Homilias JOÃO PAULO II 312

XV CENTENÁRIO DO NASCIMENTO


DE SÃO BENTO E SANTA ESCOLÁSTICA




23 de Março de 1980




I. Glória a Ti, ó Cristo, Verbo de Deus.

Glória a Ti cada dia neste período bem-aventurado que é a Quaresma. Glória a Ti no dia de hoje, dia do Senhor e quinto Domingo deste período.

313 Glória a Ti, Verbo de Deus, que te fizeste carne e te manifestaste com a tua vida e realizaste na terra a tua missão com a Morte e Ressurreição.

Glória a Ti, Verbo de Deus que penetras no íntimo dos corações humanos e lhes mostras o caminho da salvação.

Glória a Ti em todos os lugares da terra.

Glória a Ti nesta península entre os cimos dos Alpes e o Mediterrâneo. Glória a Ti em todos os lugares desta bem-aventurada região; glória a Ti em todas as cidades e aldeias, onde há quase 2.000 anos Te escutam os seus habitantes e caminham à Tua luz.

Glória a Ti, Verbo de Deus, Verbo da Quaresma, que é o tempo da nossa salvação, da misericórdia e da penitência.

Glória a Ti, por causa de um filho ilustre desta Terra.

Glória a Ti, Verbo de Deus, que neste lugar, nesta localidade chamada Núrsia, por um filho desta Terra — conhecido de toda a Igreja e do mundo sob o nome de Bento — foste escutado a primeira vez e foste acolhido como luz da própria vida e também da dos seus irmãos e irmãs.

Verbo de Deus que não passarás nunca; na verdade, passaram já 1.500 anos a contar do nascimento de Bento, Teu confessor e monge, Fundador da Ordem, Patriarca do Ocidente, Patrono da Europa.

Glória a Ti, Verbo de Deus.

2. Permiti, caros Irmãos e Irmãs, que eu insira estas expressões de veneração e agradecimento nas palavras da liturgia quaresmal de hoje. A veneração e o agradecimento são o motivo da nossa presença hoje aqui, da minha peregrinação juntamente convosco ao lugar do nascimento de São Bento, completando-se 1.500 anos a partir da data deste nascimento.

Sabemos que o homem nasce para o mundo graças a seus pais. Confessamos que, uma vez vindo ao mundo de progenitores terrestres, que são o pai e a mãe, ele renasce para a graça do Baptismo mergulhando na morte de Cristo crucificado, para receber a participação daquela Vida, que o próprio Cristo revelou com a sua ressurreição. Mediante a graça recebida no Baptismo, o homem participa no eterno nascimento do Filho originado no Pai, porque se torna filho adoptivo de Deus: filho no Filho.

314 Não se pode deixar de recordar esta verdade humana e cristã acerca do nascimento do homem, hoje, em Núrsia, no lugar do nascimento de São Bento. Ao mesmo tempo pode e deve dizer-se que, juntamente com ele, nascia em certo sentido nova época, nova Itália e nova Europa. O homem vem sempre ao mundo em determinadas condições históricas; também o Filho de Deus se tornou Filho do homem em certo período do tempo e nele deu início aos tempos novos que vieram depois dele. Igualmente em certa época histórica nasceu, em Núrsia, Bento que, graças à fé em Cristo, obteve a justiça que vem de Deus (Flp 3, 9 ), e soube enxertar esta justiça nas almas dos seus contemporâneos e dos vindouros.

3. O ano em que, segundo a tradição, veio à luz Bento, o de 480, segue muito de perto uma data fatídica, ou melhor fatal, para Roma: aludo ao ano de 478 depois de Cristo, em que, ao serem enviadas para Constantinopla as insígnias imperiais, o Império Romano do Ocidente, após longo período de decadência, teve o seu fim oficial. Desabou nesse ano certa estrutura política, isto é, um sistema que tinha, pouco a pouco, condicionado, por quase um milénio, o caminho e o desenvolvimento da civilização humana na área de toda a bacia do Mediterrâneo.

Reflictamos: o próprio Cristo veio ao mundo segundo as coordenadas — tempo, lugar, ambiente, condições políticas, etc. — criadas por este mesmo sistema. E também a cristandade — na história gloriosa e dolorosa da «Ecclesia primaeva», tanto na época das perseguições como na da liberdade que veio em seguida — se desenvoveu no quadro do «ordo Romanus», mais, desenvolveu-se em certo sentido, «apesar» de tal ordem, pois a cristandade tinha uma dinâmica sua própria, que a tornava independente de tal ordem e lhe consentia viver uma vida «paralela» ao seu desenvolvimento histórico.

Também o chamado edito de Constantino de 313 não fez que a Igreja ficasse a depender do Império: se lhe reconheceu a justa liberdade «ad extra», depois das sanguinolentas repressões da idade anterior, não foi ele que lhe conferiu aquela igualmente necessária liberdade «ad intra», que, em conformidade com a vontade do seu Fundador, para ela deriva indefectivelmente do impulso de vida a ela comunicadó pelo Espírito. Também depois deste importante acontecimento, que marcou a paz religiosa, o Império romano continuou no seu processo de esfacela-mento: enquanto no Oriente o sistema imperial se pôde reforçar, embora com notáveis transformações, no Ocidente enfraqueceu-se por uma série de causas internas e externas — entre as quais o choque das migrações dos povos e a certo ponto deixou de ter força para sobreviver.

4. Na verdade, quando aqui em Núrsia veio ao mundo São Bento, não só «o mundo antigo se encaminhava para o fim» (Krasinski, Irydion), mas na realidade esse mundo estava já transformado: tinham sucedido os «Christiana Tempora». Roma, que em tempos fora a testemunha principal do poder de tal mundo e a cidade do seu maior esplendor, tinha-se tornado a Roma cristã. Em certo sentido, tinha sido verdadeiramente a cidade com que se tinha identificado o Império. Mas a Roma dos Césares passara. Ficara a Roma dos Apóstolos. A Roma de Pedro e de Paulo, a Roma dos Mártires, cuja memória estava ainda relativamente recente e viva. E, mediante esta memória, era viva a consciência da Igreja e era vivo o sentido da presença de Cristo, a quem tantos homens e tantas mulheres não tinham hesitado em dar testemunho mediante o sacrifício da própria vida.

Eis, pois, que nasce em Núrsia Bento e cresce naquele clima especial, em que o fim da potência terrena, a maior das potências que se tinham manifestado no mundo antigo, fala ao espírito com a linguagem das realidades últimas, enquanto ao mesmo tempo falam Cristo e o Evangelho doutra aspiração, doutra dimensão da vida, doutra justiça, doutro Reino.

Bento de Núrsia cresce nesse clima. Sabe que a verdade plena sobre o significado da vida humana, a expressou São Paulo, quando escreveu na carta aos Filipenses: Esquecendo-me do que fica para trás e avançando para o que está adiante, prossigo em direcção à meta, para obter o prémio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus (Flp 3, 13-14).

Estas palavras tinha-as escrito o Apóstolo das gentes, o fariseu convertido, que dava deste modo testemunho da sua conversão e fé. Estas palavras reveladas contêm também a verdade que volta à Igreja e à humanidade nos diversos períodos da história. Naquele período, quando Cristo chamou Bento de Núrsia, estas palavras anunciavam o início de uma época que seria precisamente a época da grande aspiração «para o alto», no seguimento de Cristo crucificado e ressurgido. Exactamente como escreve São Paulo: assim poderei conhecê-l'O, a Ele, à força da Sua Ressurreição e à comunhão dos Seus sofrimentos, configurando-me à Sua morte, para ver se posso chegar à ressurreição dos mortos (Flp 3, 10-11).

Assim portanto, além do horizonte da morte que sofreu todo o mundo construído sobre a potência temporal de Roma e do Império, levanta-se esta nova aspiração: a aspiração «para o alto», despertada pelo desafio da nova vida, o desafio apresentado ao homem ,por Cristo, juntamente com a esperança da ressurreição futura. O mundo terrestre — o mundo dos poderes e das derrotas do mundo — tornou-se o mundo visitado pelo Filho de Deus, o mundo sustentado pela cruz na prespectiva do futuro definitivo do homem que é a eternidade: o Reino de Deus.

5. Bento foi mais para a sua geração, e ainda mais para as gerações sucessivas, o apóstolo daquele Reino e daquela aspiração. Todavia a mensagem que ele proclamou mediante toda a sua Regra de vida, parecia e parece ainda hoje quotidiana, comum e quase menos «heróica» que a deixada pelos Apóstolos e Mártires sobre as ruínas da Roma antiga.

Na realidade, é a mensagem mesma da vida eterna, revelada aos homens em Cristo Jesus, a mesma, se bem que pronunciada com a linguagem dos tempos agora diversos.A Igreja relê sempre o mesmo Evangelho Verbo de Deus que não passa — no contexto da realidade humana que muda. E Bento soube certamente interpretar com persicácia os sinais dos tempos de então, quando escreveu a sua Regra, na qual a união da oração e do trabalho se tornava, para aqueles que a aceitassem, o princípio da aspiração à eternidade. «Ora et labora» era, para o Grande Fundador do Monaquismo ocidental, a mesma verdade que o Apóstolo proclama na leitura de hoje, quando afirma ter deixado perder tudo por Cristo:

315 Em tudo isto só vejo dano, comparado com o supremo conhecimento de Jesus Cristo, meu, Senhor, Por Ele tudo desprezei e tenho em conta de esterco, a Jim de ganhar Cristo e n'Ele ser achado (Flp 3, 8-9).

Bento, lendo os sinais dos tempos, viu que era necessário realizar o programa radical da santidade evangélica, expresso com as palavras de São Paulo, numa forma ordinária, nas dimensões da vida quotidiana de todos os homens. Era necessário que o heróico se tornasse normal, quotidiano, e que o normal, o quotidiano, se tornasse heróico.

Deste modo ele, pai dos monges, legislador da vida monástica no Ocidente, tornou-se também indirectamente o pioneiro de nova civilização. Onde quer que o trabalho humano condicionava o desenvolvimento da cultura, da economia e da vida social, aí chegava o programa beneditino da evangelização, que unia o trabalho à oração e a oração ao trabalho.

É necessário admirar a simplicidade de tal programa, e ao mesmo tempo a sua universalidade. Pode-se dizer que esse programa contribuiu para a cristianização dos novos povos do Continente europeu e ao mesmo tempo figurou também na base da história nacional dos mesmos, história que dura há mais de um milénio.

Deste modo, São Bento tornou-se, no decorrer dos séculos, o patrono da Europa: muitos anos antes de ser proclamado tal pelo Papa Paulo VI.

6. É Patrono da Europa nesta nossa época. É-o não só em consideração dos seus méritos particulares para com este continente, a sua história e a sua civilização, mas também se consideramos a nova actualidade da sua figura perante a Europa contemporânea.

Pode-se apartar o trabalho da oração e fazer daquele dimensão única da existência humana. A época contemporânea traz consigo essa tendência. Diferença-se dos tempos de Bento de Núrsia, porque então o Ocidente olhava para trás, inspirando-se na grande tradição de Roma e do mundo antigo. Hoje a Europa sofre as consequências da terrível segunda guerra mundial e as consequentes mudanças na carta do globo, que limitaram a dominação do Ocidente sobre outros Continentes. A Europa, em certo sentido, voltou para dentro das suas próprias fronteiras.

Todavia, o que está para trás das nossas costas não é o objecto principal da atenção e da inquietação dos homens e dos povos. Tal objecto principal não deixa de ser o que está para diante de nós.

Para que termo caminha a humanidade inteira, ligada com os múltiplos vínculos dos problemas e das recíprocas dependências, que se estendem a todos os povos e Continentes? para que termo caminha o nosso Continente, e sobre ele todos os povos e tradições que decidem da sua vida e da história de tantos países e tantas Nações?

Para que termo caminha o homem?

As sociedades e os homens no decorrer destes 15 séculos, que nos separam do nascimento de São Bento de Núrsia, tornaram-se os herdeiros ele uma grande civilização; os herdeiros das suas vitórias, mas também das suas derrotas; das suas luzes, mas também das suas trevas.

316 Tem-se a impressão de a economia dominar a moral, de a temporalidade dominar a espiritualidade.

Por um lado, a orientação quase exclusiva para o consumismo dos bens materiais tira à vida humana o sentido que lhe é mais profundo. Por outro lado, o trabalho está-se tornando em muitos casos constrangimento alienante para o homem, submetido aos colectivismos, e aparta-se, quase por força, da oração, tirando à vida humana a sua dimensão ultratemporal.

Entre as consequências negativas de semelhante insensibilização, perante os valores transcendentes, uma há que hoje preocupa de modo especial: consiste no clima cada vez mais generalizado de tensão social, que tão frequentemente degenera em episódios absurdos de feroz violência terrorista. A opinião pública está profundamente agitada e perturbada. Só a recuperada consciência da dimensão transcendente do destino humano poderá conciliar o esforço pela justiça com o respeito da sacralidade de qualquer vida humana inocente. Para isso, a Igreja italiana recolhe-se hoje em oração especial e bem sentida.

Não se pode viver para o futuro sem reconhecer que o sentido da vida é maior que a temporalidade, que ele está acima desta. Se as sociedades e os homens do nosso Continente perderem o interesse por este sentido, devem reencontrá-lo. Podem, com este intento, andar para trás 15 séculos? Para os tempos em que nasceu São Bento de Núrsia?

Não, voltar para trás não podem. O sentido da vida devem encontrá-lo no contexto dos nossos tempos. Não é possível de outra maneira. Não devem nem podem voltar para trás, aos tempos de Bento, mas devem reencontrar o sentido da existência humana no exemplo de Bento. Só então viverão para o futuro. Trabalharão para o futuro. E morrerão na perspectiva da eternidade.

Se o meu Predecessor Paulo VI chamou de Núrsia São Bento para ser o Patrono da Europa, é porque ele poderá contribuir para o objectivo proposto à Igreja e às nações da Europa. Faço sinceros votos para que esta peregrinação, ao lugar do seu nascimento, possa servir tal causa.



CELEBRAÇÃO LITÚRGICA EM RITO BIZANTINO-UCRANIANO


POR OCASIÃO DO SÍNODO UCRANIANO




24 de Março de 1980




É com grande alegria que — no acto supremo da comunhão com Cristo, que na Eucaristia constitui a unidade na caridade, no Sacramento (quo unitas Ecclesiae et significatur et efficitur» (Decreto Ecumênico Unitatis Redintegratio UR 2) — dirijo a saudação mais afectuosa a vós todos que, com o nosso venerado irmão o Cardeal Josyf Slipyj, Arcebispo-Mor de Lviv, viestes de diversas partes do mundo, por onde se encontram dispersos os vossos fiéis, para a celebração deste Sínodo.

A vossa proveniência originária não pode deixar de recordar ao meu espírito a particular vizinhança entre o vosso glorioso povo e o meu povo de origem. Como não pode deixar de levar-me a congratular-me com que os vossos fiéis tenham sido julgados dignos «pro nomine lesu contumeliam pati» (Ac 5,41) precisamente por motivo da vossa fidelidade a Jesus Cristo, à Igreja e a esta Sé de Pedro.

1. E foi precisamente para esta Sé de Pedro que dirigistes o espírito e o coração cheios de confiança, quando fostes convocados para este vosso Sínodo, que eu quis celebrar convosco. Podeis estar seguros que o humilde sucessor de Pedro, em todas as ocasiões como neste encontro fraterno de alegria, tem apenas um desejo único, o de ser, como disse o Vaticano II, «unitatis, turn Episcoporum turn fidelium multitudinis, perpetuum et visibile principium et fundamentum» (Lumen gentium LG 23). O meu empenho mais sagrado corresponde àquilo que a Lumen gentium afirma ser a função da Petri cathedra: «universo caritatis coetui praesidet, legitimas varietates tuetur et simul invigilat ut particularia, nedum unitati noceant, ei potius inserviant» (Lumen gentium LG 23).

Esta unidade, testamento de amor e voto supremo de Cristo na Sua grande oração sacerdotal (Cf. Jo Jn 17,11 Jo Jn 17,21 Jo Jn 17,23), constitui certamente a ansiedade mais profunda dos nossos espíritos quando se detêm a considerar o mistério da Igreja no mundo. Trata-se de uma ansiedade que, se é profundo sofrimento ao contemplar-se a divisão na veste inconsútil do Corpo de Cristo, se torna ao mesmo tempo oração incessante que se une à invocação de Cristo pela unidade, como se converte em acção prudente e corajosa para que, no respeito pleno da liberdade opcional de cada homem, se possa recompor na Igreja a «unitatem spiritus in vinculo pacis», como é própria daqueles que são chamados à grande e única esperança que é Cristo Jesus.

317 É a unidade que reflecte o mistério daquela vida pela qual em Cristo somos nós todos «unum corpus et unus Spiritus», na realidade do «unus Dominus, una fides, unum baptisma, unus Deus et Pater omnium qui est super omnia et in omnibus» (Cfr. Ef Ep 4,3-6). A múltipla diversidade dos ministérios, expressa também na pluralidade dos dons, orienta-se «in aedificationem Corporis Christi, donec occurramus omnes in unitatem fidei» (Cfr. Ef Ep 4,13).

Este occurrere faz parte do nosso humilde serviço. Como Pastores do rebanho de Deus, todos estamos empenhados em fazer tudo o que de nós dependa para a caridade realizar em Cristo a unidade da Sua Igreja. É o grande ideal que deve tornar-nos despertos, atentos, industriosos e corajosos, para se verificar tudo o que Jesus, Pastor supremo, invocou: out omnes unum sinto. Este nosso Sínodo a que tende, fundamentalmente, senão a isto?

2. O «Mysterium fidei», que celebramos à volta do altar, manifesta e realiza, de maneira especialissima, esta unidade que invocamos com Cristo e pela qual trabalhamos.

Sem dúvida, «sacramento panis eucharistici, repraesentatur et efficitur unitas fidelium, qui unum corpus in Christo constituunt» (Lumen gentium LG 3 e 3 cf. tbém LG 11). Tal unidade admirável não aparece simplesmente no laço material que une os fiéis à mesa única, mas na comunhão profunda com Cristo «nossa Páscoa» (1Co 5,7)). Jesus Cristo, redentor do homem, é o princípio da unidade nova de todos os homens. «Agora nós, que outrora estávamos longe, pelo sangue de Cristo aproximámo-nos» (Cfr. Ef Ep 2,13). E é exactamente o «memorial» do Senhor por excelência, a Eucaristia, que actualiza o mistério de graça, selado fundamentalmente quando Jesus Cristo ofereceu na Cruz a reconciliação já assinada na última ceia.

Aquele que é «pax nostra», quando na morte «tradebatur corpus», oferecido na Ceia aos discípulos, sanciona a unidade que todos os homens são chamados a encontrar n'Ele. Caiu então a parede divisória criada pelo pecado, desapareceu a inimizade, foi estabelecida a paz e a reconciliação, estava constituído o «unus novus homo» (Cfr. Ef Ep 2,14-16). O mistério do corpo imolado, do sangue derramado para a edificação da unidade vive aqui na Eucaristia. Aqui se consuma a «nova e eterna aliança» que renova e confirma a nossa união com Ele. Aqui tal união torna-se perene «transfusão» de vida que realiza o maior ideal cristão, o de viver para Deus: qui manducat me, et ipse viver propter me (Jn 6,58).

E viver para Cristo é viver para Deus; é tender para a glória do Pai; é realizar com o Pai a perene comunhão orante que secunda a moção íntima do Espírito que eleva até Ele (Cfr. Rm Rm 8,15 Ga 4,6); é tornar nosso alimento a vontade do Pai, no cumprimento fiel da obra que ele nos confiou (Cfr. Jo Jn 4,34); é ser perfeito como é perfeito o Pai no dom do amor misericordioso e generoso a todos os irmãos (Cfr. Mt Mt 5,43-58). Assim a vida divina, através da Eucaristia, «totius vitae christianae fons et culmen» (Lumen gentium LG 11), atinge no homem a plenitude. A plenitude da comunhão com o Pai no Espírito por meio de Cristo sacerdote e vítima, pão de vida, plenitude que se efunde em doação de caridade, comunhão de graça e realidade de «comunicação» entre os irmãos.

A verdadeira e profunda unidade entre os homens nasce, de maneira privilegiada, da Eucaristia. Nela o nosso Salvador oferece à Igreja, sua Esposa, o memorial da sua morte e ressurreição como sacramentum pietatis, signum unitatis, vinculum caritatis, segundo as conhecidas palavras de Santo Agostinho, tornadas próprias pela Constituição Sacrosanctum Concilium (S. C., 47). Na Eucaristia, na experiência mais viva de Cristo, que dilexit nos et tradidit semetiksum pro nobis oblationem et hostiam (Ep 5,2), nós aprendemos a ambulare in dilectione (Ep 5,2), ou melhor, somos tornados profundamente idóneos para a vida de Cristo que se torna vida nossa, para imitar a Deus como filii carissimi (Ep 5,1). Na participação da Eucaristia, comendo do único pão e bebendo do único cálix (Cfr. 1Cor 1Co 10,17), realizamos em Cristo a comunhão que nos permite ser «cor unum et anima una» (Cfr. Act Ac 4,32) e ficar disponíveis para amar como amou Cristo (Cfr. Jo Jn 13,34), até estarmos prontos para sofrer e dar a vida pelos irmãos (Cfr. Jo Jn 15,13).

Se atendermos à história da nossa Igreja que para alguns de vós foi realidade vivida, havemos de dizer com fundamento que a força da fé, que se torna amor e doação pelos irmãos até ao martírio, é experiência que nasce da Eucaristia. Nela a vossa Igreja encontrou a fonte do heroísmo; por ela o vosso amor expressou-se na «confessio» que robusteceu a unidade dos pastores e dos fiéis.

3. Quoniam unus panis, unum corpus multi sumus, omnes enim de uno pane participamus (1Co 10,17). Esta unidade estupenda é realizada de maneira notabilíssima nesta celebração, que inaugura a assembleia de graça e de amor, que é o Sínodo da vossa Igreja.

Vós estais aqui unidos com Pedro, «communione fraternae caritatis atque studio permoti universalis missionis Apostolis traditae» (Cristus Dominus, 36). É desta Eucaristia, que estamos a celebrar, que nós recebemos o espírito necessário que, ao mesmo tempo que nos liga em Cristo a Deus no único Amor do Espírito Santo, dilata o nosso coração para sentir profunda e autenticamente o interesse, a solicitude e a doação da caridade apostólica.

O desejo profundo de que o Sínodo se celebrasse ad Petri cathedram não tem outro objectivo que não seja pôr em evidência a «unidade que recebemos dos Apóstolos: a unidade colegial». Ora, como tive de inculcar, na carta que dirigi a todos os Bispos no primeiro domingo da Quaresma deste ano, sobre o mistério e o culto da Eucaristia, «esta unidade nasceu, em certo sentido, na mesa do Pão do Senhor, na Quinta-Feira Santa» (Carta a todos os Bispos, no primeiro Domingo de Quaresma, 1980, P. III). Foi no Cenáculo que os Apóstolos, à mesa do Senhor, receberam o mandato que, mediante a celebração da Eucaristia, assegura a «consumação» da vida de comunhão com Deus e com os irmãos, fixando a unidade de que vive a Igreja e de que ela há-de ser sinal e sacramento no mundo. Como foi no cenáculo, precisamente no banquete da ceia eucarística, que Jesus pediu pela unidade dos «seus», daqueles Apóstolos de cuja graça e de cujo mandato nós levamos o peso e a honra para a salvação do mundo inteiro.

318 Estes dias de graça, que se inauguram na celebração comum da Eucaristia, devem por isso mudar-se numa experiência especial de unidade, concórdia e colaboração. Graças à Eucaristia «unum corpus multi sumus», como eu dizia há pouco com as palavras de São Paulo. Somos o corpo de Cristo! Unidos a toda a Igreja do Senhor Jesus, com o olhar dirigido para Ele — nossa Cabeça, Mestre e Redentor — e juntamente com o coração que palpita com todos os nossos irmãos, especialmente com os fiéis da vossa Igreja, na nossa união profunda devemos crer (Cfr. Jo Jn 17,21). Mas crer em quê? Crer que temos fé em Cristo, crer que somos dominados pelo Seu amor, crer que a nossa adesão ao Evangelho é inabalável, crer que acima de toda a realidade humana estamos convencidos do primado de Deus e da Sua acção, crer enfim que nós amamos verdadeiramente a Deus e, por este amor, amamos o mundo e todos os homens, pelos quais estamos dispostos a oferecer com alegria o nosso ministério pronto, atento, actualizado e completo, se necessário até à morte e morte de cruz.

É quanto ocorre ao nosso espírito no contacto com o ministério eucarístico e experimentando-lhe a graça no princípio deste nosso Sínodo. Recolhidos no Cenáculo, nós não nos sentimos isolados dos irmãos pelos quais estamos aqui unidos. Eles, especialmente nesta celebração eucarística, estão connosco. Connosco e por nós oram, connosco e por nós invocam a plenitude do Espírito Santo, connosco e por nós imploram aquela unidade de espírito no vínculo da paz, que nos ajude a ver as necessidades das suas Igrejas, as necessidades mais instantes, e ao mesmo tempo nos dê a força e a coragem para lhes levarmos o auxílio oportuno. Só assim, este Sínodo, expressão típica da unidade da Igreja, será primavera do Espírito Santo para nós e para a dilecta Igreja Ucraniana aqui, por meio de vós, presente. Séculos de história de lutas e martírios, manifestações de fé e ardor evangélico, zelo pelo anúncio e testemunho que leve ao mundo o Evangelho em comunhão com a Igreja Universal e com Pedro, aqui estão presentes nesta hora de modo extraordinário. Esta experiência — espiritual mas verdadeira, profunda e viva — sustente o nosso trabalho no espírito dos Apóstolos para o bem dos nossos fiéis.

A experiência do Concílio não reflectiria a hora de graça da efusão do Espírito, se não tivesse a graça e a alegria da presença de Maria. Cum Maria, matre Iesu» (Ac 1,14).1ê-se da grande hora do Pentecostes. E é esta hora que nós queremos experimentar e renovar. Por isso, com a riquíssima tradição mariana da vossa Igreja, unimo-nos à Virgem Bendita. Ela, mãe do amor e da unidade, nos una profundamente .para que, como a primeira comunidade nascida do Cenáculo, sejamos «um coração só e uma alma só». Ela, «mater unitatis» — em cujo seio o Filho de Deus se uniu à humanidade, inaugurando misticamente a união esponsal do Senhor com todos os homens — nos ajude a sermos «unum» e a tornarmo-nos instrumentos de unidade entre os nossos fiéis e entre todos os homens.

É a graça que confio, com o voto proveniente do mais fundo do peito, à Virgem da Encarnação. A humilde Escrava do Senhor «apud Filium suum intercedat, donec cunctae familiae populorum... cum pace et concordia in unum Populum Dei feliciter congregentur, ad gloriam Sanctissimae et individuae Trinitatis» (Lumen gentium LG 69). E a Ela «exemplum... materni illius affectus, quo cuncti in missione apostolica Ecclesiae cooperantes ad regenerandos homines animentur oportet» Lumen gentium, 65) — que vos entrego a vós todos, um a um, com as vossas Igrejas e os vossos fiéis, para que da sua contemplação e com a sua ajuda, graças também a este Sínodo — sejamos verdadeiramente os Apóstolos dos tempos novos.

SANTA MISSA PARA OS OPERÁRIOS DOS SERVIÇOS TÉCNICOS

DO GOVERNATORATO DA CIDADE DO VATICANO


Igreja de Santo Estêvão dos Abissínios

Quinta-feira, 27 de Março de 1980




Caríssimos

Participastes nos Exercícios Espirituais, e esta manhã encerraste-los com a Comunhão Pascal, e é-me grato presidir a esta Eucaristia e por vós e convosco oferecer a Santa Missa para manifestar o meu afecto e reconhecimento.

Saudando cordialmente os Dirigentes e todos vós, também vos exprimo o apreço por esta manifestação comunitária de fé e recíproca edificação. Regozijo-me pela vossa participação neste breve período de Exercícios Espirituais, pois especialmente nestes nossos tempos, tem-se sempre mais consciência de quanto é necessário reflectir para manter sólida e convicta a fé cristã em todo o seu conteúdo doutrinal e em todas as suas exigências morais.

De facto, hoje é necessária uma fé esclarecida, profunda, logicamente personalizada, e isto somente é possível mediante a reflexão, para não permitir que ela seja perturbada e arrastada pela impetuosa fúria das opiniões, do costume e da mentalidade corrente.

Não deixai, por isso, de meditar nas verdades supremas, reveladas por Jesus e ensinadas pela Igreja, que de maneira singular e determinante iluminam o nosso destino; empenhai-vos cada vez mais para serdes homens convictos sobre a verdade da fé! Os tempos reclamam isto; o Senhor exige isto de cada um de nós, na sua profissão, no seu trabalho.

319 A esta primeira exortação relativa aos vossos Exercícios Espirituais, ainda acrescento outra, apropriada a esta particular circunstância da vossa Comunhão Pascal.

Sede homens de oração! O cristão, para ser autêntico, deve ser "praticante", o que significa viver na "graça" de Deus, observando todos os Mandamentos, e realizar concreta e continuamente o mandamento da caridade. Só mediante o empenho da oração confiante e contínua, será possível levar uma vida na graça e na caridade. O mundo está em crise também porque não se reza, ou se reza pouco e mal.

A Comunhão Pascal, que esta manhã recebereis das minhas mãos, vos leve a generosamente renovar os propósitos de uma intensa vida interior, sustentada pela oração e, especialmente, pela Eucaristia e pela devoção a Maria Santíssima.

Caríssimos, meditastes nestes dias sobre Jesus Cristo, nossa luz espiritual. Ele revelou-nos qual é o nosso verdadeiro destino, eterno e responsável; remiu-nos com a sua -Paixão e Morte na Cruz, dando-nos a vida sobrenatural; com a sua Presença Eucarística acompanha-nos na nossa viagem terrena, ajudando-nos como amigo divino nas nossas dificuldades e perdoando-nos com a sua infinita Misericórdia.

Pudestes, assim, convencer-vos ainda mais que a única salvação para o homem e para a sociedade de hoje, e de sempre, é Jesus, o Divino Redentor; de facto, Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o Seu Filho único, para que todo o que n'Ele crer tenha a vida eterna (
Jn 3,16).

É impressionante ler no evangelho que, perante a afirmação categórica da sua Divindade, os Judeus apanharam pedras para Lhas atirar (Jn 8,59). Era Jesus, era o Omnipotente, o Salvador, o Messias, o verdadeiro amigo de todos os homens, o Consolador... e queriam apredejá-l'O! E é isto que infelizmente acontece, às vezes, também na nossa época moderna!

E todavia, Ele continua a ser "luz nas trevas", "Pão de Vida", "Redentor do homem", juiz dos tempos; e da criação do Universo, como da história dos homens, emerge de modo estupendo e misterioso que a salvação está unicamente em Cristo, em Cristo Crucificado.

Sede vós, com as vossas famílias, em casa e no trabalho, as testemunhas convictas e corajosas das verdades salvificas, nas quais haveis meditado.

E a alegria pascal, que deriva particularmente do encontro pessoal com Jesus Eucarístico, vos acompanhe sempre! Com o conforto da minha oração e com a minha Bênção cordial.



DOMINGO DE RAMOS




30 de Março de 1980




1. Cristo, juntamente com os discípulos, aproximou-se de Jerusalém. Fá-lo como os outros peregrinos, filhos e filhas de Israel que, nesta semana precedente à Páscoa, vão a Jerusalém. Jesus é um de entre tantos.

320 Este acontecimento, na sua realização exterior, pode, portanto, considerar-se normal. Jesus aproxima-se de Jerusalém, proveniente do Monte chamado das Oliveiras, portanto das localidades de Betfagé e da Betânia. Ali, ordena a dois discípulos que lhe levem um jumentinho. Dá-lhes indicações precisas: onde encontrarão o animal e como hão-de responder àqueles que lhes perguntarem porque o fazem. Os discípulos seguem escrupulosamente as indicações. Aos que perguntam porque soltam o jumento, respondem:

O Senhor tem necessidade dele (
Lc 19,31), e esta resposta é suficiente. O jumento é novo; até então ninguém o tinha montado. Jesus será o primeiro. Assim, montado, no jumentinho, Jesus percorre a última etapa do caminho que leva a Jerusalém. Todavia, a partir de um certo momento, esta viagem, que em si nada tinha de extraordinário, transforma-se numa verdadeira «entrada solene em Jerusalém».

Celebramos hoje a liturgia do Domingo de Ramos que nos recorda e torna presente esta «entrada». Num especial rito litúrgico, repetimos e relatamos tudo o que fizeram e disseram os discípulos de Jesus — tanto os mais próximos como os mais distantes no tempo — sobre aquele caminho, que conduzia desde além do Monte das Oliveiras a Jerusalém. Assim, como eles, temos nas mãos ramos de oliveira e pronunciamos — ou melhor, cantamos — as palavras de veneração, que eles pronunciaram. Estas palavras, segundo a redacção do Evangelho de Lucas, soam assim: Bendito o rei que vem em nome do Senhor. Paz no céu e glória nas alturas (Lc 19,38).

Nestas circunstâncias, o simples facto de Jesus ir a Jerusalém, juntamente com os discípulos, para a iminente solenidade da Páscoa, assume claramente um significado messiânico. Os pormenores que formam a moldura do acontecimento demonstram que nele se cumprem as profecias. Demonstram também que, poucos dias antes da Páscoa, naquele momento da Sua missão pública, Jesus conseguiu convencer muitos homens simples em Israel. Além dos mais próximos, os Doze, já O seguia uma multidão: «Toda a multidão dos seus discípulos», como o diz o evangelista Lucas (Lc 19,37), a qual dava a entender sem equívocos que via n'Ele o Messias.

2. O Domingo de Ramos dá início à Semana Santa da Paixão do Senhor de que já traz em si a dimensão mais profunda. Por este motivo, lemos toda a descrição da paixão do Senhor segundo Lucas.

Jesus, indo naquele momento a Jerusalém, revela-se a si mesmo completamente perante aqueles que preparam o atentado à Sua vida. Revelara-se, de resto, havia já tempo, confirmando com os milagres tudo o que proclamava, e ensinando, como doutrina de Seu Pai, tudo o que ensinava. As leituras litúrgicas das últimas semanas demonstram-no de modo claro: a «entrada solene em Jerusalém» constitui um passo novo e decisivo no caminho para a morte que lhe preparam os representantes dos Anciãos de Israel.

As palavras pronunciadas por «toda a multidão» dos peregrinos que iam para Jerusalém juntamente com Jesus, não podiam deixar de reforçar as inquietações do Sinédrio e apressar a decisão final.

O mestre está plenamente consciente disto. Tudo o que faz, fá-lo com esta consciência, seguindo as palavras da Escritura que previu cada momento da Sua Páscoa. A entrada em Jerusalém foi o cumprimento da Escritura.

Jesus de Nazaré revela-se, portanto, segundo a palavra dos Profetas que só Ele compreendeu em toda a sua plenitude. Esta plenitude permaneceu velada quer à «multidão dos discípulos» que ao longo do caminho para Jerusalém cantavam «Hosana», louvando a Deus em altas vozes por todas as maravilhas que tinham visto (Lc 19,37), quer àqueles «Doze» a ele mais próximos. O amor a Jesus não permitia a estes últimos admitirem um fim doloroso; recordemos o que Pedro disse um dia: não te sucederá isto (Mt 16,22).

Mas para Jesus, pelo contrário, as palavras dos Profetas são claras até ao fim e revelam-se-Lhe com toda a plenitude da sua verdade; e Ele mesmo se abre perante esta verdade com toda a profundidade do seu espírito. Aceita-as totalmente. Nada reduz. Nas palavras dos Profetas encontra o justo significado da vocação. Encontra nelas a vontade do Pai.

O Senhor Deus abriu-me o ouvido — e eu não o contradigo; — não me retirei para trás (Is 16,22).

321 Deste modo, a liturgia do Domingo de Ramos já contém em si a plena dimensão da Paixão: a dimensão da Páscoa.

Eu entreguei o meu corpo aos que me feriam, — e a minha face aos que me arrancavam a barba; — não desviei a minha face dos que me injuriavam e cuspiam (
Is 50,6). Todos os que me vêem, escarnecem de mim franzem os lábios, e meneiam a cabeça... — transpassaram as minhas mãos e os meus pés, — posso contar todos os meus ossos. — Repartem entre si os meus vestidos, — e lançam sorte sobre a minha túnica (Ps 21,8 Ps 21,17-19).

3. Eis a liturgia do Domingo de Ramos: entre as exclamações da multidão e o entusiasmo dos discípulos que, com as palavras dos profetas, proclamam e confessam n'Ele o messias, só Ele, Cristo, conhece até ao fundo a verdade da sua missão; só Ele, Cristo, lê até ao fundo o que os profetas escreveram sobre Ele.

E tudo o que eles disseram e escreveram se cumpre n'Ele com a verdade interior da Sua alma., Ele, com a vontade e o coração, já está em tudo aquilo que, segundo as dimensões exteriores do tempo, ainda está para acontecer. Já neste seu cortejo triunfal, na sua «entrada em Jerusalém»,Ele é obediente até à morte, e morte de cruz (Flp 2, 8).

Entre a vontade do Pai que o enviou, e a vontade do Filho permanece uma profunda união cheia de amor: um beijo interior de paz e de redenção. Neste ósculo, neste abandono sem limites, Jesus Cristo, que é de natureza divina, despoja-se a si mesmo e assume a condição de servo, humilhando-se a si próprio (Cfr. Flp 2, 6-8). E permanece nesta aviltação, neste despojamento do seu fulgor exterior, da sua Divindade e da sua humanidade, cheia de graça e de verdade. Ele, o Filho do homem, caminha, com esta aniquilação e este despojamento, rumo aos acontecimentos que se realizarão, quando a sua aviltação, o despojamento e a aniquilação se revestirão de formas exteriores precisas: será cuspido, flagelado, insultado, escarnecido, rejeitado pelo seu povo, condenado à morte, crucificado — até quando pronunciar o último: «tudo está consumado», entregando o espírito nas mãos do Pai.

Tal é aquela entrada «interior» de Jesus em Jerusalém, que se realiza na Sua alma no início da Semana Santa.

4. A um certo momento aproximam-se dele os fariseus que já não podem suportar as exclamações da multidão em louvor a Cristo, que faz o Seu ingresso em Jerusalém e dizem: Mestre, repreende os teus discípulos.

Jesus responde: Digo-vos que, se eles se calarem, clamarão as mesmas pedras (Lc 19,39-40).

Iniciamos hoje a Semana Santa da Paixão do Senhor em Roma.

Nesta cidade não faltam as pedras que falam de como chegou aqui a cruz de Cristo e de como se enraizou nesta Capital do mundo antigo.

Oxalá as pedras não façam corar os homens.

322 Que os nossos corações e as consciências gritem mais forte do que elas!

Pesar pela morte de D. Romero

Pelo saudoso D. Oscar Arnulfo Romero y Galdamez, Arcebispo de San Salvador, barbaramente assassinado como vítima no altar do Sacrifício Divino, para que o Senhor lhe conceda o prémio reservado aos servidores do Evangelho; por aquele que levantou a mão homicida contra ele, para que o Pai Celeste perdoe a todos os que, perseguindo o justo, "não sabem o que fazem"; pela Nação Salvadorenha tão amada, e pelos outros Países atormentados por todas as formas de violência, que assustadoramente despreza o valor sagrado da vida humana, para que, enfim, triunfe o amor de Cristo, se consolide a construtiva convivência na paz, na justiça e no respeito mútuo, e as populações possam usufruir de um estável progresso humano e espiritual, rezemos.




Homilias JOÃO PAULO II 312