Homilias JOÃO PAULO II 291


VISITA À PARÓQUIA ROMANA

DE SÃO SILVESTRE E SÃO MARTINO «AI MONTI»


Domingo, 17 de Fevereiro de 1980




Caríssimos Irmãos e Irmãs em Cristo!

Dirijo, em primeiro lugar, uma viva e cordial saudação a todos vós que viestes hoje, em grande número, a este encontro com o Bispo de Roma. Quero dizer-vos, desde já, quanto me é querida a vossa presença, que é, por certo, sinal da vossa fé cristã e da vossa comunhão eclesial com o vosso Bispo, o Papa, que é também Bispo da Igreja Universal.

292 Saúdo, em particular, o Cardeal Vigário Ugo Poletti e o Bispo Auxiliar da Zona, D. Plínio Pascoli, que contribuíram eficazmente para a preparação desta visita. A minha saudação estende-se, depois, ao benemérito Pároco, Padre Enrico Pinci, e à sua Comunidade Carmelita, que tanto trabalha por esta Paróquia. Saúdo ainda os Institutos Religiosos aqui representados, as várias Associações Católicas, o Conselho Pastoral e o Grupo de Catequistas.

Sei que existe em São Martinho "ai Monti" um grande dinamismo de vida paroquial, pelo que se rende homenagem aos seus vários e cuidadosos responsáveis. Claro que também aqui existem problemas: por exemplo, como superar algumas componentes de indiferença, como aproximar os chamados "afastados", a maior aproximação dos jovens, a promoção de iniciativas culturais mais continuadas, a participação na vida pública com um específico contributo cristão,. a tradução da própria fé num cristianismo cada vez mais concreto e vivido. Mas estou certo de que, com a graça de Deus e com o empenho de todos, se poderão superar todas as dificuldades de tal modo que produzam frutos cada vez mais abundantes e dignos dos discípulos de Cristo.

2. Na liturgia da palavra de hoje, fere-nos, sobretudo, a comparação do homem justo com a árvore: Ele é como a árvore plantada na margem das águas correntes: dá fruto a seu tempo e não murcharão as folhas (
Ps 1,3). Assim diz o salmista. E o profeta Jeremias, que usa a mesma comparação, acrescenta que essa árvore não tem nada a temer quando vem o calor, e as folhas mantêm-se-lhe verdes; no ano da estiagem não se inquieta, nem deixa de produzir os seus frutos Jer 17, 8).

O homem é comparado a uma árvore. E está certo. Também o homem cresce, desenvolve-se, conserva a saúde e as forças, ou então perde-as. Todavia, a comparação da Sagrada Escritura refere-se ao homem, sobretudo em sentido espiritual. Fala, com efeito, dos frutos espirituais das suas obras, que se manifestam no facto de tal homem não seguir o conselho dos ímpios e não entrar pelo caminho dos pecadores (Ps 1,1). Pelo contrário, a fonte da sua conduta isto é, destes bons frutos do homem — está no facto de ele se alegrar na Lei de Deus e de a meditar noite e dia (Ps 1,2).

Por seu lado, o profeta sublinha que esse homem confia no Senhor e põe no Senhor a sua esperança (Jr 17,7). O homem que assim vive, que se comporta deste modo, é chamado feliz pela Sagrada Escritura. Em oposição a ele existe o homem pecador, que o profeta Jeremias compara a um arbusto na aridez da planície (Jr 17,6), e o salmista equipara à palha arrebatada pelo vento (Ps 1,4). Se o primeiro merece ser abençoado, o outro é apelidado pelo profeta de maldito (Jr 17,5), pois confia apenas no homem (Jr 17,5), em si próprio, e toma por apoio um ser de carne e afasta do Senhor o coração (Jr 17,5).

3. A Liturgia da Palavra de hoje transmite-nos, assim, uma mensagem clara. Ela dirige-se ao homem. Julga a sua conduta. Submete a uma avaliação crítica a sua concepção do mundo. Toca, inclusivamente, os fundamentos daquilo em que a vida humana atinge o seu sentido integral. De facto, a integridade da vida humana é o caminho a seguir (esta comparação, como vemos, é muito antiga e permanece sempre actual e viva); a vida humana é um caminho a percorrer.

Deus protege a vida dos justos, mas o fim dos ímpios é a perdição (Ps 1,6).

Esta visão de conjunto dos problemas humanos, da totalidade da vida, é apenas de ontem? Não se podem aplicar estas comparações e estes juízos de valor aos homens do nosso tempo? Não se referem eles também a nós? A cada um de nós? Não se poderá repetir ao homem da nossa época — época de materialismo teórico e prático — que ele põe a sua força na "carne", isto é, em si mesmo e na matéria, e que mede o sentido da vida sobretudo pelos valores materiais? De facto, está orientado para "possuir" e para "ter", de tal modo que se esquece, com frequência, daquilo que é mais importante em tudo isto: daquilo graças a que o homem é homem, de forma a fazê-lo crescer como uma árvore que produz frutos apropriados.

4. O homem deve crescer espiritualmente, amadurecendo para a eternidade. Também isto nos ensina a Palavra de Deus da Liturgia de hoje.

Alegrai-vos e exultai nesse dia, pois é grande no Céu a vossa recompensa (Lc 6,23): assim nos recorda a aclamação ao Evangelho, ligada a um alegre "Alleluia", que desaparecerá na liturgia dos próximos domingos, porque entraremos então no período da Quaresma.

Para amadurecer espiritualmente até à eternidade, o homem não pode crescer apenas sobre o terreno do temporal. Não pode põr a sua esperança na carne, isto é, em si mesmo e na matéria. O homem não pode construir apenas sobre si e "confiar" só no homem. Ele deve crescer num terreno diferente do da transitoriedade e da caducidade deste mundo temporal. Foi o terreno da vida nova, da eternidade e da imortalidade que Deus colocou no homem, criando-o à Sua imagem e semelhança.

293 Este terreno da nova vida revelou-se plenamente na ressurreição de Cristo, como nos recorda São Paulo, na Liturgia de hoje, na leitura da primeira Carta aos Corintios. Nós crescemos e amadurecemos espiritualmente (e também corporalmente), tendendo, com toda a nossa humanidade, para a vida eterna; de facto, "Cristo ressuscitou dos mortos, surgiu de entre os que morreram como os primeiros frutos da seara": por isso a ressurreição de Cristo confere à vida de todos um dinamismo de crescimento bom que, mesmo antes da Quaresma, a liturgia nos recorde as verdades fundamentais da nossa fé e da nossa vida; indica-nos já, deste modo, aquilo para que nos prepararão, no recolhimento espiritual, os próximos domingos e semanas.

Que significa acreditar em Cristo? Que significa acreditar na ressurreição? Significa precisamente (como diz Jeremias) confiar no Senhor, pôr a esperança apenas n'Ele, uma esperança tal que não é possível colocá-la no homem, porque nos ensina a experiência que o homem está sujeito à morte.

Que significa acreditar em Cristo e acreditar na Ressurreição? Significa também alegrarmo-nos com a lei do Senhor, vivermos segundo os mandamentos e indicações que Deus nos deu através de Cristo. Seremos, então, como a árvore que, plantada na margem das águas correntes e fertilizada por elas, dá fruto: fruto bom, fruto de vida eterna.

A Ressurreição de Cristo tornou-se a fonte da água vivificante do Baptismo, de onde deve brotar toda a vida de um cristão que cresce para a vida eterna e para Deus.

5. Como estamos a ver, o conteúdo da Liturgia de hoje é bastante rico e faz-nos pensar muito. O homem está colocado entre o bem e o mal, e é nesta luta que cresce e se desenvolve espiritualmente. Cresce como uma árvore, e, ao mesmo tempo, de modo bem diferente dela. O seu crescimento e o seu desenvolvimento espiritual dependem das suas decisões e das suas opções. Dependem da vontade livre, do estado da sua consciência, da sua concepção do mundo, da escala de valores que guia a sua vida e o seu comportamento.

Por isso também nós, que acreditamos em Cristo e pertencemos à sua Igreja, devemos perguntar sempre a nós mesmos: os valores que nos guiam estão, de verdade, em conformidade com a nossa fé? não será que a concepção do mundo, que aceitamos cada dia, está apenas construída sobre a "carne", sobre o temporal? o nosso comportamento corresponde à verdade que professamos? não é conformista? nem hipócrita?

Também Cristo Senhor, no Evangelho de hoje, faz esta contraposição. Por um lado proclama as Bem-aventuranças, e por outro pronuncia as "maldições". De que lado nos encontramos nós? Interessamo-nos por que nos pertença o Reino de Deus (Cfr. Lc
Lc 6,20), ou queremos ter, já nesta vida, toda a consolação (Cfr. Lc Lc 6,24)? Por acaso, não desejaremos apenas isso?

6. Sejam dadas acções de graças a Deus por esta visita. Caros Irmãos e Irmãs, Paroquianos de São Martinho "ai Monti", que Deus vos pague a todos. Faremos juntos todo o possível para nos não afastarmos de Cristo, para n'Ele consolidarmos a nossa vida. O tempo da Quaresma ajudar-nos-á, de novo, neste propósito. Os recursos da graça e do amor de Nosso Senhor são abundantes. São eles que fazem com que possamos crescer como a árvore que dá fruto. Estendamos a mão a esses recursos com a nossa fé e com a nossa confiança em Cristo Jesus.





NA QUARTA-FEIRA DE CINZAS


20 de Fevereiro de 1980




1. Convertei-vos a mim de todo o coração (Cfr. Dt Dt 30,10).

Com esta invocação começa hoje a Quaresma. Convertei-vos! Coloquemo-nos, portanto, diante de Deus — cada um e todos — com este grito que, há 2 mil anos, pronunciou o Salmista, rei e também pecador:

294 Tende piedade de mim, Senhor, segundo a Vossa misericórdia, e, segundo a Vossa grande clemência, apagai a minha iniquidade. Lavai-me totalmente da minha falta, e purificai-me do meu pecado. Reconheço a minha iniquidade, o meu pecado está sempre diante de mim. Pequei só contra Vós, fiz o que é mau diante dos Vossos olhos... O Deus, criai em mim um coração puro, e renovai em mim o espírito de firmeza. Não me rejeiteis da Vossa presença, nem me priveis do Vosso santo espírito. Restitui-me a alegria da Vossa salvação... (Ps 50 Ps 51), 3-6, 12-14a).

Passaram-se tantas gerações e, contudo, estas palavras não perderam nada da sua autenticidade e força.

O homem, que se esforça por viver na verdade, aceita-as como suas. Pronuncia-as como se fossem suas.

O homem, que não é capaz de se identificar com a verdade destas palavras, é um infeliz. Se não perscruta a sua consciência à luz destas palavras — elas julgam-no por si. Sem ele.

A conversão a Deus é o eterno caminho da libertação do homem. É o caminho do reencontro de si mesmo na plena verdade da própria vida e das suas obras.

«Restituí-me a alegria da vossa salvação».

2. O primeiro dia da Quaresma indica o caminho desta conversão na sua mais plena dimensão. Antes de tudo, portanto, este é a volta ao princípio. A Igreja convida cada um de nós a colocar-se hoje diante da liturgia, que remonta aos alvores mesmos da história do homem: Lembra-te que és pó e em pó te hás-de tornar (3Gén 3, 19).

São as palavras do Livro do Génesis; nelas encontramos a mais simples expressão daquela «liturgia da morte», da qual o homem se tornou participante em consequência do pecado. A Árvore da Vida ficou fora do seu alcance, quando contra a vontade de Deus ele se propôs assimilar a realidade desconhecida do bem e do mal, a fim de se tornar, à imitação do Anjo decaído, como Deus, conhecendo o bem e o mal (Gn 3,5).

E então, o homem ouviu estas palavras que traçaram o seu destino sobre a terra: ... Comerás o pão com o suor do teu rosto; até que voltes à terra da qual foste tirado; és pó e em pó te hás-de tornar (3Gên 3, 19).

Para começar a Quaresma, para converter-se a Deus de modo essencial e radical — é necessário voltar àquele «princípio»: ao início do pecado humano e da morte, que dele tem origem.

E preciso reencontrar a consciência do pecado, que se tornou o início de todo o pecado sobre a terra; que se tornou o duradouro fundamento e a fonte da pecabilidade do homem.

295 Aquele pecado original, de facto, continua em todo o género humano. Ele é em nós a herança do primeiro Adão. E embora cancelado pelo Baptismo por obra de Cristo, último Adão (1Co 5,20-21), ele deixa os seus efeitos em cada um de nós.

Converter-se a Deus da maneira como a Igreja deseja neste período dos 40 dias da Quaresma significa descer às raízes da árvore que, como diz o Senhor, não produz bons frutos (Mt 3,10). Não há outro modo para curar o homem.

3. Hoje a «liturgia da morte», que se exprime no rito da imposição das cinzas, une, num certo sentido, este primeiro dia da Quaresma ao último dia, o da sexta-feira Santa, o dia da Morte de Cristo na cruz. Precisamente, então, completam-se as palavras que o Apóstolo proclama na segunda leitura de hoje, quando diz: Em nome de Cristo vos rogamos que vos reconcilieis com Deus! Aquele que não havia conhecido pecado, Deus O fez pecado por vós, para que nós nos tornássemos justiça de Deus (2Co 5,20-21).

E difícil exprimir melhor tudo isto que esconde em si a realidade da «conversão», da reconciliação com Deus.

Para «realizar» plenamente esta «realidade», é necessário viver no espírito de São Paulo, no espírito da Igreja, todo este período de quarenta dias desde as Cinzas até Sexta-Feira Santa — para se chegar ao término destes dias, com a definitiva resposta de Deus mesmo, do Deus de Amor, na «liturgia da Ressurreição», na liturgia da Páscoa, isto é, da Passagem: da passagem à Vida mediante a Ressurreição. Não se pode entrar de outro modo nesta suprema realidade da Revelação da fé, a não ser percorrendo todo o caminho, que hoje se inicia.

Assim como uma vez os catecúmenos faziam, preparando-se para o Baptismo, que imerge na morte de Cristo (Cfr. Rom Rm 6,3), para serem introduzidos na participação da sua Ressurreição e da sua Vida. Assim também, para nos convertermos à maneira que a Igreja espera de nós durante o tempo quaresmal, devemos hoje voltar ao «princípio»: àquele «és pó e em pó te hás-de tornar» — para nos encontrarmos no «novo Início» da Ressurreição de Cristo e da Graça.

O caminho, portanto, passa pela Sexta-Feira Santa. Passa através da Cruz.Não há outro caminho para a plena «conversão». Sobre esta via, única, espera-nos Aquele que o Pai, por amor, O fez pecado por nós (2Co 5,21) embora não conhecesse pecado para que n'Ele nos tornássemos justiça de Deus (2Co 5,21).

Aceitemos a via de tal conversão e reconciliação com Deus!

4. A liturgia de hoje convida-nos a «colaborar» de modo particular, neste período de quarenta dias, com Cristo mediante a oração, a esmola e o jejum.

O mesmo Senhor Jesus ensina-nos com as palavras do Evangelho de São Mateus com as palavras do Sermão da Montanha — como devemos fazer isto.

Então, façamo-lo!

296 E ao mesmo tempo que assim fizermos, lembremo-nos de pedir com o Salmista: Criai em mim, ó Deus, um coração puro, renovai em mim o espírito de firmeza (Ps 50,12).



VISITA DO SANTO PADRE AO PONTIFÍCIO

COLÉGIO NORTE-AMERICANO DE ROMA


Sexta-feira, 22 de Fevereiro de 1980




1. Tu és o Cristo, respondeu Simão Pedro, o Filho de Deus vivo (Mt 16,16).

Estas palavras de fé pessoal e divina inspiração marcam o princípio da missão de Pedro na história do povo de Deus. E marcam também o princípio de nova era na história da salvação. Desde que estas palavras foram pronunciadas em Cesareia de Filipe, a história do Povo de Deus ficou unida ao homem que as pronunciou: Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja (Mt 16,16).

Têm estas palavras especial significado para mim. Exprimem o mais íntimo da minha missão como Sucessor de Pedro em fins do século XX. Jesus Cristo é o centro do universo e da história. Só Ele é o Redentor de cada ser humano. Na imperscrutável providência de Deus fui eu, escolhido para continuar a missão de Pedro e repetir com semelhante convicção: "Tu és o Cristo — o Messias o Filho de Deus vivo". Nada na minha vida e no meu ministério pode antepor-se a esta missão: proclamar Cristo a todas as nações, falar da Sua maravilhosa bondade, mostrar o Seu poder salvador e garantir, a cada homem e cada mulher, que todo o que tem fé em Cristo não perecerá mas terá a vida eterna (Cfr. Jo Jn 3,16).

Meus irmãos e filhos em Cristo, as palavras de Pedro em Cesareia de Filipe têm ainda especial significado para vós. A vossa vida deve estar também enraizada em Cristo e edificada n'Ele (Cfr. Col Col 2,7). Porque é por causa de Cristo, por conta de Cristo e para Cristo, que desejais servir o Povo de Deus como sacerdotes. Assim o vosso conhecimento de Cristo e o vosso amor a Ele deve continuamente crescer e aprofundar-se. Vós tereis de ser homens de fé robusta, que — por meio da Eucaristia, da liturgia das horas e da oração pessoal diária — mantenhais intensa amizade com Jesus, com Jesus que disse aos discípulos: Já não vos chamo servos... É irmãos que vos chamo (Jn 15,15). E assim, em todos os tempos e lugares, os vossos primeiros pensamentos devem encaminhar-se para Ele que é Cristo, o Messias, o Filho de Deus vivo.

2. A festa da Cadeira de São Pedro é também, por feliz coincidência, o dia do nascimento de George Washington, vosso primeiro Presidente. Em certo sentido, estas duas datas indicam o motivo da minha vinda aqui no dia de hoje. Tem sido desejo meu, como Bispo de Roma, visitar os vários Colégios da Cidade; mas vim ao Colégio da América do Norte, em especial como prolongação da minha recente visita aos Estados Unidos. Esta tarde representais para mim a Igreja dos Estados Unidos: vós os meus irmãos Bispos e vós que formais a comunidade conhecida em Roma como Colégio da América do Norte, na colina do Janículo e na "Via dell'Umiltà". Em todos vós e por meio de vós, saúdo eu uma vez mais o povo da América.

Nesta ocasião gostaria de falar a respeito do que julgo serem elementos importantíssimos da preparação sacerdotal, e repetir vários pontos a este propósito que sublinhei durante a minha visita ao vosso país.

3. A prioridade absoluta na vida seminarística pertence à palavra de Deus. A palavra de Deus é o centro de todo o estudo teológico; é o principal instrumento para comunicar a doutrina cristã e é a principal fonte de vida espiritual (Cfr. Const. Apost, Missale Romanum, 3.4.1969). Falando a seminaristas na América, eu disse: "A formação intelectual do sacerdote, tão necessária nos tempos em que vivemos, compreende diversas ciências humanas e várias ciências sagradas. Todas elas têm lugar importante na vossa preparação para o sacerdócio. Mas a prioridade absoluta para os seminários de hoje é o ensino da palavra de Deus em toda a sua pureza e integridade, com todas as suas exigências e todo o seu vigor" (Discurso no Seminário de São Carlos, Filadélfia; ver este nosso jornal, 21.10.1979, p. 9).

Espero que, reverenciando a palavra de Deus, vós sejais como Maria como Maria cuja resposta à palavra de Deus foi "Fiat": Faça-se em mim segundo a tua palavra (Lc 1,38); como Maria que acreditou teriam cumprimento as coisas que lhe foram ditas da parte do Senhor (Lc 1,45); como Maria que conservou as coisas que foram ditas do seu Filho e as ponderava no coração (Cfr. Lc Lc 2,19). Conservai sempre a palavra de Deus e ponderai-a cada dia no vosso coração, de maneira que toda a vossa vida se torne proclamação de Cristo, a Palavra feita carne (Cfr. Jo Jn 1,14).

4. A proclamação da palavra de Deus atinge o auge na celebração da Eucaristia. Na verdade, todos os vossos esforços pessoais e todas as actividades da comunidade do seminário estão ligadas com o Sacrifício Eucarístico e dirigidas para ele: "Com efeito, na Santíssima Eucaristia está contido todo o tesouro espiritual da Igreja, isto é, o próprio Cristo, a nossa Páscoa e o pão vivo" (Presbyterorum Ordinis PO 5). Insisto portanto vigorosamente convosco a que façais da Missa o centro real da vossa vida de cada dia, e recomendo que dediqueis com regularidade tempo à oração diante do ' Santíssimo Sacramento, adorando, nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.

297 5. A vida do seminário deveria também caracterizar-se pela atmosfera de recolhimento, que torna cada um de vós capaz de adquirir, para toda a vida, hábitos de estudo e oração, e capaz de fomentar interiormente atitudes de sacrifício próprio, generosidade e alegre obediência — atitudes que tão necessárias são num sacerdote. Porque um padre é verdadeiramente chamado a revestir o espírito e o coração de Cristo (Cfr. Flp 2, 5), a imitar o Filho que aprendeu a obediência sofrendo (He 5,8) e a dizer com Jesus: não busco a Minha vontade, mas a vontade d'Aquele que Me enviou (Jn 5,30). A perfeita disciplina no seminário, quando é convenientemente praticada, cria essa atmosfera de recolhimento que ajuda a que vos prepareis para uma vida de conversão contínua e generoso serviço. Em particular, ela ajudar-vos-á, como eu disse em Filadélfia, "a confirmar dia após dia nos vossos corações a obediência que deveis a Cristo e à sua Igreja".

6. Faz hoje dez anos que o meu amado predecessor Paulo VI visitou o Colégio Norte-Americano. Nessa ocasião falou do valor especial de realizar aqui em Roma a preparação para o sacerdócio. "Estardes aqui em Roma", disse ele, "não é nem coisa acessória nem destituída de importância. Não é pura coincidência... É coisa deliberadamente querida para a vossa formação espiritual; para a vossa preparação para o ministério sacerdotal; para um serviço, ainda por começar, à Igreja e aos vossos concidadãos".

Se vós algumas vezes vos admirais de os Bispos americanos terem construído e manterem este Colégio em Roma, ou de os fiéis católicos dos Estados Unidos terem dado por mais de um século o contributo financeiro e se terem sacrificado a si mesmos para fornecer a vós e a muitos outros a oportunidade de preparação para o sacerdócio em Roma, a resposta encontra-se nas palavras de Pedro em Cesareia de Filipe; está relacionada com o mistério da missão de Cristo na Igreja universal. Aqui em Roma a universalidade e a rica diversidade da Igreja vêem-se mais claramente que em qualquer outra parte; aqui a tradição apostólica da Igreja, como realidade viva e não unicamente como relíquia do passado, torna-se parte consciente da vossa visão de fé; e aqui em Roma encontrais o Sucessor de Pedro ao esforçar-se por mostrar fidelidade a Cristo confirmando todos os irmãos na fé.

7. Desejo aproveitar esta ocasião, também para enviar uma especial saudação ao Cardeal Baum, recentemente chegado a Roma para tomar a pesada tarefa de dirigir a Sagrada Congregação para a Educação Católica. Entre as suas muitas responsabilidades há-de estar promover a renovação autêntica da vida seminaristica em Roma e no mundo inteiro. Nenhuma responsabilidade sua será de maior importância. Em pleno acordo com esta convicção se encontram as seguintes palavras que escrevi aos Bispos na minha Carta de Quinta-feira Santa do ano passado: "A plena reconstituição da vida dos seminários na Igreja será a melhor prova da consecução do renovamento para o qual a Igreja foi dirigida pelo Concílio".

8. Caros irmãos e filhos em Cristo, tendes lugar especial nos meus pensamentos e nas minhas orações, e olho para vós confiadamente. Porque vejo a vossa juventude e a vossa sinceridade, a vossa fortaleza e o vosso desejo de servir. Vejo a vossa alegria e o vosso amor a Cristo e ao Seu povo. Tudo isto me faz esperar que a renovação autêntica, da Igreja, começada pelo Concílio Vaticano II, será verdadeiramente levada a termo. Sim, as vossas vidas encerram grande promessa para o futuro da Igreja, para o futuro da evangelização do mundo, contanto que permaneçais fiéis à palavra de Deus, fiéis à Eucaristia, fiéis à oração e ao estudo, fiéis ao Senhor, que principiou esta boa obra em vós, e a levará a bom termo (Cfr. Flp 1, 6).

Caros irmãos e filhos: louvemos juntos o Seu nome e proclamemos por palavras e obras — hoje e sempre — que Jesus é o Cristo, Filho de Deus vivo.



SANTA MISSA DE SUFRÁGIO POR VITTORIO BACHELET


Sábado, 23 de Fevereiro de 1980




1. Todos nós sentimos, hoje, a necessidade deste encontro, que é encontro na presença de Cristo com o nosso querido Irmão, cuja separação — humanamente tão trágica e cruel — apresenta uma eloquência particular e insólita. A eloquência desta morte consiste no testemunho. Aquele que já morreu pode ainda dar testemunho? Dá-o, sim, através daquilo que era, do modo como viveu, da forma como actuou. Dá-o também através dos vivos: através daqueles que faziam parte da sua vida. Através daqueles que deixou órfãos. Através da Família. E ainda através do meio a que partencia. Através de todos nós.

É por esta razão que nos encontramos, hoje, reunidos aqui, todos nós: as diferentes organizações e grupos, a Acção Católica, muitos representantes de Roma e de toda a Itália, para reflectirmos, uma vez ainda, sobre o testemunho que Vittorio Bachelet deu à Igreja e à sociedade, sobre o testemunho que deu à nossa época difícil.

Estamos aqui reunidos para que ele possa dar "uma vez ainda" esse testemunho através de todos nós.

2. Estamos ligados a ele por múltiplos laços. No decorrer destes anos foi ele o Presidente da Acção Católica Italiana, a nível nacional.

298 Encontrei-o pessoalmente depois do Concílio, no primeiro grupo do Conselho dos Leigos. Ali o conheci a ele, bem como à sua Esposa e Filhos.

E agora que, depois desse tempo, celebro esta liturgia fúnebre após a sua morte, sinto, de novo, que se trata de uma pessoa próxima, se bem que não nos tenhamos encontrado depois por uma série de anos.

Muitos são os laços que nos ligam a ele, laços que parecem hoje, em certo sentido, ainda mais fortes. Descobrimos que estes laços que nos ligaram e nos ligam ainda a ele, nos unem, ao mesmo tempo, a Cristo. Reunimo-nos aqui para confessar e manifestar este nosso vínculo em Cristo, que a todos nos une na lembrança do falecido. Por isso, a única forma adequada de expressão é este Sacrifício: a Eucaristia que, em união com Cristo, juntos oferecemos, recolhidos na lembrança do querido e inesquecível Vittorio Bachelet.

Pedimos, uma vez mais, àqueles que, de modo particular, ficaram mais sós: à esposa, Senhora Maria Teresa, e aos filhos, Maria Grazia e Giovanni, que recebam, de nós todos, esta manifestação da nossa participação na sua dor que, de modo tão edificante, têm suportado. Pedimos-lhe que aceitem esta expressão da nossa amizade e do nosso amor para com o seu marido e pai.

3. O Sacrifício.

Todas as vezes que nos reunimos para participar na Eucaristia, sabemos que nos falarão os textos inspirados da Sagrada Escritura, as lições escolhidas do Antigo e do Novo Testamentos; sabemos que os nossos lábios pronunciarão as palavras da oração litúrgica de adoração, de acção de graças, de propiciação e de pedido. Todavia, acima de tudo isto, fala a Cruz invisível do Calvário e o sacrifício oferecido sobre ela. As palavras da transubstanciação referem-se directamente a esse Sacrifício, é não só o evocam na memória, mas repetem-no de novo, de modo incruento, sob as espécies do pão e do vinho:

"... o meu Corpo entregue por vós" / "... o cálice do meu Sangue... derramado por vós e por todos os homens".

Sacrifício.

O sacrifício é Cristo: Aquele que não conhecera o pecado (
2Co 5,21), inocente e puro, o Santo de Deus (Lc 4,34): Cristo — o Cordeiro de Deus.

Cristo tinha consciência de que era necessário o Seu sacrifício para a salvação do mundo:

Convém-vos que eu vá (Jn 16,7), hão-de fazer sofrer o Filho do Homem (Mt 17,12), o Filho do Homem tem de ser entregue nas mãos dos homens, que o matarão, mas ao terceiro dia ressuscitará (Mt 17,22-23), ... o Filho do Homem tem de ser levantado, a fim de que todo aquele que n'Ele crer tenha a vida eterna (Jn 3,14).

299 Estava estabelecido nos desígnios de Deus que o homem não poderia salvar-se de outro modo. Para isso não seria bastante nenhuma outra palavra, nenhum outro acto.

Foi necessária a palavra da Cruz; foi necessária a morte do Inocente, como acto definitivo da Sua missão. Foi necessária para "justificar o homem..." para sacudir o coração e a consciência, para constituir o argumento definitivo na luta entre o bem e o mal que caminha ao longo da história do homem e da história dos Povos...

Foi necessário o sacrifício. A morte do Inocente.

4. Cristo deixou este sacrifício à Igreja como o seu maior bem. Deixou-o na Eucaristia. E não apenas na Eucaristia: deixou-o no testemunho dos seus discípulos e confessores.

Enquanto hoje nos comprimimos idealmente à volta do corpo do nosso Irmão, recordamo-nos de que nos encontramos em Roma que, nos primeiros séculos, foi palco de um contínuo repetir-se de sanguinosas perseguições aos confessores de Cristo.

E começou-se por Pedro.

No momento da prisão de Cristo no Getsémani, Pedro metera a mão à espada. Fora uma reacção natural: Quem quer que seja agredido injustamente tem o direito de defender-se.

E tem o direito de defender, igualmente, um outro inocente. Todavia Cristo disse a Pedro: Mete a tua espada na bainha, pois todos quantos se servirem da espada, à espada morrerão (
Mt 26,52).

E Pedro compreendeu. Compreendeu uma vez por todas. Compreendeu até ao fim da sua vida que nem ele nem os seus irmãos poderiam combater com a espada; porque o reino a que fora chamado deveria conquistar-se com a força do amor e com a força da verdade. Apenas assim. Pedro compreendeu-o. E compreenderam-no todos os que, aqui em Roma, caíram por esse amor e por essa verdade.

Nós sabemos que passamos da morte para a vida porque amamos os irmãos. Aquele que não ama permanece na morte (1Jn 3,14).

É difícil esta vida que passa através da história dos Apóstolos, dos Mártires e dos Confessores. Devem vencer com a verdade e com o amor. Devem vencer com o testemunho e com o sacrifício.

300 Penso, caros Irmãos e Irmãs, que neste momento nos encontramos precisamente sobre a trajectória deste mesmo caminho.

5. "Aquele que não ama permanece na morte".

Consiste nisto a grandeza da vocação do homem, e também a sua tragédia.

Aqueles que amam aceitam a morte como início da vida: da vida nova (Nós sabemos que passamos da morte para a vida [
1Jn 3, 14] ).

É graças a este facto que a Igreja — Corpo de Cristo — cresce na sua forma e dimensão definitivas.

Nisto se desenvolve e cresce simultaneamente tudo o que é digno do homem, tudo o que é justo, que é verdadeiro, que é bom e belo. A vida abrange tudo isto e condu-lo, como uma grande e alta onda, para Deus.

Pelo contrário, a tragédia consiste no facto de se escolher a morte. Escolhe-se a morte de um homem inocente. Escolhe-se a morte de um pai de família, de um estudioso, de um servidor da comunidade nacional, de um guardião da cultura, de um promotor do bem comum.

Porque se escolhe a morte?

Não será que o desígnio que escolhe a morte de homens inocentes dá testemunho a si mesmo de não ter nada a dizer ao homem vivo? De não possuir nenhuma verdade com a qual possa vencer? com a qual possa conquistar os corações e as consciências — e servir o verdadeiro progresso do Homem?

6. Cristo ensinou que é necessário vencer com a verdade e com o amor. Cristo ensinou também que se pode — e, por vezes, se deve — aceitar a morte, que é necessário fazer o sacrifício da vida para dar testemunho da verdade e do amor.

Nisto conhecemos o amor: Ele deu a Sua vida por nós, e nós devemos dar a vida pelos nossos irmãos (1Jn 3,16).

301 Permiti-me, caros Irmãos e Irmãs, e sobretudo vós, caríssimos familiares do inesquecível Prof. Bachelet, consenti-me que eu interprete assim, convosco, esta morte do nosso Irmão.

E assim a ofereço a Cristo. Ao próprio Cristo: como Sacrifício e como Vítima! pedindo que Ele a aceite pela salvação do mundo; para chamar à justa razão as consciências dos homens, para endireitar os caminhos da vida social, para a vitória daquela Verdade e daquele Amor com que se escreve a história do Reino...

Venha o vosso Reino. Assim seja.



VISITA PASTORAL DO SANTO PADRE NA PARÓQUIA ROMANA

DE SÃO ROBERTO BELARMINO


Domingo, 2 de Março de 1980




1. Este é o Meu Filho dilecto, escutai-O (Lc 9,35).

Com estas palavras da liturgia de hoje dirijo a minha saudação a toda a paróquia de São Roberto Belarmino, que me é dado visitar neste dia, segundo Domingo da Quaresma. Venho ter convosco na qualidade de Bispo de Roma, herdada dos Apóstolos São Pedro e São Paulo, e venho dentro do espírito destas palavras que um dia os Apóstolos ouviram no monte da Transfiguração.

A vossa Comunidade paroquial é relativamente recente: a sua constituição data dos princípios da terceira década deste século, quando o Papa Pio XI confiou o cuidado pastoral da mesma aos Padres Jesuítas, que nela distribuíram as riquezas da sua preparação cultural e da sua experiência humana e religiosa. Graças à dedicação deles e à colaboração de muitos leigos generosos, a "consistência" espiritual da Paróquia foi-se reforçando progressivamente; o intenso trabalho de formação pessoal e o empenho na animação dos vários grupos, que formam a Comunidade, levaram à maturação frutos consoladores de vida cristã, que permitem boas esperanças quanto ao futuro, embora se verifiquem transformações sociais profundas, conhecidas pelo Bairro nestes últimos anos.

Consta-me que se procurou enfrentar os problemas criados por certa ' tendência para o isolamento e o individualismo; que houve a preocupacão de dar remédio à acção corrosiva que, no campo dos laços familiares, a vida moderna muitas vezes exerce; que se procurou despertar nos particulares a consciência da dimensão social, característica do homem e do cristão, e excitar neles o empenho de se darem a si mesmos, por meio da inserção responsável na comunidade tanto eclesial como civil.

Ao ter o gosto de reconhecer o caminho percorrido, dirijo a minha saudação afectuosa à família paroquial inteira: ao Senhor Cardeal Vigário, primeiramente, que também aqui é "de casa" como em todas as outras Paróquias da Diocese; ao Excelentíssimo Bispo Auxiliar, Dom Oscar Zanera, a cuja solicitude pastoral está confiada em particular esta zona da Cidade; ao Padre Alberto Parisi, que há 17 anos guia esta Comunidade, e juntamente ao grupo de Padres Jesuítas que o coadjuvam, repartindo com ele esperanças, alegrias e dores.

A minha saudação dirige-se, em seguida, às diversas Associações, mediante as quais o laicado está activamente presente na pastoral da Paróquia, quer sob o aspecto catéquético e formativo, quer sob o caritativo e assistencial.

Vai, em especial, o meu pensamento para os jovens; pela participação numerosa e viva, que tomam na Liturgia e na vida dos grupos, desejo expressar aqui a minha satisfação. Para eles se dirige também a exortação que lhes faço para que se sintam pessoalmente responsáveis pelos da sua idade, que não conheceram ainda a alegria que vem de se descobrir a amizade com Cristo.


Homilias JOÃO PAULO II 291