Homilias JOÃO PAULO II 477

SANTA MISSA AOS PROFESSORES E ALUNOS


DAS UNIVERSIDADES ECLESIÁSTICAS


POR OCASIÃO DO INÍCIO DO ANO ACADÉMICO




21 de Outubro de 1980




Senhores Cardeais ilustres
Professores caríssimos alunos

1. Este encontro enche-me de alegria. Ocupais lugar especial no meu coração e no coração da Igreja. Ao olhar para vós, vêm-me aos lábios as palavras do Apóstolo: «A todos os amados de Deus que estais em Roma, chamados à santidade: graça e paz vos sejam dadas da parte de Deus, nosso Pai, e da do Senhor Jesus Cristo» (Rm 1,7).

A minha saudação dirige-se, antes de tudo, ao Senhor Cardeal Baum, para quem vai o meu reconhecimento pelas corteses palavras com que desejou apresentar esta assembleia, interpretando de modo penetrante os vossos sentimentos de sincera adesão à Cátedra de Pedro. Saúdo cordialmente os Professores, que honram com a sua presença este encontro de reflexão e de oração. E saúdo todos vós, caríssimos alunos, que quisestes recolher-vos comigo à volta do Altar de Cristo, no princípio do Ano Académico.

Desejei intensamente, eu mesmo, este momento, a que atribuo particular importância. Considero, de facto, muito significativo, no começo de um novo ano de estudo, o encontro das Comunidades, distribuídas nas várias Universidades eclesiásticas de Roma, com o próprio Bispo para uma solene celebração eucarística, em que se parte aquele Pão divino, que pode fazer de muitos um corpo só (cf. 1Co 10,17). A Palavra de Deus, que ouvimos proclamar há pouco, ajuda-nos a penetrar em profundidade no significado deste acontecimento, consentindo-nos medir-lhe o transcendente alcance.

2. «Vós sois o salda terra, vós sois a luz do mundo» (Mt 5,13-14) repetiu Jesus no Evangelho. Que quer dizer «sal», que quer dizer «luz»? E claro que, com o auxílio destas metáforas, Jesus quis definir quem são os seus discípulos e indicar quais dotes devem eles possuir. O binómio «sal-luz» constitui a síntese expressiva da missão por Ele confiada à Igreja e a cada um dos seus membros.

Se tal indicação diz respeito a cada discípulo de Cristo, dirige-se em particular a quem exerce a missão de animador da Comunidade cristã, porque chamado a fazer de guia aos próprios irmãos na progressiva descoberta dos tesouros de verdade, oferecidos ao homem pela Revelação. Como não colocar, entre esses animadores, todos os que fazem parte dos Centros eclesiásticos universitários, de que a Igreja espera, segundo as palavras do Concílio Vaticano II, que aprofundem «os vários campos das disciplinas sagradas, de tal maneira que se consiga uma inteligência cada vez mais profunda da Revolução divina, se patenteie mais plenamente o património da sabedoria cristã transmitida pelos antepassados, se promova o diálogo com os irmãos separados e com os não-cristãos, e se dê resposta às questões nascidas do progresso da ciência»? (Declarar. Gravíssimum educationis GE 11).

Reflictamos, portanto, sobre o que deixam entrever as sugestivas imagens, a que Jesus recorre. Perguntemo-nos o que encerram para a vossa situação própria. Não está de algum modo esboçada nelas a natureza íntima da Comunidade académica, em que os Professores devem «brilhar» diante dos discípulos por competência e doutrina, e «condimentar» ao mesmo tempo a formação deles com o «sal» da sabedoria e da sapiência? Se bem se reflecte, está aqui indicado o princípio, com base no qual se há-de construir aquela particular unidade espiritual que tira a origem do amor pela «luz» — isto é pela verdade —, e deriva além disso da firmeza, da solidez e da robustez do testemunho vivido que, à maneira do «sal», torna crível o ensinamento ministrado. A vida da inteira Comunidade universitária encontra aqui o critério decisivo da sua autenticidade.

478 A palavra evangélica desvela depois, em perspectiva, o futuro para o qual deve tender toda a Comunidade recolhida na estrutura universitária: nela se preparam aqueles que serão, amanhã, a «luz» e o «sal» no meio dos irmãos; «não se acende a candeia para a colocar debaixo do alqueire... »(Mt 5,15). A dimensão pastoral deve estar constantemente diante dos olhos de todos os que fazem parte da Universidade, e deve orientar eficazmente o esforço. Quando Cristo diz «Brilhe a vossa luz diante dos homens» (Mt 5,16), indica especial responsabilidade quer dos discípulos quer dos mestres: a responsabilidade de trabalhar pela glória do Pai.

3. A nossa reflexão esta tarde é estimulada também pelas sugestões contidas no esplêndido trecho da Primeira Carta aos Coríntios, que nos foi proposto. Nele o Apóstolo fala do «espírito do homem», «conhecedor dos segredos do homem», e do «Espírito de Deus», o único a quem se desvelam «os segredos de Deus» (cf. 1Co 2,11).

São expressões das quais transparece, primeiro que tudo; a estima do Apóstolo Paulo pela capacidade que tem o espírito humano de penetrar o próprio mundo circunstante. É estima que traz consigo uma indicação precisa: a de utilizar prudentemente os recursos da própria inteligência no esforço requerido para a conquista da «Ciência» de que fala São Paulo. A indicação vale em particular para vós, membros de Centros universitários, que como tais tendes a este respeito deveres peculiares, para que dispondes também de possibilidades e instrumentos, que a outros estão vedados.

Exactamente essa «Ciência» é fruto do «ensinamento do Espírito», e decide de toda a autenticidade e riqueza da vossa vida espiritual: nela está encerrada como que a síntese da «teologia» e da «vida pelo Espírito», concentrada no mistério pascal que irradia também para os vossos estudos.

Por isso, urge que enfrenteis o trabalho — de professores ou de alunos — com seriedade e com sentido de responsabilidade. O que significa muitas coisas: por exemplo, o bom emprego do tempo, utilizando especialmente as muitas possibilidades, que oferece uma cidade como Roma, para a investigação pessoal, o diálogo cultural, a troca de ideias, de informações e de experiências, medida à extensão eclesial, internacional e intercontinental.

Significa também o esforço de um estudo aprofundado, metódico e orgânico, tanto nos cursos fundamentais como nos especializados e especialísticos, segundo o programa e as normas da Constituição Apostólica Sapientia Christiana datada de 15 de Abril de 1979 e das Normas de Aplicação que se lhe seguem; documentos muito importantes, a cuja atenta aplicação, estou certo, desejará cada um oferecer o seu generoso contributo.

Seriedade e sentido de responsabilidade significam ainda a aquisição de uma real competência nas várias matérias, de modo que possa responder às exigências tanto do trabalho científico e pastoral, ecuménico, escolar e missionário, como às, do serviço que sois chamados a prestar às Igrejas locais e à Igreja universal, como requer a citada Constituição (cf. Proémio, III).

Nesta circunstância, desejo chamar a atenção de vós todos , caros Directores, Professores e Alunos, para a necessidade de se cultivarem as disciplinas filosóficas, seja em si mesmas, seja na conexão delas com as ciências antropológicas e cosmológicas, seja nas relações com as experiências vivas da pastoral, da cultura, dos costumes, e da vida social e política do nosso tempo. Este é o caminho para chegar a anunciar a verdade evangélica com força persuasiva no confronto entre razão e fé, com método adequado e em diálogo construtivo com os homens do próprio tempo. Este é o segredo para se chegar a ser, a nível cultural e científico mas também pastoral e catequético, «sal da terra e luz do mundo».

4. O Apóstolo Paulo não fala apenas do «espírito do homem», mas também do «Espírito de Deus», a propósito do qual afirma: «Nós recebemos o Espírito Santo para conhecer tudo o que Deus nos deu» (cf. 1Co 2,11-12). Para o Apóstolo, o conhecimento da verdade não é somente fruto do esforço humano: é também e para a verdade teológica, é sobretudo — dom do alto, acolhido com humilde disponibilidade e, direi, em profunda e grata adoração.

Tal dom não pode ser apreciado e acolhido pelo «homem natural» (1Co 2,14), que julga «loucura» tudo o que, na interpretação de si e do mundo, transcende a medida da sua inteligência. Ao «ensinamento do Espírito» está, ao contrário, aberto o «homem espiritual», que pode afirmar com o Apóstolo: «Nós temos o pensamento de Cristo» (1Co 2,16), «pensamento» que encerra no mesmo contexto, o mistério «absurdo» da cruz (cf. 1Co 1,17 ss; 2, 2).

Por isso, na investigação teológica adquire importância fundamental a oração, entendida como prática de cada dia e como espírito de fé e de contemplação, que deve tornar-se estado habitual da vida do estudioso cristão. Este é o ponto: a verdade do Senhor estuda-se com a fronte inclinada; ensina-se e prega-se na expansão da alma que a crê, a ama e dela vive.

479 Por isso é necessário levantar muitas vezes a oração que traduz a opção do autor do Livro da Sabedoria: «Pedi o espírito da sabedoria e ele me foi dado. Preferi-o aos ceptros e tronos, e, em comparação com ele, tive em nada as riquezas...; amei-o mais do que a saúde e a beleza, e antes o quis ter que a luz do sol, porque a sua claridade jamais se extingue» (Sg 7,7-8).

Todos os cultores das ciências sagradas, e das que estão com elas relacionadas, devem empenhar-se nesta docilidade e fidelidade ao Espírito de Deus, como os grandes Padres e Mestres da Igreja, entre -os quais me apraz recordar hoje Santo Alberto Magno, porque no próximo 15 de Novembro decorre o sétimo centenário da sua morte.

Nesse dia irei a Colónia, para honrar este eminente filósofo e teólogo medieval, que no seu trabalho científico soube harmonizar a cultura humana e a sabedoria cristã, exactamente porque vivia na oração e na meditação das verdades eternas, para alimentar no seu coração a chama do amor divino. Não hesitava em afirmar: «Mais ajudam a adquirir a oração e a devoção do que o estudo» (Summa theol., pról.). São Tomás, seu discípulo, foi também seu imitador neste culto da vida interior e na prática da oração.

5. Eis as exigências que estão diante de vós, caríssimos Professores e alunos, na perspectiva deste novo Ano Académico, que inaugura-mos esta tarde no contexto majestoso desta Basílica, em que se guardam os despojos mortais do Apóstolo Pedro. Não é acaso necessário que se ponha cada um a escutar quanto sugere a eterna Palavra de Deus? Não há acaso razão para reflectirmos nisto com ânimo decidido e disponível, tendo o desejo de corresponder do melhor modo possível às expectativas dos. superiores, dos irmãos e da Igreja inteira?

Como Bispo de Roma e Pastor da Igreja universal, estou aqui para rezar convosco, para invocar a descida do Espírito Santo às vossas mentes e aos vossos corações, para pedir que Ele vos inunde com o esplendor da Sua luz e vos acompanhe com o conforto dos Seus sete dons no vosso estudo e no vosso apostolado.

Caríssimos jovens, conheço a vossa generosidade e sei que posso contar com a vossa capacidade de esforço e o vosso espírito de sacrifício. Ao apresentar-vos, portanto, os meus votos cordiais de um ano escolar sereno e frutuoso, recomendo-vos: estudai e comportai-vos de modo que deis satisfação às aspirações do povo cristão, que também no Sínodo dos Bispos se expressaram várias vezes, especialmente nas palavras comovedoras da Madre Teresa de Calcutá, que pedia aos Padres Sinodais que dessem às comunidades cristãs santos sacerdotes, apóstolos da verdade e do amor.

E a vós, Professores e Responsáveis da vida universitária, desejo confirmar, também nesta circunstância, o alto preço que nutro pela missão por vós desempenhada na Igreja: missão sublime a vossa! Mas também missão especialmente delicada e difícil, não só pelos árduos caminhos da investigação científica pelos quais tendes de avançar, mas também pela responsabilidade formativa a respeito de tantos jovens que se confiam A. vossa guia. Sustenha-vos a confiança do Papa, que convosco e por vós ora junto do altar de Deus.

A Celebração eucarística, que nos reuniu esta tarde na contemplação das profundidades da Palavra de Deus, consolide a íntima união de mentes e corações, que deve existir entre os Ateneus eclesiásticos de Roma durante todo o Ano Académico. Apesar de ocupados em institutos diversos no aprofundamento de campos distintos da investigação, segundo métodos talvez diferentes, permanecei na unidade que brota da. verdade hoje ouvida.

O Espírito divino desça sobre todos vós e, pela virtude do Sangue de Cristo, vos torne sábios cultores da verdade e bons administradores dos dons de Deus.

«Vós sois a luz do mundo...
Vós sois o sal da terra...
480 Brilhe a vossa luz diante dos homens».

Amén.



SANTA MISSA NO ENCERRAMENTO

DA V ASSEMBLEIA GERAL DO SÍNODO DOS BISPOS


Capela Sistina

25 de Outubro de 1980




Veneráveis Irmãos

1. Acabamos de ouvir o apóstolo São Paulo dar graças a Deus pela Igreja de Corinto, «porque foi enriquecida em Cristo Jesus, em toda a palavra e em toda a ciência» (cf. 1Co 1,5). Também nós, precisamente nesta hora, nos sentimos impelidos a dar graças primeiro que tudo ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo, antes de terminarmos este Sínodo dos Bispos; para o celebrar, quer os membros da mesma Assembleia quer os colaboradores, reunimo-nos no mistério daquela máxima unidade que é própria da Trindade Santíssima. A esta pois apresentamos em coro sentimentos de gratidão por termos acabado o Sínodo, que é excelente sinal de vitalidade, e momento importante da vida da Igreja. Na verdade, o Sínodo dos Bispos — para usarmos palavras do Concílio, segundo o desejo do Sumo Pontífice Paulo VI que o instituiu—«agindo em nome de todo o Episcopado Católico, mostra também como todos os Bispos, em comunhão hierárquica, são participantes da solicitude por toda a Igreja» (Christus Dominus CD 5).

Damos graças todos juntos por estas quatro semanas de trabalho. Este espaço de tempo — já antes de os últimos documentos, isto é a Mensagem e as Proposições, serem tornados públicos — frutificara em nós próprios, pois a verdade e o amor pareciam ir atingindo cada vez mais a, perfeição nas nossas almas com o decorrer dos dias e das semanas.

Este progresso deve sem dúvida realçar-se, e as características, que o ilustraram, merecem ser brevemente indicadas; assim se torna claro com que rectidão e sinceridade nele se manifestaram a liberdade e a responsabilidade acerca do assunto que se tratava

Queremos hoje primeiramente dar graças Àquele, «que vê o oculto» (Mt 6,4) e como «Deus oculto» actua, por ter dirigido os nossos pensamentos, os nossos corações e as nossas consciências, e por nos ter concedido aplicarmo-nos ao trabalho em paz fraterna e alegria espiritual; foram tais essas graças que não sentimos quase o trabalho e a fadiga. Se bem que houvesse matéria para fadiga! Mas vós não vos poupastes a nenhum trabalho.

2. E necessário também darmos agradecimentos uns aos outros. Antes porém deve confessar-se: aquele progresso --que, desenvolvendo-se gradualmente o método, nos levou a «praticar a verdade na caridade» — todos os devemos atribuir às orações instantes, que toda a Igreja, como que rodeando-nos, elevou ao céu durante este tempo. Esta oração teve por objecto o Sínodo e as famílias: o Sínodo, porque se referia às famílias; as famílias em relação com as tarefas que lhes competem na Igreja e no mundo actual. Estas súplicas ajudaram o Sínodo numa medida talvez completamente singular.

Era Deus instado com preces assíduas e abundantes: o que sucedeu sobretudo nó dia 12 de Outubro, quando na Basílica de São Pedro se juntaram casais, como representantes das famílias de todo o orbe, para juntamente connosco participarem nos sagrados ritos e orarem.

481 E se devemos apresentar agradecimentos mútuos, este dever havemos ao mesmo tempo de o cumprir com tantos benfeitores desconhecidos, que no mundo inteiro nos ajudaram com as suas preces, oferecendo também a Deus os próprios sofrimentos por este Sínodo.

3. Passamos agora a agradecer em especial a todos os que ajudaram a celebrar esta Reunião; referimo-nos aos Presidentes, ao Secretário-Geral, ao Relator-Geral, aos Membros de modo particular, ao Secretário Especial e seus Ajudantes, aos Auditores, às Auditoras, aos Encarregados dos Instrumentos de Comunicação Social, aos Dicastérios da Cúria Romana sobretudo à Comissão para a Família, e além disso a outros, quer dizer aos distribuidores dos lugares, e tendo o prazer de continuar a série abrangendo também os ajudantes técnicos, os tipógrafos e assim por diante.

Todos estamos agradecidos de ter podido levar a cabo este Sínodo: que foi mostra sem par da solicitude colegial pela Igreja, manifestada pelos Bispos de todo o Orbe. Estamos agradecidos porque nos foi dado compreender o significado da família, qual na realidade ela existe na Igreja e no mundo contemporâneo, atendendo nós às múltiplas e variadas condições em que ela se encontra, às tradições próprias das várias culturas que a efectam, aos elementos culturais que a atingem, e a realidades semelhantes. Estamos agradecidos, porque, no pleno respeito da fé, pudemos de novo perscrutar o eterno desígnio de Deus sobre a família, manifestado no mistério da criação e assinado pelo sangue do Redentor, Esposo da Igreja. Estamos, por fim, agradecidos por termos conseguido precisar, segundo a eterna disposição a respeito da Vida e do Amor, as tarefas da família na Igreja e no mundo contemporâneo.

4. O fruto, porém, que este Sínodo de 1980 já oferece imediatamente, encontra-se nas Proposições, aprovadas pela Assembleia. A primeira é a seguinte: «Como conhecer a vontade de Deus na peregrinação do Povo de Deus. O sentido da fé».

Este rico tesouro de Proposições, que ao todo são 43, recebemo-lo nós agora como fruto extraordinariamente precioso dos trabalhos do Sínodo.

Ao mesmo tempo manifestamos a alegria por a Assembleia, enviando a Mensagem, se ter dirigido à Igreja universal; Mensagem que a Secretaria Geral com a ajuda dos organismos da Sé Apostólica, tratará de enviar a todos os interessados, utilizando também a ajuda das Conferências Episcopais.

5. Tudo o que o Sínodo deste ano de 1980 estudou profundamente e comunicou nas mencionadas Proposições leva-nos a compreender melhor a missão cristã e apostólica da família no mundo actual, deduzindo-a da grande riqueza dos ensinamentos do Concílio Vaticano II. O caminho que devemos seguir consiste em procurarmos que as propostas doutrinais e pastorais deste Sínodo encontrem concreta aplicação prática.

O Sínodo deste ano relaciona-se profundamente com os Sínodos passados, de que é continuação. Referimo-nos aos Sínodos de 1971 e sobretudo aos de 1974 e 1977, que serviram e devem ainda servir para levar a efeito, na vida prática, o Concílio Vaticano II. Estes Sínodos fazem que a Igreja se apresente a si mesma de modo autêntico, segundo convém que suceda na situação do mundo actual.

6. Entre os trabalhos deste Sínodo deve atribuir-se a maior importância ao exame cuidadoso dos problemas doutrinais e pastorais, que muito o estavam a requerer, como também, consequentemente, ao juízo certo e claro sobre cada uma destas questões.

Na riqueza das intervenções, das relações e das conclusões deste Sínodo — que se moveu segundo duas directrizes: a fidelidade ao plano de Deus quanto à família, e a prática pastoral, caracterizada pelo amor misericordioso e pelo respeito devido aos homens, considerados em toda a sua plenitude, no que se refere ao «ser» e ao «viver» — nessa grande riqueza, dizíamos, a qual foi para nós motivo de grande animação, algumas partes há que chamaram a atenção dos Padres de modo especial, porque eles tinham consciência de ser intérpretes da expectativa e das esperanças de muitos cônjuges e muitas famílias.

Entre os trabalhos deste Sínodo convém recordar esses problemas e mais útil ainda é conhecer o estudo profundo que deles foi feito. Trata-se do estudo doutrinal e pastoral das questões que, se bem não tenham sido as únicas agitadas nas discussões do Sínodo, tiveram todavia especial relevo, pois delas se falou de modo sincero e livre. Dai a importância particular das orientações dadas pelo Sínodo, de modo claro e animoso, sobre as mesmas questões, tendo presente simultaneamente a visão cristã, segundo a qual o matrimónio e a família são considerados como dons do amor divino.

482 7. Por isso, o Sínodo, falando embora do ministério pastoral com aqueles que, depois do divórcio, passaram a nova união, atribui, por outro lado, o merecido louvor aos cônjuges que, apesar de angustiados por graves dificuldades, testemunham na própria vida a indissolubilidade do matrimónio; pois na vida deles aprecia-se a boa nova da fidelidade ao amor, que tem em Cristo a força e o fundamento.

Além disso, os Padres Sinodais, afirmando de novo a indissolubilidade do matrimónio e a maneira de proceder da Igreja que não admite à comunhão eucarística os divorciados que, contra a regra estabelecida, passaram a novo matrimónio, exortam os Pastores de toda a comunidade cristã a ajudar estes irmãos e irmãs a não se sentirem separados da Igreja; não só isso, mas devido ao baptismo podem e devem participar da vida da Igreja orando, ouvindo a Palavra, assistindo à Celebração eucarística da comunidade e promovendo a caridade e a justiça.

Não se deve negar que tais pessoas podem ser recebidas, dando-se as condições, ao Sacramento da penitência e depois à Comunhão eucarística. Dá-se isto quando sinceramente abraçam uma forma de vida que não se opõe à indissolubilidade do matrimónio — isto é, quando o homem e a mulher, que não podem cumprir a obrigação de separação, tomam o compromisso de viver em perfeita continência, ou seja, abstendo-se dos actos só próprios dos cônjuges — e quando não há motivo de escândalo. Entretanto a privação da reconciliação sacramental com Deus não os aparta da perseverança em orar e de praticar a penitência e a caridade, para conseguirem afinal a graça da conversão e da salvação.

Convém que a Igreja se mostre mãe de misericórdia, orando por eles e fortificando-os na fé e na esperança.

8. Os Padres Sinodais bem conhecem as graves dificuldades, que muitos cônjuges sentem na consciência, acerca das leis morais quanto à transmissão e à defesa da vida humana. Sabendo perfeitamente que o preceito divino traz consigo promessa e graça, os mesmos claramente reafirmaram a validez e a segura verdade da mensagem profética, dotada de alto sentido e bem adaptada às condições presentes, que se encontra na Carta Encíclica Humanae Vitae. O Sínodo incitou os teólogos a unirem os esforços com a actividade do Magistério hierárquico, para cada vez melhor explicarem os fundamentos bíblicos e as razões a que se chama «personalistas» desta doutrina, procurando que o ensino da Igreja a este propósito seja melhor compreendido por todos os homens de boa vontade.

Dirigindo-se àqueles que exercem o ministério pastoral para bem dos cônjuges e das famílias, os Padres Sinodais rejeitaram toda a bipartição ou dicotomia entre a pedagogia, que propõe certa gradualidade em realizar o plano divino, e a doutrina apresentada pela Igreja com todas as suas consequências, nas quais se inclui o preceito de viver segundo a mesma doutrina. Não se trata do desejo de observar a lei só como puro ideal para ser atingido no futuro, mas como mandamento de Cristo Senhor para que se vençam com empenho as dificuldades.

Na verdade, não se pode aceitar um «processo de gradualidade», senão no caso de alguém que, de ânimo sincero, observa a lei divina e procura aqueles bens que são guardados e promovidos pela mesma lei. Porque a chamada «lei da gradualidade», ou caminho gradual, não pode identificar-se com a «gradualidade da lei», como se houvesse vários degraus e várias formas de preceito na lei divina, para vários homens e várias condições na mesma lei. Todos os cônjuges são chamados à santidade no matrimónio segundo o desígnio de Deus; e esta vocação realiza-se na medida em que a pessoa humana pode corresponder ao preceito de Deus, com ânimo sereno, confiante na graça divina e na própria vontade.

Por isso, os cônjuges, que não têm a mesma sensibilidade religiosa, não podem aceitar passivamente a situação, mas deverão esforçar-se, com paciência e benevolência, por se encontrarem no fiel cumprimento dos deveres próprios do matrimónio cristão.

9. Os Padres Sinodais chegaram a mais uma profunda compreensão das riquezas, que se encontram nas várias culturas dos povos, ou dos contributos positivos que oferece cada género cultural para se conhecer mais plenamente o imperscrutável mistério de Cristo. Além disso, sublinharam que, mesmo no âmbito do matrimónio e da família, está aberto imenso campo à investigação teológica e pastoral, para melhor se favorecer a encarnação da mensagem evangélica na realidade de cada povo e para melhor se captar em que modos os costumes, as tradições, o sentido da vida e a alma de toda a cultura conseguem harmonizar-se com tudo o que pode contribuir para colocar em realce a Revelação divina (cf. Ad Gentes
AGD 22).

Esta investigação produzirá frutos para as famílias, se feita segundo o princípio da comunhão da Igreja universal e sob o impulso dos Bispos locais, que entre si estejam unidos e com a Cátedra de Pedro, «que preside à comunhão universal da caridade» (Lumen Gentium LG 13).

10. De modo apropriado e convincente, falou o Sínodo da mulher, com reverência e muito reconhecimento, isto é, da sua dignidade e vocação como filha de Deus, como cônjuge e como mãe. Desaprovando tudo o que lesa a sua dignidade humana, o Sínodo pôs em evidência a dignidade da mãe. Por isso, com razão declarou que a sociedade humana deve constituir-se de maneira que as mulheres não sejam obrigadas a um trabalho fora de casa por motivos económicos, mas é preciso que a família possa viver convenientemente, mesmo quando a mãe se dedica totalmente a ela.

483 11. Se recordámos estes problemas e as respostas que lhes deu o Sínodo, não queremos contudo atribuir pouco valor aos outros de que ele tratou; na verdade, como se viu durante estas semanas em muitas intervenções, úteis e frutíferas, trata-se de questões que precisam de ser explicadas, quer pelo magistério quer pelo ministério pastoral, com grande reverência e com amor cheio de misericórdia para com os homens e as mulheres, nossos irmãos e irmãs, que se dirigem à Igreja a fim de receberem palavras de fé e de esperança.

Oxalá, tomando exemplo do Sínodo, os Pastores com o mesmo cuidado e a mesma determinação encarem estes problemas, como eles se apresentam na vida conjugal e familiar, com a intenção de todos «praticarmos a verdade na caridade».

12. Queremos agora acrescentar, como fruto dos trabalhos, suportados durante mais de quatro semanas, que ninguém pode praticar a caridade senão na verdade. Este princípio vale tanto para a vida de cada família, como para a acção dos Pastores, que verdadeiramente querem servir as famílias.

13. Portanto, o fruto desta Sessão do Sínodo está principalmente em que as tarefas da família cristã — cujo coração, podemos dizer, é a caridade mesma — não se podem desempenhar senão em plena obediência à verdade.

Todos quantos a Igreja encarregou de desempenharem estas tarefas — quer sejam leigos quer clérigos, religiosos — não podem exercer o seu múnus senão na verdade.

Porque é a verdade que liberta; é a verdade que ordena; é a verdade que abre o caminho à santidade e à justiça.

Verificámos quanto amor de Cristo, quanta caridade, são oferecidos a todos aqueles que na Igreja e no mundo formam uma família: não só aos homens e às mulheres em ligação no matrimónio, mas também às crianças, às meninas e aos jovens, e ainda aos viúvos e aos órfãos, da mesma maneira que aos avós e a todos que de algum modo participam na vida familiar.

Para todos estes quer a Igreja de Cristo ser e permanecer testemunha e, por assim dizer, porta-voz dessa plenitude de vida, da qual São Paulo fala aos Coríntios com as palavras citadas no princípio: porque em tudo fomos enriquecidos em Cristo Jesus, em toda a palavra e em toda a ciência (cf.
1Co 1,5).

Dito isto, anunciamo-vos que, para ajudarem a Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos, estabelecemos juntar, aos doze membros da mesma Secretaria por vós eleitos, mais três Prelados, cuja nomeação pertence ao Romano Pontífice.

São: Ladislau Cardeal Rubin, Perfeito da Sagrada Congregação para as Igrejas Orientais;
Paulo Tzadua, Arcebispo de Adis Abeba;
484 e Carlos Maria Martini, Arcebispo de Milão.

Por último, desejo-vos todas as felicidades no Senhor.

SOLENE RITO DE BEATIFICAÇÃO

DE TRÊS SERVOS DE DEUS:

DON LUIGI ORIONE

IRMÃ MARIA ANNA SALA

BÁRTOLO LONGO


Domingo, 26 de Outubro de 1980




Caríssimos Irmãos e Filhos

"Gaudeamus omnes in Domino, hodie, diem festum celebrantes sub honore Beatorum nostrorum!" (Alegremo-nos todos no Senhor, hoje, ao celebrarmos o dia de festa em honra dos nossos Beatos).

Assim podemos hoje cantar com motivo, nesta grande solenidade, enquanto os nossos espíritos se elevam na contemplação da glória celeste conseguida por três novos Beatos: Don Luigi Orione, Suor Maria Anna Sala e Bártolo Longo.

1. É dia de festa porque a Igreja nos diz que eles entram oficialmente no culto dos fiéis cristãos e podem ser invocados e rogados, como já participantes da eterna felicidade. É dia de festa, porque a Igreja por meio deles nos indica, de modo autorizado e seguro, a meta da nossa vida e o caminho para a atingir, recordando-nos com São Paulo que "os sofrimentos do tempo presente nada são em comparação com a glória que há-de revelar-se em nós" (Rm 8,18); e é dia de grande festa porque a Igreja universal, e em particular a Itália, gozam — juntamente com os Filhos da Divina Providência, as Irmãs de Santa Marcelina e os cidadãos de Pompeia e de Nápoles — com a honra publicamente tributada a estes três campeões da fé e da caridade.

Sim, o Senhor está perto de nós e faz-nos compreender por meio deles a boa vontade acerca do nosso destino terreno e eterno: a salvação e a santificação do homem, criado "na justiça e na santidade verdadeira" (Ep 4,24). Os três novos Beatos, que hoje invocamos, por caminhos diversos e provas dolorosas, combateram o bom combate, guardaram a fé e perseveraram na caridade, conseguindo assim.. o prémio (cf. 2Tm 4,7). E agora, juntamente com a multidão dos Santos, são para nós luz e conforto, sustentáculo e consolação; caminham connosco e por nosso bem, como mestres e amigos; são dom do Altíssimo, com o seu exemplo, palavra e intercessão.

Suba por isso, neste momento, a Deus, Autor da graça, o nosso comovido reconhecimento.

2. Recolhamo-nos agora para reflectir de modo particular sobre a singular mensagem de cada um dos três Beatos, proposta à nossa meditação.

Don Luigi Orione aparece-nos como maravillhosa e genial expressão da caridade cristã.

485 E impossível sintetizar em poucas frases a vida aventurosa e às vezes dramática daquele que se definiu, humilde mas sagazmente, como "o carregador de Deus". Mas podemos dizer que foi certamente uma das personalidades mais eminentes deste século pela fé cristã abertamente professada e pela caridade heroicamente vivida. Foi sacerdote de Cristo totalmente e alegremente, percorrendo a Itália e a América Latina, consagrando a própria vida àqueles que mais sofrem, por causa da desventura, da miséria e da maldade humana. Baste recordar a sua activa presença entre as vítimas dos terremotos de Messina e da Mársica. Pobre entre os pobres, movido pelo amor de Cristo e dos irmãos mais necessitados, fundou a Obrazinha da Divina Providência, as Irmãzinhas Missionárias da Caridade e, em seguida, as Sacramentinas Cegas e os Eremitas de Santo Alberto.

Abriu também outras casas na Polónia (1923), nos Estados Unidos (1934) e na Inglaterra (1936), com verdadeiro espírito ecuménico. Quis depois concretizar visivelmente o seu amor a Maria erigindo em Tortona o grandioso Santuário de Nossa Senhora da Guarda. E para mim comovedor pensar que Don Orione teve sempre especial predilecção pela Polónia e sofreu imensamente quando a minha querida Pátria, em Setembro de 1939, foi invadida e despedaçada. Sei que a bandeira branca e vermelha da Polónia, que ele naqueles trágicos dias levou triunfalmente em cortejo ao Santuário de Nossa Senhora, está ainda dependurada na parede do seu pobríssimo quarto de Tortona: lá a quis ele próprio. E na última saudação que pronunciou na tarde de 8 de Março de 1940, antes de ir para San Remo, onde viria a morrer, disse ainda: "Eu gosto tanto da gente da Polónia! Amei-a desde rapaz; amei-a sempre... Querei sempre bem a estes vossos irmãos".

Da sua vida, tão intensa e dinâmica, sobressaem o segredo e a genialidade de Don Orione: deixou-se, só e sempre, conduzir pela lógica sem brecha, do amor. Amor imenso e total a Deus, a Cristo, a Maria, à Igreja, ao Papa, e amor igualmente absoluto ao homem, a todo o homem, alma e corpo, e a todos os homens, pequenos e grandes, ricos e pobres, humildes e sábios, santos e pecadores, com particular bondade e ternura para os que sofriam, eram marginalizados ou estavam desesperados. Assim enunciava o seu programa de acção: "A nossa politica é a caridade grande e divina que faz bem a todos. Seja a nossa política a do Pai Nosso. Não olhemos senão às almas para salvar. Almas e almas!. Eis toda a nossa vida; eis o grito e o nosso programa; toda a nossa alma, todo o nosso coração!". E assim exclamava com tons líricos: "Cristo vem, trazendo sobre o Seu coração a Igreja, e na mão as lágrimas e o sangue dos pobres; a causa dos aflitos, dos oprimidos, das viúvas, dos humildes e dos rejeitados: atrás de Cristo abrem-se novos céus: é como a aurora do triunfo de Deus!".

Teve a têmpera e o coração do Apóstolo Paulo, terno e sensível até às lágrimas, infatigável e corajoso até à ousadia, tenaz e dinâmico até ao heroísmo, enfrentando perigos de todo o género, aproximando-se de altas personalidades da política e da cultura, iluminando homens sem fé, convertendo pecadores, sempre recolhido em continua e confiante oração, às vezes acompanhada de terríveis penitências. Um ano antes da morte assim sintetizava o programa essencial da sua vida: "Sofrer, calar, orar, crucificar-me e adorar". Admirável é Deus nos Seus santos. E Don Orione permanece, para todos, exemplo luminoso e conforto na fé.

3. A Suor Maria Anna Sala ensina-nos a heróica fidelidade ao particular carisma da vocação.

Tendo entrado para as Irmãs Marcelinas aos 21 anos, compreendeu que o seu ideal e a sua missão deviam ser unicamente o ensino, a educação, a formação das meninas na escola e na família.

A Irmã Maria Anna foi, simples e totalmente fiel ao carisma fundamental da sua Congregação. Três grandes lições brotam da sua vida e do seu exemplo: a necessidade da formação e da posse de um bom carácter, firme, sensível e equilibrado o valor santificante do empenho no dever assinalado pela obediência e a importância essencial da obra pedagógica.

A Irmã Maria Anna quis adquirir aptidões do mais alto grau, convencida que tanto se pode dar quanto se possui; e apaixonou-se do seu cargo de mestra, santificando-se no cumprimento do próprio trabalho quotidiano. Pôs em prática a mensagem de Jesus: "Quem é fiel no pouco também é fiel no muito" (
Lc 16,10). Aprendam da nova Beata, sobretudo as Religiosas, a estarem alegres e serem generosas no seu trabalho, embora oculto, monótono e humilde. Aprendam, todos aqueles que se dedicam à obra educativa, a não se amedrontarem nunca com as dificuldades dos tempos, mas a empenharem-se com amor, paciência e preparação, na sua tão importante missão, formando as almas e elevando-as aos supremos valores transcendentes. Particularmente hoje a Escola precisa de educadores prudentes, sérios, preparados, sensíveis e responsáveis.

4. Por fim, eis ainda Bártolo Longo, o fundador do célebre Santuário de Pompeia, aonde com profunda devoção me dirigi há um ano; é o apóstolo do Rosário, o leigo que viveu totalmente a sua obrigação eclesial.

Bártolo Longo foi instrumento da Providência para a defesa e o testemunho da fé cristã e para a exaltação de Maria Santíssima, num período doloroso de cepticismo e anticlericalismo.

De todos é conhecida a sua longa vida — inspirada por uma fé simples e heróica, e densa de episódios sugestivos — durante a qual brotou e se desenvolveu o milagre de Pompeia. Começando pela humilde catequese aos aldeões do Vale de Pompeia, e pela reza do Terço diante do famoso quadro de Nossa Senhora, chegando até à erecção do estupendo Santuário e à instituição das obras de caridade para os filhos e filhas dos presos, Bártolo Longo promoveu, com intrépida coragem, uma obra grandiosa que ainda hoje nos deixa assombrados e perplexos.

486 Mas sobretudo é fácil notar que toda a sua existência foi intenso e constante serviço da Igreja, em nome e por amor de Maria.

Bártolo Longo, Terceiro da Ordem Dominicana e fundador da Instituição das Irmãs "Filhas do Santo Rosário de Pompeia", pode-se verdadeiramente definir "o homem de Nossa Senhora": por amor de Maria tornou-se escritor, apóstolo do Evangelho, propagador do Rosário, e fundador do célebre Santuário no meio de enormes dificuldades e adversidades; por amor de Maria criou institutos de caridade, fez-se mendicante em favor dos filhos dos pobres e transformou Pompeia numa viva cidadezinha de bondade humana e cristã; por amor de Maria suportou em silêncio tribulações e calúnias, passando através de um longo Getsémani, sempre confiado na Providência, sempre obediente ao Papa e à Igreja.

Ele, com a coroa do Rosário na mão, diz-nos também a nós, cristãos do fim do século XX: "Desperta a tua confiança na Santíssima Virgem do Rosário... Deves ter a fé de Job... Santa Mãe muito querida, eu deponho em Ti toda a minha aflição, toda a esperança e toda a confiança!" (11 de Março de 1905).

5. Caríssimos.

Hoje a Igreja propõe à nossa meditação e à nossa imitação um Sacerdote, uma Religiosa e um Leigo: é verdadeiramente sintomática esta coincidência dos três "estados" de vida. Pode dizer-se que é advertência e encorajamento a todas as categorias que formam o povo de Deus e constituem a Igreja peregrina a caminho do céu: todos somos chamados à santidade; para todos há as graças necessárias e suficientes; ninguém está excluído. Como sublinhou o Concílio Vaticano II: "Todos os cristãos, de qualquer estado ou ordem, são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade... Nos vários géneros e ocupações da vida, é sempre a mesma a santidade que é cultivada por aqueles que são conduzidos pelo Espírito de Deus e, obedientes à voz do Pai,... seguem Cristo pobre, humilde, e levando a cruz, a fim de merecerem ser participantes da sua glória" (Const. Dogm. Lumen Gentium
LG 40-41). E ainda: "Todos os cristãos são chamados e obrigados a tender à santidade e perfeição do próprio estado" (Ibid., 42).

Don Orione, Suor Maria Anna e Bártolo Longo, ao recordarem-nos esta doutrina fundamental, dão-nos uma lição de suprema importância: a necessidade da própria santificação, procurada com seriedade, sinceridade e constância: "Procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça!" recomendava Jesus (Mt 6,33).

A tentação mais enganadora, e sempre presente, é a de querer mudar a sociedade mudando somente as estruturas externas; de querer tornar feliz o homem na terra, satisfazendo-lhe unicamente as necessidades e aspirações. Os novos Beatos, a quem hoje rezamos, dizem a todos, Sacerdotes, religiosos e leigos, que o esforço primeiro e mais importante é o de nos mudarmos a nós mesmos, na imitação de Cristo, na metódica e perseverante ascética quotidiana: o resto virá em consequência.

Elevemos confiantes a nossa oração aos novos Beatos, que já alcançaram a alegria eterna do céu: Don Luigi Orion, Suor Maria Anna Sala e Bártolo Longo, intercedei pela Igreja, que tanto amastes!

Ajudai-nos, iluminai-nos e acompanhai-nos no nosso caminho, sempre para a frente, com Maria!

Estendei o vosso olhar e o vosso amor à humanidade inteira, necessitada de certeza e de salvação!

E esperai-nos na glória do céu, que já possuís!

487 Amém! Amém! Aleluia!




Homilias JOÃO PAULO II 477