Homilias JOÃO PAULO II 182


VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À IRLANDA

SANTA MISSA NO SANTUÁRIO DE KNOCK



Domingo, 30 de Setembro de 1979




Queridos irmãos e irmãs em Cristo, filhos fiéis e filhas de Maria

1. Aqui atinjo a finalidade da minha viagem à Irlanda: o Santuário de Nossa Senhora de Knock. Desde o momento que soube do centenário, que está celebrar-se aqui este ano, senti o veemente desejo de me associar também a ele, fazendo outra peregrinação a um Santuário da Mãe de Cristo, que é a Mãe da Igreja e a Rainha da Paz. Não vos surpreenda este meu desejo. A começar desde a minha primeiríssima juventude e no meu País, era para mim habitual fazer peregrinações aos santuários de Nossa Senhora. Fi-las também quando era Bispo e Cardeal. Sei muito bem que cada povo, cada País, e também cada diocese, tem os seus lugares santos em que o coração de todo o povo de Deus pulsa, poderia dizer-se, de modo mais vivo: lugares de encontro especial entre Deus e os seres humanos; lugares em que mora Cristo de maneira especial no meio de nós. Se estes lugares são tão frequentemente consagrados a sua Mãe, isto revela-nos em forma mais completa a natureza da sua Igreja. Desde o Concílio Vaticano II, que terminou a sua Constituição sobre a Igreja com o capítulo sobre "A Bem-aventurada Virgem Maria Mãe de Deus, no mistério de Cristo e da Igreja", este facto é hoje, para nós, mais evidente do que nunca — sim, para todos nós, para todos os cristãos. Não proclamamos com todos os nossos irmãos, mesmo com aqueles com quem ainda não estamos unidos em plena unidade, que somos um povo peregrino? Como outrora este povo peregrinou sob a guia de Moisés assim também nós, o povo de Deus, da Nova Aliança, estamos a caminhar como peregrinos sob a guia de Cristo.

Estou aqui como um peregrino, um sinal da Igreja peregrina através do mundo, e como participante, mediante a minha presença como Sucessor de Pedro, de modo absolutamente especial na celebração centenária deste Santuário.

A Liturgia da palavra da Missa de hoje oferece-me a oportunidade de dar a minha saudação de peregrino a Maria, ao aproximar-me d'Ela no Santuário mariano da Irlanda em Cnoc Mhuire, a colina de Maria.

2. Bendita és tu entre as mulheres, e bendito é o fruto do teu ventre (Lc 1,42). São estas as palavras com que Isabel, cheia do Espírito Santo, saudou Maria, sua parenta de Nazaré.

"Bendita és tu entre as mulheres, e bendito é o fruto do teu ventre"! Esta é também a minha saudação à Muire Máthair Dé, Maria a Mãe de Deus, Rainha da Irlanda, neste Santuário de Knock. Com estas palavras, desejo exprimir a imensa alegria e reconhecimento que enchem hoje o meu coração neste lugar. Não poderia deixar de o fazer. Os momentos mais altos das minhas recentes viagens pastorais foram as visitas aos Santuários de Maria: a Nossa Senhora de Guadalupe no México, a Nossa Senhora Negra de Jasna Góra na minha pátria, e, há três semanas, a Nossa Senhora do Loreto na Itália. Hoje venho aqui porque desejo que todos vós saibais que a minha devoção a Maria me liga ao povo da Irlanda de maneira especialissima.

3. A vossa é uma antiga tradição espiritual de devoção a Nossa Senhora. Maria pode verdadeiramente dizer da Irlanda o que acabámos de ouvir na primeira leitura: deitei raízes no meio de um povo glorioso (Si 24,16). A veneração a Maria está tão profundamente inserida na vossa fé, que as suas origens perdem-se nos primeiros séculos da evangelização do vosso País. Disseram-me que na linguagem vulgar irlandesa, os nomes de Deus, de Jesus e de Maria estão ligados uns aos outros, e que raramente na oração e na Bênção se diz o nome de Deus sem se mencionar também o nome de Maria. Sei também que tendes uma poesia irlandesa do século VIII que chama a Maria "Sol da nossa estirpe", e que uma ladainha do mesmo período a honra como "Mãe da Igreja celeste e terrestre". Mas, melhor que qualquer expressão literária, é a constante e radicada devoção a Maria, justificativa do bom êxito da evangelização de São Patrício, que vos trouxe a fé católica em toda a sua plenitude.

É conveniente pois, e isto dá-me grande felicidade ao verificá-lo, que o povo irlandês mantenha esta devoção tradicional à Mãe de Deus nas suas famílias e nas paróquias, e de modo particular neste Santuário de Cnoc Mhuire. Durante um século inteiro, vós santificastes este lugar de peregrinação com as vossas orações, os vossos sacrifícios, e a vossa penitência. Todos aqueles que vieram aqui, receberam a bênção mediante a intercessão de Maria. Desde aquele dia de graça, 21 de Agosto de 1879,até hoje, os doentes e os que sofrem, os diminuídos físicos e mentais, os perturbados na própria fé e na própria consciência, todos foram curados, confortados e confirmados na sua fé, porque tiveram confiança que a Mãe de Deus os conduziria ao seu filho Jesus. Todas as vezes que uma peregrinação vem a este lugar, que outrora era uma desconhecida localidade pantanosa na County Mayo, todas as vezes que um homem, mulher ou criança se encontram na velha Igreja da Aparição ou no novo Santuário de Maria Rainha da Irlanda, é para renovarem a sua fé na salvação que vem por meio de Jesus, que nos transformou a todos nós em filhos de Deus e herdeiros do reino dos céus.

183 Tendo confiança em Maria, recebeis a Cristo. Em Maria "o Verbo fez-se carne"; n'Ela o Filho de Deus fez-se homem de modo que todos nós pudéssemos conhecer quanto é grande a nossa dignidade humana. Estando neste lugar consagrado, levantamos o olhar para a Mãe de Deus e dizemos: "Bendita és tu entre as mulheres, e bendito é o fruto do teu ventre".

O tempo actual é momento importante na história da Igreja universal e, em particular, da Igreja na Irlanda. Muitas coisas mudaram. Muitos significados novos e válidos foram encontrados naquilo que se exprime com sermos cristãos. Muitos problemas novos devem ser enfrentados pelos fiéis, quer devido ao aumentado ritmo de mudança na sociedade, quer devido às novas exigências apresentadas ao povo de Deus, exigências de viver ao máximo a missão da evangelização. O Concílio Vaticano II e o Sínodo dos Bispos, trouxeram nova vitalidade pastoral a toda a Igreja. O meu venerado predecessor Paulo VI formulou sábias directrizes para o renovamento, e ofereceu a todo o povo de Deus inspiração e entusiasmo para este dever. Em todas as coisas que disse e fez, Paulo VI ensinou a Igreja a estar aberta a todas as necessidades da humanidade e ao mesmo tempo a ser fiel sem fraquezas em relação à mensagem inalterável de Cristo. Leal ao ensinamento do Colégio dos Bispos juntamente com o Papa, a Igreja da Irlanda aceitou com gratidão as riquezas do Concílio e dos Sínodos. O povo católico irlandês aderiu fielmente, algumas vezes apesar das pressões contrárias, às ricas expressões de fé, às fervorosas práticas sacramentais, e à dedicação à caridade, coisas que sempre foram característica particular da vossa Igreja. Mas a tarefa do renovamento em Cristo não acaba nunca. Cada geração, com a sua mentalidade e características próprias, é como novo continente a conquistar para Cristo. A Igreja deve procurar sem cessar novos caminhos que a tornem capaz de compreender mais profundamente e levar avante com renovado vigor a missão recebida do seu Fundador. Nesta árdua tarefa, como muitas outras vezes noutros tempos quando a Igreja se encontrava perante um novo desafio, nós dirigimo-nos a Maria, a Mãe de Deus e a Sede da Sabedoria, tendo confiança em que Ela nos indicará os caminhos para o seu Filho. Uma antiquíssima homilia irlandesa para a festa da Epifania (do Leabhar Breac) diz que assim como os Homens Sábios encontraram Jesus nos joelhos de sua Mãe, assim também nós hoje encontra-mos Cristo sobre os joelhos da Igreja.

4. Maria foi verdadeiramente unida a Jesus. Os Evangelhos não nos conservaram muitas das suas palavras; mas as que foram recordadas levam-nos de novo ao seu Filho e à palavra d'Ele. Em Caná de Galileia, ela voltou de junto do Seu Filho e dirigindo-se aos servidores disse: Fazei o que Ele vos disser (
Jn 2,5). A mesma mensagem nos dirige ela hoje.

5. "Fazei o que Ele vos disser". O que Jesus nos diz com a sua vida e com a sua palavra — foi-nos conservado nos Evangelhos, e nas cartas dos Apóstolos e de São Paulo, e foi-nos transmitido pela Igreja. Devemos familiarizar-nos com estas palavras. E fazemo-lo escutando as leituras da Sagrada Escritura na liturgia da palavra, que nos introduz no Sacrifício eucarístico; lendo as Escrituras nós próprios; reflectindo, na família ou juntamente com os amigos, sobre o que o Senhor nos diz quando rezamos o Rosário e unimos a nossa devoção à Mãe de Deus com a oração meditada dos mistérios da vida de seu Filho. Todas as vezes que temos problemas, que nos sentimos sobrecarregados e que devemos fazer opções que nos são impostas pela fé, a palavra do Senhor confortar-nos-á e guiar-nos-á.

Cristo não abandonou os seus seguidores sem guia, no dever de compreenderem e viverem o Evangelho. Antes de voltar para o Pai, prometeu enviar o seu Santo Espírito à Igreja: Mas o Consolador, o Espírito Santo que o Pai enviará em Meu nome, Esse ensinar-vos-á todas as coisas e vos recordará tudo o que vos tenho dito (Jn 14,26).

Este mesmo Espírito guia os sucessores dos Apóstolos, os vossos Bispos, unidos com o Bispo de Roma, a quem foi confiado o dever de preservar a fé e de anunciar a Boa Nova a toda a criatura (Mc 16,15). Ouvi as suas vozes, porque elas trazem-vos a Palavra do Senhor.

6. "Fazei o que Ele vos disser". Muitas vozes diferentes assaltam o Cristão no mundo de hoje tão maravilhoso e tão exigente. Muitas vozes falsas se ouvem, que estão em conflito com a palavra do Senhor. São as vozes que vos sugerem que a verdade é menos importante do que o lucro pessoal; que o bem-estar, a saúde e o prazer são os verdadeiros fins da vida; que a recusa de uma nova vida é melhor do que a generosidade de espírito e do que o acolhimento; que a justiça deve ser obtida mas sem compromisso pessoal; que a violência pode ser meio para obter um bom fim; que a unidade pode ser construída sem abandonar o ódio.

E agora voltamos de Caná da Galileia ao Santuário de Knock. Não sentimos que a Mãe de Cristo indicando-O também a nós aqui, e dirigindo-nos as mesmas palavras que usou em Caná, nos diz: "Fazei o que Ele vos disser"? Está a dizê-lo a todos nós. A sua voz é ouvida mais expressamente pelos meus irmãos no Episcopado, os pastores da Igreja na Irlanda, os quais — convidando-me a vir aqui — me pediram para aceitar um convite que provinha da Mãe da Igreja. E assim, veneráveis Irmãos, estou a responder, enquanto com o pensamento me concentro no passado do vosso País e enquanto sinto ainda a força do seu eloquente presente, tão cheio de alegria e, apesar disso, ao mesmo tempo, tão preocupante e às vezes tão doloroso. Estou respondendo, como fiz em Guadalupe no México e em Jasna Góra na Polónia. No meu nome e em favor de vós e no nome de todo o povo católico da Irlanda, pronuncio, no final desta homilia, as seguintes palavras de confiança e de consagração:

Mãe, neste santuário tu acolhes o povo de Deus de toda a Irlanda e indicas-lhe constantemente Cristo na Eucaristia e na Igreja. Neste momento solene nós escutamos com particular atenção as tuas palavras: "Fazei tudo o que o meu Filho vos disser". E nós desejamos responder às tuas palavras com todo o coração. Nós desejamos fazer tudo o que o teu Filho nos diz, tudo o que nos ordena, porque Ele tem palavras de vida eterna. Nós desejamos realizar e cumprir tudo o que vem d'Ele, tudo o que está contido na Boa Nova, tal como fizeram os nossos antepassados por muitos séculos. A sua fidelidade a Cristo e à sua Igreja, e a sua heróica dedicação à Sé Apostólica, imprimiram de certo modo em nós um sinal indelével, presente em todos nós. Esta fidelidade, ao longo dos séculos, fez maturar frutos de heroísmo cristão e de virtuosas tradições de vida em consonância com a lei de Deus, especialmente em consonância com o mais santo mandamento do Evangelho, o mandamento do amor. Recebemos esta esplêndida herança das suas mãos nos inícios de uma época nova, dado que nos aproximamos do termo do segundo milénio desde que o Filho de Deus foi gerado por Ti, nossa alma Mater, e nós entendemos transmitir esta herança ao futuro com a mesma fidelidade com que os nossos antepassados lhe prestaram testemunho.

Hoje, por conseguinte, na altura da primeira visita de um Papa A Irlanda, nós confiamos e consagramos a Ti, Mãe de Cristo e Mãe da Igreja, os nossos corações, as nossas consciências e os nossos trabalhos, a fim de que possam ajudar-nos a manter a fé que professamos. Confiamos e consagramos a Ti todos aqueles que formam a comunidade do povo irlandês e a comunidade do Povo de Deus que vive neste País.

Confiamos e consagramos a Ti os Bispos da Irlanda, o clero, os religiosos e as religiosas, os contemplativos, monges e freiras, os seminaristas e os noviços. Confiamos e consagramos a Ti os pais e as mães, os jovens e as crianças. Confiamos e consagramos a Ti os professores, os catequistas, os estudantes, os escritores, os poetas, os autores, os artistas, os trabalhadores e os seus chefes, os empregados e os dirigentes, os profissionais, aqueles que estão empenhados na política e na vida do Estado e aqueles que formam a opinião pública. Confiamos e consagramos a Ti os jovens casais e aqueles que se estão a preparar para o matrimónio; aqueles que são chamados a servir-te, a Ti e ao próximo, no celibato; os enfermos, os anciãos, os doentes de mente, os diminuídos e todos aqueles que os assistem e têm cuidado deles. Confiamos e consagramos a Ti os prisioneiros e quantos se sentem rejeitados, os exilados, aqueles que sentem saudades da própria casa, e aqueles que estão sozinhos.

184 Confiamos ao teu cuidado materno a terra da Irlanda, onde foste e és tão amada. Ajuda esta terra a permanecer, sinceramente, sempre conTigo e com o Filho teu. Oxalá a prosperidade não induza nunca os homens e as mulheres da Irlanda a esquecerem Deus ou a abandonarem a sua fé. Mantém-nos, na prosperidade, fiéis à fé que nunca teriam abandonado na pobreza e na perseguição. Mantém-nos longe da cobiça, da inveja, da busca de interesse egoísta ou particularista. Ajuda-os a trabalharem juntos com um sentido de ideal cristão e para uma comum meta cristã, isto é para construírem uma sociedade justa, pacífica e fundada sobre o amor, em que os pobres nunca sejam descuidados e os direitos de todos, especialmente dos fracos, sejam respeitados. Rainha da Irlanda, Maria mãe da Igreja celeste e terrestre, Máthair Dé, conserva a Irlanda fiel à sua tradição espiritual e à sua herança cristã. Ajuda-a a corresponder à sua missão histórica de levar a luz de Cristo às nações e assim, trabalhando para a glória de Deus, ser a honra da Irlanda.

Ó Mãe, podemos nós passar em silêncio aquilo que achamos mais penoso, que nos deixa muitas vezes tão desanimados? De modo particular confiamos a Ti esta grande ferida que agora aflige o nosso povo, na esperança que as Tuas mãos sejam capazes de a curar e sarar. Estamos todos interessados por aquelas jovens almas que foram envolvidas em actos sanguinosos de vingança e de ódio. Mãe, não abandones nunca estes jovens corações. Mãe, está junto deles nas suas horas mais obscuras, quando não podemos nem aconselhá-los nem assisti-los. Mãe, protege-nos a todos nós e especialmente à juventude irlandesa para que não sejamos impelidos pela inimizade e pelo ódio. Ensina-nos a distinguir claramente aquilo que procede do amor pelo nosso País, daquilo que traz o sinal da destruição e a marca de Caim. Faz-nos compreender que os meios maus não podem nunca levar a bom fim, que cada vida humana é sagrada, que o assassínio é assassínio, pouco importa qual seja o seu motivo ou o fim. fim. Salva os outros, aqueles que assistem a estes terríveis acontecimentos, de outro perigo: o de viverem uma vida sem ideais cristãos ou em conflito com os princípios de moralidade.

Oxalá os nossos ouvidos ouçam com toda a clareza a tua voz materna: "Fazei tudo o que o meu Filho vos disser". Ajuda-nos a perseverar com Cristo; ajuda-nos, ó Mãe da Igreja, também a construir o seu Corpo Místico, vivendo aquela vida que só Ele pode conceder-nos ria sua plenitude, e que é ao mesmo tempo divina e humana.

VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À IRLANDA

SANTA MISSA EM LIMERICK



Hipódromo de Green Park

Segunda-feira, 1 de Outubro de 1979

Queridos Irmãos e Irmãs em Cristo


1. Neste último dia da minha visita à Irlanda, estou entre vós para celebrar convosco a sagrada Eucaristia. Desejo selar mais uma vez, no amor de Cristo Jesus, o vínculo que une o sucessor de Pedro na Sé de Roma com a Igreja que está na Irlanda. Em vós saúdo, mais uma vez, todo o povo da Irlanda, que tomou o seu lugar no mistério da Igreja através da pregação de São Patrício e por meio dos sacramentos do Baptismo e do Crisma. Convido-vos a fazer desta última Missa, que ofereço convosco e por vós, um hino de especial acção de graças à Santíssima Trindade pelos dias que pude passar entre vós.

Venho em nome de Cristo pregar-vos a sua mensagem. A Liturgia da Palavra de hoje fala de um edifício, da pedra angular que sustenta e dá firmeza à casa, da cidade construída sobre o monte, para segurança e protecção. Estas imagens contêm um convite — para todos nós, para todos os cristãos — a avizinharmo-nos de Cristo, a pedra angular, para que Ele possa ser o nosso apoio e o princípio unificador que dá significado e coerência à nossa vida. É o mesmo Cristo que outorga dignidade a todos os membros da Igreja e atribui a cada um a sua própria missão.

2. Hoje queria falar-vos da especial dignidade e missão confiada aos leigos na Igreja. São Pedro diz que os cristãos são um sacerdócio real, uma nação santa (1P 2,9). Todos os cristãos, incorporados em Cristo e na sua Igreja através do. Baptismo, são consagrados a Deus. São chamados a professar a fé que receberam. Além disso, com o sacramento da Confirmação, são enriquecidos pelo Espírito Santo com uma força especial, para dar testemunho de Cristo e participar no seu encargo de salvação. Todo o cristão leigo é, portanto, obra-prima da graça de Deus e é chamado aos cumes da santidade. Às vezes, homens e mulheres do laicado parecem não apreciar plenamente a sua dignidade e vocação laical. Não, não existe um "leigo ordinário", porque todos vós fostes chamados à conversão através da morte e ressurreição de Jesus Cristo. Como povo santo de Deus, sois chamados a desempenhar o vosso papel na evangelização do mundo.

Sim, os leigos são "raça eleita, sacerdócio santo", também eles chamados a ser "o sal da terra" e "a luz do mundo". E sua vocação e missão específica manifestar o Evangelho na sua vida e inseri-lo assim como fermento na realidade do mundo em que vivem e trabalham. As grandes forças que governam o mundo — política, mass media, ciência, tecnologia, cultura, educação, indústria e trabalho — são precisamente os sectores nos quais os.leigos são especificamente competentes para exercer a sua missão. Se estas forças forem dirigidas por pessoas que sejam verdadeiros discípulos de Cristo e que ao mesmo tempo, pelos conhecimentos e pela prática, sejam competentes no seu campo específico, então o mundo será verdadeiramente mudado a partir de dentro, através do poder redentor de Cristo.

3. Os leigos são hoje chamados a um forte compromisso cristão: permear a sociedade com o fermento do Evangelho, porque a Irlanda está num ponto decisivo da sua história.

185 O povo irlandês deve escolher hoje o caminho a seguir. Será a transformação de todos os estratos da humanidade numa nova criação, ou a estrada que muitas Nações têm seguido, dando importância excessiva ao crescimento económico e à posse dos bens materiais, descurando as coisas do espírito? A estrada que leva a substituir uma nova ética do prazer temporal à lei de Deus? A estrada de uma falsa liberdade que não passa de escravidão e decadência? Será a estrada na qual a dignidade da pessoa humana é submetida ao domínio totalitário do Estado? A estrada da luta violenta entre as classes? A estrada que põe a revolução no lugar de Deus?

A Irlanda deve escolher. Vós, geração da Irlanda de hoje, deveis decidir; a vossa escolha deve ser clara, e firme a vossa decisão. A voz dos antepassados que tivestes, os quais sofreram tanto, para preservar a sua fé em Cristo e assim preservar a alma da Irlanda, ressoe hoje nos vossos ouvidos através da voz do Papa que vos repete as palavras de Cristo: Que vantagem terá o homem se ganhar o mundo inteiro, e depois perder a sua alma? (
Mt 16,26). Que vantagem teria a Irlanda seguindo o caminho fácil do mundo, mas para depois perder a sua alma?

O vosso País, em certo sentido, parece reviver as tentações de Cristo: é-vos pedido que prefirais o "reino do mundo e a sua glória" ao reino de Deus (Cfr. Mt Mt 4,8). Satanás, o Tentador, o Adversário de Cristo, usará todo o seu poder e todas as suas adulações para levar a Irlanda aos caminhos do mundo. Que vitória para ele, que golpe infligiria ao Corpo de Cristo no mundo, se conseguisse seduzir homens e mulheres da Irlanda, levando-os para longe de Cristo. Este é para a Irlanda o tempo da provação. Mais uma vez, esta é uma geração que deve decidir.

Queridos Filhos e Filhas da Irlanda, peço-vos que não vos deixeis seduzir pela tentação. Na minha primeira Encíclica pedia "grande, intensa e crescente oração por toda a Igreja". Hoje peço-vos grande, intensa e crescente oração por todo o povo da Irlanda, por toda a Igreja que tanto deve à Irlanda. Rezai para que a Irlanda não sucumba na provação. Rezai, como Jesus nos ensinou a rezar: "Não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal".

Tende sobretudo grande confiança nos méritos de Nosso Senhor Jesus Cristo e no poder da sua morte e ressurreição. É precisamente por força do seu Mistério Pascal que cada um de nós e toda a Irlanda pode dizer: Posso tudo n'Aquele que me dá a força (Flp 4, 13).

4. A Irlanda no seu passado exprimiu uma interpretação valiosa da sua vasta cultura, língua e costumes de vida, através das coisas de Deus e da vida da graça. Em certo sentido, a vida estava organizada à volta dos acontecimentos religiosos. A missão da geração actual de homens e mulheres da Irlanda é transformar o mundo mais complexo da vida industrial e urbana moderna, com o mesmo espírito evangélico. Hoje podeis guardar as cidades e as fábricas para Deus, como sempre guardastes as quintas e as comunidades das aldeias para Ele no passado. O progresso material levou, em tantos lugares, a um declínio da fé e do crescimento em Cristo, no amor e na justiça.

Para realizar tal preservação, como disse no Phoenix Park, deveis demonstrar coerência entre a vossa fé e a vida quotidiana. Não podereis ser cristãos autênticos ao domingo, se não procurardes ser coerentes com o espírito de Cristo no vosso trabalho, nas vossas transacções comerciais, nos sindicatos, nos encontros profissionais ou empresariais. Como podereis ser uma autêntica comunidade em Cristo durante a Missa, senão procurardes pensar no bem-estar de toda a comunidade nacional, quando o vosso sector ou grupo particular está para tomar decisões importantes? Como podereis estar prontos para encontrar o Cristo-Juiz, se vos não recordais de quantos pobres são atingidos pelo comportamento do vosso grupo ou pelo estilo da vossa vida, pessoal? Pois Cristo dirá a todos nós: Tudo aquilo que tiverdes f eito ao mais pequeno dos meus irmãos, a mim o fizestes (Mt 25,40).

Soube com grande alegria e gratidão que vos unistes, em maravilhoso espírito de trabalho e cooperação, na preparação tanto material como espiritual desta minha visita. Quanto maior seria a maravilha se pudesseis ter sempre o mesmo espírito de trabalho e cooperação, para a glória de Deus e a honra da Irlanda!

5. Aqui em Limerick, encontro-me numa região genericamente rural e muitos de vós sois gente da terra. Junto de vós sinto-me em casa, como me aconteceu com a gente rural e montanhesa da minha Polónia natal, e aqui repito-vos o que lhes disse a eles: "Amai a terra, amai o trabalho dos campos, porque vos conserva próximos de Deus Criador de maneira especialíssima".

Por outro lado, a quantos foram para a cidade, aqui ou no estrangeiro, eu digo: permanecei em contacto com as vossas raízes, na terra irlandesa, com as vossas famílias e a vossa cultura. Sede leais para com a fé, a oração e os valores que aprendestes aqui; e transmiti esta herança aos vossos filhos, porque é rica e boa.

A todos digo que respeitem e protejam a sua família e a sua vida familiar, porque a família é o primeiro terreno da acção cristã para o laicado irlandês, o Lugar em que o vosso "sacerdócio real" é principal mente exercido. A família cristã foi no passado o maior recurso espiritual da Irlanda. As condições modernas e as mudanças sociais criaram novos esquemas e novas dificuldades, para a vida familiar e para o matrimónio cristão. Quero dizer-vos que não desanimeis, que não sigais os critérios que consideram anacrónica uma família com laços estreitos; a família cristã é importante para a Igreja e para a sociedade, hoje mais do que nunca.

186 É verdade que a estabilidade e a santidade do matrimónio estão ameaçadas pelas novas ideias e pelas aspirações de muitos. O divórcio, introduzido seja por que motivo for, torna-se inevitavelmente cada vez mais fácil de obter, e é gradualmente aceite como facto normal da vida. A grande possibilidade de divórcio, na esfera da lei civil, torna cada vez mais difícil todos os matrimónios estáveis e duradouros.

Continue a Irlanda sempre a dar testemunho, perante o mundo moderno, do seu compromisso tradicional quanto à santidade e indissolubilidade do vínculo matrimonial. Defendam sempre os irlandeses o matrimónio através do compromisso pessoal, como através de uma acção legal, social e positiva.

Sobretudo conservai em alto apreço a maravilhosa dignidade e graça do sacramento do matrimónio. Preparai-vos com zelo, desde agora. Acreditai no poder espiritual que este sacramento de Jesus Cristo oferece; para reforçar a união matrimonial e superar todas as crises e problemas da vida a dois. Os esposos devem acreditar no poder do sacramento para os tornar santos; devem acreditar na sua vocação, para testemunhar através do seu matrimónio o poder do amor de Cristo. Um amor verdadeiro e a graça de Deus jamais poderão deixar transformar um matrimónio em relação egoísta de dois indivíduos que vivem um ao lado do outro, pelo interesse particular de cada um.

6. E aqui quero dizer uma palavra especialíssima a todos os pais irlandeses. O matrimónio deve incluir a disponibilidade para o dom dos filhos. Disponibilidade generosa para aceitar os filhos da parte de Deus. Aceitar de Deus os filhos como um dom ao seu amor, é o sinal característico da união cristã. Respeitar o ciclo da vida estabelecido por Deus, porque este respeito é parte do nosso respeito pelo próprio Deus, criador do homem e da mulher, que os fez à sua imagem, reflectindo o seu amor criador de vida, nos esquemas do ser casal.

E assim, digo a todos. que tenham respeito absoluto e santo pelo carácter sagrado da vida humana, desde o primeiro momento da sua concepção. O aborto, como afirmou o Concílio Vaticano, é "crime abominável" (Gaudium et Spes
GS 51). Ofender a vida ainda não nascida, em qualquer fase da sua concepção, significa subverter toda a ordem moral, que é a verdadeira protecção do bem-estar do homem.

A defesa da inviolabilidade absoluta da vida ainda não nascida é parte da defesa dos direitos do homem e da dignidade humana. Nunca a Irlanda enfraqueça na sua defesa, perante a Europa e o mundo inteiro, na defesa da dignidade e sacralidade de toda a vida humana, desde a concepção até à morte.

Queridos pais e mães da Irlanda, acreditai na vossa vocação, a bela vocação do matrimónio e da paternidade que Deus vos deu. Acreditai que Deus está convosco, porque toda a paternidade, no céu e na terra, é d'Ele que recebe o nome. Não acrediteis poder fazer na vossa vida algo de mais importante do que ser bons pais cristãos e boas mães. Oxalá as mães irlandesas, os jovens e as jovens não ouçam quantos lhes dizem que trabalhar numa profissão do mundo, ter êxito num trabalho externo, é mais importante do que transmitir a vida e cuidar desta vida como mãe. O futuro da Igreja, o futuro da humanidade depende em grande medida dos pais e do tipo de vida familiar que se vive nas casas. A família é a autêntica medida da grandeza de uma Nação, exactamente como a dignidade do homem é a verdadeira medida de uma civilização.

7. As vossas casas sejam sempre casas de oração. Dado que deixo hoje esta ilha tão cara ao meu coração, esta terra e o seu povo, que tanto consola e dá força ao Papa, seja-me lícito exprimir um voto: Que cada casa na Irlanda permaneça ou recomece a ser uma casa de oração familiar quotidiana. O facto de vós me prometerdes fazer isto, constitui o dom maior que podereis oferecer-me ao deixar as vossas plagas hospitaleiras.

Sei que os vossos Bispos estão a preparar um programa pastoral com intenção de tornar maior a competência dos pais para a educação religiosa dos filhos; com base no mote: "A contas com a fé na Família". Confio que todos vós participareis neste programa com generosidade. Transmitir aos vossos filhos a fé que recebestes dos vossos pais, é o vosso primeiro dever ,e o vosso maior privilégio. A casa deveria ser a primeira escola de religião, como também a primeira escola de oração. A grande influência espiritual da Irlanda na história do mundo é devida em grande parte à religião das famílias irlandesas, porque a evangelização começa em casa, e é em casa que desabrocham e se desenvolvem as vocações.

Por isso; apelo para os pais irlandeses, para que continuem a alimentar as vocações para o sacerdócio e para a vida religiosa nas suas casas, entre os seus filhos e filhas. Foi este, em várias gerações, o maior desejo de um pai irlandês, o de ter um filho sacerdote, ou uma filha consagrada a Deus. Oxalá continuem a ser assim o vosso desejo e a vossa oração. O aumento das facilidades à disposição dos jovens e das jovens não diminua em nada. a vossa estima pelo privilégio de terdes um filho vosso ou filha escolhidos por Cristo e chamados por Ele a deixar tudo para O seguir.

Confio tudo isto a Maria, luminoso "sol da raça irlandesa". Ajude a sua oração cada família irlandesa a imitar a Sagrada Família de Nazaré. Tomando coragem na sua casa, oxalá os jovens cristãos vão para diante, como Jesus fez, tomando a coragem em Nazaré. Oxalá cresçam na força do Espírito para continuar a obra de Cristo e seguir os seus passos neste fim do milénio até ao ano dois mil. Maria vos conserve perto d'Ele, que é o Pai do século futuro (Is 9,6).

187 Dia agus Muire Libh!

O Senhor e Nossa Senhora estejam para sempre com todos vós.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE AOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

SANTA MISSA NO PARQUE «BOSTON COMMON»



Segunda-feira, 1 de Outubro de 1979




Queridos irmãos e irmãs,
Queridos jovens da América

1. Há pouco pisei o solo dos Estados Unidos da América. Em nome de Cristo dou início a uma viagem pastoral que me fará chegar a diversas das vossas cidades. Ao começar este ano tive ocasião de saudar este continente no lugar onde Cristóvão Colombo pisou terra; hoje entro nos Estados Unidos e de novo saúdo toda a América. Porque este povo, onde quer que se encontre, ocupa um lugar especial no amor do Papa.

Venho aos Estados Unidos da América como Sucessor de Pedro e peregrino da fé. É para mim grande alegria realizar esta visita. É por isso que desejo fazer chegar a minha estima e o meu afecto a todos os habitantes desta terra. Saúdo todos os Americanos sem distinção; desejo encontrar-vos e dizer a todos vós — homens e mulheres de todas as origens étnicas, jovens, pais e mães, doentes e anciãos — que Deus vos ama, que, enquanto seres humanos, vos conferiu uma dignidade incomparável. Quero dizer a cada um que o Papa é vosso amigo e servo da vossa humanidade. Neste primeiro dia da minha visita, desejo exprimir a minha estima e o meu amor à América pela experiência iniciada há dois séculos e que tem o nome de Estados Unidos da América; pelas passadas realizações desta terra e pelo seu esforço por um futuro mais justo e humano; pela generosidade com que este país ofereceu asilo, liberdade e possibilidade de progresso a quantos chegaram até às suas costas; e pela humana solidariedade, que vos leva a colaborar com todas as outras nações a fim de a liberdade ser salvaguardada e tornado possível o pleno desenvolvimento humano. Eu te saúdo, ó América bela!

2. Estou aqui pois quis aceitar o convite a mim dirigido, em primeiro lugar, pelo Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas. Amanhã terei a honra, como hóspede das Nações Unidas, de ir até esse supremo forum internacional das Nações e dirigir uma alocução à Assembleia Geral: convite ao mundo em favor da justiça e da paz, apelo em defesa da dignidade única de cada ser humano. Sinto-me grandemente honrado pelo convite do Secretário-Geral das Nações Unidas. Ao mesmo tempo estou bem consciente da grandeza e importância do compromisso que tal convite representa. Desde o primeiro momento estive persuadido que este convite devia ser aceite por mim como Bispo de Roma e pastor da Igreja universal de Cristo. Exprimo, por isso, profunda gratidão igualmente à hierarquia eclesiástica nos Estados Unidos, que se associou à iniciativa das Nações Unidas. Recebi muitos convites de dioceses e de diversas regiões deste País, como também do Canadá. Tenho profunda pena de não poder aceitar todos estes convites; se fosse possível, quereria realizar por toda a parte uma visita. A minha peregrinação à Irlanda, por ocasião do centenário do Santuário de Nossa Senhora de Knock, foi conveniente introdução a esta minha visita aqui. Espero sinceramente que toda esta minha visita aos Estados Unidos seja vista à luz da Constituição sobre a Igreja no mundo de hoje, elaborada pelo Concílio Vaticano II.

E nesta tarde sinto-me profundamente feliz por estar convosco aqui, no "Boston Common". Em vós saúdo eu a cidade de Boston e todos os seus habitantes, assim como o "Commonwealth" de Massachussets e todas as suas autoridades civis. Com especial calor saúdo aqui o Cardeal Medeiros e toda a Arquidiocese de Boston. Uma recordação particular me liga a esta cidade, já que há três anos, por convite da sua Escola de Teologia, tive a oportunidade de falar na Universalidade de Harvard. Recordo este memorável acontecimento; desejo exprimir mais uma vez a minha gratidão às Autoridades de Harvard e ao Decano da Escola de Teologia por aquela excepcional oportunidade.

3. Durante a minha primeira visita aos Estados Unidos como Papa, e na véspera da visita à Organização das Nações Unidas, desejo agora, dirigir urna palavra especial aos jovens aqui reunidos.

Esta tarde, numa maneira verdadeiramente particular, estendo as mãos à juventude da América. Na Cidade do México e em Guadalajara encontrei-me com a juventude da América Latina. Em Varsóvia e em Cracóvia com a juventude polaca. Em Roma encontro-me frequentemente com os jovens italianos e de todas as partes do mundo. Ontem em Galway, estive com a juventude irlandesa. E agora, com minha grande alegria, encontro nos jovens a alegria e o entusiasmo de vida, a procura da verdade e de um significado mais profundo da existência que se abre diante deles em toda a sua atracção e potencialidade.


Homilias JOÃO PAULO II 182