Homilias JOÃO PAULO II 469


SANTA MISSA NA INAUGURAÇÃO DA NOVA CAPELA HÚNGARA

DEDICADA À "MAGNA DOMINA HUNGARORUM"

NAS GRUTAS VATICANAS


Quarta-feira, 8 de Outubro de 1980




Dicsertessek o Jesus Krisztus!

Senhor Cardeal
Veneráveis Irmãos no Episcopado
Ilustres Representantes da Nação Húngara
Caros Fiéis

470 Reunidos à volta do altar do Senhor para celebrar o Sacrifício Eucarístico, não é fácil exprimir a comoção deste momento, intensamente evocativo e denso de memórias, que assinala, em certo sentido, a conclusão solene de manifestações pluricentenárias ligadas com os alvores da Igreja na Hungria e com as origens da Nação húngara.

1. Depois da comemoração do milénio da Igreja na Hungria e do nascimento e do baptismo do Rei Santo Estêvão, que o meu Predecessor Paulo VI exaltou enviando a Carta Apostólica "Sancti Stephani ortum" de 6 de Agosto de 1970, foi solenemente recordada, precisamente nestes dias, a data dez vezes centenária do nascimento de São Gerardo, Bispo e Mártir.

Decorrido assim um decénio, marcado por datas tão significativas, a inauguração desta Capela reveste o claro significado de selo e testemunho perene que, transfigurados pelo sugestivo poder da arte, indicam as gerações presentes e futuras a duradoura evocação de momentos históricos, sempre vivos na consciência nacional e ligados com os idealismos profundos de um povo, cuja conversão a Cristo coincidiu com o início da própria civilização.

2. Desejando aprofundar convosco os valores desta monumental iniciativa, o primeiro motivo que se apresenta à nossa atenção é o de uma homenagem de devoção a Nossa Senhora da Hungria, que foi constantemente invocada pelo povo, nas horas mais cruciais da vida nacional. Desde que Santo Estêvão confiou a coroa sagrada, símbolo venerado da unidade nacional, e o povo inteiro aos cuidados da Virgem Santíssima, até às horas dolorosas e agitadas do último conflito mundial, nunca se interrompeu a corrente de confiante oração dos filhos da Hungria dirigida Aquela que "levada pela sua maternal caridade cuida dos irmãos do Seu Filho que, entre perigos e angústias, caminham ainda na terra" (Lumen Gentium
LG 62).

3. Outro significado evidente desta mística Capela é certamente um testemunho de fidelidade ao Sucessor de São Pedro. A dádiva dela, por parte do Papa Paulo VI, recorda o gesto ao mesmo tempo generoso e pastoral do Sumo Pontífice Silvestre II, que, na sua solicitude pela jovem Igreja húngara, satisfez o desejo de Santo Estêvão de ter, junto ao Túmulo de São Pedro, um Oratório nacional e um Hospital para os peregrinos da sua terra. A União de fé e disciplina com o Romano Pontífice fica celebrada por este lugar sagrado, que se manterá como sinal da inserção vital das Igrejas locais da Hungria na comunidade universal da Igreja de Cristo.

4. Ao determos, em seguida, o olhar nas esculturas que, das paredes laterais, formam coroa à grande estátua da Virgem e representam episódios da vida de Santos e Beatos Húngaros, somos convidados a reflectir na obra por eles realizada, em conformidade com o mandato evangélico de servir os pobres irmãos, para elevar a condição humana e social de um povo, que estava ainda nos primeiros passos para metas de civilização.

Diante de tantos exemplos de santidade que iluminaram os primeiros séculos da vida do povo húngaro, surge espontânea a memória de tal heróica adesão ao facto de Cristo criar homens a Ele profundamente conformes (cf. Rom Rm 8,29), disponíveis para o dom total de si, e para a afirmação da justiça, da liberdade e da paz. De facto, segundo afirma o Concílio Vaticano II, "na própria sociedade terrena, a santidade promove um modo de vida mais humano" (Lumen Gentium LG 40) e a fé anima e alimenta o autêntico progresso civil.

5. Seja-me consentida uma última consideração. Da obra dos Santos, que recordámos, nasceu uma civilização europeia baseada no Evangelho de Cristo, e brotou o fermento para um autêntico humanismo, penetrado de valores perenes, e radicou-se também uma obra de promoção civil sob o signo e no respeito do primado do espiritual.

A perspectiva então aberta, pela firmeza de tais testemunhas da fé, ainda é actual e constitui a estrada real para se continuar a construir uma Europa pacífica, solidária, verdadeiramente humana, e para vencer oposições e contrastes, em que há o risco de virem a perturbar a serenidade dos particulares e das nações.

Tenho o gosto de pensar que esta preciosa e já tão amada Capela venha a tornar-se um cenáculo de oração e de inspiração para cristãos e homens de boa vontade, desejosos de ser agentes eficazes de paz numa Europa unida.

Com estes sentimentos, exprimindo ao Cardeal Primaz o meu agradecimento cordial pelas palavras nobres e afectuosas que desejou dirigir-me, quero transmitir a cada um de vós, aqui presentes, a minha saudação de bons votos, que pretende atingir, através do silencioso mas seguro caminho do coração, cada um dos filhos da Hungria.

471 A eles desejo que saibam conservar fielmente e aumentar cada vez mais as riquezas espirituais do passado, quer dizer, o precioso património religioso e o dedicado amor da Pátria.

Uno ao meu voto uma fervorosa oração à "Magna Domina Hungarorum", na certeza confiada de a sua protecção maternal não iludir nunca as ardentes expectativas dos próprios filhos. Por sua intercessão e pela de todos os vossos Santos, imploro, sobre vós, sobre às vossas famílias e sabre a Hungria inteira, a abundância das bênçãos divinas.



SANTA MISSA PARA AS FAMÍLIAS




12 de Outubro de 1980




Dilectos Irmãos e Irmãs:

1. Grande alegria enche hoje os nossos corações, pela oportunidade que nos é dada de um encontro numa comunidade tão insólita e ao mesmo tempo tão eloquente. Eis que, enquanto está a decorrer a reunião ordinária do Sínodo dos Bispos — que desde 26 de Setembro está a trabalhar sob o tema «tarefas da família cristã» — se realiza hoje o encontro das famílias, e sobretudo o encontro dos casais que prestam testemunho, com a sua mesma presença, daquelas «tarefas»: das tarefas da família cristã no mundo contemporâneo.

É verdadeiramente feliz este dia enquanto decorrem os trabalhos do actual Sínodo. Se ele faltasse, faltaria alguma coisa da maior importância, algo de essencial. Não seria suficiente, na verdade, discutir apenas o tema enfrentado pelo Sínodo dos Bispos, mesmo que isso se fizesse do modo mais competente. E necessário fazer deste tema o objecto da oração, isto precisamente juntamente convosco. É necessário dar-lhe a dimensão eucarística: é necessário levá-lo ao altar e apresentá-lo ao Eterno Pai, incluindo-o no Sacrifício do próprio Cristo.

2. E por isso vos saúdo cordialmente, caríssimos Cônjuges, reunidos diante da Basílica de São Pedro.

(Em francês)

Saúdo-vos, caros esposos cristãos, em união com todo o Sínodo dos Bispos que, como eu, esperava com impaciência este dia de encontro convosco. Saúdo-vos e agradeço-vos terdes vindo tão numerosos, não somente de Roma e do resto da Itália, mas também dos vários países e dos diversos continentes do mundo inteiro.

(Em inglês)

Queridos esposos e esposas, saúdo-vos no amor de Jesus Cristo e agradeço-vos terdes vindo à Praça de São Pedro, que é lugar especial dê encontro para os cristãos de todo o mundo, na unidade da Igreja universal. Estais aqui como casais de diversas partes da África, América, Austrália, Asia e Europa. Reunistes-vos aqui e estais a orar pela grande causa da família cristã no mundo contemporâneo.

(Em espanhol)

472 Muitos de vós, queridos esposos, chegais de longe. Por isso, quanto mais foram as dificuldades afrontadas e os sacrifícios feitos, tanto mais estimada e preciosa é a vossa presença nesta comunidade, que vos recebe com grande alegria, com fraterno afecto e com profunda gratidão.

(Em português)

«Este é o dia que fez o Senhor» (SI. 117/ 118,24). O dia do Senhor, escolhido de modo particular para estarmos juntos. Saúdo-vos, pois, casais aqui reunidos. Agradeço-vos, de coração, pela vossa presença.

(Em alemão)

Saúdo também de coração os esposos procedentes dos países de língua alemã. Como sabeis, insisti desde o princípio na necessidade de unir as deliberações do Sínodo dos Bispos, sobre a missão da família, à oração da Igreja inteira em favor da família. Esta oração atinge hoje o seu ponto culminante. Graças à vossa presença, a Igreja de Roma une-se a toda a Igreja com a sua oração intensa, profunda e cheia de confiança. Assim recomenda ao Eterno Pai, por Cristo no Espírito Santo, a missão da família no mundo contemporâneo.

(Novamente em italiano)

3. E graças a isto toda a Igreja se sente hoje, de modo especial, não só Povo de Deus, mas verdadeira Família Divina. Este dia é verdadeiramente extraordinário. Cheio de alegria e esperança. E quão necessário entre os falsos caminhos e as dúvidas que apresenta o tempo! E quão cheio está de segurança que recebe da Aliança eterna! Verdadeiramente este é o dia que fez o Senhor.

Este dia recorda-me muitos outros dias do meu serviço episcopal, tantos encontros com os esposos nas paróquias que visitei. Considerei-os sempre como momento-chave da visita a uma paróquia: encontrar-me com os esposos, orar juntamente com eles sobre os problemas que lhes formam o conteúdo da vocação e a finalidade da vida; unir-me a eles na comunhão do sacrifício eucarístico e abençoar cada par de esposos e pais (quanto possível, com os filhos), para renovar neles a graça do sacramento do Matrimónio.

O mesmo deve realizar-se hoje na nossa comunidade, não já nas dimensões de uma só paróquia visitada pelo Bispo, mas, em certo sentido, nas dimensões da comunidade universal de toda a Igreja; isto graças à vossa presença, graças à vossa visita, queridos Irmãos e Irmãs, aos lugares das «memória dos Apóstolos» em Roma. Quanto vos agradeço, juntamente com todos os meus Irmãos no Episcopado, reunidos na presente sessão do Sínodo! Esperamos tanto deste dia, desta comunhão de almas, desta oração, desta Eucaristia!

4. As leituras da liturgia de hoje falam-nos de como Deus, nos Seus desígnios eternos, uniu o dever fundamental da família — que é o dom da vida oferecido pelos pais, homem e mulher, a seus filhos, a cada novo ser humano — com a vocação ao amor, à participação do Amor, porque Ele mesmo é amor. Sim. «Deus é amor» (
1Jn 4,8).

Quando, como lemos no livro do Génesis, Deus criou o homem à Sua imagem e semelhança (cf. 1, 2), chamando-o à existência por amor, chamou-o ao mesmo tempo ao amor. Uma vez que Deus é amor e o homem é criado «à imagem de Deus», é necessário concluir que a vocação ao amor foi inscrita, por assim dizer, organicamente nesta imagem, isto é, na humanidade do homem, que Deus criou varão e mulher.

473 À luz desta verdade fundamental sobre o homem, que é imagem de Deus, voltamos a ler as palavras dirigidas no princípio ao homem e à mulher: «Crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra» (Gn 1,28).

São palavras de bênção. Todas as criaturas vivas herdaram a bênção do Criador, mas nas palavras pronunciadas sobre o homem, sobre o varão e sobre a mulher, esta bênção confirmou o dom duplo: o dom da vida e o dom do amor.

5. Deste duplo dom do Criador origina-se a família. O sacramento do matrimónio é o sacramento que decide sobre ela na história do homem e, ao mesmo tempo, na história da salvação. Subir aos fundamentos mesmos dos deveres que a família deve cumprirem cada época — que há-de cumprir também no mundo contemporâneo — quer dizer remontar a este sacramento, de que São Paulo escreve ser grande, fazendo referência a Cristo e à Igreja (cf. Ef Ep 5,22).

Durante o Sínodo, nós, os Bispos, tratamos de fazer isso, dia após dia, mediante a reflexãoe a troca de ideias, guiados pela luz do Espírito Santo e pela solicitude pastoral. Hoje desejamos fazê-lo de modo especial nesta comunidade de esposos que com a sua vocação específica expressam os deveres da família cristã na Igreja e no mundo contemporâneo.

Por isso desejamos renovar juntamente convosco, queridos Irmãos e Irmãs, a consciência do Sacramento, de que nasce e sobre o qual se desenvolve a família cristã. Desejamos fazer que despertem de novo as potências divinas e humanas nele contidas. Desejamos, em certo sentido, entrar no desígnio eterno do Criador e do Redentor, e unir, como Ele os uniu, o mistério da vida e o mistério do amor, para actuarem juntos e se. unirem inseparavelmente um com o outro.

«O que Deus uniu, não o separe o homem» (Mt 19,6). Neste «não o separe» está contida a grandeza essencial do matrimónio e,. ao mesmo tempo, a unidade moral da família.

Hoje pedimos essa grandeza e essa dignidade para todos os esposos do mundo; pedimos essa potência sacramental e essa unidade moral de todas as famílias. E pedimo-lo para o bem do homem. Para o bem de cada um dos homens. O homem não tem outro caminho para a humanidade senão através da família. E a família deve ser colocada como o fundamento mesmo de toda a solicitude para o bem do homem e de todo o esforço para o nosso mundo ser cada vez mais humano. Ninguém pode subtrair-se a esta solicitude: nenhuma sociedade, nenhum povo , nenhum sistema; nem o estado, nem a Igreja, nem sequer o indivíduo.

6. O amor, que une o homem e a mulher como cônjuges e pais, é, ao mesmo tempo, dom e mandamento. Que o amor é dom, é o que nos diz sobretudo a segunda leitura da liturgia de hoje, com as palavras da carta de São João: «Nisto consiste o Seu amor: Não fomos nós que amámos a Deus, mas foi Ele que nos amou e enviou o Seu Filho como propiciação pelos nossos pecados» (1Jn 4,10).

Assim, pois, o amor é dom: «vem de Deus, e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece-O» (1Jn 4,7). E, ao mesmo tempo, o amor é mandamento, é o mandamento maior. Deus entrega-o ao homem e confia-o a ele como missão. Exige-o do homem. A pergunta sobre o mandamento maior Cristo respondeu: «Amarás...» (Mt 22,37).

Este mandamento está na base de toda a ordem moral. É verdadeiramente «o maior». É o mandamento-chave. Cumpri-lo na família significa responder ao dom do amor, que os esposos recebem na aliança conjugal:

«Se Deus nos amou assim, também nos devemos amar uns aos outros» (1Jn 4,11). Cumprir o mandamento do amor significa praticar todos os deveres da família cristã. Afinal, todos se reduzem a ele: a fidelidade e a honestidade conjugal, a paternidade responsável e a educação. A «pequena igreja» — a Igreja doméstica — significa a família que vive no espírito do mandamento do amor: a sua verdade interior, o seu esforço diário, a sua beleza espiritual e a sua força.

474 O mandamento do amor tem a sua estrutura interior: «Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua mente... Amarás ao teu próximo como a ti mesmo» (Mt 22,37 Mt 22,39).

Esta estrutura do mandamento corresponde à verdade do amor. Se Deus é amado sobre todas as coisas, então também o homem ama e é amado com toda a plenitude do amor acessível a ele. Se se destrói esta estrutura inseparável, de que fala o mandamento de Cristo, então o amor do homem apartar-se-á da sua raiz mais profunda, perderá a raiz da plenitude e da verdade, que lhe são essenciais.

Imploremos para todas as famílias cristãs, para todas as famílias do mundo, esta plenitude e verdade do amor, indicada pelo mandamento de Cristo.

7. Dentro em breve, na nossa grande comunidade, realizar-se-á a renovação das promessas matrimoniais. Estas palavras, que os esposos pronunciam no rito do Matrimónio, como ministros próprios deste sacramento, são maravilhosas:

«Eu tomo-te como minha esposa (como meu esposo), e prometo ser-te fiel sempre, na alegria e na dor, na saúde e na doença, e amar-te e honrar-te todos os dias da minha vida».

Esta promessa pronunciada «no nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo», é, ao mesmo tempo, oração dirigida a Deus, que é o amor e deseja unir, afinal, todos na última aliança da comunhão dos santos.

No momento em que, um dia, pronunciastes estas palavras, queridos esposos, em línguas diversas e em diferentes partes do mundo, em anos, meses e dias diferentes, administrastes-vos o santo sacramento da vossa vida, do vosso matrimónio, da vossa família; o sacramento em que se reflecte o amor de Deus para com o homem e o amor de Cristo para com a Igreja.

Voltai hoje, com o pensamento e com o coração, voltai com a fé, com a esperança e com o amor, àquele grande momento. E renovai nas vossas almas o que foi conteúdo essencial do Sacramento do matrimónio. A sua realidade diária. Renovai a aliança do homem e da mulher. Diante do Deus da Aliança renovai a aliança, penetrada pelo dom do amor e pelo dom da vida.

8. Fazei-o em união com toda a Igreja. Em união com todas as famílias cristãs na Igreja e com todas as famílias no mundo inteiro. Estejam, ao mesmo tempo, o vosso pensamento e a vossa oração junto daquelas situações difíceis que, durante estes dias e semanas, passam diante dos olhos dos Bispos do Sínodo, e não deixam de neles despertar a solicitude pastoral. Neste acto profundo e humilde, mediante o qual quereis renovar a graça do Sacramento do matrimónio, faz-se sentir o ardente desejo da vida e da santidade, que pulsa incansavelmente no coração da Igreja e se manifesta fiel à eterna Aliança com o Deus da amor.

E perseverai assim! Seja este dia, novo começo do vosso testemunho e da vossa missão. Seja a luz que penetre nas trevas do mundo contemporâneo.

E perseverai assim! Na esperança de que, «se nos amarmos uns aos outros, Deus está em nós e o Seu amor é perfeito em nós» (1Jn 4,12).

Amén.



SANTA MISSA PARA OS ESTUDANTES

DO PONTIFÍCIO SEMINÁRIO ROMANO MAIOR


475
Terça-feira, 14 de Outubro de 1980




Caríssimos Seminaristas do Seminário Romano Maior

Expresso-vos o meu paterno gosto pela ocasião que nos reúne aqui: concluís os vossos Exercícios espirituais à volta do altar do Senhor, com uma celebração litúrgica juntamente com o Papa, vosso Bispo. Agradeço-vos a alegria que me procurais; e penso que estais bem dispostos para fazer penetrar no vosso ânimo incondicionadamente todas aquelas iluminações e exortações, que nestes dias vieram a vós do Espírito Santo, mediante a palavra do Pregador; faço portanto votos por que saibais pôr em prática os oportunos propósitos para novo avanço no caminho da perfeição espiritual, a que o Senhor vos chama não só como cristãos, mas também e sobretudo como candidatos ao Sacerdócio.

Se para mim é sempre motivo de alegria e consolação encontrar-me com todos os jovens (e em todas as minhas viagens não deixo de fazê-lo), é-o ainda mais encontrar-me convosco, jovens Seminaristas da minha Diocese de Roma, que sinto amar verdadeiramente como a pupila dos meus olhos, porque vejo em vós os futuros colaboradores do Sucessor de Pedro na Sé romana. E esta alegria, que vejo brilhar também nos vossos olhos e partilho convosco neste momento litúrgico, parece encontrar significativa relação com a Palavra de Deus, que foi agora proclamada. Na verdade, na primeira leitura São Paulo exorta-nos a estarmos "jubilosos na esperança" (
Rm 12,12) e a regozijarmo-nos "com aqueles que estão no júbilo" (Rm 12,15). O Salmo responsorial indica-nos a raiz destes sentimentos: "Na tua vontade está a minha alegria" (Ps 118,16). O Evangelho, por fim, na exposição da parábola dos talentos, ao mesmo tempo que nos incita ao emprego generoso de todas as nossas energias, aponta-nos ao mesmo tempo a meta final, que é a consecução e a consumação da alegria perfeita: "Servo bom e fiel... entra no gozo do teu senhor" (cf. Mt Mt 25,23).

Tudo isto marca um estilo de vida, e indica sobretudo com que espírito deve o candidato ao sacerdócio empreender o seu exigente itinerário espiritual. Tal espírito deve manifestar-se nas várias obrigações da vida quotidiana, numa alegre doação de si, feita de optimismo, entusiasmo e paixão, para melhor compreenderdes hoje o gozoso anúncio que sois chamados a viver na intimidade da vossa alma e do vosso Seminário, e para melhor fazerdes sentir amanhã ao povo de Cristo "a alegria da vossa salvação" (Ps 50,14).

Só tal riqueza interior vos dará a força para responder fielmente à chamada tão exigente, qual é a sacerdotal, que nada vos promete de quanto o mundo considera atraente, pelo contrário, vos pede generosidade, negação de si próprio, sacrifício e, por vezes, também heroísmo. Nesta visão, até o celibato, que aos olhos do mundo profano pode parecer negativo, se torna letificante expressão de amor único, incomparável e inextinguível, a Cristo e às almas, a que o celibato assegura total disponibilidade no ministério pastoral.

Se estiverdes animados de tal espírito, sabereis desconfiar de certas formas de comportamento vazio e estéril, tendente mais a segregar e a destruir do que a edificar e a levar à consumação; encontrareis a capacidade de vos saber submeter quer à necessária disciplina e à obediência devida aos vossos Superiores, quer à mortificação voluntariamente por vós escolhida;. sabereis ser, numa palavra, resolutos e sagazes no comportamento moral, dando ao vosso timbre espiritual tal energia de fidelidade, que não vos faça hesitar diante das dificuldades, que inevitavelmente se apresentarão no vosso caminho.

Filhos caríssimos, o tempo da vossa preparação para o sacerdócio consentir-vos-á realizar tudo isto, se tiverdes esta alegre e, por isso, desinteressada visão das tarefas que vos esperam: sabei aproveitar esse tirocínio sobretudo na prece e na meditação da Sagrada Escritura, para terdes sempre aquela provisão espiritual que é necessária para desempenhar amanhã a missão que a Igreja projecta confiar-vos. "Aproveitai estes anos de seminário — como já disse aos seminaristas de Guadalajara — para vos encherdes dos mesmos sentimentos de Cristo... Vós mesmos vereis assim como, à medida que a vossa vocação for chegando à maturidade nesta escola, a vossa vida irá assumindo alegremente um cunho específico, uma indicação bem precisa: a orientação para os outros... Deste modo, o que humanamente poderia parecer ruína, transformar-se-á num luminoso projecto de vida, já examinado e aprovado por Jesus: não viver para ser servido, mas para servir (cf. Mt Mt 20,28)" (Insegnamenti di Giovanni Paolo II, II, 1979, PP 303-304).

E agora, quando apresentamos ao Pai a oferta que se tornará o Corpo e o Sangue do Seu Divino Filho, peçamos-lhe juntos que nos obtenha todas estas graças, pela intercessão da Virgem Santíssima, Mãe da Confiança e celestial Padroeira do Vosso Seminário. Amém.



DIA MISSIONÁRIO MUNDIAL




19 de Outubro de 1980




Veneráveis Irmãos e Filhos Caríssimos:

476 1. Nos autem praedicamus Christum crucifixum (1Co 1,23).

Quis esta celebração especial ao decorrer este Dia Missionário Mundial para convidar e estimular, uma vez mais, toda a Comunidade eclesial a reflectir, no recolhimento da oração a propósito de uma causa de per si primária e sempre actual, como é a do anúncio de Cristo aos povos. E quis à minha volta, como concelebrantes, alguns Missionários, que desta mesma causa querem ser directos agentes e protagonistas e, exactamente porque dentro de pouco receberão das minhas mãos o Crucifixo — símbolo mais que outros expressivo do trabalho e do sacrifício deles — têm direito preferencial e lugar de particular relevo no contexto deste sagrado rito. Para eles, como para os seus Irmãos e Colaboradores longínquos — Religiosos, Religiosas e Leigos — vai agora, mesmo em nome de vós todos aqui presentes, a minha saudação reconhecida e efectuosa pelo testemunho exemplar e qualificado que ofereceram e oferecem à Igreja e ao mundo.

2. Mas porque — desejaria perguntar — se celebra cada ano o Dia Missionário? Trata-se acaso de um facto habitual que, por motivo da sua repetição rítmica, se tornou pouco importante e carece, por isso, de influência concreta? Sabeis bem que tal Dia constitui, na realidade, iniciativa relativamente recente: foi instituído em 1926 pelo meu venerado predecessor Pio XI, que exactamente nesse ano dedicara ao desenvolvimento das Missões a Encíclica Rerum Ecclesiae (cf. AAS. 18, 1926, PP 65-83), e pelos singulares cuidados dedicados a este sector vital foi definido nos seus tempos «o Papa das Missões». Anuindo da melhor vontade ao pedido do Conselho Superior da Pontifícia Obra da Propagação da Fé, quis «prescrever» tal «dia de orações particulares e públicas em favor das santas Missões, para ser celebrado num mesmo dia em todas as dioceses, paróquias e institutos do mundo católico» (cf. Súplica e Rescrito em AAS 19,. 1927, PP 23-24). Quanto às finalidades, para ele indicadas, eram — como são ainda agora — evidentes e podem resumir-se num verbo: sensibilizar, isto é, interessar, educar e responsabilizar na causa missionária todos os filhos da Igreja, chamando-os à perene vitalidade do mandato evangélico mediante acção coordenada, compreendendo primeiro que tudo a oração pelas Missões, depois o conhecimento e a explicação dos problemas a elas relativos, e também a recolha dos auxílios necessários.

Desde então, durante todos os anos sucessivos, a celebração realizou-se regularmente e foi respeitada como sagrada obrigação, segundo o prova, além do mais, a mesma assembleia litúrgica que nos vê aqui todos reunidos.

3. Mas depois houve o Concílio Vaticano II, que reelaborou toda a «matéria missionária» e aprofundou a sua vasta problemática, também em função das mudadas circunstâncias históricas — entre as quais, por exemplo, o fenómeno da chamada «descolonização» e os outros fenómenos, com ela relacionados, da independência dos povos novos e no seu sacrossanto caminho para um desenvolvimento ordenado e original. Disto brotou o Decreto Ad Gentes que ofereceu quase uma nova «magna charta» acerca da actividade missionária da Igreja nos nossos tempos, sobre a base dos imutáveis princípios doutrinais (cf. nn. AGD 2-9). São coisas bem vossas conhecidas, caríssimos Irmãos e Filhos. O que desejaria aqui sublinhar é que o dito documento conciliar se coloca em coerente continuidade com a precedente e central Constituição dogmática Lumen Gentium: a Igreja, que nesta se apresentara a si mesma como «universal sacramento de salvação» (cf. n. LG 48), desde as primeiras palavras daquele retomava a mencionada definição e declarava ser por sua natureza missionária (cf. nn. LG 1-2).

Por conseguinte, podemos dizer: a Igreja, como repetiu com mais energia a si mesma que, por vontade do seu divino Fundador, deve ser sinal e instrumento de salvação para os homens, assim acrescentou paralelamente que, para estar à altura desta função, para corresponder a ela em concreto no seu itinerário através da história, deverá sempre ter o espírito e o estilo, a vigilante tensão e a santa ambição de ser e se manter autenticamente missionária. Não será nunca lícito à Igreja usar a fórmula conclusiva «missão terminada», para recuar e de tal modo dispensar-se de insistir na obrigação assumida: a autodefinição, a que acima me referi, é, numa palavra, prova e confirmação da autoconsciência que o Concílio — este grande acontecimento de luz e de graça — desenvolveu e reforçou nela. É como se o Espírito lhe tivesse ainda repetido: «Conhece-te a ti mesma, e sê tu mesma! Tu és, em Cristo, o órgão de salvação para todas as gentes; sê, portanto, missionária!».

4. É agora tempo, contudo, para entrar mais dentro do vivo desta celebração, passando da admirável perspectiva eclesiológica, a nós aberta pelo Concílio, à mística atmosfera que é conatural e, por isso, indispensável todas as vezes que nos aplicamos a renovar sobre os nossos altares o sacrifício da Cruz. Ora, para entrar nele não há melhor modo que deter a nossa atenção sobre as Leituras bíblicas, que foram agora mesmo proclamadas. Mantém-se sempre verdade que é a Palavra de Deus a estrada real para nos encaminhar para Ele, em união com Jesus Cristo, Seu Filho predilecto e nosso amadíssimo Salvador.

Já a Leitura profética de Isaías, propondo a visão de todas as gentes a afluírem lá para cima para o templo do monte do Senhor, não só nos coloca em sintonia com aquele universalismo que é característica da actividade missionária, mas nos insere também naquela corrente salvífica que — segundo bem sabemos — se oferece a todos os homens, sem qualquer descriminação ou distinção de língua, raça, cor e condição: salus pro omnibus, porque infinito e inexaurível é o valor do corpo, que nos deu Cristo, e do sangue, por Ele derramado por nós (cf. Lc Lc 22,19-20 1Co 11,24-29 1P 1,19 1Jn 1,7).

Depois das palavras do Profeta ouvimos as do Apóstolo e em seguida, sobretudo, as de Jesus, tomadas do Evangelho segundo Marcos. Diante da indicação ou mandato supremo «Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa Nova a toda a criatura» (v. 15) — em que ressoa uma vez mais, com toda a evidência, o tom universalista — não há só para considerar ou acentuar a prontidão, a exactidão ou a pontualidade da execução: «E eles, partindo, foram pregar por toda a parte» (v. 20). Não há só isto: eu diria que, a propósito daquelas importantes palavras do Senhor, está o Apóstolo a sugerir-nos alguma coisa que representa, ao mesmo tempo, um comentário autorizado e uma análise penetrante. Se Jesus, de facto, depois de dar o mandamento de ir e pregar, avisara que a salvação depende da fé e da recepção do baptismo (v. 16), Paulo mediante lúcido exame lógico e teológico reconhece as várias fases e os distintos momentos que ligam estreitamente entre si a salvação e a missão. Como nos salvamos? Responde: salvamo-nos, se invocamos o Senhor; mas para invocá-l'O, é preciso crer; e para crer, é preciso ouvir falar; e para ouvir falar, é preciso que se anuncie; e para anunciar, é preciso ser-se enviado (cf. Rom Rm 10,13-15). Eis, pois, as passagens obrigatórias entre o ponto de partida e o de chegada. Eis como do envio ou missão vem a depender o desejado destino final que é a salvação, através do abraço crucial da fé, recebida depois da atenta audição de quem a anuncia e, quando se tenha tornado escolha pessoal e profunda convicção do coração, experimente-se também na confissão de boca (ibid. 9-10). 5.

Deste modo o Apóstolo ensinou-nos a fundamental e determinante importância ou, melhor, a impossibilidade de substituir a missão e a pregação evangélica na vida e pela vida da Igreja: trata-se, com efeito, de encargos característicos da sua vocação específica e da sua identidade mais profunda (cf. Exort. Ap. Evangelii Nuntiandi, 14). Assim acontecia nos tempos de São Paulo, quando ele e os outros apóstolos, fidelíssimos e obedientíssimos intérpretes da vontade do Mestre, enfrentando incómodos e dificuldades de toda a espécie, se dirigiram a todas as regiões do mundo então conhecido para anunciar o Evangelho. Reforçados interiormente pelo Espírito, mas sempre humanamente desprovidos de recursos e de meios, trabalharam com grande zelo; mas — reparemos bem na expressão do evangelista — era Delis que actuava, soberana e poderosamente, com eles, «enquanto o Senhor cooperava com eles, confirmando a sua palavra com os milagres» (Mc 16,20).

Hoje é como então. Hoje deve ser como então. Por um lado, é necessário obedecermos ao impreterível mandato de Nosso Senhor e, portanto, devemos trabalhar, empenhando-nos todos, embora na variedade das formas e na diversidade dos serviços, mas em orgânica e substancial unidade de intentos, pelo anúncio e pela difusão do Evangelho. Sim, Irmãos, embora não nos dirijamos aos territórios de missão, temos todos, temos sempre, temos em toda a parte a possibilidade e a obrigação de colaborar em tal actividade evangelizadora, a qual é apresentada como «officium Populi Dei fundamentale» no citado Decreto (n. 35). Exactamente por esta suprema razão, são nele passados distintamente em revista, com os fins da cooperação missionária, os respectivos deveres da Igreja universal, de cada uma das Comunidades cristãs, dos Bispos, dos Presbíteros, dos Institutos de perfeição e dos Leigos (cf. ibid., nn. 36-41).

477 Por outro lado, conscientes da nossa insuficiência e pouquidade, deveremos sempre recordar-nos de que a nossa operosidade — feita de diligência, fidelidade e sacrifício — por si mesma não basta nem poderá nunca bastar: quem actua, quem converte, quem chama à fé iluminando as mentes e tocando os corações, quem efectivamente conduz à salvação é Deus omnipotente e misericordioso. Sob este segundo aspecto, pode-mos sem mais afirmar que a missão é humildade e, portanto, vem acompanhada necessariamente daquela atitude interior que nos faz repetir «Somos servos inúteis» (Lc 17,10) e exige generoso espírito de serviço. Assim exactamente nos ensinou, com a palavra e ainda mais com o exemplo, o próprio Jesus Cristo, que «não veio para ser servido, mas para servir e dar a Sua vida pelo resgate de muitos» (Mt 20,28).

Esta vida que o Senhor nos deu — e sabemos bem de que modo e a que preço — está ainda, como sempre, à nossa disposição e ao mesmo tempo à disposição de todos os homens, nossos irmãos. Dentro de poucos instantes, no mistério inefável do Sacrifício, esta vida será de novo imolada e oferecida «por nós e por todos» sobre o nosso altar. Em íntima união com Cristo, sacerdote e vítima, devemos haurir dela em abundância, para nos salvarmos, para salvarmos os outros.




Homilias JOÃO PAULO II 469