos exprimem o mistério da história do homem, de todos e cada um, o mistério da história da humanidade.

O baptismo no nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo é uma imersão no Deus vivo, «n'Aquele que É», como diz o livro do Génesis, n'Aquele que é, que era e que vem, como diz o Apocalipse (Ap 1,4). O baptismo é o início do encontro, da unidade, da comunhão, pelo que toda a vida terrena é apenas um prólogo e uma introdução; o cumprimento e a plenitude pertencem à eternidade. «Passa a figura deste mundo». Devemos, por conseguinte, encontrar-nos «no mundo de Deus», para alcançar o fim, para chegar à plenitude da vida e da vocação do homem.

118 Cristo mostrou-nos este caminho e, despedindo-se dos Apóstolos, reconfirmou-o mais uma vez, recomendou-lhes que eles e toda a Igreja ensinassem a observar tudo o que Ele lhes tinha dito: Eu estarei sempre convosco até ao fim do mundo.

2. Escutamos sempre com a maior comoção estas palavras com que o Redentor ressuscitado delineia a história da humanidade e juntamente a história de cada homem. Quando diz «ensinai todas as nações» aparece diante dos olhos da nossa alma o momento em que o Evangelho chegou à nossa Nação, nos inícios mesmos da sua história, e quando os primeiros Polacos receberam o baptismo no nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. O perfil espiritual da história da Pátria foi traçado pelas próprias palavras de Cristo, ditas aos Apóstolos. O perfil da história espiritual de cada um de nós foi traçado mais ou menos da mesma maneira.

O homem, de facto, é um ser racional e responsável. Pode e deve, com o esforço pessoal do pensamento, chegar à verdade. Pode e deve decidir. O baptismo, recebido nos inícios da história da Polónia, tornou-nos ainda mais conscientes da autêntica grandeza do homem; «a imersão na água» é sinal do chamamento a participar na vida da Santíssima Trindade, e é ao mesmo tempo uma verificação insubstituível da dignidade de cada homem. Já o mesmo chamamento testemunha em seu favor: o homem deve ter uma dignidade extraordinária, se foi chamado para tal participação, para a participação na vida do próprio Deus.

Do mesmo modo, todo o processo histórico da consciência e das opções do homem está intimamente ligado à viva tradição da própria nação, na qual, através de todas as gerações, ressoam com vivo eco as palavras de Cristo, o testemunho do Evangelho, a cultura cristã, os costumes nascidos da fé, da esperança e da caridade. O homem escolhe conscientemente, com liberdade interior. Aqui a tradição não é limitação: é tesouro, é riqueza espiritual, é um grande bem comum, que se confirma com toda a opção, com todo o acto nobre, com toda a vida autenticamente vivida como cristão.

Pode-se renegar tudo isto? Pode-se dizer não? Pode-se recusar a Cristo e a tudo aquilo que Ele trouxe para a história do homem?

Pode-se certamente. O homem é livre. O homem pode dizer a Deus: não. O homem pode dizer a Cristo: não. Mas permanece a pergunta fundamental: é lícito fazê-lo? E em nome de quê é lícito? Que argumento racional, que valor da vontade e do coração podes apresentar diante de ti mesmo, do próximo, dos compatriotas e da nação para recusar, para dizer «não» àquilo de que todos vivemos durante mil anos? Aquilo que criou e sempre constituiu as bases da nossa identidade?

Uma vez Cristo perguntou aos Apóstolos (isto aconteceu depois da promessa da instituição da Eucaristia, e muitos afastaram-se d'Ele): também vós quereis retirar-vos? (
Jn 6,67). Permiti que o sucessor de Pedro, perante vós todos aqui reunidos, perante toda a nossa história e a sociedade contemporânea, repita hoje as palavras de Pedro, que foram então a sua resposta à pergunta de Cristo: Senhor, para quem havemos nós de ir? Tu tens palavras de vida eterna (Jn 6,68).

3. Santo Estanislau foi Bispo de Cracóvia durante sete anos, como é confirmado pelas fontes históricas. Este bispo-compatriota, oriundo da não distante Szczepanow, assumiu a sede de Cracóvia em 1072, para a deixar em 1079, sofrendo a morte pelas mãos do rei Boleslau, o Ousado. O dia da morte, segundo as mesmas fontes, era o 11 de Abril e é neste dia que o calendário litúrgico da Igreja universal comemora Santo Estanislau. Na Polónia, porém, a solenidade do bispo mártir é desde há séculos celebrada a 8 de Maio e continua a sê-lo também hoje.

Quando, como metropolita de Cracóvia, iniciei convosco os preparativos para o nono centenário da morte de Santo Estanislau, que é comemorado este ano, todos estávamos ainda sob a impressão do milénio do Baptismo da Polónia, celebrado no ano do Senhor de 1966. Na perspectiva deste acontecimento e em confronto com a figura de Santo Adalberto, também ele bispo e mártir, cuja vida esteve ligada na nossa história à época do baptismo, a figura de Santo Estanislau parece indicar (por analogia) outro sacramento, que faz parte da iniciação do cristão na fé e na vida da Igreja. Este sacramento, como é sabido, é o sacramento do Crisma, ou seja da Confirmação. Toda a releitura «jubilar» da missão de Santo Estanislau na história do nosso milénio cristão, e ainda toda a preparação espiritual para as celebrações deste ano se referiam precisamente a este sacramento do Crisma, isto é, da confirmação.

A analogia tem muitos aspectos. Sobretudo, porém, procurámo-la no de s envolvimento normal da vida cristã . Tal com o um homem baptizado se torna cristão maduro mediante o sacramento do Crisma, assim também a Providência Divina deu à nossa Nação, na altura própria, depois do Baptismo, o momento histórico do Crisma. Santo Estanislau, que da época do baptismo está separado por quase um século inteiro, de modo particular simboliza este momento pelo facto de ter dado testemunho a Cristo derramando o próprio sangue. O sacramento do Crisma na vida de cada cristão, habitualmente jovem, porque é a juventude que recebe este sacramento — também naquele tempo a Polónia era nação e país jovem — deve fazer com que também ele se torne «testemunha de Cristo» na medida da própria vida e da própria vocação. É este um sacramento que de modo particular nos associa à missão dos Apóstolos, enquanto introduz cada neófito no apostolado da Igreja (especialmente no chamado apostolado dos leigos).

É o sacramento que deve fazer nascer em nós um agudo sentido de responsabilidade pela Igreja, pelo Evangelho, pela causa de Cristo nas almas humanas, pela salvação do mundo.

119 O sacramento do Crisma recebemo-lo só uma vez na vida (como acontece com o baptismo), e toda a vida que se abre na perspectiva deste sacramento adquire o aspecto de uma prova grande e fundamental: prova de fé e de carácter. Santo Estalisnau tornou-se, na história espiritual dos Polacos, padroeiro daquela grande e fundamental prova de fé e de carácter. Veneramo-lo também como padroeiro da ordem moral cristã. Em definitivo, de facto, a ordem moral constitui-se através dos homens. Esta ordem, por conseguinte, é composta de um grande número de provas, cada uma das quais é prova de fé e de carácter. È de cada prova vitoriosa que deriva a ordem moral. ao passo que toda a prova falida traz desordem.

Sabemos ainda muito bem, por toda a nossa história, que não podemos absolutamente, de modo algum, permitir-nos esta desordem, que já muitas vezes pagámos amargamente.

E portanto a nossa meditação de sete anos sobre a figura de Santo Estanislau, a nossa referência ao seu ministério pastoral na sede de Cracóvia, o novo exame das suas relíquias, ou seja do crânio do Santo, que tem gravados os vestígios dos golpes mortais — tudo isto nos leva hoje a uma grande e ardente oração pela vitória da ordem moral nesta difícil época da nossa história.

É esta a conclusão essencial de todo o perseverante trabalho destes sete anos, a condição principal e juntamente a finalidade da renovação conciliar, para a qual trabalhou tão pacientemente o Sínodo da arquidiocese de Cracóvia; e também o principal motor da pastoral e de toda a actividade da Igreja, de todos os trabalhos, de todas as tarefas e programas que são e serão empreendidos na terra polaca.

Que este ano de Santo Estanislau seja o ano de uma particular maturidade histórica da Nação e da Igreja na Polónia, o ano de uma nova, consciente responsabilidade pelo futuro da Nação e da Igreja na Polónia: eis o voto que hoje aqui convosco, veneráveis ou dilectos Irmãos e Irmãs, desejo, como primeiro Papa de estirpe polaca, oferecer ao imortal Rei dos séculos, ao eterno Pastor das nossas almas e da nossa história, ao Bom Pastor!

4. Permiti agora que, para fazer uma síntese, abrace espiritualmente toda a minha peregrinação na Polónia que, inicia da na véspera do Pentecostes em Varsóvia, está para concluir-se hoje em Cracóvia, na solenidade da Santíssima Trindade. Desejo agradecer-vos, caríssimos compatriotas, por tudo! Porque me acompanhastes ao longo do percurso inteiro da peregrinação, deste Varsóvia e através da Gniezno dos Primazes e de Jasna Gora. Agradeço mais uma vez às Autoridades do Estado o seu gentil convite e acolhimento. Agradeço também às Autoridades de todas as voivodias, e especialmente às Autoridades da cidade de Varsóvia e — nesta última etapa — às Autoridades municipais da antiga cidade real de Cracóvia. Agradeço à Igreja da minha Pátria: ao Espiscopado, dirigido pelo Cardeal Primaz, ao Metropolita de Cracóvia e aos meus Irmãos Bispos: Julião, João, Estanislau e Albino, com os quais me foi dado colaborar por muitos anos, aqui em Cracóvia, na preparação do Jubileu de Santo Estanislau. Agradeço também aos Bispos de todas as Dioceses sufragâneas de Cracóvia, Czstochowa, Katoowice Kielce e Tarnow. Tarnow é, através de Szczepanow, a primeira pátria de Santo Estanislau. Agradeço a todo o Clero. Agradeço às Ordens religiosas masculinas e femininas. Agradeço a todos e a cada um em particular. E verdadeiramente coisa boa e justa, nosso dever e fonte de salvação, agradecer.

Também eu, agora neste último dia da minha peregrinação através da Polónia, desejo abrir largamente o meu coração e dizer em voz alta, dando graças nesta magnífica forma de «prefácio». Como desejo que este meu agradecimento chegue à Divina Majestade, ao coração da Santíssima Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo!

Meus Compatriotas! Com quanto calor agradeço mais uma vez, juntamente convosco, o dom de termos sido — há mais de mil anos — baptizados no nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo; e termos sido imersos na água que, mediante a graça, aperfeiçoa em nós a imagem do Deus vivo — na água que é uma onda de eternidade: nascente de água a jorrar para a vida eterna (
Jn 4,14). Agradeço porque nós homens, nós Polacos, cada um dos quais nasce como homem da carne e do sangue (Cfr. Jn 3,6) dos seus pais, fomos concebidos e nascemos também do Espírito (Cfr. Jn 3,5). Do Espírito Santo.

Desejo pois hoje, estando aqui — nestes vastos prados de Cracóvia — e voltando o olhar para Wawel e Skalka onde, há novecentos anos «sofreu a morte o célebre Bispo Estanislau» realizar mais uma vez o que se actua no sacramento do Crisma ou seja no sacramento da Confirmação, de que Ele é símbolo na nossa história. Desejo que aquilo que foi concebido e nasceu do Espírito Santo, seja novamente confirmado mediante a Cruz e a Ressurreição de Cristo, na qual participou de modo particular o nosso compatriota Estanislau de Szczepanow.

Permiti, por conseguinte, que, como o bispo durante o Crisma, assim também eu repita aquele gesto apostólico da imposição das mãos sobre todos aqueles que estão aqui presentes, sobre todos os meus compatriotas. Nesta imposição das mãos exprime-se, de facto, a aceitação e a transmissão do Espírito Santo, que os Apóstolos receberam do próprio Cristo, quando, depois da Ressurreição, foi até junto deles estando fechadas as portas (Jn 20,19) e disse recebei o Espirito Santo (Jn 20,22).

Este Espírito, Espírito de salvação, de redenção, de conversão e de santidade, Espírito de verdade, Espírito de amor e Espírito de Fortaleza — herdado dos Apóstolos como força viva — era transmitido muitas vezes pela s mãos dos bispos a gerações inteiras na terra polaca. Este Espírito — tal como o bispo oriundo de Szczepanow o transmitia aos seus contemporâneos — desejo hoje transmiti-to eu a vós. Desejo hoje transmitir-vos este Espírito Santo abraçando cordialmente com profunda humildade, aquele grande «Crisma da história» que vos viveis.

120 Repito pois, seguindo o próprio Cristo: / Recebei o Espírito Santo (Id. ibid.) /Repito seguindo o Apóstolo: Não extingais o Espírito! (1Th 5,19). / Repito seguindo o Apóstolo: Não entristeçais o Espírito Santo! (Ep 4,30).

Deveis ser fortes, Caríssimos Irmãos e Irmãs! Deveis ser fortes daquela força que brota da fé! Deveis ser fortes da força da fé! Deveis ser fiéis! Hoje, mais do que em qualquer outra época, tendes necessidade desta força. Deveis ser fortes da força da esperança que traz a perfeita alegria de viver e não permite entristecer o Espírito Santo!

Deveis ser fortes do amor, que é mais forte que a morte, como revelaram Santo Estanislau e o Beato Maximiliano Maria Kolbe. Deveis ser fortes daquele amor que é paciente e benigno...; não é invejoso...; não se ufana, não se ensoberbece, não é inconveniente, não procura o seu interesse, não se irrita, não se alegra com a injustiça, mas rejubila com a verdade. Tudo crê, tudo espera, tudo suporta, aquele amor que nunca acabará (1Co 13,4-8).

Deveis ser fortes da força da fé, da esperança e da caridade, consciente, madura, responsável, que nos ajuda a estabelecer aquele grande diálogo com o homem e com o mundo nesta etapa da nossa história: diálogo com o homem e com o mundo, radicado no diálogo com o próprio Deus — com o Pai por meio do Filho no Espírito Santo — diálogo da salvação.

Quereria que este diálogo fosse retomado em conjunto com todos os nossos irmãos cristãos, embora hoje ainda separados, mas unidos por uma única fé em Cristo. Falo sobre isto, aqui, deste lugar, para exprimir palavras de gratidão pela carta que recebi dos representantes do Conselho Ecuménico polaco. E embora não se tenha chegado, por causa do programa tão denso, a um encontro em Varsóvia, recordai-vos, queridos irmãos em Cristo, que trago este encontro no coração como um vivo desejo e como expressão da confiança para o futuro.

Aquele diálogo não deixa de ser vocação através de todos «os sinais dos tempos». João XXIII e igualmente Paulo VI, no Concílio Vaticano II. acolheram este convite ao diálogo. João Paulo II. desde o primeiro dia confirma a mesma disponibilidade. Sim ! É necessário trabalhar pela paz e a reconciliação entre os homens e as nações de todo o mundo. É necessário procurarmos aproximarmo-nos reciprocamente. É necessário abrir as fronteiras. Quando somos fortes do Espírito de Deus, somos também fortes da fé no homem — fortes da fé, da esperança e da caridade que são indissolúveis — e estamos prontos a dar testemunho à causa do homem perante aquele que tem verdadeiramente a peito esta causa. Para quem esta causa é sagrada. Aquele que deseja servi-la segundo a melhor vontade. Não se deve, pois, ter medo! É preciso abrir as fronteiras! Recordai-vos que não existe o imperialismo da Igreja, mas só o serviço. Há só a morte de Cristo no Calvário. Há a acção do Espírito Santo, fruto desta morte, Espírito Santo que permanece com todos nós, como a humanidade inteira, até ao fim do mundo (Mt 28,20).

Com particular alegria saúdo aqui os grupos dos nossos irmãos chegados do sul, de além dos Cárpatos. Deus vos recompense pela vossa presença. Como desejaria que aqui pudessem estar presentes também os outros! Deus vos recompense, irmãos Lusazianos. Como desejaria que pudessem estar presentes durante esta peregrinação do Papa Eslavo, também outros nossos irmãos na língua e nos acontecimentos da história. E se não estão, se não estão presentes neste parque, recordem que por isso estão ainda mais presentes no nosso coração. Recordem que estão mais presentes no nosso coração e na nossa prece.

5. Existe ainda, lá em Varsóvia, na Praça da Vitória, o túmulo ao Soldado Desconhecido, junto do qual iniciei o meu ministério de peregrino em terra polaca; e aqui, em Cracóvia no Vístula — entre Waevel e Skalka — o túmulo «ao Bispo Desconhecido» do qual ficou uma admirável «relíquia» no tesouro da nossa história.

E por isso, permiti que, antes de vos deixar, dirija ainda o meu olhar para Cracóvia, esta Cracóvia em que cada pedra e cada tijolo me são queridos. E que veja ainda daqui a Polónia...

E por conseguinte, antes de me ir embora daqui, peço-vos que aceiteis, mais uma vez todo o património espiritual cujo nome é «Polónia», com a fé, a esperança e a caridade enxertada por Cristo em nós no santo Baptismo.

Peço-vos

121 — que não percais nunca a confiança, que não vos abatais, que não vos desencorajeis;

— que não corteis por vós as raízes de que tivemos origem.

Peço-vos

— que tenhais confiança, apesar de toda a vossa fraqueza, que procureis sempre a força espiritual n'Aquele junto de quem tantas gerações dos nossos pais e das nossas mães a encontravam.

— Não vos separeis nunca d'Ele.

Não percais nunca a liberdade de espírito, com a qual Ele «torna livre» o homem.

Não desdenheis nunca a Caridade, a coisa «maior», que se manifestou através da cruz, e sem a qual a vida humana não tem nem raízes nem sentido.

Tudo isto vos peço

— em memória e pela poderosa intercessão da Mãe de Deus de Jasna Gora e de todos os santuários da terra polaca;

— em memória de Santo Wojciech, que sofreu a morte por Cristo perto do mar Báltico;

— em memória de Santo Estanislau, caído sob a espada real de Skalka.

122 Peço-vos tudo isto. Amen.



AUTÓGRAFO DO PAPA JOÃO PAULO II


PARA A NOMEAÇÃO DO NOVO


SECRETÁRIO DE ESTADO




Ao Nosso Venerável Irmão

AGOSTINO CASAROLI,

Cardeal da Santa Igreja Romana



Venerável Irmão Nosso

O apreço da tua personalidade singular, que há vários anos Nós próprio conhecêramos pelas virtudes sacerdotais e zelo apostólico, pela rectidão moral e maturidade de juízo, juntamente com a lembrança daquele valor que manifestaste, quase por mais de quarenta anos, na diligente e sábia condução dos assuntos públicos da Igreja, através dos dicastérios da Sé Apostólica, mesmo junto dos dirigentes dos Povos e das assembleias das Nações, fizeram não só com que, espontaneamente, pensássemos em ti, como colaborador no futuro, mas que te desejássemos no presente, depois de no início de Março deste ano, Nos ter sido arrebatado do número dos vivos o Cardeal Jean Villot; que tivemos como fiel e douto cooperador no múnus da Secretaria de Estado.

Por estas e outras causas justíssimas, Venerável Irmão Nosso, depositámos em ti no mês de Abril a Nossa confiança e pedimos-te a orientação superior daqueles assuntos que incumbem à Secretaria de Estado e ao Conselho para os Assuntos Públicos da Igreja. Para uma tão grande e tão oportuna união de sentimentos e propósitos, faltava como um reconhecimento, trazido nestes dias pela elevação à dignidade cardinalícia.

Depois de meditar cuidadosamente tudo isto, enviamos com profunda satisfação esta Carta, por meio da qual, em virtude do Nosso legítimo direito e poder apostólico, te nomeamos Secretário de Estado e, ao mesmo tempo Prefeito do Conselho para os Assuntos Públicos da Igreja, e, ainda, Presidente da Pontifícia, Comissão para o Estado da Cidade do Vaticano.

Na verdade, rectamente confiamos que tu, dadas as óptimas qualidades, por nós acima recordadas, dar-nos-ás e a esta Sé Apostólica uma preciosa, assídua e eficaz colaboração, no tratamento de assuntos que muitas vezes têm projecção universal. E isto acontece nestes tempos, em que a Igreja e o mundo são atormentados por tantos problemas e dificuldades, sem porém lhes faltar motivos que possam incutir confiança e alimentar a esperança.

Todavia, a fim de que nunca te falte algum subsídio humano, a ti que suportas ónus diários tão pesados e abraças inúmeros cargos, tanto quanto Nos é possível, manifestamos-te toda a Nossa benevolência, Venerável Irmão Nosso. E com uma fervorosa prece, imploramos de Deus-Providência a luz permanente do céu e uma completa e frutuosa actividade, com alegria e tranquilidade de ânimo.

Do Palácio Apostólico, a 1 de Julho do ano de 1979, Primeiro do Nosso Pontificado.

JOÃO PAULO PP. II



SOLENIDADE DO CORPO DE DEUS

- MISSA NA BASÍLICA DE SÃO JOÃO DE LATRÃO -



17 de Junho de 1979





Homilias JOÃO PAULO II 114