Homilias JOÃO PAULO II 282

FESTA DA APRESENTAÇÃO DO SENHOR


OFERTA DOS CÍRIOS AO SUMO PONTÍFICE




2 de Fevereiro de 1980




1. «Tollite portas...». Levantai; ó portas, os vossos dintéis, / levantai-vos, ó pórticos antigos, / para que entre o rei da glória (Ps 23,7).

Não faltam na liturgia momentos em que se fazem ouvir estas palavras do Salmista. Hoje parecem elas falar, em sentido literal, das portas do Templo de Jerusalém, das suas entradas. Porque deve entrar por estas portas Aquele a que o Salmo chama o rei da glória, e o profeta Malaquias o anjo da aliança (Ml 3,1). É este, portanto, momento insólito. O Templo de Jerusalém existe desde o princípio, exactamente para que se possa dar este momento.

Então o Salmista pergunta: Quem é este rei da glória?, e responde a si mesmo: E o Senhor forte e poderoso, / O Senhor poderoso nas batalhas... / O Senhor dos exércitos (Ps 23 Ps 8-10).

Tal a resposta do Salmista, que fala com a linguagem das imagens. Ora a resposta dos acontecimentos parece ter pouco que ver com a linguagem do Salmista. Eis que, no evangelho de São Lucas lemos de facto o que segue: «Quando se cumpriu o tempo da sua purificação segundo a lei de Moisés, levaram o Menino a Jerusalém para O oferecerem ao Senhor» (Cfr. Lc Lc 2,22). Levaram-n'O como tantos outros foram levados, em obediência à lei de Israel... Levaram-n'O para O apresentar ao Senhor. E nenhum dos presentes podia então imaginar que naquele momento se cumpriam as palavras do Salmista, que se cumpriam as palavras do profeta Malaquias. O menino de 40 dias, no colo da Mãe, nada tinha em si daquele «Rei da glória». Não entrava no Templo de Jerusalém» como Senhor poderoso nas batalhas», como «Senhor forte».

2. Todavia Jesus, já naquele dia, entrou no Templo de Israel a fim de pronunciar uma especial «batalha»: luta que será a missão da sua vida; luta que terminará com insólito triunfo. Será o triunfo da Cruz, que aos olhos de todos significa não triunfo mas ignomínia; não vitória mas derrota; apesar de tudo, será vitória.

Precisamente aquilo, que se realiza no templo de Jerusalém, prenuncia essa vitória por meio da cruz. Eis que na verdade se realiza o «rito da consagração de Israel ao Senhor», daquele novo Filho de Israel, conforme o que foi escrito na Lei do Senhor: Todo o primogénito varão será consagrado ao Senhor (Lc 2,23 Ex 13,2 Ex 13,11).

283 O símbolo desta consagração é a oferta que, por ocasião desta primeira visita ao Templo, fazem os pais: «um par de rolas ou duas pombinhas» (Lc 2,24 Lv 12,8).

Também isto consta da norma da Lei.

Desse modo o Povo da Antiga Aliança deseja manifestar, nos seus primogénitos, que ele todo completo é consagrado a Deus (Javé), seu Deus: que é o Seu Povo.

Neste caso está-se realizando porém alguma coisa mais que a observação de uma das normas da Lei. Se nem todos os presentes no Templo se dão conta disto, há um homem porém que está completamente consciente do mistério. Este homem, impelido pelo Espírito, veio ao Templo (Lc 2,27). Era justo e piedoso... e o Espírito Santo estava nele (Lc 2,26). Assim escrevia sobre Ele o evangelista. Se portanto este homem, de nome Simeão, decifrou até ao fundo o significado do acontecimento, que naquela altura se efectuava no templo de Jerusalém, fê-lo porque o Espírito Santo... lhe tinha revelado que não morreria antes de ter visto o Messias do Senhor (Lc 2,26).

Simeão vê portanto e anuncia que aquele Menino primogénito, que Maria e José ofereceram a Deus naquele momento, é portador de uma grande luz, que Israel e a humanidade inteira esperam: Luz para iluminar as nações e glória de Israel, Teu povo (Lc 2,32).

Simeão pronuncia estas palavras em profundo êxtase. É o dia maior da sua vida; depois de o viver, pode agora tranquilamente deixar este mundo. Mais, pede isto mesmo a Deus, segurando no colo o Menino que tomou de Maria e José: agora, Senhor, podes deixar o teu servo partir em paz... / porque os meus olhos viram a Salvação / que preparaste em favor de todos os povos (Lc 2,29-31) .

Assim no momento da consagração ritual do primogénito, entra o grande anúncio da luz e da glória, luz e glória que se propagarão com a força do sacrifício. De facto, aquele que neste momento, é levantado pelos braços do Velho Simeão, está destinado a sinal de contradição (Lc 2,34). E esta contradição estará cheia de sofrimento que não poupará nem sequer o coração de Sua Mãe: Também a ti uma espada trespassará a alma (Lc 2,35).

Quando no Templo de Jerusalém se realiza o rito da consagração do Primogénito, a vida de Jesus conta apenas 40 dias. As palavras de Simeão revelam o conteúdo desta vida até ao fim e levam em si o anúncio da Cruz. O anúncio pertence à plenitude do mistério de consagração de Jesus no Templo.

3. Reunistes-vos, para participar na liturgia de hoje, vós caros Irmãos, que mediante a profissão religiosa, consagrastes totalmente a vossa vida a Deus.

Esta vossa consagração a Deus, total, definitiva e exclusiva, é como crescimento contínuo e florescimento esplêndido daquela consagração inicial, que se deu no sacramento do Baptismo; nele tem as suas raízes profundas e dele é expressão mais perfeita (Cfr. Decr. Perfectae Caritatis PC 5).

Mediante a profissão religiosa, o fiel como afirma a constituição dogmática Lumen Gentium — «entrega-se totalmente ao serviço de Deus sumamente amado, de maneira que, por título novo e especial, fica destinado ao serviço do Senhor. Já pelo baptismo morrera ao pecado e fora consagrado a Deus; mas, para poder recolher frutos mais abundantes de graça baptismal, pretende libertar-se, pela profissão dos conselhos evangélicos na Igreja, dos impedimentos que o poderiam afastar do fervor da caridade e da perfeição do culto divino, consagrando-se mais intimamente ao serviço de Deus» (Lumen Gentium LG 44).

284 Por isso, a festa da Apresentação do Senhor é festa especial para vós, almas consagradas, pois em medida excepcional participais na entrega de Cristo ao Pai, que foi anunciada pela Apresentação no Templo. A oferta da vossa vida, que fizestes alegremente por meio dos três votos, encontra o seu modelo constante, o seu prémio e o seu incitamento na oferta que o Verbo de Deus faz de si mesmo ao Pai, nos braços da Mãe.

4. Simeão pronuncia diante de Jesus, no momento da apresentação as palavras sobre a luz.

Também a vossa vida, Irmãos e Irmãs caríssimas, deve ser «luz», tal que ilumine o mundo e a realidade temporal. No meio de tudo isto que passa, se dissipa e desaparece, vós, almas consagradas, autênticos filhos e filhas da luz (
Ep 5,8 Tess Ep 5,5), tendes de dar verdadeiro testemunho à luz futura, à vida eterna e à luz sem ocaso. Foi o que vos recordou com grande vigor o Concílio Vaticano II: « A profissão dos conselhos evangélicos aparece assim como sinal, que pode e deve atrair eficazmente todos os membros da Igreja a corresponderem animosamente às exigências da vocação cristã. E porque o Povo de Deus não tem na terra a sua cidade permanente, mas vai em demanda da futura, o estado religioso, tornando os seus seguidores mais livres das preocupações terrenas, manifesta também mais claramente a todos os fiéis os bens celestes, já presentes neste mundo; e assim dá testemunho da vida nova e eterna, adquirida com a redenção de Cristo, e prenuncia a ressurreição futura e a glória celeste» (Const. dogm. Lumen Gentium LG 44).

Para vós valem de modo especialíssimo as palavras de Jesus: Brilhe a vossa luz diante dos homens, de modo que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem vosso Pai, que está nos céus (Mt 5,16 1P 2,12). Sim, Irmãos e Irmãs resplandeça a luz da vossa fé forte; a luz da vossa caridade operosa; a luz da vossa castidade alegre; a luz da vossa pobreza generosa.

5. Quanto precisam, a Igreja e o mundo, desta luz, deste testemunho!

Quanto devemos empenhar-nos para que se consiga o seu pleno esplendor e a sua intacta eloquência!

Quanto é necessário que reproduzamos em nós, seres mortais, o mistério da entrega de Cristo ao Pai pela salvação do mundo, da entrega admiravelmente iniciada com esta Apresentação no Templo, de que hoje celebra memória a Igreja inteira!

Quanto é necessário que também nós fixemos o olhar na alma de Maria, nessa alma que, segundo as palavras de Simeão, foi trespassada pela espada, afim de se revelarem os pensamentos de muitos corações (Cfr. Lc Lc 2,35)!

Hoje, caros Irmãos e irmãs, em sinal daquele grande mistério da liturgia, ao mesmo tempo do mistério dos vossos corações, entregai nas minhas mãos as velas acesas. A consagração do Templo é, dalgum modo, multiplicada por meio da entrega de tantos corações consagrados que existem no mundo...

Revelem-se os pensamentos de todos estes corações diante da Mãe, que sabe da vossa consagração e a envolve com amor particular.

Esta Mãe é Maria.

285 Esta Mãe é também a Igreja.

Amén.



VISITA PASTORAL À PARÓQUIA ROMANA

DA ASCENSÃO DE NOSSO SENHOR


Domingo, 3 de Fevereiro de 1980




O domingo de hoje oferece-me de novo a possibilidade de encontrar-me com aquela comunidade fundamental do Povo de Deus que é, na Igreja, uma paróquia. Este é encontro "com a comunidade" e, ao mesmo tempo, encontro "na comunidade". De facto, mediante a visita pastoral do vosso Bispo, encontrais-vos, em certo sentido, naquela maior comunidade do Povo de Deus que é a Igreja Romana, a Igreja "local", isto é, a Diocese. Ela é, ainda, a Igreja das Igrejas — se assim se pode dizer — porque Roma, como Sé de São Pedro, constitui o centro de todas as Igrejas "locais" do mundo, que mediante este centro se ligam e unem na Comunidade universal da Igreja única. Assim, pois, o nosso encontro de hoje tem contemporaneamente estas três dimensões: paroquial, diocesana e universal.

Oxalá sirva isto para reforçar o amor que São Paulo confessa e anuncia de modo tão maravilhoso na liturgia de hoje.

No espírito deste amor, que é o vínculo da comunidade e a fonte da nossa unidade — sobretudo com o próprio Deus em Cristo — saúdo-vos cordialmente, caríssimos irmãos e irmãs, vindos de todas as partes do bairro, para testemunhar o vosso afecto e a vossa devoção ao Papa. Saúdo também aqueles que participariam com gosto neste encontro, mas foram detidos em casa ou pela enfermidade ou por alguma obrigação inadiável. Confio-vos o encargo de lhes levar a minha saudação e os meus votos.

Menção particular quero agora reservar para o Bispo Auxiliar, Dom Giulio Salimei, que realizou com tanto zelo nos últimos dias a visita pastoral. Dele voa espontaneamente o pensamento para o Pároco e para os outros Sacerdotes do Presbitério, designados pelo Concílio como "cooperadores do Bispo" (Cfr. Decr. Presbyterorum Ordinis ): estes encontram-se no meio de vós para construir uma Comunidade viva que, alimentando-se na mesa do Pão eucarístico e da Palavra de Deus, saiba testemunhar Cristo com o exemplo da coerência pessoal e do amor desinteressado.

Saúdo depois as Religiosas Baptistinas, que têm neste bairro uma florescente Escala infantil e elementar: para elas vá a expressão do meu apreço pela generosa dedicação às tarefas educativas e pela colaboração prática nas iniciativas paroquiais. A minha saudação dirige-se também às personalidades das Associações, dos Movimentos e dos Grupos catequísticos, que se esforçam por animar cristãmente o meio dos jovens e dos adultos, favorecendo nuns e noutros urna formação interior cada vez mais profunda e completa.

Uma especial palavra de Saudação desejava fazer chegar também àqueles que se sentem psicologicamente afastados da Comunidade paroquial, diante da qual nutrem sentimentos de indiferença ou talvez mesmo de hostilidade. Saibam eles que é desejo do Papa, como dos Sacerdotes da Paróquia e de todos os outros ministros de Deus, entabular com eles um diálogo que possa dissipar equívocos e permitir melhor conhecimento recíproco e comunicação aprofundada sabre Cristo e o Seu Evangelho.

2. Sem dúvida, a mensagem de Jesus está destinada a "criar problema" na vida de todos os seres humanos. o que nos recordam também as leituras da liturgia de hoje, e sobretudo o texto do Evangelho de Lucas ouvido agora mesmo. Leva-nos a regressar com o pensamento às palavras que deixou na nossa memória a solenidade de ontem. No momento da Apresentação de Jesus no templo, que se realizou 40 dias depois do Nascimento, o velho Simeão pronunciara a respeito do Menino as palavras seguintes: está aqui para queda e ressurgimento de muitos em Israel e para ser sinal de contradição (Lc 2,34).

Somos hoje testemunhas da contradição que encontrou Cristo logo no princípio da Sua missão — na Sua Nazaré. Ouvi: quando, baseado nas palavras do profeta Isaías, lidas de novo na sinagoga de Nazaré, Jesus deu a entender aos seus conterrâneos que a predição se referia precisamente a Si — quer dizer, que era Ele o preanunciado Messias de Deus (o Ungido no Poder do Espírito Santo) — surgiu primeiro a admiração, depois a incredulidade e por fim os presentes encheram-se de furor (Lc 4,28), e concordaram na decisão de O lançar, de O precipitar do monte, sobre o qual estava construída a cidade de Nazaré... Mas, passando por meio deles, Jesus seguiu o seu caminho (Lc 4,30).

286 E reparai que a liturgia de hoje — sobre o fundo deste acontecimento faz-nos ouvir na primeira leitura a voz longínqua do Profeta Jeremias: Eles combaterão contra ti, mas não vencerão, porque Eu estarei contigo para te proteger (Jr 1,19).

3. Jesus é o profeta do amor daquele amor que São Paulo confessa e anuncia nas palavras, tão simples e ao mesmo tempo tão profundas, da passagem tirada da Carta aos Coríntios. Para conhecer o que é o amor verdadeiro, quais as suas características e qualidades, é necessário olhar para Jesus, para a Sua vida e o Seu proceder. As palavras não exprimirão nunca tão bem a realidade do amor, como o exprime o modelo vivo que Ele é. Até mesmo palavras, tão perfeitas na sua simplicidade, como as da primeira Carta aos Coríntios, são apenas a imagem de tal realidade: daquela realidade, isto é, daquilo de que encontramos o modelo mais completo na vida e no procedimento de Jesus Cristo.

Não faltaram nem faltam, no decurso das gerações, homens e mulheres que imitaram eficazmente este modelo perfeitíssimo. Todos somos chamados a fazer o mesmo. Jesus veio sobretudo para ensinar o amor. Este forma o conteúdo do maior dos mandamentos que nos deixou. Se aprendermos a praticá-lo, atingiremos a nossa finalidade: a vida eterna. O amor, de facto, como ensinou o Apóstolo, nunca terá fira (1Co 13,8). Enquanto outros carismas, e também as virtudes essenciais na vida do cristão, acabam juntamente com a vida, terrestre e deste modo passam, o amor não passa, nunca tem fim. Constitui precisamente o fundamento essencial e o conteúdo da vida eterna. E por isso maior é a caridade (1Co 13,13).

4. Esta grande verdade sobre o amor, mediante a qual trazemos connosco o verdadeiro fermento da vida eterna na união com Deus, devemos nós associá-la profundamente à segunda verdade da liturgia de hoje: o amor adquire-se no trabalho espiritual. O amor cresce em nós e desenvolve-se mesmo entre as contradições, entre as resistências, que lhe são opostas do interior de cada um de vós, e ao mesmo tempo "de fora" isto é, entre as múltiplas forças que lhe são estranhas e mesmo hostis.

Por isso escreve São Paulo que "a caridade é paciente". Não encontra ela acaso, em nós, tantas vezes a resistência da nossa impaciência, e até simplesmente da inadvertência? Para amar é preciso saber "ver" o "outro", é preciso saber "tê-lo em conta". E preciso às vezes "suportá-1o". Se nos vemos apenas a nós mesmos, e o "outro" "não existe" para nós, estamos longe da lição do amor que nos deu Cristo.

"A caridade é benigna'", lemos em seguida: não apenas sabe "ver" o "outro", mas abre-se para ele, procura-o e vai ao encontro dele. O amor dá com generosidade, isto precisamente quer dizer: , "é benigno" (a exemplo do amor do próprio Deus, que se exprime na graça)... Quantas vezes, todavia, não nos fechamos nós na concha do nosso "eu", não sabemos, não queremos, não procuramos abrir-nos para o "outro", dar-lhe alguma coisa do nosso próprio "eu", ultrapassando os limites do nosso egocentrismo ou mesmo do egoísmo, e esforçando-nos por nos tornarmos homens ou mulheres "para os outros", a exemplo de Cristo.

5. E assim por diante, relendo a lição de São Paulo sobre o amor, e meditando o significado de cada palavra que o Apóstolo usou para descrever as características desse amor, nós tocamos os pontos mais importantes da nossa vida e da nossa convivência com os outros. Tocamos não só os problemas pessoais ou familiares, isto é, os que têm importância do circulozinho das nossas relações interpessoais, mas tocamos também os problemas sociais de primária actualidade.

Os tempos em que vivemos não constituem acaso perigosa lição daquilo em que podem vir a parar a sociedade e a humanidade, quando a verdade evangélica sobre o amor é tida por ultrapassada? quando é marginalizada pelo modo de ver o mundo e a vida, pela ideologia? quando é excluída da educação, dos meios de comunicação social, da cultura e da política?

Não é verdade que os tempos, em que vivemos, se tornaram já lição suficientemente ameaçadora daquilo que prepara tal programa social?

E tal lição não poderá tornar-se ainda mais ameaçadora com o passar do tempo?

A este propósito, não têm já suficiente eloquência os actos de terrorismo que sempre se vão renovando, e a tensão bélica crescente no mundo? Cada homem — a humanidade inteira — vive "entre" o amor e o ódio. Se não aceita o amor, o ódio encontrará fácil acesso ao seu coração e começará a invadi-lo cada vez mais, produzindo frutos cada vez mais venenosos.

287 6. Da lição paulina, agora ouvida é necessário deduzir logicamente que o amor é exigente. Exige de nós esforço, exige um programa de trabalho sobre nós mesmos — assim como, na dimensão social, exige educação adequada, e programas adaptados de vida cívica e internacional.

O amor é exigente. É difícil. É atraente, sem dúvida, mas é também difícil. E por isso encontra resistência no homem. Resistência que aumenta quando actuam de fora programas em que está presente o princípio do ódio e da violência, destruidora. Cristo, cuja missão messiânica encontra, desde o primeiro momento, a contradição dos próprios conterrâneos em Nazaré, reconfirma a veracidade das palavras pronunciadas a Seu respeito pelo velho Simeão no dia da Apresentação no templo: Ele está aqui para queda e ressurgimento de muitos em Israel e para ser sinal de contradição (
Lc 2,34).

Estas palavras seguem a Cristo por todos os caminhos da Sua experiência humana, até à cruz.

Esta verdade sobre Cristo é também a verdade sobre o amor. Também o amor encontra resistência, contradição. Em nós e fora de nós. Mas isto não nos deve desanimar. O verdadeiro amor — como ensina São Paulo — tudo desculpa e tudo suporta (1Co 13,7).Caros irmãos e irmãs, sirva este nosso encontro de hoje, ao menos em pequena parte, para a vitória deste amor; para ele caminha sem descanso, entre as provações deste mundo, a Igreja de Cristo com o olhar fixo no testemunho do Seu Mestre e Redentor.



VISITA PASTORAL À PARÓQUIA ROMANA DE SÃO TIMÓTEO


Domingo, 10 de Fevereiro de 1980




1. Tenho o gosto de estar aqui no meio de vós, caros fiéis da Paróquia de São Timóteo em Casal Palocco, para viver um momento intenso de comunhão eclesial juntamente convosco que, através: da minha humilde pessoa, gozais hoje da presença do vosso Bispo, que, segundo afirma o Concilio, "representa o próprio Cristo, mestre, pastor e pontífice, e actua em vez dele" (Lumen Gentium LG 21). Tenho o gosto de redescobrir e aprofundar convosco, nos textos da liturgia do presente domingo, a fundamental vocação-missão do cristão que, como os profetas, como os apóstolos, é chamado a desempenhar o ministério de anunciar e evangelizar Cristo, tornando-o actual mediante o próprio testemunho vivo.

Animados pela consciência de um encargo tão entusiasmante, recebei, caros fiéis, a minha saudação afectuosa, que se dirige primeiramente aos presentes e quer ao mesmo tempo atingir cada um dos cerca de 15.000 habitantes do bairro e as 4.000 famílias reunidas espiritualmente à volta deste templo. Sabei que todos me sois queridos, e que ofereço ao Senhor os pensamentos e as intenções especialmente dos que sofrem na alma e no corpo, das crianças e dos menos favorecidos da fortuna humana.

O meu espírito dirige-se agora com reconhecimento para o Bispo Auxiliar, Dom Clemente Riva, que solicitamente realizou em Novembro passado a Visita pastoral nesta Comunidade; ao Pároco, Don António Amori, e aos Sacerdotes seus cooperadores, que com tanta dedicação prepararam este nosso encontro. Não posso, além disso, omitir uma menção das Religiosas e dos Religiosos, que prestam, mesmo sem ordem fixa, especial colaboração nas iniciativas paroquiais. Uma palavra especial de satisfação desejo que chegue a todos os membros dos vários Grupos — Grupo catequístico, dos animadores juvenis, caritativo, de instrução religiosa e neocatecumenal, etc. — que, em estreita colaboração com o Presbitério, se propõem evocar, no mais vasto círculo dos fiéis, uma resposta responsável e prática à vocação cristã que têm.

2. A propósito desta vocação, o Evangelho de hoje oferece-nos abundante matéria de reflexão e todas as leituras da liturgia dominical nos consentem entender-lhe o conteúdo mais a fundo ainda.

Eis o quadro mais frequente no Evangelho: Cristo ensina. Ensina a todos quantos se comprimiam sobre Ele para escutar a palavra de Deus (Lc 5,1). Primeiro, ensina na margem do lago de Genezaré, depois sobe "para uma barca que era de Simão" e, depois de lhe pedir que se afastasse um pouco da terra, pôs-se a ensinar, da barca, à multidão (Cfr. Lc Lc 5,3). Quando acabou de falar, afastou-se da turba e disse a Simão que se fizesse ao largo e lançasse as redes para a pesca (Cfr. Lc Lc 5,4).

O acontecimento, que poderia parecer habitual, toma, pouco depois carácter extraordinário. A pesca, na verdade, mostra-se especialmente abundante, o que surpreende Simão e os outros pescadores, cuja precedente fadiga, que durara toda a noite, não dera nenhum resultado: Trabalhámos durante toda a noite e nada apanhámos (Lc 5,5), diz Simão, quando Jesus diz que lancem as redes. Fazem-no unicamente por respeito às palavras de Jesus, levados por um motivo de estima e obediência.

288 A inesperada e abundantíssima pesca, tal que pediram a ajuda dos companheiros doutra barca, desperta em Simão Pedro uma reacção típica sua. Cai aos pés de Jesus e diz: Afasta-Te de mim, Senhor, porque sou homem pecador (Lc 5,8). As outras testemunhas do acontecimento milagroso, os irmãos Tiago e João, não reagem do mesmo modo, mas também eles se encheram de grande espanto pela extraordinária pesca realizada (Cfr. Lc Lc 5,9).

Jesus dirige então a Simão as palavras que dão a todo o acontecimento o significado profético: Não tenhas receio; de futuro, serás pescador de homens (Lc 5,10).

3. Repetidas vezes podemos verificar que o Senhor Jesus ensina todos os que vêm ouvir a Sua palavra; todavia propõe-se instruir de modo particular os apóstolos, para os introduzir nos "mistérios do reino", pois estes sobretudo devem conhecer, para crerem na própria missão. Jesus educa-os para o encargo de futuras testemunhas do Seu poder e de seguros mestres daquela verdade, que Ele trouxe ao mundo da parte do Pai, da verdade que é Ele mesmo.

A passagem evangélica de hoje mostra-nos um dos momentos especiais de tal solicitude, mediante a qual Jesus confirma os Apóstolos, sobretudo Simão Pedro, na própria vocação. O método usado pelo Mestre divino ultrapassa o simples ensinamento, o anúncio da palavra e a em profundidade, Jesus confirma a verdade da palavra anunciada com a revelação do poder sobre-humano e sobrenatural de Deus, que directamente se dirige ao homem todo.

Diante da revelação deste poder, a reacção do homem é sempre a manifestada por Simão Pedro: a tomada de consciência da própria indignidade e pecaminosidade. E nós não dizemos sempre, antes da Sagrada Comunhão: "Senhor, eu não sou digno do que entreis em minha morada..."? Pedro, por sua vez, afirma: Afasta-Te de mim... que sou homem pecador (Lc 5,8). São Paulo, movido do mesmo sentimento, escreverá: Não sou digno de ser chamado Apóstolo, porque persegui a Igreja de Deus (1Co 15,9). Assim se defende Isaías da chamada do Senhor, a que desejaria fugir; opõe a impureza dos próprios lábias, indignos de pronunciar as palavras do Senhor (Cfr. Is Is 6,5).

Tal sentido profundo, de pecaminosidade pessoal e de indignidade, permite ao próprio Deus actuar e consente à sua graça — graça do divino chamamento — tornar-se eficaz.

Os lábios de Isaías, tocados por um carvão em brasa, tornam-se puros e o profeta pode dizer: Eis-me aqui, enviai-me (Is 6,8). Paulo, convertido de perseguidor em apóstolo, afirma: Pela graça de Deus sou o que sou, e a graça que Ele me deu não foi inútil (1Co 15,10). Simão Pedro, pelo contrário, ouve dos lábios do próprio Cristo aquelas palavras tranquilizadoras: Não tenhas receio; de futuro, serás pescador de homens (Lc 5,10).

4. Nas leituras de hoje está encerrada uma profunda lição, demonstrativa da nossa verdadeira relação pessoal com Deus. É necessário primeiramente termos sentido profundo da Sua santidade e ao mesmo tempo vivo sentimento da nossa culpa e indignidade. Quanto mais notamos este último sentimento, tanto mais se desvela o primeiro: Deus na inefável Majestade do Seu poder e do Seu amor; Criador e Redentor do homem; Sabedoria, Justiça, Misericórdia; Deus Omnipresente, Omnisciente, Omnipotente.

Cristo manifesta-nos, com o ensinamento, esse mistério imperscrutável de Deus e ao mesmo tempo aproxima-o de nós, falando a linguagem dos homens simples, tornando presente o poder do próprio Deus com sinais visíveis, como por exemplo o peixe do lago de Genezaré.

Examine cada um de nós se a sua relação interior com Deus tem os traços que se manifestam no comportamento de Simão Pedro, de Paulo de Tarso e do profeta Isaías; se a nossa relação com Deus não é demasiado superficial, unilateral e interessada. Temos medo do pecado, para não ofender o Pai e o Seu Filho Unigénito, que por nós aceitou a paixão e a morte na Cruz? Ou falta-nos a consciência da profunda indignidade, diante d'Aquele que é o único Santo?

Esforcemo-nos neste sentido.

289 5. Além disto, as leituras de hoje contém pensamentos e indicações importantes para a vida de toda a paróquia, como comunidade do Povo de Deus.

Cristo disse a Pedro: De futuro, serás pescador de homens (
Lc 5,10); tal pesca misteriosa corresponde à missão incessante da Igreja, de qualquer comunidade e de qualquer cristão. Conduzir os homens vivos, as almas humanas à luz da Fé e à fonte do Amor; mostrar-lhes o Reino de Deus presente nos corações e no desígnio da história da humanidade; reunir todos naquela unidade, cujo centro é Cristo: eis a missão contínua da Igreja. E o Concílio Vaticano II deu, no seu ensinamento, a plena expressão desta missão.

E como nos tempos de Jesus, também hoje tal missão exige constante anúncio que prepare e facilite o acolhimento da verdade divina e do amor fraterno. Exige que as pessoas individualmente, os grupos e os ambientes "se afastem por vezes da terra" para "se fazerem ao largo". É necessário para essa penetração mais profunda do Evangelho e dos divinos mistérios. É particularmente necessária a intimidade familiar, exclusiva e fervorosa com Cristo e com o Pai e no Espírito Santo, para que cheguem à maturidade os apóstolos, isto é, os cristãos perfeitos, prontos a dar aos outros, indo buscar a própria plenitude, porque a graça de Deus não foi neles vã (Cfr. 1Co 15,10 2Co 6,1).

Precisamente para este múltiplo e intenso trabalho da Igreja na vossa paróquia, vim aqui hoje orar e pedir juntamente convosco, no Sacrifício Eucarístico e nos sucessivos encontros, o dom de um amadurecido testemunho cristão.

Mestre,.. porque Tu o dizes, lançarei as redes (Lc 5,5). A vossa Comunidade, os vossos Pastores, todas as almas apostólicas, religiosos, religiosas e leigos responsáveis, todos os paroquianos, não deixem de pensar assim, animados por este mesmo espírito de fé, e não deixem de actuar segundo isso. O Mestre e Senhor está constantemente presente na nossa barca.

6. Para tornar operoso o vosso compromisso e traduzir na realidade viva do bairro a vossa identidade cristã, desejo dirigir-vos em particular algumas exortações.

A vocação do cristão realiza-se substancialmente, não só na vida da graça, mas também no testemunho de amor e de solidariedade, requerendo esta obviamente abertura para com os outros, acolhidos como tais, e impele a que saiamos de nós mesmos, dos próprios medos e defesas, da tranquilidade do próprio bem-estar, para comunicarmos e ao mesmo tempo construirmos um tecido de relações recíprocas, apostadas no bem espiritual, moral e social de todos.

Além disso, o vosso esforço de crescimento cristão realize-se no âmbito da comunidade paroquial, que deve oferecer "exemplo claro de apostolado comunitário, pois congrega numa unidade toda diversidade humana que aí se encontra e a insere na universalidade da Igreja" (Apostolicam Actuositatem AA 10).

Depois, constitua outro ponto principalíssimo da vossa solidária acção paroquial o esforço pela santidade da família, pela consciência da sua missão altíssima e pela formação dos jovens que necessitam de ideais convincentes e entusiasmantes.

Acompanhe-vos nos vossos generosos esforços a divina protecção, que vos é aliás assegurada pela graça da vossa vocação cristã, e conforte-vos a convicção de o Papa, vosso Bispo, estar convosco para vos confirmar e tranquilizar, a fim de a vossa paróquia "conseguir desempenhar eficazmente, neste tempo de graça, a missão inalienável, recebida do Mestre: 'Ide e ensinai todas as nações' " (Exort. Apost. Catechesi Tradendae ).



FESTA DA APARIÇÃO DE NOSSA SENHORA DE LOURDES




11 de Fevereiro de 1980




290 Venerados Irmãos e Filhos caríssimos!

1. É com ânimo invadido por sentimentos de viva comoção e profunda alegria que vos dirijo, esta tarde, a minha cordial saudação: ao Senhor Cardeal Vigário, antes de mais, e aos outros Purpurados presentes; aos venerados Irmãos no Episcopado, aos Sacerdotes do Clero secular e regular, e, em particular, a quantos concelebram comigo esta Eucaristia, que nos fez reunir à volta deste altar para recordaras maravilhas da graça operadas n'Aquela que confiadamente invocamos como Avogada poderosa e Mãe dulcíssima.

A minha saudação dirige-se depois às Religiosas, exemplarmente presentes, em número considerável, nesta circunstância; e ainda às pessoas que, a vários títulos, fazem parte das diferentes Associações Marianas, bem como a todos aqueles que foram atraídos a esta celebração pela devoção que nutrem à Santíssima Virgem.

Desejo dirigir uma particular palavra de saudação aos doentes, que são os convidados de honra desde encontro: a custo de não leves sacrifícios, eles quiseram estar presentes esta tarde para testemunhar, em pessoa, o amor que os liga à Mãe celeste, a cujo Santuário de Lourdes muitos deles foram já, por certo, em peregrinação: são bem-vindos ao meio de nós. Com eles, saúdo quantos se dedicam a prestar-lhes assistência.

A minha saudação estende-se, portanto, a todos os que vieram a esta patriarcal Basílica de São Pedro, que recebe hoje uma tão excepcional visita. Desejo exprimir a todos o meu reconhecimento. Filhos caríssimos, sinto-me devedor perante todos vós. Com efeito, é graças a vós que hoje foi transferida para esta Basílica a particular realidade que dá pelo nome de Lourdes. Realidade da fé, da esperança e da caridade. Realidade do sofrimento santificado e santificante. Realidade da presença da Mãe de Deus no mistério de Cristo e da sua Igreja sobre a terra: uma presença particularmente viva na porção eleita da igreja, que é constituída pelos doentes e pelos que sofrem.

2. Porque é que os doentes vão em peregrinação a Lourdes? Porque é que perguntamo-nos — aquele lugar se tornou para eles quase uma «Caná da Galileia», para onde se sentem, de modo particular, convidados? O que é que, com tanta força, os atrai a Lourdes?

A resposta devemos procurá-la na Palavra de Deus, que nos é oferecida pela Liturgia na Santa Missa que estamos celebrando. Em Caná havia uma festa de casamento, festa da alegria porque festa do amor. Podemos imaginar facilmente o «clima» que reinava na sala do banquete. Todavia, aquela alegria, como qualquer outra realidade humana, era uma alegria falaz. Os esposos não o sabiam, mas a sua festa estava para se transformar num pequeno drama, por causa de vir a faltar o vinho. E, se pensarmos bem, este não era mais do que o sinal de tantos outros riscos a que o seu amor, apenas iniciado, seria exposto no futuro.

Por sorte, com eles «estava a Mãe de Jesus» e, consequentemente, «Jesus também foi convidado para as bodas» (Cfr. Jo
Jn 2,1-2); e, a pedido da Mãe, Jesus transformou milagrosamente a água em vinho; o banquete pôde prosseguir alegremente, e o esposo recebeu os cumprimentos do chefe da mesa (Cfr. Jo Jn 2,9-10), admirado com a qualidade do último vinho servido.

Eis como, caríssimos irmãos e irmãs, o banquete de Caná nos fala de um outro banquete: o da vida, a que todos desejamos sentar-nos para experimentar um pouco de alegria. O coração humano é feito para a alegria e não nos devemos maravilhar se todos propendemos para essa meta. Infelizmente a realidade, pelo contrário, submete tantas pessoas à experiência, às vezes martirizante, da dor: doenças, lutos, desgraças, taras hereditárias, solidão, torturas físicas, angústias morais - um leque de «casos humanos» concretos, cada um deles com um nome, um rosto e uma história.

Estas pessoas, se estão animadas pela fé, voltam-se para Lourdes. Porquê? Porque sabem que aí, como em Caná, «está a Mãe de Jesus»: e onde está Ela, não pode faltar seu Filho. E esta a certeza que move as multidões que, todos os anos, se dirigem a Lourdes à procura de um alívio, de um conforto, de uma esperança. Doentes de todo o género vão em peregrinação a Lourdes, apoiados na esperança de que, por intermédio de Maria, se manifeste neles o poder salvífico de Cristo. De facto, esse poder revela-se sempre com o dom de uma imensa serenidade e resignação, por vezes com as melhores das condições gerais de saúde, ou até com a graça da cura completa, como o atestam os numerosos «casos» verificados no decorrer de mais de cem anos.

3. A cura milagrosa, apesar de tudo, é todavia um acontecimento excepcional. O poder salvífico de Cristo, favorecido pela intercessão de sua Mãe, revela-se em Lourdes, sobretudo no campo espiritual. E ao coração dos doentes que Maria faz ouvir a voz taumaturga do Filho: voz que dissolve prodigiosamente as cristalizações do azedume e da rebelião e dá olhos à alma para ver, a uma luz nova, o mundo, os outros e o próprio destino.

291 Os doentes descobrem em Lourdes o valor inestimável do próprio sofrimento.A. luz da fé chegam a ver o significado fundamental que a dor pode ter não só na sua vida, interiormente renovada por essa chama que consome e transforma, mas também na vida da Igreja, corpo místico de Cristo.

A Virgem Santíssima que, no Calvário, corajosamente de pé junto da cruz de seu Filho (Cfr. Jo
Jn 19,25) participou, em primeira pessoa, na sua Paixão, é capaz de convencer sempre novas almas a unirem os próprios sofrimentos ao sacrifício de Cristo, num coral «ofertório» que, passando além dos tempos e dos espaços, abrange toda a humanidade e a salva.

Conscientes disto, no dia em que a Liturgia recorda as aparições de Lourdes, queremos agradecer a todas as almas voluntariosas, que, sofrendo e rezando, colaboram, de maneira tão eficaz, na salvação do mundo.

Que Nossa Senhora esteja ao lado delas, como estava junto dos dois esposos de Caná, e vele para que nunca venha a faltar nos seus corações o vinho generoso do amor. O amor pode, de facto, realizar o prodígio de fazer desabrochar sobre o pedúnculo espinhoso do sofrimento a rosa fragrante da alegria.

4. Mas não quero esquecer os servos de Caná, que tiveram grande parte na realização do milagre de Jesus, prestando-se a executar docilmente o que Ele lhes mandava. De facto, Lourdes é também um prodígio de generosidade, de altruísmo, de serviço: a começar por Bernadete, que foi o instrumento privilegiado para transmitir ao mundo a mensagem evangélica da Virgem, para descobrir a nascente da Virgem, para descobrir a nascente de água milagrosa, para pedir a construção da «capela»; ela soube, sobretudo, rezar e imolar-se, recolhendo-se ao silêncio de uma vida totalmente dedicada a Deus. E como esquecer a imensa multidão de pessoas que, inspirando-se na humilde pastorinha, se dedicou e se dedica com extraordinário amor ao serviço dos Santuários, ao funcionamento dos serviços, e especialmente ao cuidado dos doentes? Por isso, o meu, o nosso pensamento de apreço e de reconhecimento dirige-se, agora, a quantos se atarefam junto de vós, caríssimos doentes: os médicos, o pessoal paramédico, todos os que prestam os serviços necessários, quer durante as peregrinações quer nos lugares de hospitalização habitual, além dos vossos familiares sobre os quais pesa a maior tarefa da assistência.

Como os servos de Caná, que ao contrário do chefe da mesa — «sabiam» do prodígio realizado por Jesus (Cfr. Jo Jn 2,9)), possam aqueles que vos assistem estar sempre conscientes do prodígio de graça que se opera na vossa vida e ajudar-vos a estar à altura da tarefa que vos foi confiada por Deus.

5. Irmãs e irmãos caríssimos, reunidos à volta do altar continuamos, agora, a celebração da Eucaristia. Cristo está connosco: esta certeza infunde uma imensa paz e uma alegria profunda nos nossos corações. Sabemos que podemos contar com Ele aqui e em qualquer parte, agora e sempre. Ele é o amigo que nos compreende e que nos ampara nos momentos tenebrosos, porque é o homem das dores que conhece bem o padecimento (Is 53,3). É Ele o companheiro de viagem que dá calor aos nossos corações, iluminando-os sobre os tesouros de sabedoria contidos nas Escrituras (Cfr. Lc Lc 24,32). E Ele o pão vivo que desceu do Céu, que pode acender nesta nossa carne mortal a centelha da vida que não morre (Cfr. Jo Jn 6,51).

E retomemos a viagem, com renovado vigor. A Virgem Santa indica-nos o caminho. Como luminosa estrela da manhã, ela brilha diante dos olhos da nossa fé «como sinal de esperança segura e de consolação, até que chegue o dia do Senhor» (Const. Lumen Gentium LG 68). Peregrinos neste «vale de lágrimas», suspiramos por Ela: «E depois deste desterro nos mostrai Jesus, bendito fruto do vosso ventre, ó clemente, ó piedosa, ó doce Virgem Maria»!



Homilias JOÃO PAULO II 282