Homilias JOÃO PAULO II 266


CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA COM A COMUNIDADE

DO PONTIFÍCIO SEMINÁRIO TEOLÓGICO DE MOLFETTA (ITÁLIA)


Capela Paulina

267
Domingo, 13 de Janeiro de 1980

Caríssimos Superiores e Alunos!


Desejastes vivamente este encontro litúrgico com o Papa, e eu exprimo-vos, com grande alegria, o meu obrigado por me encontrar convosco, esta manhã, para celebrar o Sacrifício Eucarístico. Que haverá, na verdade, de mais belo e de mais consolador do que estarmos juntos, para nos conhecermos, para nos compreendermos, para nos amarmos e, sobretudo, para gozarmos, em conjunto, da presença e da amizade de Cristo?

Saúdo-vos, por isso, um por um, com afecto paterno, e torno extensivos os meus bons votos aos vossos familiares, a todos aqueles que vos querem bem...

O vosso Seminário Regional tem já longa história, e, pensando nos muitos sacerdotes e numerosos Bispos que formou, brota do coração uma viva acção de graças a Deus pelo intenso trabalho para bem da Igreja e proveito das almas.

E sois vós agora, caríssimos Clérigos, que estais a ser preparados nesse Seminário; sois vós os chamados; sois vós os que a Igreja e a sociedade esperam com ansiedade, dada a extrema necessidade de Ministros de Deus, que sejam esclarecidos e rectos, equilibrados e sábios, sacerdotes convictos e corajosos, tal como o foram no passado, e o são agora, muitas figuras luminosas do Clero da vossa Região.

Nesta nossa atribulada e angustiada época, a Igreja, garantida pela assistência divina, continua a anunciar e a testemunhar Jesus Cristo, luz e salvação dos homens. Para esta grande e imperecível missão chamou-vos, também a vós, o Senhor, e para isso vos preparais.

É-me agradável tirar desta Liturgia do Baptismo de Jesus algumas reflexões úteis a esta vossa formação.

1. No episódio do Baptismo de Jesus, referido pelos quatro Evangelistas, a mensagem doutrinal, isto é teológico-dogmática, é evidente.

Como sabemos, o Baptismo administrado por João era apenas um rito de purificação, tendo em vista a vinda eminente do Messias; também Jesus quer submeter-se a este Baptismo para reconhecer publicamente a missão de João, último Profeta do Antigo Testamento e Precursor do Messias, e para afirmar de modo evidente que, embora não tendo pecado, se inseria entre os pecadores, precisamente para remir os homens do pecado.

Neste episódio do Evangelho revela-se, numa solene teofania, a Santíssima Trindade; revelam-se a divindade de Cristo, filho predilecto do Pai, e a sua missão salvífica, para a qual havia encarnado.

268 Eis revelado, neste episódio, o fundamento absoluto da nossa fé e, portanto, da nossa consagração: a divindade de Cristo e a sua missão.

2. João Baptista, anunciando o Messias, dizia: "Ele baptizar-vos-á no Espírito Santo e no fogo". Estas palavras contêm uma mensagem que vale para toda a história dos homens. O fogo é o símbolo bíblico do amor de Deus, a queimar e purificar de todo o pecado; o Espírito Santo indica a vida divina, que Jesus trouxe através da "graça". Dado que Jesus é Deus, a Sua palavra permanece válida para sempre. E para que a verdade revelada e os meios de salvação continuassem íntegros através das Vicissitudes dos tempos, Jesus instituiu a Igreja baseando-a nos Apóstolos e seus sucessores, e deu a Pedro e sucessores o mandamento de confirmar os irmãos na fé, assegurando a sua oração particular e a assistência do Espírito Santo.

Esta certeza deve impelir-vos, sumos Clérigos, a uma total e absoluta confiança em Jesus, na sua palavra e na Igreja por ele mesmo querida e fundada. Jesus é a verdade; veio para dar testemunho da verdade; consagrou-nos na verdade! (Cfr. Jo
Jn 14,6-8 Jn 8,31-32 Jn 17,17-19 Jn 18,37). Não pode trair-nos; não pode abandonar-nos no nevoeiro da confusão, nas espirais da dúvida, no abismo da angustia ou no afã da incerteza.

Tudo passa, mas a verdade permanece; passa, a figura deste mundo, mas a Igreja continua!

3. Encontrais-vos agora no Seminário, seguidos com amor e com ansiedade pelos vossos Superiores e Professores, para serdes depois aqueles que baptizam "no Espírito Santo e no fogo". Por isso, também a vós se podem aplicar as palavras do Senhor tiradas do profeta Isaías: Eu, o Senhor, chamei-te na justiça, segurei-te pela mão; formei-te e designei-te como aliança de povo e luz das nações; para abrires os olhos aos cegos, para tirares dos cárceres os prisioneiros e da prisão os que vivem nas trevas (Is 42,6-7).

Deixai-vos conduzir pela mão do Senhor, porque Ele hoje quer realizar a Redenção por meio de vós. A Redenção é sempre actual, porque é sempre actual a parábola do trigo e do joio; são sempre actuais as Bem-aventuranças. A humanidade tem sempre necessidade da Revelação e da Redenção de Cristo, e por isso espera por vós! Há sempre almas para esclarecer, pecadores para perdoar, lágrimas para enxugar, desilusões para consolar, doentes para encorajar, crianças e jovens para dirigir: Há e haverá sempre o homem para amar e para salvar em nome de Cristo! É esta a vossa vocação, que vos deve tornar alegres e corajosos.

Porém, deveis preparar-vos com sentido de grande responsabilidade e de profunda e convicta seriedade: seriedade na formação cultural; particularmente filosófica, bíblica e teológica, bem como ascética e disciplinar, de modo que total e alegremente vos consagreis só a Jesus e às almas, recordando o que já São João Crisóstomo escrevia: "É necessário que a beleza da alma do Sacerdote resplandeça por toda a parte, para que possa consolar e, ao mesmo tempo, iluminar as almas daqueles que o vêem" (Diálogo sobre o Sacerdócio, L. III, 10); e ainda: "Conheço toda a grandeza do ministério sacerdotal e as graves dificuldades a ele inerentes: a alma do sacerdote é assolada por ondas mais impetuosas do que as levantadas pelos ventos no alto mar" (Ibid. L. III, 5).

Caríssimos Superiores e Alunos!

No dia 8 de Dezembro de 1942, Pio XII, de venerada memória, em sinal de afecto e estima, doava ao vosso Seminário Regional um afresco do século XIV, reproduzindo em tela, figurando a Mãe de Deus, que vós justamente invocais sob o nome de "Regina Apuliae".

A Ela, à vossa Rainha, eu vos confio e recomendo: rezai-lhe todos os dias, amai-a e confiai nela!

Ao assegurar-vos uma constante lembrança na minha oração, dou-vos, com particular afecto, a minha benevolente Bênção Apostólica, que torno extensiva a todas as vossas famílias.



SANTA MISSA NA ABERTURA DO SÍNODO HOLANDÊS




269
14 de Janeiro de 1980




Veneráveis e queridos Irmãos

1. Os nossos pensamentos e os nossos corações voltam-se hoje para o Senhor, que é o Pastor do seu Povo, o Pastor da Igreja.

É Ele que é anunciado no Salmo da liturgia deste dia, cujas palavras fazem nascer nas nossas almas a esperança, a paz e a alegria, O Senhor é meu pastor, nada me falta; em verdes prados me faz repousar; conduz-me junto das águas tranquilas, reconforta a minha alma; e guia-me pelos caminhos da justiça, por amor do seu nome (
Ps 22,1-3).

É então para Ele, para Jesus Cristo, que se voltam os nossos pensamentos, pois, antes de tudo, Ele é o nosso Pastor. E o Pastor da Igreja inteira e de todas as Igrejas. Ele é o Pastor dos pastores. O Pastor daqueles aos quais confia a solicitude pastoral naquilo que concerne à Igreja. Ele confia-lhes e confia-nos este ministério pastoral que não é outra coisa senão serviço.

Esta consciência do ministério pastoral, herdámo-la dos Apóstolos. E por ela que procuramos orientar o nosso comportamento em relação a Deus e aos homens, fixando os nossos olhos em Cristo. Existe algo de mais maravilhoso do que esta imagem do Pastor, do Bom Pastor que se mostrou ele próprio como modelo a ser imitado ? Esta imagem já é apresentada pelo Profecta Isaías quando fala do servo do Senhor sobre o qual Deus fez repousar o seu espírito (Is 42,1).

Ele não grita, não levanta a voz; não clama nas ruas, não quebrará a cana rachada, não apagará a mecha que ainda fumega. E acrescenta: anunciará com toda a fidelidade a verdadeira justiça (Is 42,2-3).

2. Entretanto, no final de todas as imagens conhecidas através da Sagrada Escritura, encontra-se essa realidade que é o próprio Cristo. Ele expressou-a na parábola do Bom Pastor e ao mesmo tempo, realizou-a mediante todas as suas obras. Ele completou-a sobretudo na sua última obra, pela qual ofereceu a própria vida pelas suas ovelhas (Cfr. Jo Jn 10,11).

A fim de preparar os seus apóstolos para esta Obra, que é o cume pascal da sua missão, deteve-se longamente com eles, e o Evangelista São João contou-nos, em particular, o Seu último discurso; dele fazem parte as palavras que ouvimos hoje ao Evangelho.

Se alguém me ama, guardará a minha palavra; e meu Pai amá-lo-á e viremos a ele e faremos nele a nossa morada. Aquele que não me ama, não guarda as minhas palavras; e a palavra que ouvistes não é minha, mas do Pai que Me enviou (Jn 14,23-24).

Podia Cristo obrigar-nos, a nós pastores e mestres da Igreja, com mais força do que aquela contida nestas palavras?

270 Ser pastor e bispo das almas, significa guardar a palavra. Guardar a verdade. Por ela, é que o Pai e Ele continuamente vêm a nós: Ele que é o Verbo Encarnado; Ele que é o Cristo Redentor; Ele que é o Eterno Pastor das almas.

Ele é, acima de tudo, o Pastor dos pastores.

3. No mesmo discurso de despedida, cujo breve trecho lemos hoje, Cristo promete aos apóstolos o Espírito Santo, que é Espírito de amor e de verdade: mas o Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em Meu nome, Esse ensinar-vos-á todas as coisas e vos recordará tudo o que tenho dito (
Jn 14,26).

E eis que a Igreja vive do Espírito. O porta-voz desta certeza é Paulo de Tarso na sua carta aos Coríntios, onde mostra como, pela força desse Espírito, se edifica esta comunidade que, em Cristo, reúne como num só corpo místico, todos aqueles que foram baptizados num só Espírito (1Co 12,13).

Pelo ensinamento do Concílio Vaticano II, esta Igreja deu, à nossa época difícil, no nosso século XX, uma expressão particularmente cheia de verdade sobre si mesma.

Este ensinamento deve ser a norma do pensar e do agir para todos aqueles que constituem a Igreja de Cristo. Deve ser a norma do nosso próprio pensamento e da nossa própria acção, principalmente para nós que somos os mestres e os pastores da Igreja. Deve servir como norma do nosso pensamento e da nossa acção para nós que estamos reunidos neste Sínodo particular. A razão deste Sínodo não é outra senão uma encarnação autêntica e total na vida desta verdade apostólica sobre a Igreja, manifestada no ensinamento do Concílio Vaticano II.

Desde o início até ao fim, deve conservar o seu conteúdo, a sua inspiração e o seu objectivo.

4. A assembleia sinodal, durante a qual os Bispos da Província eclesiástica neerdandesa se encontram com o Bispo de Roma, é um acontecimento sem precedentes. Todos nós damos conta disso. Os Sínodos dos bispos têm o seu ritmo plurianual; ao contrário, um Sínodo deste género, um Sínodo particular, realiza-se pela primeira vez.

O princípio da inclusão recíproca da Igreja universal e da Igreja local exprime-se de maneira especial neste Sínodo. A Igreja de Jesus Cristo, graças ao Espírito que é a alma de todo o corpo e de todos os membros, realiza-se nestas duas dimensões. Ela é universal, e, ao mesmo tempo, composta de partes diversas. Ela é universal e local. A finalidade da nossa reunião é a de manifestar a coerência dessas duas dimensões íntegras e de as consolidar.

Eis porque os nossos corações se dirigem de maneira particular, para Cristo: pois, assim como o corpo é um só e tem muitos membros, e todos os membros do corpo, embora sejam muitos, constituem um só corpo, assim também Cristo... (1Co 12,12). Os nossos pensamentos e os nossos corações dirigem-se então para Cristo. Para o Pastor e o Bispo das nossas almas. Para o Pastor dos pastores. Conscientes da verdade que devemos servir, conscientes da responsabilidade que devemos assumir, encontramo-nos juntos em redor deste altar para celebrar a Eucaristia, o sacramento da morte e da ressurreição, pelo qual Cristo nos dá continuamente o seu Espírito, o Espírito de verdade e de amor.

5. Neste Espírito, voltamo-nos então para este povo, para esta comunidade, que constitui todas as Igrejas que estão no território dos Países Baixos.

271 Vamos com um grande amor.

O amor tem consciência das dificuldades. Mas, acima de tudo, é consciente do bem; consciente dos dons; dos dons da natureza e dos dons da graça, que o Bom Pastor derramou nesta comunidade, que depositou no coração de todo o homem resgatado, dando-lhe a liberdade dos filhos de Deus.

Os dons que ele espera.

E eis que desejamos sobretudo, neste sinal do pão e do vinho, aceitar a oferta espiritual do vosso povo, a oferta espiritual desta terra, da qual, ao mesmo tempo, sois filhos e pastores.

Peçamos a Cristo que aceite esta oferta.

Peçamos que a penetre da luz e da graça do seu Espírito, deste mesmo e único Espírito que faz todo o bem, distribuindo a cada um conforme quer (
1Co 12,11).

Este Espírito que edifica a Igreja e faz dela um só corpo (1Co 12,2).



VISITA DO SANTO PADRE À PARÓQUIA ROMANA DA IMACULADA

E SÃO JOÃO BERCHMANS


Domingo, 20 de Janeiro de 1980

1. Neste domingo em que a liturgia nos recorda o episódio de Caná da Galileia, estou contente por visitar esta Paróquia dedicada à Imaculada Conceição e a São João Berchmans. Ela é rica em significativas recordações: querida, de facto, por São Pio X, que por aqui passara quando fora visitar o túmulo de Pio IX na Basílica de São Lourenço al Verano, a vossa igreja foi construída com as ofertas dos católicos belgas e consagrada, há setenta anos, pelo Cardeal Désiré Mercier, Arcebispo de Malines e Primaz da Bélgica. Foi confiada, desde o princípio, aos cuidados dos beneméritos religiosos "Josefinos"; depois, conta com as Irmãs de quatro Congregações: as Irmãs de Nossa Senhora Consoladora que se ocupam, em particular, da juventude feminina; as Irmãs de Santa Doroteia, que se dedicam à educação das crianças, colaborando ainda na catequese e nas obras de caridade; as Irmãs de Nossa Senhora do Horto, colaboradoras especializadas na Escola e na instrução; e, por fim, as Irmãs Auxiliadoras do Purgatório, ligadas, de modo especial, à assistência aos anciãos e aos enfermos.


Recebei, caros fiéis, a minha saudação afectuosa e cordial, que pretende chegar às três mil e quinhentas famílias da Paróquia e a cada um dos seus quase dezasseis mil habitantes. Saúdo quantos estão, de qualquer modo, empenhados nas estruturas eclesiais e civis; saúdo os vários estratos de pessoas: os operários e empregados, os estudantes e os Universitários que, em grande número, se encontram neste bairro; que a minha saudação paternal e encorajadora chegue, de modo particular, aos idosos, aos doentes, aos emigrados e a todos os que sofrem, de qualquer forma, com a crise de alojamento, com a precaridade das pensões, com o desemprego, com as dificuldades de todo o género.

Gostaria que todos sentissem verdadeiramente o afecto do Vigário de Cristo, que a todos traz no coração e que a todos recomenda, com amor intenso, à Virgem Imaculada e a São João Berchmans, vosso celeste Protector.

272 2. Lemos, no Evangelho de hoje, que o Senhor Jesus foi convidado a participar num casamento que teve lugar em Caná da Galileia. Aconteceu isto no início da Sua actividade de magistério, e o episódio inscreveu-se na memória dos presentes, porque ali mesmo Jesus revelou, pela primeira vez, o poder extraordinário que, desde então, devia acompanhar sempre o Seu ensino. Lemos: foi assim, que em Caná da Galileia, Jesus deu início aos sinais que realizou. Manifestou a Sua glória, e os discipulos acreditaram n'Ele (Jn 2,13).

Embora o acontecimento decorra no início da actividade de Jesus de Nazaré, estão já à Sua volta os discípulos (os futuros apóstolos), pelo menos os que foram chamados em primeiro lugar.

Com Jesus, encontrava-se também, em Caná da Galileia, Sua Mãe. Parece até que tenha sido sobretudo ela a ser convidada. Lemos, de facto: Realizou-se um casamento em Caná da Galileia, e a Mãe de Jesus encontrava-se lá. Jesus e os discípulos também foram convidados para o casamento (Jn 2,1-2). Pode, portanto, presumir-se que Jesus foi convidado com a Mãe, e talvez em atenção a Ela; os discípulos, pelo contrário, foram convidados com Ele.

3. Devemos concentrar a nossa atenção sobretudo neste convite. Pela primeira vez Jesus é convidado para o meio dos homens, aceita esse convite, demora-se com eles, fala, participa na sua alegria (as núpcias são um momento alegre) e também nas suas preocupações; e, para obviar os inconvenientes, quando faltou o vinho para os convidados, realiza o "sinal": o primeiro milagre em Caná da Galileia. Muitas outras vezes no decorrer da sua actividade de magistério Jesus será convidado pelos homens, aceitará os seus convites, entrará em relação com eles, sentar-se-á à mesa e conversará.

Convém insistir nesta linha dos acontecimentos: Jesus Cristo é convidado continuamente pelos indivíduos e pelas diferentes comunidades. Talvez não haja no mundo uma pessoa que tenha tido tantos convites. Mais, é preciso afirmar que Jesus Cristo aceita estes convites, trata com os homens e se demora com as comunidades humanas. Durante a sua ida e a sua actividade terrestre, Ele tinha de se submeter, necessariamente, às condições do tempo e do lugar. Pelo contrário, depois da Ressurreição e da Ascensão, depois da instituição da Eucaristia e da Igreja, Jesus Cristo pode ser, de modo novo, isto é sacramental e místico, contemporaneamente o Hóspede de todas as pessoas e de todas as comunidades que o convidam. Ele disse, de facto: Se alguém me ama, guardará a minha Palavra; Meu Pai amá-lo-á, e viremos a ele e faremos nele morada (Jn 14,23).

E tocamos assim, caros Irmãos e Irmãs, a verdade mais fundamental para cada um de vós e, ao mesmo tempo, para a vossa Paróquia. Também a vossa Paróquia é uma Caná da Galileia, para a qual Jesus é convidado. Ele aceita este convite e habita entre vós. Habita infatigável e incessantemente. Habita nas comunidades para, no meio delas, aceitar o convite de cada um. E o convidado chega e permanece. Meditai profundamente nesta presença de Jesus Cristo na vossa paróquia e em cada um de vós. Sois, na verdade, hospitaleiros para com Ele?

4. Em Caná da Galileia, Jesus foi convidado a tomar parte nos esponsais e no casamento. Embora estejam ligados com o início da actividade pública de Jesus de Nazaré diversos acontecimentos, podemos deduzir pelo texto do evangelista que é este o episódio que determina, de modo particular, o começo da sua vida apostólica. É importante notar ter sido na circunstância das núpcias que Jesus inicia a sua actividade. As palavras da primeira leitura, do livro do profeta Isaías, comprovam isto com a particular tradição profética do Antigo Testamento.

Mas, independentemente desta tradição, o facto em si oferece-nos largo motivo de meditação. Jesus Cristo, no começo da sua missão messiânica, toca, em certo sentido, a vida humana no seu ponto fundamental. No ponto de partida. O matrimónio, embora sendo tão antigo como a humanidade, significa, todas e cada uma das vezes, um novo começo. É, sobretudo, o começo de uma nova comunidade humana, da comunidade que dá pelo nome de "família". A família é a comunidade do amor e da vida. Por isso lhe foi confiado pelo Criador o mistério da vida humana. O matrimónio é o início da nova comunidade do amor e da vida, de que depende o futuro do homem sobre a terra.

O Senhor Jesus liga o início da sua actividade com Caná da Galileia para demonstrar esta verdade. A sua presença na celebração do casamento põe em relevo o significado fundamental do matrimónio e da família para a Igreja e para a sociedade.

Também a missão da paróquia está ligada ao matrimónio e à família. É a esta que, de modo fundamental, se dirige a paróquia. Sirva de ocasião a minha visita de hoje, para todos nos consciencializarmos de como se forma este laço de união entre a paróquia e a família na sociedade. Em que medida assumem os cônjuges estes deveres com o Sacramento que Deus e a Igreja lhes oferecem? Como é apresentado o problema da responsabilidade pela vida e pela educação?

São perguntas sérias e empenhativas, particularmente hoje, neste tempo em que a família cristã encontra, de certo, muitas dificuldades em viver, com coerência, os princípios da sua fé. Enquanto me comprazo com a intensa actividade pastoral desenvolvida com tanto zelo pelos Padres Josefinos, exorto a todos que aproveitem o mais possível da "catequese": a instrução religiosa é hoje absolutamente fundamental para o cristão, porque a fé deve tornar-se convicção esclarecida e pessoal. Só se está verdadeiramente convencido que é vontade de Deus e revelação de Cristo aquilo que a Igreja ensina, se se tem força e alegria para viver com autenticidade a própria fé, apesar das dificuldades de ambiente. Dai, por isso, grande importância à Santa Missa dominical e à homilia do sacerdote, ao catecismo para as crianças, às lições de religião nas várias escolas, aos encontros de catequese na Paróquia ou no bairro, à catequese para os jovens e à leitura da imprensa formativa. Centrai as vossas actividades paroquiais na Eucaristia, no encontro pessoal com Cristo, nosso Hóspede perene, recordando o que dizia o vosso Padroeiro, o jovem São João Berchmans: "Senhor, haverá para mim sobre a terra outra doçura e outra alegria que não seja a Sagrada Comunhão?"

273 Neste domingo desejo, por isso, convidar Jesus de modo particular para todas as famílias desta paróquia. Desejo que Ele venha — como em Caná da Galileia — acompanhado de Sua Mãe. Quão eloquente é a Sua presença, a Sua participação neste acontecimento que teve lugar no começo da actividade pública de Jesus de Nazaré!

5. Em Caná revelou-se também Maria na inteira simplicidade e verdade da Sua maternidade. A Maternidade está sempre aberta à criança, sempre aberta ao homem. Participa nas suas preocupações, mesmo nas mais íntimas. Assume estas preocupações e procura dar-lhes remédio. Assim aconteceu durante o casamento de Caná. Quando faltou o vinho (
Jn 2,3) o chefe da mesa e os esposos ficaram decerto em grande embaraço. Então a Mãe de Jesus disse-Lhe: Não têm vinho (Jn 2,3). Conhecemos bem tudo o que se passou a seguir.

Ao mesmo tempo, Maria revela-se em Caná da Galileia como Mãe consciente da missão de Seu Filho, consciente do Seu Poder.

Foi esta consciência que a levou a dizer aos criados: Fazei o que Ele vos disser (Jn 2,5). E os criados seguiram as indicações da Mãe de Cristo.

Que outra coisa vos posso desejar a vós, neste encontro, a vós esposos e famílias, a vós jovens e crianças, a vós doentes, enfermos e alquebrados pela idade, a vós caros pastores das almas, religiosos e religiosas, a vós todos?

Que vos posso desejar senão que escuteis sempre estas palavras de Maria, Mãe de Cristo: "Fazei o que Ele vos disser"?

E que as aceiteis com o coração, porque pelo coração é que foram pronunciadas. Pelo coração da Mãe.

E que as realizeis: Deus vos escolheu... e vos chamou por meio do nosso Evangelho: à posse da glória de nosso Senhor Jesus Cristo (2Th 2,13-14).

Aceitai este chamamento com toda a vossa vida.

Realizai as palavras de Jesus Cristo.

Sede obedientes ao Evangelho! Assim seja.



CONCELEBRAÇÃO DURANTE A VISITA DO SANTO PADRE

AO «ALMO COLÉGIO» CAPRÂNICA DE ROMA


274
Terça-feira, 22 de Janeiro de 1980




Filhos caríssimos

1. Constitui para mim motivo de alegria sincera poder celebrar convosco esta Eucaristia, na festa da Padroeira do vosso "Almo Colégio", que exalta como justo título de glória o mérito de ser o primeiro Instituto deste género a surgir em Roma. Deve-se, na verdade, à visão larga do seu piedoso Fundador, o Cardeal Domenico Caprânica, ter principiado a existir nesta Cidade, quase um século antes de começar o Concílio Tridentino, um lugar em que aos jovens aspirantes ao sacerdócio eram oferecidos todos os meios necessários para bem se prepararem para o futuro ministério.

Gerações inteiras de eclesiásticos, formados num profundo "sensus Ecclesiae", saíram deste Instituto no decurso de mais de cinco séculos de história. Sei que, entre os seus alunos, o "Almo Colégio" conta mesmo dois Papas, Bento XV e Pio XII, além de numerosos Cardeais, Prelados e muitos sacerdotes zelosos, que difundiram tesouros de ciência e bondade pela "vinha do Senhor". Homens que aprenderam aqui a amar a Cristo e à Igreja, que nesta Comunidade se exercitaram na prática das virtudes humanas e cristãs, que nela se prepararam para tomar activamente o seu lugar nos diversos encargos, dos mais humildes aos mais prestigiosos, a que o Senhor os chamou.

Vós, filhos caríssimos, sois os herdeiros de uma tradição gloriosa e bom é que desperteis, em vós mesmos, a consciência disso também nesta circunstância, à volta da mesa eucarística e sob os olhares de Deus, para vos sentirdes estimulados a estar à altura dos nobres exemplos de virtude, deixados por aqueles que vos precederam entre estas paredes venerandas. Os testemunhos deles devem ser para cada um de vós contínuo chamamento a uma generosa e coerente aplicação ao estudo e à disciplina eclesiástica, à oração e à fidelidade aos vossas deveres, de maneira que vos prepareis a ser sacerdotes totalmente de Cristo para a edificação do Povo de Deus.

2. A isto vos impele também o exemplo da menina, a cuja intercessão o vosso Seminário está confiado. Santa Inês, com a sua existência de virgindade e martírio, despertou no povo romano, e no mundo inteiro, uma onda de comovida admiração, que o tempo não conseguiu abafar. Nela impressiona a maturidade do juízo apesar da idade muito juvenis, a firmeza da decisão apesar da pressionabilidade feminina, e a coragem impávida apesar das ameaças dos juízes e da crueldade dos tormentos.

Já Santo Ambrósio exprimia admiração com as conhecidas palavras que a Liturgia nos propôs no Ofício de Leitura: "Em corpo tão pequeno haveria porventura espaço para as feridas?... Contudo, as meninas desta idade não suportam sequer o rosto zangado dos pais, e choram, como se de feridas se tratasse, por causa da picada de um alfinete. Mas Inês permanece impávida entre as mãos dos cruéis algozes, imóvel perante o peso e estridente arrastar das cadeias" (De virginibus, 1, 2, 7; PL 16, 190).

Como tenro e cândido cordeiro oferecido em dom a Deus, Inês prestou o testemunho supremo a Cristo com o holocausto cruento da sua juvenil vida. O antigo rito, que prevê neste dia a bênção de dois cordeiros, cuja 1ã serve depois para confeccionar os pálios arquiepiscopais, perpetua a recordação deste exemplo de coragem invicta e de pureza intemerata.

3. A imagem da heróica menina leva-nos espontaneamente com o pensamento às palavras pronunciadas por Jesus no Evangelho: Bendigo-Te, ó Pai , Senhor do céu e da terra; porque escondeste estas coisas aos sábios e aos entendidos e as revelastes aos pequeninas. Sim, ó Pai, porque isso foi do Teu agrado (
Mt 11,25-26). "Bendigo-Te, ó Pai, Senhor do céu e da terra": estas palavras solenes parecem trespassadas por uma espécie de calafrio de exultação. Jesus vê longe; vê, no decorrer dos séculos, a falange inumerável de homens e mulheres de toda a idade e condição, que alegremente aderiram à Sua mensagem. Neste número está também Inês.

Irmana-os uma característica: são pequenos, quer dizer, simples, humildes. Assim foi desde o principio: A boa nova é anunciada aos pobres (Lc 7,22), disse Jesus aos mensageiros de João, e o Seu primeiro "Bem-aventurados" reservou-o para eles (Mt 5,3). É a gente humilde, repelida e desprezada, que O compreende e vem ter com Ele. E com ela estabelece imediato entendimento; é gente que sabe que nada sabe e nada vale, sabe que tem necessidade de auxilio e de perdão; por isso, quando Ele fala dos mistérios do Reino e quando diz que veio trazer o perdão de Deus e a salvação, encontra em tal gente corações abertos para O compreenderem.

Mas não aconteceu assim com os "sábios" e os "entendidos": estes formaram para si uma visão própria de Deus e do mundo, e não estão dispostos a mudá-la. Julgam tudo saber de Deus, possuir a resposta última e nada ter que aprender: por isso recusam a "boa nova", que parece tão esquisita e em contraste com os princípios fundamentais da sua "Weltanschauung". É mensagem que propõe certas reviravoltas paradoxais, que o seu "bom senso" não pode aceitar.

275 Assim acontecia nos tempos de Jesus, assim nos de Inês; assim acontece também hoje e talvez até de modo inteiramente particular. Vivemos numa cultura que tudo submete a análise critica e fá-lo muitas vezes absolutizando critérios que são unicamente parciais, por sua natureza inadaptados à percepção daquele mundo de realidades e valores, que escapa à verificação dos sentidos. Cristo não pede ao homem que renuncie à própria razão. E como poderia pedir isso, se foi Ele próprio que no-la deu? O que pede é que não cedamos à antiga sugestão do tentador, que não pára de nos fazer brilhar diante dos olhos a perspectiva enganadora de podermos ser "como Deus" (Cfr. Gén Gn 3,5). Só quem aceita os próprios limites intelectuais e morais, e se reconhece necessitado de salvação, pode abrir-se à fé e na fé encontrar, em Cristo, o seu Redentor.

4. Redentor que vem ao seu encontro na atitude do esposo. Temos bem presentes as estupendas expressões do texto de Oseias, ouvido há pouco: Então te farei minha esposa para sempre, far-te-ei minha esposa na justiça e no direito, com misericórdia e amor. Desposar-te-ei com fidelidade, e tu conhecerás o Senhor (Os 2,21-22). É o prenúncio da nova aliança, que Deus se prepara para concluir com o Seu povo: pacto de amor eterno, não já fundado na fragilidade do homem, mas na justiça e na fidelidade de Deus.

Estas palavras são dirigidas à Igreja, mas são também verdadeiras para cada alma em particular. Inês recolheu-as como convite pessoal à doação sem reservas. Aceitou ir ao deserto (Os 2,16) com o Esposo divino e continuou a andar com Ele, sem se deixar afastar nem pelas lisonjas nem pelas ameaças: submetida à prova, "et aetatem vicit et tyrannum; et titulum castitatis martyrio consecravit" — venceu a idade e o tirano; e consagrou com o martírio a honra da castidade (S. Jerónimo, EP 130 ad Demetriadem, 5; PL 22, 1109).

5. A escolha de Santa Inês é também a vossa, caríssimos filhos. Vós também decidistes amar a Cristo com "coração indiviso" (Cfr. 1Co 7,34), conscientes das riquezas de graça que esta doação total vos reserva. Todavia, como jovens perspicazes que sois, não vos passam despercebidas as dificuldades a que esta escolha vos expõe. Sabeis que podereis ser vitimas de mal-entendidos e incompreensões, e também de oposições e hostilidades, tanto mais dolorosas quanto mais falsas e encobertas.

Caríssimos, estas são perplexidades bem compreensíveis. Mas não vos parece que nas palavras de São Paulo, propostas pela segunda Leitura, vos é oferecida a resposta capaz de revigorar o coração temeroso e titubeante? O que é fraco segundo o mundo é que Deus escolheu para confundir o que é forte: O que é vil e desprezível no mundo, é que Deus escolheu, como também aquelas coisas que nada são, para destruir as que são. Assim, ninguém se vangloriará diante de Deus (1Co 1,27-29)

É linha de procedimento que Deus não desmentiu nunca: Não é acaso prova disso a história de Inês, que nós hoje recordamos? Mediante a debilidade e a inexperiência de uma frágil menina, Deus meteu a ridículo a arrogância dos poderosos deste mundo, oferecendo testemunho surpreendente da força vitoriosa da fé: "magna vis fidei, quae etiam ab illa testimonium invenit aetate" — grande a força da fé, que foi testemunhada mesmo por aquela idade (Santo Ambrósio, De virginibus I, 2, 7; PL 16, 190).

É claro, portanto, o que é sugerido: que não devemos olhar tanto para nós mesmos quanto para Deus, e que n'Ele devemos procurar o "suplemento" de energia, que nos falta. Não está nisto o convite que ouvimos dos lábios mesmos de Cristo: Vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e aliviar-vos-ei (Mt 11,26)? Ele é a luz capaz de dissipar as trevas, entre as quais anda às cegas a nossa inteligência limitada; Ele a força que pode dar vigor à nossa vontade fraca; Ele é o calor capaz de derreter o gelo dos nossos egoísmos e restituir entusiasmo aos nossos corações cansados.

Segundo Santa Inês, que nos indica o caminho, vamos ter então com Cristo, para experimentarmos nós também, que o Seu jugo é suave e a Sua carga é leve (Cfr. Mt Mt 11,29), e o nosso coração inquieto, tornado manso e humilde (Mt 11,29), encontrará por fim conforto e paz.



Homilias JOÃO PAULO II 266