Homilias JOÃO PAULO II 275


CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICAS POR OCASIÃO

DO SÍNODO DOS BISPOS HOLANDESES

E FINAL DA SEMANA DE ORAÇÃO PELA UNIDADE DOS CRISTÃOS


Capela Paulina

Sexta-feira, 25 de Janeiro de 1980




Queridos Irmãos

276 Chegamos hoje ao termo da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos. O tema escolhido para este ano era "Adveniat regnum tuum", "Venha a nós o Vosso Reino": oração repetida com muita frequência, mas, que deve ser sempre nova, se tomarmos consciência do seu significado. Com efeito, ela implica, de modo particular, para cada cristão, para cada um de nós, uma transformação interior, a transformação do coração, graças à qual o reino de Deus se estende no mundo, realizando-se verdadeiramente em nós.

1. Os Países Baixos fazem parte daquelas regiões onde o problema do ecumenismo tem uma grande importância histórica e contemporânea. Durante séculos, a situação religiosa do vosso país foi marcada por uma ruptura da unidade, o que não aconteceu sem sofrimento e sem tensões. Hoje em dia, é significativo que o Cardeal Johannes Willebrands reúna na sua pessoa os cargos de Arcebispo de Utrecht e de Presidente do Secretariado para a União dos Cristãos, e todos sabemos os méritos que ele adquiriu, consagrando todas as suas forças a estas duas funções eclesiais tão importantes e tão delicadas.

De um modo mais imediato, o Sínodo particular, que nos dá ocasião de nos reunirmos à volta deste altar, trata também o tema do ecumenismo e decorre, ele mesmo, num clima ecuménico porque, se a preocupação da unidade está constantemente presente em todos os seus membros, esta assembleia sente-se, de igual modo, amparada não apenas pela oração dos católicos mas também pela dos outros cristãos, como o asseguraram os pastores protestantes dos Países Baixos.

2. A Semana de Oração pela Unidade tem o seu termo e o seu ponto mais alto a vinte e cinco de Janeiro, o dia em que a Igreja comemora, na liturgia, a conversão de São Paulo.

Este facto possui uma eloquência especial. Antes de mais, faz-nos tomar consciência de uma exigência: a unidade não pode ser outra coisa que uma conversão a Cristo, que é a Cabeça do Corpo que é a igreja. Tal conversão deve ser profunda e atingir a totalidade dos membros nos múltiplos aspectos da sua vida, para que a unidade se realize verdadeiramente. São Paulo encontrou o Senhor, e deu-se-Lhe totalmente. Este facto explica o lugar proeminente que o Apóstolo ocupa na Igreja. Por nossa vez, devemos todos progredir na unidade que depende, em definitivo, de Cristo e, portanto, da nossa adesão a Ele, pois, é n'Ele que nós constituímos a Igreja. Neste espírito, é preciso que, sem cessar, nos perguntemos como é que as expressões humanas e as diferentes dimensões dos nossos esforços de vida cristã e de tentativas ecuménicas manifestam a procura da unidade em relação a conversão a Cristo.

A unidade em Cristo corresponde ao desígnio eterno do Pai, à revelação do mistério da salvação tal como foi anunciado pelo Apóstolo das gentes: Reunir sob a chefia de Cristo todas as coisas (
Ep 1 Ep 10); sim, perante o Pai, é em Cristo que toda a família humana, por Ele resgatada, encontra a sua unidade. Não a podemos procurar noutro lado.

3. Há um segundo ponto que requer a nossa atenção e a nossa meditação: esta celebração de 25 de Janeiro faz-nos tomar consciência, de um modo inteiramente particular, que a conversão — e, por consequência a unidade —, é possível "a Deus", mesmo que possa parecer impossível "aos homens".

Para nos esclarecer sobre este ponto, temos o exemplo de Saulo de Tarso, que se tornou São Paulo. Inimigo mortal de Cristo e dos cristãos, ele que, como pessoalmente afirma, julgara dever empregar todos os meios para combater o nome de Jesus de Nazaré (Ac 26,9), encontrou o Senhor, fez-se "Apóstolo das gentes", e o amor de Cristo tornou-se toda a sua vida (Cfr. Flp 1. 21).

4. Uma transformação tão profunda e radical é, portanto, possível por graça do Senhor. Para aí chegar é necessária uma instante e incessante oração. É preciso, ao mesmo tempo, a oração pessoal de cada um, e aquela que todos fizemos durante esta semana. É preciso também a oração comum, porque quando rezamos uns com os outros atingimos já uma certa unidade. E nós sabemos ainda que, na oração, permitimos ao Espírito Santo que reze em nós e por nós, mesmo quando, segundo a palavra de São Paulo, não sabemos o que devemos pedir (Cfr. Rom Rm 8,26).

Nesta comunidade sinodal que nós formamos, é bom que possamos rezar pela unidade. É uma graça que este momento coincida com a semana de oração pela unidade. Esta oração é, em princípio, abertura ao Espírito Santo: pedimos-Lhe para aumentar os desejos do nosso coração e para nos cumular para além do que os nossos corações desejam, para além dos pedidos que podem aflorar aos nossos lábios, mesmo que não encontremos as palavras que seriam adequadas.

Sim, rezemos para que sejamos, antes de tudo, instrumentos da vontade salvífica de Deus, do seu desígnio de unidade, do seu reino: Venha a nós o Vosso Reino!



VISITA DO SANTO PADRE À PARÓQUIA ROMANA

DE NOSSA SENHORA DE GUADALUPE


277
Domingo, 27 de Janeiro de 1980




1. Muito desejei visitar hoje mesmo a vossa Paróquia, de que é padroeira Nossa Senhora de Guadalupe. Em dias como estes, realizei há um ano a primeira viagem papal, que teve como destino o México. O coração dessa peregrinação esteve precisamente no santuário de Guadalupe: lugar maravilhoso, ligado de há séculos à história da evangelização e da Igreja no continente sul-americano. É o primeiro santuário mariano não só do México mas de toda a América Latina e, em certo sentido, da América inteira. Considero como sinal particular da Graça Divina ter-me sido dado iniciar a missão, do meu serviço pastoral à Igreja universal, exactamente com a peregrinação a Guadalupe. É certamente um dos numerosos lugares na Igreja, em que se manifesta de modo especial o mistério da Mãe, enquanto é coração que une.

Esta união à volta do coração da Mãe sente-se muito no México e também noutros países daquele continente. A vossa Paróquia, dedicada a Nossa Senhora de Guadalupe, é por assim dizer testemunha viva da ligação que, daqui de Roma, do centro da Igreja, desejamos sempre manter viva com a Igreja do longínquo continente americano, reunido à volta da Mãe. Para mim esta ligação é particularmente querida, de modo especial desde que me foi dado por os pés na terra mexicana e dirigir-me em peregrinação ao Santuário da Mãe de Deus de Guadalupe, juntamente com os Bispos de toda a América Latina, reunidos para a sua Conferência de Puebla.

2. Vim hoje à vossa Paróquia a fim de, recordando os acontecimentos de há um ano, tão importantes para mim, poder realizar o meu serviço pastoral também para com esta comunidade-paroquial da Igreja Romana, que venera como sua Padroeira a Mãe de Deus do Santuário mexicano.

Tenho o gosto de vos saudar a todos aqui presentes, dilectos irmãos e irmãs, que formais a Comunidade paroquial. Sabeis que todos me sois queridos e que vos recordo afectuosamente diante do Senhor, sobretudo as crianças, os doentes e os necessitados. A minha saudação vai, em particular, para o Bispo Auxiliar, Dom Remígio Ragonesi, que preparou diligentemente esta visita, e para os representantes dos numerosos Institutos religiosos, masculinos e femininos, que trabalham generosamente na área da Paróquia. O meu pensamento vai depois para as diversas Associações católicas, que reúnem jovens e adultos a fim de promover com inteligência a sua formação cristã integral. Desejo, além disso, saudar os representantes da paróquia de Nossa Senhora de Guadalupe em Monte Mário, que timbraram em associar-se a esta celebração eucarística.

(Em espanhol):

Tendo acorrido em visita pastoral a esta paróquia, que com o seu nome evoca de modo tão vivo a minha viagem de há um ano ao México e a minha peregrinação ao Santuário da Virgem de Guadalupe, saúdo cordialmente em sua própria língua o Pároco e os sacerdotes Legionários de Cristo, que se dedicam com zelo ao bem das almas nesta igreja paroquial.

Associo na saudação os seminaristas da mesma Congregação dos Legionários de Cristo, desejando-lhes que se entreguem com alegria a uma sólida preparação do sacerdócio, a fim de serem depois bons administradores dos mistérios de Deus e servidores dos homens seus irmãos. A Virgem Santíssima vos ajude, amados filhos, a corresponder generosamente ao dom da vocação e vos acompanhe até ao altar e durante toda a vida.

A vossa presença e a dos outros membros da comunidade mexicana de Roma levam-me a pensar, urna vez mais, em todos os vossos compatriotas, a quem renovo a saudação dirigida há dias mediante uma mensagem especial por televisão, motivada essa no primeiro aniversário da minha visita. Queiram o Senhor e a sua Mãe Santíssima que esta viagem e a recordação dela produzam frutos renovados de fé e de autêntica vida eclesial no México.

(De novo em italiano):

3. Voltando-nos agora para as leituras bíblicas da Liturgia do presente domingo, meditemos naquilo que elas nos dizem. Todo o abundante conteúdo que encerram, poder-se-ia resumir em duas expressões e conceitos principais: "corpo" e "palavra".

278 Devemos a São Paulo a eloquente comparação, em base à qual a Igreja foi definida como "corpo de Cristo". O Apóstolo, na verdade, faz longa digressão sobre o assunto do corpo humano, para afirmar depois que, assim como muitos membros se unem entre si na unidade do corpo, assim também nós todos nos unimos no próprio Cristo porque fomos baptizados num só Espírito (1Co 12,13) e a todos nos foi dado beber um único Espírito (Ibid.). Assim, pois, por obra do Espírito Santo, que é Espírito de Jesus Cristo, constituímos com Cristo e em Cristo união semelhante à dos membros no corpo humano. O Apóstolo fala de membros, mas poder-se-ia também pensar e falar nos "órgãos" do corpo e até nas "células" do organismo. É sabido que o corpo humano tem não só estrutura externa, pela qual se distinguem os seus membros, mas também estrutura interna enquanto organismo. A sua constituição é enormemente rica e preciosa. Precisamente esta constituição interna, mais ainda que a sua estrutura externa, testemunha as recíprocas dependências do sistema físico do homem.

Mas basta sobre o assunto do "corpo".

O segundo conceito central da Liturgia de hoje é a "palavra". O evangelista Lucas recorda este aspecto particular no princípio da actividade pública de Cristo, quando Ele foi à sinagoga de Nazaré, sua cidade. Lá, no dia de sábado, leu, diante dos conterrâneos reunidos, algumas palavras do livro do profeta Isaías, relativas ao futuro Messias e, enrolando o volume, disse aos presentes: Cumpriu-se hoje mesmo este passo da Escritura que acabais de ouvir (Lc 4,21).

Deste modo iniciou em Nazaré o seu ensinamento, isto é, o anúncio da palavra, afirmando ser Ele aquele Messias prenunciado no livro profético.

4. O corpo de Cristo, isto é, a Igreja, constrói-se desde o princípio com base na Sua palavra. A palavra é a expressão do pensamento, quer dizer, o instrumento do Espírito (e primeiro que tudo do espírito humano) para estabelecer os contactos entre os homens, para nos entendermos e nos unirmos na construção de uma comunhão espiritual.

A palavra da pregação de Cristo — e depois a palavra da pregação dos Apóstolos e da Igreja — é a expressão e o instrumento do Espírito Santo no Seu falar ao espírito humano, no unir-se com os homens e no unirem-se os homens em Cristo. O Espírito de Cristo une os membros, os órgãos, as células, e constrói assim a unidade do corpo com base na palavra do próprio Cristo, anunciada na Igreja e pela Igreja.

A vossa Paróquia participa neste processo.

Exactamente por este motivo é paróquia, ou seja, parte orgânica daquela unidade que forma a Igreja Romana, primeiro a "local" e depois a "universal", participando naquele processo que se iniciou em Nazaré e ininterruptamente perdura. É um processo de aceitação da palavra e de construção do corpo de Cristo na unidade da vida cristã.

Por isto tem a catequese paroquial significado tão importante. É ao mesmo tempo familiar e ambiental, mas todos os seus nós segura-os na mão a paróquia, assim como depois os nós da catequese, em toda Roma, os segura na mão a Diocese de Roma. Tal a estrutura externa desta unidade, que forma a Igreja.

Nesta estrutura, cada um de nós deve contribuir para a construção da unidade, sobretudo porque vai beber nela, assimilando a palavra de Deus, procurando compreender cada vez melhor o ensinamento que nos trouxe Cristo, e empenhando-se, com base nela, em formar a própria vida cristã. E, depois, à medida que se torna cristão desenvolvido, cada baptizado não só vai beber nesta unidade da Palavra de Deus e da fé, de que vive a Igreja, mas procura também levar-lhe alguma coisa de si mesmo e transmiti-la aos outros: seja em forma de catequese familiar, ensinando aos próprios filhos as verdades da fé, seja pondo-a em prática na paróquia, em benefício dos outros. Sabemos que neste campo há tantos caminhos e tantos modos!

Em qualquer caso, como eu escrevia na Exortação Apostólica Catechesi tradendae "A paróquia... permanece o lugar privilegiado da catequese. Ela precisa de reencontrar a própria vocação neste aspecto, que é a de ser uma casa de família, fraternal e acolhedora, onde os baptizados e os confirmados tomam consciência de ser Povo de Deus e onde o pão da boa doutrina e o pão da Eucaristia lhes são repartidos com abundância, no quadro de um único acto de culto; e daí eles são reenviados quotidianamente para a sua missão apostólica em todos os sectores da vida do mundo" (Catechesi tradendae CTR 67).

279 5. Meditando juntamente convosco nestes problemas, tão importantes para a construção da unidade da Igreja na vossa comunidade paroquial, não posso esquecer duas circunstâncias.

Primeiramente, sabeis que a semana passada, de 18 a 25 de Janeiro, era dedicada, como todos os anos acontece, à oração pela unidade dos cristãos. Decorreu sob o signo da invocação da prece dominical: "Venha a nós o vosso reino". A questão da unidade dos cristãos corresponde às primeiríssimas intenções de Cristo Senhor quanto à sua Igreja e toma lugar no caminho que leva àquele Reino, o Reino do próprio Deus, cuja vinda constantemente imploramos.

Em segundo lugar, permiti-me voltar, uma vez mais, ao que disse, no princípio, do Coração da Mãe que une. Volto a este tema para, no dia da minha visita ao meio de vós, vos recomendar a todos a esta Mãe, a que dedicastes a vossa Paróquia como à sua Padroeira. Este Coração, que une os povos inteiros e os continentes, une-vos constantemente a vós nas vossas famílias e nos ambientes de trabalho, de escola e de repouso. Una-vos, através desta paróquia, com a Igreja em que vive Cristo, Filho de Deus e Filho de Maria, o qual opera mediante o Espírito Santo.



CONCELEBRAÇÃO NA CONCLUSÃO DO SÍNODO PARTICULAR

DOS BISPOS DA HOLANDA


Capela Sistina

Quinta-feira, 31 de Janeiro de 1980




Veneráveis e caros Irmãos

1. Neste momento, acalentamos todos o mesmo desejo. Desejamos agradecer a Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, este ministério em que participámos no decurso de mais de duas semanas. Estes dias, na verdade, durante os quais trabalhámos em comum, dentro do Sínodo particular dos Bispos dos Países Baixos, não os podemos ver senão guiando-nos pela verdade destas palavras do Concílio Vaticano II no primeiro capítulo da constituição Lumen gentium: "A Igreja toda aparece como 'um povo unido pela unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo' " (Lumen gentium LG 4).

Segundo isto, dirige-se a nossa gratidão para esta Unidade em três pessoas em que a unidade da Igreja, do povo de Deus, encontra a sua origem. Desejamos dar graças por termos podido confessar esta Unidade, e ao mesmo tempo servi-la em cada dia e cada hora do nosso trabalho em comum. Damos graças ao mesmo tempo por, enquanto procurávamos a nossa unidade recíproca, termos podido servir a unidade da Igreja — do povo de Deus — dentro dos limites da província que a Igreja forma na vossa pátria, e mesmo dentro de limites bem mais dilatados. Sim, veneráveis e caros Irmãos, estou profundamente convencido que o nosso trabalho serviu também a Igreja de Cristo em toda a sua universalidade.

Por causa deste trabalho, que nós realizámos juntos com tenacidade, desejo apresentar agradecimentos muito cordiais a todos e cada um de vós. Em primeiro lugar, quero dizer aos dois Presidentes delegados, Sua Eminência o Cardeal Johannes Willebrands e sua Excelência Dom Godfried Danneels, quanto apreciei no justo valor a maneira como dirigiram os trabalhos desta Assembleia. Aos Bispos dos Países Baixos exprimo a minha profunda gratidão pela disponibilidade generosa e pelo amor profundo para com os seus fiéis e para com a Igreja universal, e aos dois Superiores religiosos quero dizer quanto lhes estou reconhecido pela contribuição original que trouxeram ao Sínodo. Agradeço de todo o coração aos Eminentíssimos Cardeais Prefeitos das Congregações, meus próximos colaboradores, a contribuição que ofereceram a estes trabalhos, para os quais trouxeram a experiência adquirida por cada um no próprio cargo. Ao Secretário-Geral, Sua Excelência Dom Jozef Tomko, ao seu Assistente, Sua Excelência D. Albert Descamps, e ao Secretário-especial, Reverendo Padre Joseph Lescrauwaet, manifesto a minha gratidão profunda pelos serviços esclarecidos que prestaram uns aos outros. Nem quero passar em silêncio a dedicação do pessoal do Secretário do Sínodo, do serviço de imprensa, como também de todo o pessoal adjunto. Seja-me permitido dirigir também uma palavra de agradecimento a todos os representantes dos meios de comunicação social que, respeitando embora a reserva que foi necessário rodeasse as deliberações, se esforçaram por manter o contacto com a Igreja no seu todo.

Durante todos estes dias, pude estar convosco e participar na maioria das assembleias, da manhã e da tarde. Pude ser testemunha da probidade, atenção e objectividade com que tratastes cada problema. Tal atenção e tal cuidado manifestaram apenas quanto tendes a peito os problemas que juntos encarámos e quanto desejais consagrar à solução deles todas as vossas forças. Agradeço-o a Cristo e a vós também, venerados e caros Irmãos. Esta maneira de proceder — tranquila, concreta e sincera mostrou que o Espírito do nosso Senhor e Mestre estava connosco, e que nós recebíamos também a ajuda; de Sua santa Mãe, a quem dirigíamos - todos os dias a nossa oração, em particular na reza do Angelus.

2. O problema estudado pelo Sínodo, que encheu completamente as semanas destas discussões em Roma, está expresso. no título da ordem do dia: "O exercício do trabalho pastoral da Igreja nos Países Baixos nas circunstâncias actuais, para que a Igreja se manifeste cada vez mais como comunhão".

280 Para enfrentar este assunto importante, tivemos de remeter sem descanso as múltiplas experiências, feitas pela Igreja que está nos Países Baixos, para o terreno da resposta dada alguns anos atrás pelo Episcopado do mundo inteiro, reunido durante quatro anos no Concílio Vaticano II — à pergunta que ele se punha a si mesmo: "Ecclesia, quid dicis de teipsa?". Essa resposta, expressa de maneira elaborada pelo Magistério conciliar, tornou-se actualmente para vós, veneráveis e caros Irmãos, o ponto de referência sistemático e, ao mesmo tempo, o fundamento que permite resolver cada um dos problemas que se apresentam cada dia à vossa experiência de pastores e à vossa consciência de Bispos.

Ao longo das nossas ,discussões e reflexões, uma coisa esteve sempre clara: não podemos desejar — e não desejamos de todo o nossa coração — senão uma Igreja que totalmente corresponda às intenções de Cristo Senhor tais como estas foram expressas e confirmadas, pelo Concílio.

Acreditamos, de facto, que o Concílio Vaticano II se tornou para a nossa época o tema e o lugar privilegiado, graças aos quais o Espírito Santo, o Espírito de Jesus Cristo, "falou" a toda a Igreja (Cfr. Apoc
Ap 2,7) e a guiou para a verdade completa (Cfr. Jo Jn 16,13), e portanto também para esta verdade da existência "no mundo contemporâneo", da existência como ela nos aparece por meio dos "sinais dos tempos". Falando à Igreja inteira, o Espírito de nosso Senhor e Redentor "falou" ao mesmo tempo a cada uma das Igrejas que se mantêm na comunhão desta Igreja una e universal. Por isso, a preocupação fundamental de todos nós, que estávamos reunidos neste Sínodo, foi também o cuidado de fazer que a existência da Igreja nos Países Baixos, a sua existência concreta, em todos os sectores da sua vida, consiga possuir e manifestar plenamente as marcas desta identidade que de novo exprimiu o Concílio Vaticano II, de acordo com a Tradição inteira.

3. Por isso, também este esforço quotidiano do Sínodo, através da análise dos diferentes sectores da vida da Igreja na vossa pátria, procurou primeiramente chegar a uma consciência mais clara de tudo o que forma, por assim dizer, a vida quotidiana da Igreja nos seus diferentes aspectos. Procurou, em seguida, estabelecer as orientações para se observarem no futuro. Na verdade, a identidade da Igreja manifesta-se precisamente através desta forma concreta da sua existência; manifesta-se através da sua maneira de viver cada dia, e através da maneira como ela realiza a sua obra nos diferentes sectores de vida e actividade.

Na nossa análise realizada segundo estas premissas, encaramos, veneráveis e caros Irmãos, todos os aspectos essenciais, importantes ao ser considerada a identidade da Igreja nos Países Baixos no momento presente e no futuro. Está, com efeito, fora de dúvida, que, nas actividades actuais da Igreja, se elabora ao mesmo tempo a forma futura da sua vida e do seu apostolado.

Foi assim que tomámos como ponto de partida das nossas deliberações a realidade e as exigências fundamentais da comunhão da Igreja, comunhão ao mesmo tempo local e universal, que se refere ao espiritual como ao institucional, conscientes de a comunidade de fé, esperança e caridade unir todos os crentes a Cristo e a seu Pai, e uni-los uns com os outros. Com o desejo e vontade unânime de manifestar esta comunhão, reafirmámos a nossa concordância sobre o conteúdo da fé católica segundo o ensinamento do Magistério da Igreja, e tirámos de tal ensinamento as conclusões que se impõem quanto à função do Bispo na sua diocese e de todos os Bispos juntos dentro da Conferência Episcopal.

O Sínodo adoptou assim resoluções relativas ao sacerdócio ministerial, à vida dos religiosos e das religiosas, e à participação dos leigos na missão evangelizadora da Igreja. Examinou como se há-de promover a vida sacramental, e sobretudo a celebração e veneração da Eucaristia, fonte de vida e crescimento, e o sacramento da reconciliação. O Sínodo insistiu, por último, no valor da liturgia celebrada segundo as regras da Igreja, na importância do conteúdo doutrinal e dos métodos pastorais na catequese, e ainda na promoção de um ecumenismo fiel às orientações do Concílio.

4. Esta referência demasiado breve à matéria e às conclusões do Sínodo basta para fazer notar a riqueza dos seus debates e a amplidão do exame consagrado ao trabalho pastoral da Igreja nos Países Baixos. A ninguém passou despercebida a importância, de todos os assuntos encarados, para o futuro dos esforços pastorais de todo o povo de Deus. Seja-me todavia permitido sublinhar aqui um ponto especial, que se manifestou como centro de todas as outras questões levantadas, e será de importância grandíssima quanto ao futuro da Igreja. Refiro-me agora ao sacerdócio ministerial autêntico dos sacerdotes, tanto na sua natureza como nas relações com o Bispo e no seu nexo com o compromisso dos leigos na missão da Igreja.

A edificação da comunidade eclesial e o desempenho da sua missão são coisas que tocam à comunidade inteira, mas, como diz a Constituição dogmática Lumen gentium (Cfr. Lumen gentium LG 30-38), esta responsabilidade exerce-se de acordo com o carisma e o lugar de cada um no Corpo de Cristo. Todas as vocações, todos os serviços e todos os carismas ordenam-se a manifestar na variedade a riqueza da Igreja e a servir a unidade da mesma. A Igreja deve poder exprimir a plenitude da sua vida pela riqueza das vocações e dos carismas, tanto no sacerdócio ministerial como no apostolado dos leigos, e também na consagração religiosa segundo o espírito e o fim específico de cada Instituto. Mas cada um destes ministérios e destes serviços possui carácter próprio, e todos se completam mutuamente sem se confundirem.

Com razão, caros Irmãos, insististes na importância e necessidade da participação dos leigos na missão pastoral da Igreja; louvastes também a colaboração activa que vos oferecem os leigos em todas as Dioceses neerlandesas, colaboração que são chamados a intensificar mais ainda. Com efeito, sem o trabalho dos leigos, não poderia a Igreja senão com dificuldade estar presente e operar no mundo de hoje (Cfr. Apostolicam actuositatem AA 1). Mas importa, como sublinhastes, salvaguardar, na atribuição das tarefas e na delimitação das responsabilidades, a distinção entre o contributo dos leigos e os encargos confiados aos sacerdotes e aos diáconos. o que significa toda a importância das conclusões a que chegou este Sínodo no campo da colaboração dos leigos nas tarefas pastorais, como também no da formação dos futuros sacerdotes.

Unânimes em professar a distinção essencial entre sacerdócio sacramental e sacerdócio comum dos fiéis assim como o carácter permanente do sacerdócio sacramental, os Bispos dos Países Baixos expressaram também a preocupação e vontade de se verem secundados por um clero celibatário e de fazerem todo o possível na promoção das vocações ao sacerdócio. Sentem a mesma preocupação no que diz respeito à vocação religiosa, pela qual homens e mulheres respondem ao chamamento de Deus para a vida consagrada. Ocupastes-vos de assegurar a formação dos candidatos ao sacerdócio em verdadeiros seminários, quer em seminários que dêem integralmente a formação, quer noutras instituições com todas as características de seminários, embora parte do ensino seja dado por Escolas superiores de teologia reconhecidas pela Santa Sé.

281 Do mesmo modo, estais decididos a sublinhar a oportunidade do campromisso no caminho do diaconado, considerada a tarefa própria e a importância deste ministério permanente, tal como ele foi restaurado pelo Concílio Vaticano II. Reafirmastes, em seguida, a importância da contribuição própria do laicado na Igreja e estais resolvidos a apelar para a colaboração dos leigos nas tarefas pastorais que lhes podem ser confiadas segundo as indicações da Santa Sé.

Aqui estão resoluções que pressagiam um futuro especialmente risonho para a Igreja nos Países Baixos. O Papa está convencido que todos corresponderão ao apelo, dando assim a esta Igreja a sua plena dimensão de comunidade cristã, que é manifestada pela sua obra missionária, tão ligada a toda a sua tradição.

5. Em todo o trabalho que fizemos no Sínodo — e naquele que vos espera depois da conclusão do Sínodo —, aquilo que era, que é e ficará sendo o nosso baluarte e a nossa força, é a referência constante da nossa fé, da nossa esperança e do nosso amor a Cristo, nosso Mestre e Senhor, a Cristo Redentor do homem, a Cristo que se tornou, no Seu mistério pascal, o esposo da sua Igreja.

Foi para com Ele que nós procurámos manter a nossa fidelidade durante as nossas reuniões em Roma, na nossa reflexão quotidiana e nas permutas de ideias. A sua verdade e o seu amor eram a fonte da luz para as nossas considerações, resoluções e decisões. Aplicando-nos a tudo isto, tínhamos consciência cada vez mais clara de necessitar, para o nosso serviço prestado à Igreja, de grande coragem e ao mesmo tempo de grande prudência. Coragem e prudência que hão-de provir da nossa confiança absoluta neste amor que Ele dá em toda a parte à Sua Igreja, nesta fidelidade que Ele dá em troca, a todos quantos procuram manter-Lhe constantemente a própria fidelidade. Esta convicção obriga-nos a olhar para o futuro com a esperança evangélica: Tende confiança, Eu venci o mundo (
Jn 16,33). Assim, seremos nós capazes de desempenhar a nossa missão, de Bispos e pastores, para com a Igreja na terra neerlandesa e, ao mesmo tempo, para com a Igreja universal: seremos capazes de servir o povo de Deus da maneira que de nós exige o Espírito de Jesus Cristo.

É sobre Ele que nós edificamos a nossa vontade e ao mesmo tempo a nossa esperança da unidade recíproca, da "comunhão" entre vós mesmos, Bispos e pastores da Igreja nos Países Baixos, comunhão que é indispensável para desempenhar este ministério pastoral. O Sínodo foi para vós, caros Irmãos, tempo de feliz união e de trocas profundas dos vossos pensamentos: foi tempo de verdadeiro diálogo da salvação. Este diálogo, como ensinou Paulo VI, é e deve continuar a ser troca de pensamentos em que se manifestem o respeito e o amor, e que seja ao mesmo tempo ordenado para a verdade, para o bem do Evangelho e para a unidade da Igreja. Na altura em que este tempo feliz está a acabar, nada mais nos fica para fazer senão pedir ao Espírito de verdade e ao Senhor da messe que o mesmo estilo de diálogo e o mesmo clima salutar de união continuem sempre a existir entre vós para bem da Igreja inteira, e em particular para o das Dioceses onde o Espírito Santo vos estabeleceu como Bispos.

6. Agora que os Bispos neerlandeses se preparam para regressar às suas respectivas Dioceses, dirijo o meu pensamento e o meu afecto para toda a Igreja que está nos Países Baixos e para todos e cada um dos que a formam. Ficai sabendo, caros irmãos e irmãs, que o Sínodo vos está reconhecido por tudo o que tentastes para contribuir para o bom resultado das suas deliberações. Em nome do Sínodo, agradeço-vos muito particularmente as vossas orações que nos acompanharam durante este período de graça. Recebi numerosos ecos de iniciativas que testemunham a vossa resposta fervorosa ao apelo que vos dirigi na véspera do Sínodo: constituía verdadeiro conforto e inspiração, para os participantes nele, saber que a Igreja nos Países Baixos lhes estava unida pela oração nas paróquias e nas escolas, nas casas religiosas, nos grupos de jovens e nas casas de retiros.

Agradeço, de maneira especial, também aos irmãos e irmãs das Igrejas e Comunidades cristãs que se uniram aos católicos para implorar a luz do Espírito sobre os trabalhos. Comovida e reconhecidamente, quero lembrar aqui que um grupo de pastores protestantes enviou um telegrama, no princípio do Sínodo, para nos certificar das suas orações. A união espiritual assim manifestada é penhor da bênção de Deus para uma união cada vez maior entre todos os que professam a mesma fé e a mesma esperança em Jesus Cristo. Correspondam à vontade do Senhor a nossa expectativa, o nosso desejo e o nosso compromisso! Assim, conseguiremos promover um ecumenismo sem timidez porque autêntico, ecumenismo dinâmico que seja crescimento na fé, ecumenismo, por assim dizer, que seja plenamente fiel ao Espírito Santo.

Agora, que vai começar a aplicação prática das decisões deste Sínodo, confio de novo às vossas orações, caros irmãos e irmãs dos Países Baixos, o caminho que deve ser percorrido. Porque é da oração, mais que das deliberações e das consultas, que dependerão no futuro a vida e a pastoral da Igreja nos Países Baixos. Reuni-vos em redor dos vossos Bispos na oração como também na acção. Mais que nunca contam eles convosco. A união na oração e a consciência de que todo o dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das luzes (Jc 1,17) ajudar-vos-ão a pôr por obra esta renovação e conversão, que deve cada um de nós praticar continuamente. A oração ajuda a crer, a esperar e a amar, ainda que a fraqueza humana nos coloque em situações de tensão ou cause desfalecimentos. A oração fervorosa de toda a comunidade cristã, nos Países Baixos ou fora, leva a esperar que todos, sacerdotes e leigos, religiosos e religiosas, hão-de aceitar, com espírito de fé e convicção sincera, as conclusões do Sínodo. Eis que se aproxima o tempo da Quaresma que nos prepara para celebrarmos a Ressurreição do Senhor Jesus: não hesitamos em solicitar as vossas orações e os vossos sacrifícios, para que a semente do Sínodo caia em terra fértil e dê fruto em abundância (Cfr. Mc Mc 4,8).

Com confiança especialíssima desejo dirigir-me à juventude da Igreja nos Países Baixos. Como preparação do Sínodo, um grupo de jovens da vossa capital reuniu-se para orar à volta de um círio, símbolo da luz que é Cristo, e mandou-me em seguida esse círio em sinal do seu compromisso e da sua união com o Sínodo. Caros jovens, oxalá a luz de Cristo ilumine o vosso caminho de cristãos e as vossas aspirações que certamente encontram o lugar próprio na Igreja. Acreditai que a vossa generosidade e o vosso sentido da autenticidade ajudarão toda a comunidade a fazer as opções que se impõem e a assumir as consequências que traz consigo crer em Jesus Cristo e pertencer à Igreja.

Veneráveis e caros Irmãos, na altura de nos separarmos, convido a colocardes os frutos deste Sínodo e o futuro da Igreja nos Países Baixos entre as mãos de Maria, Mãe do Senhor e Mãe da Igreja. O último capítulo da Constituição dogmática Lumen gentium pôs em relevo as consequências espirituais que derivam, para a Igreja e para cada fiel, da nossa situação quanto ao Filho de Deus encarnado e quanto à Sua Mãe santíssima. Porque nasceu de uma mulher (Ga 4,4) é que Nosso Senhor Jesus Cristo faz de nós verdadeiros "filhos adoptivos" (Cfr. Lumen gentium LG 52). Porque ela acolheu o Verbo de Deus ao mesmo tempo no seu coração e no seu corpo, por isso é que a Virgem bendita tem um papel único no mistério do Verbo encarnado e no do Corpo místico. Encontra-se intimamente unida com a Igreja, de quem ela é modelo na ordem da fé, da caridade e da perfeita união a Cristo. Assim, em resposta à nossa devoção e à nossa oração, Maria, que une e reflecte de certo modo em si mesma as mais altas aspirações da fé, chama os fiéis para o seu Filho e para o sacrifício d'Este, assim como para o amor do Pai. "Daqui vem igualmente, ensina o Concílio, que, na sua acção apostólica, a Igreja olha com razão para aquela que gerou a Cristo, o qual foi concebido por acção do Espírito Santo e nasceu da Virgem, precisamente para nascer também no coração dos fiéis, por meio da Igreja" (Ibid.65). Com a Virgem Maria, iniciou a Igreja o seu caminho através da história deste mundo há dois mil anos, no Cenáculo do Pentecostes. Desde então, percorreu a Igreja cada etapa deste caminho com Ela, que é o sinal luminoso da esperança e da consolação do povo de Deus (Ibid., 68). E a que iniciamos hoje a partir deste Sínodo, é também com Ela que devemos percorrê-la. Na terra neerlandesa, há tantos lugares em que a Mãe de Deus é venerada com especial fervor pelos fiéis. Basta evocar, entre tantos santuários que dão testemunho de piedade mariana, o nome do santuário "Ster der Zee" em Maastricht, o da "Zoete Lieve Vrouw den Bosch" e o de "Onze Lieve Vrouw ter Nood" em Heiloo, tão queridos aos vossos corações e ao meu. Oxalá estes lugares se tornem cada vez mais lugares de encontro, de onde Maria guie o povo de Deus para uma fé e uma esperança renovadas, na comunhão do amor.

Em língua neerlandesa:

282 A toda a Igreja nos Países Baixos envio, juntamente com todos os membros do Sínodo particular, os meus votos e a minha bênção.

Queira o Senhor levar a que se aplique em vós tudo quanto de oração e deliberação foi começado aqui, durante os dias passados!

Seja a unidade, na fé e na caridade, a característica do povo de Deus nos Países Baixos!

Louvado seja Jesus Cristo. Amen.




Homilias JOÃO PAULO II 275