Homilias JOÃO PAULO II 487

SOLENIDADE DE TODOS OS SANTOS




1 de Novembro de 1980




Caros Irmãos e Irmãs!

1. É-me grato encontrar-me hoje no meio de vós para celebrar-mos juntos a Solenidade de Todos os Santos, uma das maiores do Ano Litúrgico, sem dúvida entre as mais características e mais queridas ao povo cristão. Apraz-me também concelebrar esta Santa Missa com numerosos Párocos da Cidade, os quais representam na comunhão do altar não só os seus beneméritos Irmãos, mas todas as Comunidades Paroquiais de Roma, sempre presentes no meu coração e nas minhas preocupações pastorais de Bispo da Urbe.

2. A festa hodierna recorda e propõe à comum meditação algumas componentes fundamentais da nossa fé cristã. No centro da Liturgia estão sobretudo os grandes temas da comunhão dos santos, do destino universal da salvação, da fonte de toda a santidade que é Deus mesmo, da esperança certa na futura e indestrutível união com o Senhor, da relação existente entre salvação e sofrimento, e de uma bem-aventurança que já desde agora qualifica aqueles que se encontram nas condições descritas por Jesus no Evangelho segundo Mateus. Como chave de toda esta rica temática, porém, está a alegria, como recitámos na Antífona da entrada: «Alegremo-nos todos no senhor nesta solenidade de todos os santos»; e é uma alegria singela, límpida, corroborante, como a de quem se encontra numa grande família onde sabe que aprofunda as próprias raízes e da qual haure a linfa da própria vitalidade e da sua própria identidade espiritual.

3. A primeira Leitura bíblica, tirada do livro do Apocalipse de João, transporta-nos, em termos fortemente simbólicos, para o meio da corte celeste, «em pé diante do trono e diante do Cordeiro», num contexto de transbordante exultação e de vastos horizontes. Aqui encontramos «uma grande multidão, que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas» (Ap 7,9). E já é um dado consolador que dá respiração à nossa alma, porque nos é assegurado que somos muitos a festejar. Quando um dia alguém perguntou a Jesus: «Senhor, são poucos os que que salvam?», ele não respondeu directamente; todavia, embora recordando a necessidade de «entrar pela porta estreita», prosseguiu: «Hão-de vir do Oriente, do Ocidente, do Norte e do Sul e sentar-se-ão à mesa no reino de Deus» (Lc 13,23 Lc 13,24 Lc 13,29). Pois bem, nós hoje estamos imersos com o nosso espírito entre esta grande multidão de santos, de salvos, os quais, a partir do «justo Abel» (Mt 23,35), até a quem neste momento talvez esteja a morrer em qualquer parte do mundo, nos fazem coroa, nos dão coragem, e cantam todos juntos um poderoso coro de glória Aquele a quem os Salmistas chamam justamente «o Deus meu Salvador» (Ps 24,5) e «o Deus que é a minha alegria e o meu júbilo» (Ps 42,4).

4. De facto, neste dia, em que vivemos com particular acentuação a vivificante realidade da comunhão dos santos, devemos ter firmemente presente que no início, na base, no centro desta comunhão está o próprio Deus, que não só nos chama para a santidade, mas também e sobretudo no-la oferece magnanimamente no sangue de Cristo, vencendo assim os nossos pecados. Eis por que os santos do Apocalipse «clamam em alta voz, dizendo: 'A salvação pertence ao nosso Deus... e ao Cordeiro'» (7, 10), e depois «prostam-se sobre os seus rostos, diante do trono, e adoraram a Deus dizendo: 'Amén. Louvor, glória, sabedoria, acção de graças honra, poder e força ao nosso Deus, para todo o sempre'» (7, 12). Também nós devemos cantar ao Senhor um hino de gratidão e de adoração, como fez Maria com o seu Magnificat, para reconhecer e proclamar alegremente a magnificência e a bondade do «Pai que nos faz dignos de participar da sorte dos santos na luz... e nos transferiu para o Reino de Seu Filho muito amado» (Col 1,12-13). A festa de todos os santos, por conseguinte, convida-nos a não nos inclinarmos nunca sobre nós mesmos, mas a levantar os olhos para o Senhor a fim de estarmos alegres (cf. Sl Ps 34,6); a não considerarmos as nossas pobres virtudes, mas a graça de Deus que sempre nos confunde (cf. Lc Lc 19,5-6); a não fazermos conta das nossas forças, mas a confiar finalmente n'Aquele que nos amou quando ainda éramos pecadores (cf. Rom Rm 5,8); e também a não nos cansarmos nunca de praticar o bem, porque de qualquer modo a nossa santificação é «vontade de Deus» (1Th 4,3).

5. Por sua vez, o Evangelho que há pouco foi lido faz-nos recordar um aspecto essencial da nossa identidade cristã e do que constitui a santidade. As Bem-aventuranças pronunciadas tão solenemente por Jesus colocam-se, por um lado, em antítese com alguns valores que pelo contrário são honrados pelo mundo e, por outro lado, na perspectiva de um destino futuro e definitivo, em que as situações são invertidas. Elas ou mantêm-se ou caem todas juntas; não se lhes pode extrair só uma e cultivá-la em prejuízo das outras. Todos os santos sempre foram e são contemporaneamente, embora em medida diversa, pobres de espírito, mansos, aflitos, famintos e sequiosos de justiça, misericordiosos, puros de coração, artífices de paz e perseguidos pela causa do Evangelho. E assim devemos ser também nós. Além disso, na base desta página evangélica é evidente que a bem-aventurança cristã, como sinónimo de santidade, não está separada de uma componente de sofrimento ou pelo menos de dificuldade: não é fácil ser ou querer ser pobres, mansos, puros; não se quereria ser perseguido, nem sequer por causa da justiça. Mas o reino dos céus é para os anticonformistas (cf. Rom Rm 12,2), e são válidas também para nós as palavras de São Pedro: «Se sois ultrajados pelo nome de Cristo, bem-aventurados sois vós, porque o Espírito de glória, o Espírito de Deus, repousa sobre vós. Que nenhum de vós sofra por ser homicida, ladrão, difamador, ou por cobiçar os bens alheios. Mas, se sofre por ser cristão, não se envergonhe, antes glorifique a Deus por ter este nome» (1P 4,14-16). De facto, a nossa perspectiva não é a breve termo, mas sem fim. São escritas para nós as palavras iluminadoras do apóstolo Paulo: «a nossa leve e momentânea tribulação prepara-nos, para além de toda e qualquer medida, um peso eterno de glória. Por isso, não olhamos para as coisas visíveis, mas para as invisíveis, porque as visíveis são passageiras, ao passo que as invisíveis são eternas» (2Co 17-18).

6. Caros Irmãos e Irmãs, o lugar cemiterial em que estamos reunidos convida-nos a meditar também sobre o nosso destino futuro, ao mesmo tempo que cada um pensa nos próprios entes queridos, que já nos precederam no sinal da fé e dormem o sono da paz. A segunda Leitura bíblica da Missa, tirada da primeira Carta de São João apóstolo, exprimia-se assim: «agora somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que havemos de ser» (3, 2). Há pois uma distância entre o que já somos e o que havemos de ser, isto é, em certo sentido, entre o que nós somos e o que já são os nossos defuntos. Entre estes dois pólos coloca-se a nossa expectativa e a nossa esperança, que vai muito além da morte, porque a considera apenas como uma passagem para encontrarmos definitivamente o Senhor e para sermos «semelhantes a Ele, porque O veremos como Ele é» (ibid.). Hoje somos também convidados a viver uma particular comunhão litúrgica a eles dedicada no dia de amanhã. Na fé e na oração restabelecemos assim os laços familiares com eles, que nos vêem, nos seguem e nos assistem. Eles, na expectativa da ressurreição, já vêem o Senhor «como Ele é», e por conseguinte encorajam-nos a prosseguir o caminho, ou melhor a peregrinação que ainda nos resta na terra. De facto, «não temos aqui a cidade permanente, mas vamos em busca da futura» (He 13,14). O importante é que não nos cansemos e sobretudo não percamos de vista a meta final. O pensamento voltado para os nossos Defuntos ajuda-nos nisto porque eles já estão onde havemos de estar também nós. Melhor, há um campo comum entre nós e eles, que no-los torna próximos, e é a própria inserção no mistério trinitário do Pai, do Filho e do Espírito Santo, baseada no mesmo baptismo: aqui damo-nos as mãos, porque neste âmbito não existe a morte, mas apenas a única corrente de vida que nunca tem ocaso.

Desta fé deriva a nossa alegria e a nossa força. O Senhor no-la mantenha sempre intacta e fecunda. E com a sua graça nos proteja e ampare sempre. Assim seja!

VISITA PASTORAL DO SANTO PADRE

À PARÓQUIA ROMANA DE NOSSA SENHORA

DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO

E DOS SANTOS MÁRTIRES CANADENSES


Domingo, 2 de Novembro de 1980




488 1. "Graças Vos dêem, Senhor, todas as criaturas / e bendigam-Vos os Vossos fiéis. / Proclamem a glória do vosso reino / e anunciem os Vossos feitos gloriosos" (Ps 144 [145], 10-11).

Com estas palavras, tomadas da liturgia do domingo que segue a solenidade de Todos os Santos, desejo venerar os Santos Mártires Canadenses, Padroeiros da vossa Paróquia. E, ao mesmo tempo, enquanto venero aqueles que protegem a vossa comunidade desde o ano de 1955, desejo saudar esta comunidade na união da Igreja Romana.

Na verdade, venho hoje a vós como Bispo desta Igreja para evidenciar a união da vossa paróquia com a Igreja que é a primeira entre todas, da qual foram fundadores os Apóstolos Pedro e Paulo, e o primeiro pastor foi Pedro — corifeu dos Doze Apóstolos.

2. Grande é a minha alegria de encontrar-me convosco, nesta magnífica igreja, e precisamente no 25° aniversário de vida da vossa paróquia.

Desejo primeiro que tudo apresentar-vos a minha saudação. É a saudação do vosso Bispo, que vos ama, vos segue e está sempre ao vosso lado com a sua oração e ansiedade de Pai, Pastor e amigo. É a saudação cordial e afectuosa que dirijo ao Cardeal Roy, Arcebispo de Quebeque, no Canadá, do título desta igreja, ao Cardeal Vigário e ao Bispo Auxiliar Dom Oscar Zanera, agradecendo-lhes o trabalho assíduo e diligente; é a saudação aos representantes do Estado canadense; é a saudação que torno extensiva ao Pároco e aos Sacerdotes Sacramentinos, seus colaboradores, os quais com solicitude constante e amorosa dirigem a Paróquia, ambicionando unicamente fazer de vós verdadeiros cristãos; é a saudação que desejo apresentar também ao Superior-Geral da Congregação dos Sacerdotes do Santíssimo Sacramento, Padre Henrique Verhoeven, e a todos os membros da Cúria Geral que tem aqui a sua sede.

Mas de maneira especial quero saudar-vos a vós, fiéis, que juntamente com a comunidade dos Irmãos Xaverianos, com os que fazem parte do Movimento dos Focolarinos e as Irmãs de sete Comunidades Religiosas, formais o "Povo de Deus" desta Igreja paroquial, testemunha de Cristo Ressuscitado, peregrina entre as alternativas da história a caminho da Jerusalém celeste! Cada um de vós — crianças, jovens, adultos, anciãos, doentes, os que sofrem, próximo e longe — sinta-se neste momento vizinho ao coração do Papa! Vim fazer-vos visita, visita tão desejada, para dizer que estou contente do vosso trabalho e do vosso esforço, para vos manifestar e aos vossos sacerdotes a minha mais viva complacência.

A vossa Paróquia completa 25 anos de vida e, como a igreja foi construída em grande parte com fundos recolhidos pelos Padres Sacramentinos no Canadá, foi dedicada aos Santos Mártires Canadenses e tornou-se por isso o Templo nacional deste País em Roma. Conheceis a dramática e gloriosa história destes oito mártires jesuítas, que seguindo São João Brébeuf partiram intrépidos da França e desembardaram naquela grande Nação para catequizar os Hurões. A missão deles foi dura e foi longa "Via Sacra", coroada de muitas conversões ao Evangelho de Cristo. E sobretudo sabeis como o testemunho, que deram de amor, se concluiu com o martírio. A fé que tiveram, corajosa e decidida, foi para vós de grande exemplo neste período. A intercessão deles foi para esta Paróquia grande força espiritual. De facto, quanto trabalho se realizou nestes 25 anos! Agradeçamos ao Senhor a abundância dos seus dons e agradeçamos também aos Santos Mártires, que juntamente com Nossa Senhora, Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento, vos protegeram e inspiraram em todas as vossas actividades.

3. O fragmento do Evangelho de São Lucas, que a Liturgia propõe que meditemos no 31° domingo durante o Ano, recorda o episódio que se realizou quando Jesus ia a atravessar a cidade de Jericó. Foi acontecimento tão significativo, embora o conheçamos de cor, que é necessário o meditemos uma vez mais com atenção a cada um dos seus elementos.

Zaqueu era não só publicano (assim como o era Levi — depois o Apóstolo Mateus), mas um "chefe dos publicanos" e muito "rico". Quando Jesus passava junto a sua casa, Zaqueu a todo o custo "procurava ver... Jesus" (Lc 19,3), e com este fim — sendo pequeno de estatura naquele dia subiu a uma árvore (o evangelista diz "a um sicómoro"), "para poder vê-lo" (Lc 19,4).

Cristo viu Zaqueu deste modo e dirigiu-se-lhe com as palavras que nos dão tanto que pensar. De facto, Cristo não só fez notar que o vira (a ele, chefe dos publicanos, portanto homem de certa posição) em cima da árvore, mas além disso declarou diante de todos querer "ficar em sua casa" (cf. Lc Lc 19,5). O que despertou alegria em Zaqueu, e ao mesmo tempo murmuração entre aqueles a quem tais sinais das relações do Mestre de Nazaré com "os publicanos e pecadores" evidentemente não agradavam.

4. Esta é a primeira parte da passagem, que merece reflexão, Devemos sobretudo deter-nos na afirmação de que Zaqueu "procurava ver... Jesus" (Lc 19,3). E frase muito importante que devemos referir a cada um de nós aqui presentes — melhor, indirectamente a cada homem. Quero eu "ver Cristo"? Faço tudo para "poder "vê-lo"? Este problema, depois de dois mil anos, é actual como na altura em que Jesus atravessava as cidades e aldeias da Sua terra. É o problema actual para cada um de nós pessoalmente: quero? quero a valer? Ou, talvez, evito antes o encontro com Ele? Prefiro não vê-l'O e prefiro que Ele não me veja (pelo menos no meu modo de pensar e de sentir)? E se já o vejo de algum modo, então prefiro vê-lo de longe, não me aproximando demais, não me adiantando ao alcance dos Seus olhos para não discernir demais... a fim de não ter de aceitar toda a verdade que está n'Ele, que provém d'Ele — de Cristo?

489 Esta é uma dimensão do problema, que escondem em si as palavras do hodierno Evangelho sobre Zaqueu.

Mas há ainda outra dimensão social. Esta tem muitos circuitos mas eu quero colocar esta dimensão no circuito concreto da vossa Paróquia: De facto a Paróquia, quer dizer, uma comunidade cristã viva, existe para que Jesus Cristo seja constantemente visto nos caminhos de cada homem, das famílias, dos ambientes e da sociedade. E esta vossa paróquia, dedicada aos Mártires Canadenses, tudo faz para que o maior número possível de homens "queira ver Cristo Jesus"? Assim como Zaqueu? E depois: que poderia fazer mais com este fim?

5. Detenhamo-nos nestas perguntas. Melhor, completemo-las com as palavras da oração, que encontramos na segunda Leitura da Missa, tirada da Carta de São Paulo aos Tessalonicenses: Irmãos "... Nós oramos continuamente por vós, para que o nosso Deus vos torne dignos da vossa vocação cristã. Que Ele faça, com o Seu poder, se realizem plenamente todos os vossos bons propósitos e o trabalho que a fé vos inspira. Assim será glorificado em vós o nome de Jesus, Nosso Senhor. E vós sereis glorificados n'Ele, de acordo com a graça do nosso Deus e do mesmo Senhor Jesus Cristo"' (
2Th 1,11-12). Quer dizer falando com a linguagem do hodierno trecho evangélico peçamos que vós procureis ver Cristo (cf. Lc Lc 19,3), que vades ao Seu encontro, como Zaqueu... e que, se sois pequenos de estatura, subais, por tal motivo, a uma árvore.

E Paulo continua a desenvolver a sua oração, pedindo aos destinatários da carta que não se deixem sem razão confundir tão depressa nem alarmar por qualquer pretensa inspiração... (cf. 2Th 2,2). Por que "inspirações"? Talvez simplesmente por "inspirações deste mundo". Digamo-lo na linguagem actual: por uma onda de secularização e indiferença a respeito dos maiores valores divinos e humanos. Em seguida diz Paulo: "nem por palavras". Na verdade, não faltam hoje palavras que tem em vista "confundir" ou "perturbar" os cristãos:

6. Zaqueu não se deixou confundir nem perturbar. Não receou que receber Cristo na sua casa pudesse ameaçar, por exemplo, a sua carreira profissional ou tomar difíceis algumas acções; relacionadas com a sua actividade de chefe dos publicanos. Ele recebe Cristo em sua casa e diz: "Olha, Senhor, vou dar aos pobres metade dos meus bens e, se causal qualquer prejuízo a alguém, restituirei quatro vezes mais" (Lc 19,8).

Nesta altura toma-se claro que não só Zaqueu "viu Cristo", mas, ao mesmo tempo, Cristo perscrutou-lhe o coração e a consciência; radiografou-o até ao fundo. E eis que se realiza o que produz o fruto mesmo de "ver" a Cristo, do encontro com Ele na plena verdade: realiza-se a abertura do coração, realiza-se a conversão. Realiza-se a obra da salvação. Manifesta-o Jesus mesmo quando diz: "Hoje a salvação chegou a esta casa, pois também este é filho de Abraão. É que o Filho do homem veio procurar e salvar o que estava perdido" (Lc 19,9-10). Eis uma das mais belas expressões do Evangelho.

Estas últimas palavras têm importância particular. Desvelam o universalismo da missão salvífica de Cristo. Da missão que permanece na Igreja. Sem estas palavras seria difícil compreender a doutrina do Vaticano II e, em particular, seria difícil compreender a constituição dogmática sobre a Igreja Lumen Gentium.

7. Também a vossa Paróquia deve procurar acolher cada vez mais Jesus entre os seus membros, deve sempre melhorar mais e mais, quer no espírito e na formação, quer nas várias actividades.

Muitos são os grupos organizados: a Acção Católica, as Comunidades neocatecumenais, a Agregação do Santíssimo Sacramento, o Apostolado da oração, a Companhia de São Vicente, a Legião de Maria, o Grupo Família e o Movimento Terceira Idade. Ao mesmo tempo que vós expresso o meu aplauso :sincero, exorto-vos também a serdes cada vez mais fervorosos e a alargardes as vossas fileiras, para que muitos outros possam respirar esta atmosfera de intensa espiritualidade. A vossa Paróquia parece-me caracterizada por duas actividades sobretudo: a Catequese ordenada e metódica, e a Adoração do Santíssimo. Dá-me gosto saber que mais de 100 Catequistas aqui preparados, prestam serviço em Roma, por essa Itália até no estrangeiro e que todos os dias, durante não menos de seis horas; se realiza a Adoração pública, que se prolonga às vezes também de noite. Continuai neste magnífico caminho de fé, de amor e de testemunho. Ampliai a Catequese especialmente aos adultos, tanto na Paróquia para os vários grupos autorizados e as várias camadas de pessoas, como nos grandes prédios e nos bairros. Pedi também pelas vocações sacerdotais e perseverança delas. A vossa Paróquia "veja" cada vez mais a Cristo e faça que se encontre Cristo em mais vasta extensão.

8. Hoje , ouvimos com particular comoção as palavras do Evangelho de São João: "Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o Seu Filho único, para que todo o que n'Ele crer não pereça mas tenha a vida eterna" (Jn 3,16).

Pensemos nos Mártires Canadenses, pensemos em todos os Santos cuja solenidade celebrámos ontem. Ao mesmo tempo recordemo-nos dos nossos defuntos, de quem hoje se faz a Comemoração em toda a Igreja. Sintamo-nos unidos a eles, que já "vêem" o Senhor face a face, ou esperam, na misteriosa purificação, vir a atingir a contemplação do Seu Rosto. Ajudemo-los com o nosso sufrágio, com a nossa recordação afectuosa e pia. Peçamos por eles, com confiança, a este Deus que tanto amou o mundo que lhe deu o Seu Filho, para cada um que n'Ele crê tenha a vida eterna.

490 Renovemos em nós a fé e a esperança da vida eterna: "pois o Filho do homem veio procurar e salvar o que estava perdido" (Lc 19,10).



CONGRESSO SOBRE O TEMA


« ESPIRITUALIDADE DO PRESBÍTERO DIOCESANO HOJE»


ORGANIZADO PELA CONFERÊNCIA EPISCOPAL ITALIANA




4 de Novembro de 1980




Caríssimos Irmãos!

Considero um momento privilegiado da minha vida poder concelebrar hoje convosco, Sacerdotes, no Altar da Cátedra desta Basílica Vaticana, que é símbolo, centro e irradiação de fé e de anúncio do nome de Nosso Senhor Jesus Cristo.

1. A oportuna circunstância que vos reuniu, juntamente com o venerado Irmão, D. Luigi Boccadoro, de todas as partes da Itália, isto é, o Congresso nacional sobre a «Espiritualidade do Presbítero Diocesano hoje», ocorre no dia em que a Liturgia da Igreja nos faz recordar a esplêndida figura de São Carlos Borromeu, incansável Pastor da Diocese de Milão e também meu celeste Padroeiro.

A memória de São Carlos, que estamos a celebrar, pode trazer muita luz à vasta e delicada problemática, que estais debatendo nestes dias em Roma. Ela resume-se fundamentalmente na razão pastoral do vosso ser e do vosso agir dentro da comunidade cristã. Razão que exige não só o emprego generoso de todos os talentos e recursos que o Senhor vos concedeu, mas até mesmo a perda e doação total da própria vida, à semelhança do Bom Pastor, de que falam as leituras da liturgia hodierna, o qual não hesita em «dar a vida pelos irmãos» (1Jn 3,16) e «oferecer a vida pelas ovelhas» (Jn 10,15) para que elas «ouçam a voz e se tornem um só rebanho e um só pastor» (cf. Jo Jn 10,16).

2. Foi sem dúvida esta consciência pastoral que susteve e guiou a espiritualidade e a obra de São Carlos, que, de rico e nobre que era, se esqueceu de si mesmo para se doar inteiramente a todos numa actividade sacerdotal realizadora de verdadeiros prodígios. Visitas pastorais, reuniões de sacerdotes, fundação de Seminários, directrizes litúrgicas para os dois ritos, romano e ambrosiano, catequese a todos os níveis. sínodos diocesanos, fundação de escolas gratuitas, de colégios para a juventude e de asilos para os pobres e anciãos: são outros tantos sinais manifestadores daquela intensa e vibrante caridade pastoral que urgia fortemente o seu grande espírito, solícito pela salvação das almas.

Mas, de onde conseguia ele tanta força neste zeloso serviço eclesial que se tornou depois exemplo e lema para todos os Bispos e sacerdotes, após a reforma tridentina? O segredo do seu êxito foi o espírito de oração. É conhecido, de facto, que ele dedicava muito tempo, de dia e de noite, à contemplação e à união com Deus quer na sua capela particular, quer nas Igrejas paroquiais, para onde se dirigia em visita pastoral. «As almas — costumava repetir — conquistam-se de joelhos». E no discurso por ele pronunciado no último Sínodo, e que hoje meditamos no Breviário, assim falou aos seus sacerdotes: «Nada é tão necessário a todos os homens eclesiásticos como a oração mental, que precede todas as nossas acções, as acompanha e as protege... Se administras os sacramentos, ó irmão, medita no que fazes; se celebras a Missa pensa no que ofereces; se cantas em coro, pensa com quem e de que coisa falas, se orientas as almas, medita por que sangue foram remidas... Assim teremos as forças para gerar Cristo em nós e nos outros» (Acta Ecclesiae Mediolanensis, Milano 1599, 1177-1178).

3. Somente nestas condições, como escutámos na proclamação da Palavra, se está em grau de «dar a vida» pelas almas, isto é, de ser autênticos pastores da Igreja de Deus. Só assim aquela «pastoralis caritas», de que fala o Concílio Vaticano II (cf. Decr. Presbyterorum Ordinis PO 14), pode conseguir a sua máxima expansão, e o ministério sacerdotal transformar-se verdadeiramente naquele «amoris officium» de que fala Santo Agostinho (cf. Tract in Joannem, 123, 5: PL 35, 1967). Somente assim o sacerdote, que acolhe a vocação para o ministério, é capaz de fazer dele uma opção de amor, pelo que a Igreja e as almas se tornam o seu interesse principal e, com tal espiritualidade concreta, ele torna-se capaz de amar a Igreja universal e aquela sua porção, que lhe é confiada, com todo o impulso de um esposo para a sua esposa. Um sacerdote, que não tivesse qualquer inserção numa comunidade eclesial, não poderia certamente apresentar-se como válido modelo de vida ministerial, estando ela essencialmente inserida no contexto concreto dos relacionamentos interpessoais da comunidade mesma. Neste contexto encontra o seu sentido pleno o próprio celibato. Esta opção de vida representa um sinal público de altíssimo valor do amor primeiro e total que o sacerdote oferece à Igreja. O celibato do pastor não tem só um significado escatológico, como testemunho do Reino futuro, mas exprime igualmente o profundo vínculo que une os fiéis, uma vez que são a comunidade nascida do seu carisma e destinada a totalizar toda a capacidade de amar, que um sacerdote traz dentro de si. Ele, além disso, liberta-o interior e exteriormente, fazendo que ele possa organizar a sua vida de modo que o seu tempo, a sua casa, os seus hábitos, a sua hospitalidade e os seus recursos financeiros sejam condicionados somente por aquilo que é o objectivo da sua vida: a criação de uma comunidade eclesial ao redor de si.

4. Eis, caríssimos sacerdotes, alguns rápidos pontos de reflexão — devido à brevidade do tempo — para uma espiritualidade sacerdotal que nos vem da figura e do ministério de São Carlos, admirado e venerado Pastor da Igreja de Milão. Invocamo-lo na celebração desta Eucaristia, a fim de que nos obtenha do Pai, mediante a oferta do Corpo e Sangue de Cristo; sermos sacerdotes que rezam e trabalham para a sua maior glória e para a salvação das almas.

Assim seja.



CELEBRAÇÃO DA EUCARISTIA


NO «DIA DE ACÇÃO DE GRAÇAS»




491
9 de Novembro de 1980




Caríssimos Agricultores!

1. Eis chegado no calendário das vossas celebrações anuais também o «Dia de Acção de Graças», introduzido há mais de vinte anos pela benemérita Confederação Nacional dos Agricultores e celebrado já em todas as dioceses por determinação da Conferência Episcopal Italiana.

É um dia importante e muito significativo, e este ano viestes de todas as regiões da Itália para o celebrar juntamente com o Vigário de Cristo: exprimo-vos a minha profunda gratidão pela vossa vibrante assembleia, testemunho de fé e de fraternidade nos comuns ideais, e a todos dirijo a minha saudação cordial e afectuosa. Este encontro alegra-me e conforta-me! Desejo antes de tudo saudar com estima e respeito todos os vossos Dirigentes nacionais, provinciais, diocesanos e especialmente o Presidente demissionário, Deputado Paolo Bonomi, que durante trinta e seis anos dirigiu a Confederação, com um serviço intenso, apaixonado e genial. Desejo também exprimir o meu apreço e elogio aos numerosos colaboradores, e particularmente aos Conselheiros eclesiásticos, que cuidam com generosa dedicação da parte espiritual da organização.

Mas sobretudo quero saudar cada um de vós, caríssimos Agricultores e, por vosso intermédio, todos os trabalhadores do campo e as suas famílias: «gente robusta - como disse Paulo VI de venerada memória —capaz, fiel, modesta e generosa das terras da Itália» (Audiência aos Agricultores, XX Congresso Nacional, 27 de Março de 1968). Vós sabeis que a Igreja sempre compreendeu e valorizou o vosso trabalho, a vossa fadiga e as vossas justas reivindicações. A Igreja ama-vos, estima-vos, acompanha-vos e, nas crises ideológicas, morais, sociais e políticas que afligem a humanidade, olha para vós, cultivadores da terra, com particular confiança. Sede, portanto, pois bem-vindos à Casa do Pai! Eu acolho-vos de braços abertos, como acolhi as multidões dos vossos irmãos no México, na Polónia, na Irlanda, nos Estados Unidos, na África e no Brasil; e alegro-me de poder agradecer ao Senhor convosco e por vós, Hoje e sempre, todos os benefícios que vos concedeu no ano que passou.

2. Hoje a liturgia faz-nos celebrar a memória da Dedicação da Basílica Lateranense, Catedral da Diocese de Roma e, por isso, primeira Catedral da Igreja universal. O nosso encontro espiritual nesta dúplice circunstância da «dedicação» e de «acção de graças» presta-se a duas reflexões de fundamental importância. A primeira refere-se ao valor da fé cristã. O vosso reconhecimento a Deus, evidentemente, nasce da fé; e a primeira exortação que desejo dirigir-vos é precisamente esta: estimai a vossa fé! Mantende firme a vossa fé! Hoje é necessária uma fé esclarecida, convicta e profunda. É preciso que estejamos preparados para respondei de maneira adequada aos interrogativos que a sociedade moderna pro-põe continuamente, e talvez até violentamente, para nunca ceder à investida das diversas e contrastantes mentalidades; é preciso actualizar e desenvolver a própria cultura religiosa. Por isso, especialmente nos períodos de relativa calma dos trabalhos, frequentai os encontros formativos nas vossas Paróquias; meditai a «Palavra de Deus», de modo particular nos dias festivos, a fim de serdes verdadeiramente convictos «adoradores de Deus em espírito e verdade», como Jesus diz à Samaritana (cf. Jo
Jn 4,19-24). Como escrevia São Pedro aos primeiros cristãos, é necessário estar unido a Cristo, pedra viva, com plena certeza e confiança, porque «também vós fostes usados como pedras vivas para a construção de um edifício espiritual, para um sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus, por meio de Jesus Cristo». Imensa é a vossa dignidade e responsabilidade de cristãos! «Vós, com efeito — continua o Apóstolo — sois a raça escolhida, o sacerdócio régio, a nação santa, o povo adquirido para Deus, a fim de que proclameis as obras maravilhosas d'Aquele que das trevas vos chamou à sua luz maravilhosa» (cf. 1P 2,4-9).

A segunda reflexão refere-se à atitude de «reconhecimento», que deve distinguir a vida de todos os homens, de cada um dos cristãos em particular. As palavras do Salmista devem ser nossas, também nos momentos de cansaço e de sofrimento: «Vinde, manifestaremos a nossa alegria ao Senhor — aclamemos o rochedo da nossa salvação — Apresentemo-nos diante d'Ele com louvores - E cantemos-Lhe alegres cânticos!» (Ps 94,1-2). São Paulo inculcava nas suas cartas este contínuo espírito de gratidão: «Em todas as circunstâncias dai graças, porque esta é a vosso respeito a vontade de Deus em Jesus Cristo» (1Th 6,18); «Enchei-vos do Espírito... dando sempre graças por tudo a Deus Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo» (cf. Ef Ep 5,18-20). É uma atitude «eucarística», que vos dá paz e serenidade nas fadigas, vos liberta de todo o apego egoísta e individualista, vos torna dóceis à vontade do Altíssimo, também nas exigências morais mais difíceis, vos abre para a solidariedade e para a caridade universal, vos faz compreender como é absolutamente necessária a oração, e sobretudo a vida eucarística mediante a Santa Missa, o acto de Acção de graças por excelência, para viver e testemunhar coerentemente a própria fé cristã. Agradecer significa acreditar, amar, dar! E com alegria e generosidade!

3. Caríssimos!

Eis a mensagem que vos confio neste dia de Acção de Graças: tende fé! sede reconhecidos! «Esforçai-vos por fazer sempre o bem uns aos outros e a todas as pessoas!» (1Th 5,15). E amai a vossa terra, amai o vosso trabalho! É o encorajamento que desejo deixar-vos por último. Certamente todas as artes e profissões são úteis e válidas, e todos os trabalhos e empregos devem ser igualmente valorizados, estimados e respeitados. Mas o trabalho do campo é essencial e todos somos devedores àqueles que a ele se dedicam. Ele exige continuidade, adestramento, gosto e estima dos valores tradicionais, aceitação do risco, amor à fadiga e sentido de responsabilidade. Continuai a amar a terra; inculcai este amor nos jovens que formam as novas famílias! E a sociedade inteira, por tantos motivos, ser-vos-á sinceramente reconhecida!

É-me grato concluir fazendo-vos recordar o famoso quadro, e por vós bem conhecido, de Jean-François Millet, intitulado «O Angelus», representando um homem e uma mulher que interrompem o seu trabalho no campo, e se recolhem em silenciosa invocação à Virgem Santíssima. Mantende também vós, Agricultores, nas vossas famílias sempre límpida e confiante a devoção a Maria Santíssima; uni-vos a Ela no quotidiano compromisso do vosso agradecimento! A Ela vos confio! Ela vos proteja a todos e sempre!



Homilias JOÃO PAULO II 487