Homilias JOÃO PAULO II 322

MISSA DO SANTO CRISMA




Quinta-feira, 3 de Abril de 1980




1. Caros Irmãos

Vimos hoje à Basílica de São Pedro e encontramo-nos à volta deste altar na totalidade da nossa comunidade sacerdotal: o presbyterium da Igreja de Roma.

Vimos, conscientes da importância do Dia, que nos une aos sacerdotes de todo o mundo, do globo terrestre inteiro. Neste mesmo dia — na Quinta-feira Santa — tal como nós, reúnem-se em torno dos seus Bispos em todo mundo as comunidades sacerdotais, os presbíteros de todas as Igrejas, para anunciar — celebrando juntos a Eucaristia — o que também nós, hoje, desejamos anunciar. E anunciamo-lo não só com as palavras, mas também com todo o nosso ser — porque por graça de Deus somos sacerdotes de Cristo com todo o nosso ser. E anunciamo-lo com a liturgia — esta liturgia única e insólita da Quinta-Feira Santa — que acolhe em si o nosso ser humano e sacerdotal para proclamar, mediante ele, os imperscrutáveis mistérios de Deus.

2. A Quinta-Feira Santa é antes de mais o dia de Jesus Cristo. É o primeiro daqueles seus três Dias santos: Triduum Sacrum.

Todos estes dias constituem, em certo sentido, um conjunto indivisível — são, por assim dizer, o dia da nossa Redenção, o dia da Páscoa, isto é, da Passagem.

O dia de Jesus Cristo, isto é, do Ungido — d'Aquele que o Pai ungiu com o Espírito Santo e com a graça, e enviou ao mundo.

«O espírito do Senhor repousa sobre mim, porque o Senhor me ungiu. Enviou-me a levar a boa nova aos humildes, a curar os de coração despedaçado, a anunciar a redenção aos cativos e a liberdade aos prisioneiros; a publicar um ano de graças da parte do Senhor» (Is 61,1-2).

323 Eis que vem de novo Cristo — o Ungido de Deus Eterno — para anunciar ainda um «novo» ano de graça. De facto, a graça é principalmente Ele mesmo no mistério da Sua Páscoa, isto é, da Passagem.

O Seu dia o primeiro daqueles três que constituem o único dia da Páscoa — iniciar-se-á ao pôr-do-sol da Quinta-Feira Santa, quando Ele se sentar à mesa com os Apóstolos para a ceia prescrita pelo rito da Antiga Aliança.

Reunimo-nos já agora, na manhã da Quinta-Feira Santa, para estarmos desde a manhã-juntos com Ele, Cristo — Ungido neste dia insólito, único.

3. E o dia de Jesus Cristo — «a testemunha fiel, o primogénito dos mortos e o Príncipe dos reis da terra» (
Ap 1,5).

Ao pôr-do-sol deste dia Ele começará a dar o último testemunho Àquele que O enviou, ao Pai.

Começará a dar o testemunho de um tal amor e de um sofrimento, que nenhum outro coração humano é capaz de aprofundar.

Começará a dar o testemunho da Santidade Eterna, que se manifestou ao mundo no dia da criação.

Começará a dar o testemunho da Aliança, que Deus Santíssimo estabeleceu com o homem desde o início, e que mesmo quando ela foi violada no coração do primeiro homem e, depois, inúmeras outras vezes, pelos pecados dos outros homens, não cessou, na expectativa deste dia e desta hora de Cristo, «testemunha fiel».

Começará portanto, Cristo — a testemunha fiel — a dar o testemunho da Santidade de Deus naquela aliança com o homem, que deverá ser instituída definitivamente à custa do sacrifício, que terá início na Quinta-Feira Santa — à noite — de modo incruento, e se realizará mediante o Seu Sangue e a Sua Morte no Calvário.

Vimos hoje confessar a nossa fidelidade e o nosso amor, a nossa indignidade e o nosso abandono «Aquele que nos ama e que com o Seu sangue nos lavou dos nossos pecados, e nos fez reis e sacerdotes para Deus, Seu Pai... »(Ap 1,5-6).

Eis que Ele se aniquilará a Si mesmo, tornando-se obediente até à morte — para poder gravar nas almas dos homens, e de certa maneira, no coração de toda a criação, a nova semelhança com Deus mediante o Seu único sacerdócio: para fazer de todos nós um reino de sacerdotes» — e deste modo dar testemunho da dignidade do homem e da dignidade de toda a criação, segundo o desígnio eterno de Deus.

324 «Eis que Ele vem». Eis que vem «a testemunha fiel» — para encher com o seu sacerdócio os corações dos homens e, ao mesmo tempo, toda a criação desde o início ao fim:

«Eu sou o Alfa e o Ómega».

4. O dia de hoje - o Dia de Jesus Cristo — Quinta-Feira Santa — é o nosso Dia particular. E a festa dos sacerdotes.

Neste Dia, vimos com toda a nossa comunidade agradecer a Cristo pelo sacerdócio:

— que Ele inscreveu no coração do homem, senhor da criação,

— que Ele inscreveu de modo particular nos nossos corações. Convidou-nos, de facto, para a Ultima Ceia e hoje convida-nos de novo. Convidou-nos na pessoa daqueles Doze que estiveram com Ele naquela noite. Diante deles, Ele tomou o pão, partiu-o, distribui-o e disse:

«Este é o Meu Corpo oferecido em sacrifício por vós».

E depois tomou o cálice com vinho, deu-o aos seus discípulos e disse: «Este é o cálice do Meu Sangue para a nova e eterna Aliança, o qual será derramado por vós e por todos».

E no fim acrescentou:

«Fazei isto em memória de mim».

Somos portanto os sacerdotes deste sacrifício, que Ele ofereceu no seu corpo e no seu sangue na cruz e sob as espécies do pão e do vinho na Última Ceia.

325 Somos também os sacerdotes «para os homens» a fim de que todos, mediante o sacrifício que realizamos em virtude do Seu poder, se tornem «um reino de sacerdotes» — e ofereçam sacrifícios espirituais em união com o seu sacrifício, da Cruz e do Cenáculo.

Somos, por fim, sacerdotes para sempre.

O nosso lugar hoje, portanto, é ao lado de Cristo — e os nossos lábios e os corações querem renovar o voto da fidelidade Àquele que é «a testemunha fiel» do nosso sacerdócio diante do Pai.



SANTA MISSA «IN COENA DOMINI»




3 de Abril de 1980




1. Venerados e Caros participantes na Liturgia de Quinta-Feira Santa!

Esta tarde a Igreja inteira reúne-se no cenáculo: retorna ao cenáculo para confessar e dar testemunho que ali quer permanecer constantemente, sem o deixar jamais.

O cenáculo encontra-se em Jerusalém, mas, ao mesmo tempo, em muitos lugares do orbe terrestre. Todavia, é particularmente nesta tarde que todos estes lugares querem ser um cenáculo: um lugar da Última Ceia. E todos aqueles que se reúnem nestes lugares, transportam-se, com a memória e como coração àquele Cenáculo único que foi o lugar histórico da Ceia do Senhor. Ao Cenáculo da Eucaristia de Cristo:

Vamos portanto lá, também nós, reunidos neste Templo, que desde há séculos é a catedral do Bispo de Roma. Vamos com amor e com humildade. Deixemo-nos possuir pela grandeza destes momentos únicos na história da salvação do mundo. Submetamos os nossos pensamentos e os nossos corações ao acontecimento e ao mistério, de que a Igreja vive incessantemente. Ouçamos com o mais profundo recolhimento as palavras do Senhor e dos Apóstolos. Observemos todos os seus movimentos, todos os seus gestos. Leiamos no íntimo do seu coração a mensagem pascal da salvação. Recebamos, por fim, o Sacramento da Nova e da Antiga Aliança, e vivamos deste Amor que tem aqui a sua fonte inexaurível para a vida eterna.

2. Eis que Jesus se inclina aos pés dos Apóstolos para lhos lavar. Quer exprimir neste gesto a necessidade da pureza especial que deve reinar nos corações daqueles que se aproximam da Ultima Ceia. É a pureza que só Ele pode levar aos seus corações. É por isto foram vãos os protestos de Simão Pedro, para que o Senhor não lhe lavasse os pés; vãs as palavras das suas explicações. O Senhor, e somente o Senhor, pode realizar em ti, Pedro, aquela pureza, de que o teu coração deve resplandecer. Só o Senhor, pode lavar os pés e purificar as consciências humanas, porque para tal é necessária a força da redenção, isto é, a força do sacrifício que transforma o homem a partir de dentro. Para isto é necessário o selo do Cordeiro de Deus, gravado no coração do homem como um beijo misterioso do amor.

Então, opões-te inutilmente, Pedro, e em vão apresentas ao Mestre as tuas razões. O Senhor responde ao teu coração impetuoso: «O que eu faço, tu não podes entendê-lo agora, mas hás-de sabê-lo depois» (Jn 13,7). E quando protestas ainda mais, Pedro, o Senhor diz-te: «Se Eu não te lavar (os pés), não terás parte Comigo» (Jn 13,8).

A purificação é condição para a Comunhão com o Senhor.

326 E a condição para esta Comunhão é aquela humildade e disponibilidade a servir os outros, de que nos dá exemplo o próprio Senhor quando se inclina aos pés dos seus discípulos, para lhos levar como um servo.

É necessário portanto que a Igreja onde quer que se reúna, em qualquer cenáculo do mundo — recorde e faça recordar constantemente que as condições para a Comunhão com o Senhor são as seguintes: a pureza interior e a humildade do coração, disponível a servir o próximo e, no próximo, a servir a Deus. Ninguém se aproxime desta Ceia com um coração falso, com a consciência pecaminosa, pensando em si mesmo com soberba, sem disponibilidade para servir.

«Um novo mandamento vos dou: Que vos ameis uns aos outros: assim como Eu vos amei, vós também vos deveis amar uns aos outros» (
Jn 13,34).

3. O Cálice da Aliança é o Sangue do Redentor.

Eis que se aproxima o momento em que o Senhor tomará este cálice nas suas mãos.

Ainda antes, «tomou, então, o pão e, depois de dar graças, partiu-o e deu-lho dizendo: 'Isto é o Meu Corpo, que vai ser dado por vós'» (Lc 22,19 cfr, passagens paralelas). E agora toma o Cálice para estabelecer, mediante ele, a Aliança com o Pai no seu Sangue. Eis «o Sangue da aliança, que vai ser derramado por muitos» (Mc 14,24 cfr. passagens paralelas).

Antes, já fora revelada por Deus ao Povo da Antiga Aliança a Páscoa no sangue do Cordeiro. Isto aconteceu quando o Senhor decidiu fazer sair este Povo do estado da escravidão do Egipto. Precisamente então Deus ordenou-lhe que imolasse um cordeiro, nascido naquele ano, escolhido entre as ovelhas ou entre as cabras, e que marcasse como seu sangue as ombreiras e a verga da porta das casas em que habitavam. Ordenou também que se reunissem em famílias e que comessem a carne assada nas brasas, com os rins cingidos, as sandálias nos pés, e o bordão na mão, porque, aquela era a noite da Páscoa, isto é da Passagem do Senhor e o início da libertação do seu Povo da escravidão do Egipto (cfr. Ex Ex 12).

No Cenáculo, a geração de Israel de então — aquela em que se cumprira, definitivamente, o anúncio do Messias — realizou o rito da Páscoa da Antiga Aliança. E presidiu a este rito, na família dos seus Apóstolos, o próprio Jesus, o Cordeiro que João já indicara na margem do Jordão, o Cordeiro de Deus, a Páscoa da Nova Aliança.

4. Eis que Ele toma nas suas mãos o Pão pascal, ázimo. Eis que Ele ergue o Cálice cheio de vinho, e depois o apresenta e oferece aos Apóstolos. Eis que Ele pronuncia as palavras que revelam o mistério do Cordeiro, indicado lá junto do Jordão, do Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo.

O seu Corpo será oferecido por nós.

O seu Sangue será derramado em remissão dos pecados.

327 Os Apóstolos ouvem as palavras, que naquele momento não compreendem plenamente, mas que compreenderão mais tarde. Talvez já amanhã quando o Senhor for flagelado até ao sangue e pregado na cruz; ou talvez ainda mais tarde, quando Ele ressuscitar, e vier novamente até eles, no mesmo Cenáculo da Quinta-Feira Santa. Compreenderão aquelas palavras de modo todo especial, quando, sempre dentro do Cenáculo, descer sobre eles o Espírito Santo, isto é, o Espírito do Senhor, que Ele mesmo prometeu; juntamente com o sacrifício do seu Corpo e do Sangue, e sempre na Ultima Ceia: juntamente com a Eucaristia do Cenáculo.

Os Apóstolos ouvem estas palavras e participam no acontecimento e mesmo que venham a compreendê-las só mais tarde, todavia já naquele momento, no Cenáculo da Quinta-Feira Santa se realizou aquilo que eles deviam compreender e desde então fazer em Sua memória.

E tudo isto também nós recebemos deles e dos seus sucessores.

Por isto os nossos corações estão repletos do santo tremor, da veneração e do amor, agora, que de novo chegou para nós a Quinta-Feira Santa: de facto, reunimo-nos aqui para participar na liturgia da Ultima Ceia.

«Que poderei retribuir ao Senhor por todos os benefícios que me tem feito?» (Sl. 155/116, 3).



VIGÍLIA PASCAL




Sábado Santo, 5 de Abril de 1980




Cristo, Filho do Deus vivo!

Aqui estamos, a tua Igreja: o Corpo que nasce do teu Corpo, e do teu Sangue; aqui estamos, velando.

A noite de Belém já foi uma noite santa: Nela, uma voz chamou-nos do alto, e os pastores introduziram-nos na Gruta da tua Natividade. Velámos, então, à meia-noite, reunidos nesta Basílica, acolhendo com alegria a Boa Notícia de que vieste ao mundo, do Seio da Virgem Mãe; que te tornaste homem semelhante a nós, tu, que és «Deus de Deus, Luz da Luz», não criado como um de nós, mas «da mesma substância do Pai, gerado por Ele antes de todos os séculos.

Hoje estamos de novo aqui, nós, a tua Igreja: estamos perto do teu sepulcro, velando.

Vigiamos para preceder aquelas Mulheres que, «bem de madrugada», irão ao sepulcro, levando consigo «os perfumes que tinham preparado» (Lc 24,1), para ungir o teu Corpo deposto no sepulcro anteontem.

328 Velamos, para estar junto do teu sepulcro antes que aqui chegue Pedro, levado pelas palavras das três Mulheres, antes que chegue Pedro, o qual, curvando-se, verá as ligaduras (Lc 24,12); e voltará para junto dos Apóstolos, «cheio de admiração por aquilo que tinha acontecido» (Lc 24,12).

E tinha acontecido o que tinham ouvido às Mulheres: Maria de Magdala, Joana e Maria de Tiago, chegando ao sepulcro tinham encontrado a pedra afastada do sepulcro «mas, entrando, não encontraram o corpo do Senhor (Lc 24,3). Naquele instante, pela primeira vez, naquele sepulcro vazio, em que onteontem havia sido deposto o teu corpo, ressoou a palavra: «Ressuscitou!» (Lc 24,6).

«Porque buscais entre os mortos aquele que vive? Não está aqui; ressuscitou! Lembrai-vos de como vos falou quando ainda estava na Galileia, dizendo que o Filho do Homem havia de ser entregue às mãos dos pescadores, ser crucificado e ressuscitar ao terceiro dia» (Lc 24,5-7).

Por isto estamos aqui, agora. Por isto vigiamos. Queremos preceder as Mulheres e os Apóstolos. Queremos estar aqui quando a Liturgia sagrada desta noite tornar presente a tua vitória sobre a morte. Queremos estar contigo, nós, a tua Igreja , o corpo nascido do teu Corpo e do teu sangue derramado na Cruz.

2. Somos o teu Corpo, somos o teu Povo. Somos muitos. Reunimo-nos em muitos lugares da terra, nesta noite da santa vigília, junto do teu sepulcro, assim como nos reunimos na noite da tua natividade, em Belém. Somos muitos, todos unidos pela fé nascida da tua Páscoa, da tua Passagem através da morte, para a Vida nova, a fé que nasce da tua ressurreição.

«Esta noite é santa para nós».

Somos muitos, todos unidos num só Baptismo.

O Baptismo que nos imerge em Jesus Cristo (Cfr. Rom Rm 6,3).

Mediante este Baptismo, que «nos imerge na tua morte», contigo, Cristo, fomos sepultados «na morte porque como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, assim também nós possamos caminhar numa vida nova» (Rm 6,4).

Sim. A tua Ressurreição, Cristo, é a glória do Pai.

A tua Ressurreição revela a glória do Pai ao qual no momento da morte te confiaste, até ao fim, a ti mesmo, entregando o teu espírito com estas palavras: «Pai, nas tuas mãos» (Lc 23,46). E, juntamente contigo confiaste também todos nós, morrendo sobre a Cruz como Filho do homem, nosso Irmão e Redentor. Na tua Morte entregaste ao Pai a nossa morte humana, entregaste o ser de cada homem, marcado pela morte.

329 Eis que o Pai te restitui esta vida, que lhe havias confiado até ao fim. Ressuscitas dos mortos, graças à glória do Pai. Na ressurreição é glorificado o Pai, e tu és glorificado no Pai, a quem confiaste até ao fim a tua vida na morte: és glorificado com a Vida. Com a Vida nova. Com uma vida idêntica e, ao mesmo tempo, nova.

Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo, a quem o Pai glorificou com a ressurreição e com a vida, no centro da história do homem. Na tua morte deste ao Pai o ser de cada um de nós, a vida de cada homem que é marcada pela necessidade da morte, para que, na tua ressurreição, cada um pudesse readquirir a consciência e a certeza de entrar, por ti e juntamente contigo, na Vida nova.

«Uma vez que nos tornámos com Ele num mesmo ser por uma morte semelhante à Sua, também o seremos, por uma ressurreição semelhante» (
Rm 6,52).

3. Somos muitos a vigiar, nesta noite, junto do teu sepulcro. A todos nos une «uma só fé, um só baptismo, um só Deus, Pai de todos» (Cfr. Ef Ep 4,5-6).

Une-nos a esperança da ressurreição, que brota da união de vida, em que queremos permanecer com Jesus Cristo.

Alegramo-nos por esta Noite Santa, passada juntamente com aqueles que receberam o Baptismo. É a mesma alegria que experimentaram os discípulos e os confessores de Cristo na noite da Ressurreição, ao longo de tantas gerações. A alegria dos catecúmenos, sobre os quais foi derramada a água do Baptismo e a graça da união com Cristo, na sua Morte e Ressurreição.

É a alegria da vida que na noite da Ressurreição compartilhamos reciprocamente entre nós, como o mistério mais profundo dos nossos corações, e desejamos para todos os homens.

«A dextra do Senhor levantou-me; / a dextra do Senhor actuou com firmeza. / Não morrerei, mas viverei / E narrarei as obras do Senhor.» (Ps 117 [118] 16-17).

Cristo, Filho do Deus vivo, aceita de nós esta santa vigília na noite pascal, e dá-nos aquela alegria da Vida nova, que trazemos em nós, que somente tu podes dar ao coração humano:

Tu, Ressuscitado,

Tu, Nossa Páscoa!

SANTA MISSA À PEREGRINAÇÃO INTERNACIONAL DOS MENINOS DE CORO


Sala Paulo VI

330
Quarta-feira, 9 de Abril de 1980




Caros Amigos

Sinto-me feliz em celebrar a Eucaristia, rodeado por todos vós, crianças, jovens, adultos. Habitualmente, nos diversos países da Europa que são os vossos, exerceis este ofício ao redor dos vossos sacerdotes, ou dos vossos Bispos que são os sucessores dos Apóstolos. E, esta tarde, ao redor do Bispo de Roma, que é o sucessor de Pedro, o Pastor dado pelo Cristo ao conjunto dos seus discípulos.

1. Viestes aqui para participar nas alegrias pascais da Igreja que celebra a Ressurreição do Senhor com cristãos de todos os Países. Mas vós, vós trazeis em vós esta alegria de Páscoa. Não só credes em Jesus vivo — recebestes em vós a sua graça — mas estais disponíveis, de modo todo especial, a servir a Cristo, no desempenho do vosso serviço litúrgico; reviveis quase continuamente esta proximidade à qual o Senhor Jesus, principalmente neste período pascal, convida e admite os seus discípulos, encontrando-os e revelando-lhes a Sua Ressurreição.

Vós sabei-lo, trata-se em primeiro lugar das mulheres que foram ao seu túmulo na manhã da Páscoa; Jesus saúda-as e tranquiliza-as, pedindo-lhes que levem a Nova aos Apóstolos. É Maria Madalena que procura o seu corpo e que gostaria de reter Jesus, quando Ele a chama pelo seu nome. São os discípulos de Emaús que caminham com Ele, pedem-Lhe que fique com eles, e reconhecem-n'O na fracção do pão. São os Apóstolos e, em particular, Tomé, aos quais Jesus ressuscitado mostra as suas mãos e os seus pés e confia o Evangelho para o mundo inteiro. E Pedro e Tiago. São ainda os Apóstolos que O reconhecem no curso da sua pesca laboriosa e que Jesus convida para a sua refeição à beira do lago. São quinhentos discípulos aos quais Ele aparece, como diz São Paulo, o convertido. Jesus fê-los entrar uns e outros na fé plena, a ponto de eles poderem dizer como Tomé: "Meu Senhor e meu Deus". Preparou-os para viverem continuamente na Sua presença invisível, na paz e na alegria. Deu-lhes o Seu Espírito. Fê-los suas testemunhas aos olhos dos outros. Em resumo, introduziu-os na Sua vida intima e gloriosa.

Hoje, o mesmo Senhor Jesus, elevado ao céu, está presente e age nos sacramentos da Igreja, principalmente na Eucaristia. E vós, associados ao serviço litúrgico do altar, tendes a honra e a felicidade de vos aproximardes intimamente deste Cristo.

2. Certamente a liturgia não esgota toda a actividade da Igreja. Há uma grande parte de anúncio, de catequese, de pregação, para despertar a fé, nutri-la, educá-la. E vós próprios, vós sois os beneficiários desta acção. Há a oração pessoal, em que cada um deve falar ao Senhor em segredo, ou com os seus amigos. Há todas as obras de apostolado e de caridade: o amor é o sinal pelo qual se reconhecem os discípulos de Cristo. Mas a liturgia é o clímax para o qual tende toda a acção da Igreja, e a fonte donde brota toda a sua força (cfr. Constituição Sacrosanctum Concilium
SC 9-10).

É nela que se estabelece a Aliança corn Deus, que o povo é santificado, presta glória a Deus; estreita os seus laços com a Igreja e fortalece a sua caridade. Durante e desde o grande Concílio Vaticano II, a Igreja quis restaurar a liturgia, para que exprima com mais clareza estas realidades santas e a fim de que o povo cristão possa participar nela mediante uma celebração plena, activa e comunitária (cfr. ibid., 21). É preciso que esta celebração, embora na sua simplicidade, seja sempre bela e digna, e conduza os participantes a entrarem na acção santa de Jesus, que nos fez entender a sua palavra, se oferece em sacrifício e nos une ao seu Corpo. Eu próprio, por ocasião da Quinta-Feira Santa, escrevi uma carta a todos os Bispos e, por eles, a todos os sacerdotes, sobre o sentido da Eucaristia, e sobre a maneira de celebrá-la.

Vós, ao lado do sacerdote, o único que age em nome de Cristo, exerceis uma função destinada a realçar a grandeza do mistério eucarístico. Ouvi o que disseram todos os Bispos reunidos em Concílio: "Nas celebrações litúrgicas, limite-se cada um, ministro ou simples fiel, exercendo o seu oficio, a fazer tudo e só o que é de sua competência, segundo a natureza do rito e as leis litúrgicas. Os que servem ao altar — é este precisamente o vosso papel de ministrantes — os leitores, comentadores e elementos do grupo coral desempenham também um autêntico ministério litúrgico. Exerçam, pois, o seu múnus com piedade autêntica e do modo que convém a tão grande ministério e que o Povo de Deus tem o direito de exigir" (ibid., 28-29).

E acrescentei recentemente na minha carta: "As possibilidades criadas pela renovação litúrgica pós-conciliar, são muitas vezes utilizadas de molde a tornar-nos testemunhas e participantes da autêntica celebração da Palavra de Deus. Vai aumentando também o número das pessoas que tomam parte activa numa tal celebração" (n. 10).

Isto vale em primeiro lugar para os jovens que são "servidores", "ministrantes" — ou como se diz segundo os Países, "chierichetti", "meninos de coro", "grands cleres", "Messdiener", que acompanham o sacerdote no altar, rezam junto dele, apresentam-lhe tudo o que lhe é necessário para o santo sacrifício, em resumo, exercem quase a função de acólitos, embora não tenham recebido este ministério. Há também outras funções necessárias à digna celebração. Penso na função de "leitores", pelo menos para os maiores; na de "cantores", principalmente no âmbito das "scholae cantorum", para as crianças, os jovens e os adultos. Esta responsabilidade tornou-se, de facto, própria de toda a comunidade e, portanto, dos leigos, homens e mulheres: se ela é bem exercida, é toda a celebração que se torna mais significativa e mais fervorosa. Poderíamos citar ainda, por exemplo, os que participam na procissão das ofertas: estas ofertas simbolizam tudo o que a assembleia eucarística traz de si mesma como oferenda a Deus, e oferece em espírito, e entre elas o pão e o vinho que se tornarão o corpo e o sangue do Senhor.

331 Mas, caros amigos, tudo isto se deve preparar. Precisais compreender a liturgia, prender-vos ainda mais ao Cristo e à Igreja, de muitas maneiras. É o papel educativo das vossas equipes de reflexão e de apostolado.

É preciso, em particular, que aqueles que são encarregados de ler ou de cantar os textos bíblicos, conheçam bem o sentido desta palavra de Deus, se apliquem a meditá-la, aprendam a proclamá-la com respeito e clareza, para que seja bem entendida, compreendida e sirva para a edificação de todos.

Ao dizer isto, insisto muito em que os padres e os educadores consagrem a esta preparação todo o cuidado e o tempo necessários.

Ah, como gostaria de ver em todos os lugares a liturgia restaurada na sua dignidade, e realizada verdadeiramente como a acção sagrada por excelência, já que ela nos põe em comunicação com o Cristo três vezes santo! Como desejaria que os fiéis participassem activamente nela, com a fé, o respeito, a devoção, o recolhimento, e também com o entusiasmo que convêm. Ora, vós tendes a possibilidade de poder contribuir para isto em grande medida. Sei que já muitos o fazem nos vossos países, se bem que, infelizmente, em certos sítios, se negligencie este serviço e se caia, sob pretexto de simplicidade, em celebrações sem vigor, em que o carácter sagrado e festivo corre o perigo de desaparecer. Pela minha parte, tive na Polónia, em particular na minha diocese de Cracóvia, experiências inesquecíveis, em que os jovens contribuíam em parte considerável para a beleza e vitalidade da missa.

3. Retornemos agora ao Evangelho deste dia. É, de certo modo, o ponto central de cada uma das nossas Missas. Tal como os discípulos de Emaús, também nós ouvimos o Senhor que nos fala do sentido da sua morte, da sua ressurreição, do que Ele espera de nós. E o celebrante, tal como Jesus, vo-lo explica. Mas isto não basta. O Senhor, na pessoa do seu ministro, abençoa e parte o pão. E sob a aparência do pão, os vossos olhos, educados pela fé, estão certos de o reconhecer. Este reconhecimento, esta proximidade de Jesus e, mais ainda, o facto que vós mesmos recebeis, depois de uma digna preparação este ‘Pão de vida que é. o Seu Corpo, enchem-vos de uma alegria indizível, porque amais o Senhor, Faço votos por que esta experiência, que renovais frequentemente ao lado do celebrante; deixe marcas duradouras na vossa vida. Certamente não estais dispensados dos esforços, porque há o perigo de vos "habituardes" a estes gestos que vedes tão de perto e tão frequentemente, e de não reconhecerdes suficientemente o Amor do vosso Salvador, que se aproxima e vos acena: É preciso que o vosso coração esteja vigilante, é preciso que a oração mantenha em vós o desejo do Seu encontro, e é preciso também que, depois da Missa, compartilheis com os outros o amor recebido.

O vosso serviço, caros amigos, associa-vos, portanto, ao sagrado ministério do sacerdote que celebra a Eucaristia e os outros Sacramentos, em nome do próprio Cristo. Mas tereis sempre entre vós, os sacerdotes que desejais e dos quais o povo de Deus não pode prescindir? Vós sabeis quanto é grande a necessidade que os vossos Países têm de vocações sacerdotais. Dirigindo-me às crianças e aos jovens aqui presentes, digo-lhes: E tu nunca pensaste que o Senhor Jesus talvez te convide para uma intimidade maior com Ele? para um serviço mais elevado, para uma doação radical, precisamente como Seu sacerdote, seu ministro? Que imensa graça seria para ti, para a tua família, para a tua paróquia, para as comunidades cristãs que esperam sacerdotes! Certamente esta graça não é coactiva... "Se tu quiseres", dizia Jesus. Mas muitos jovens — também hoje — têm ainda o gosto do risco! Estou certo que muitos deles são capazes de deixar tudo para seguirem Jesus e continuar a Sua Missão. Em todo o caso, deveis pôr-vos lealmente a pergunta. O modo como realizais desde agora o vosso serviço, prepara-vos para responder ao chamamento do Senhor.

E ao terminar o meu colóquio convosco, expresso a minha esperança de que toda a comunidade vos ajudará a apreciar as vossas funções litúrgicas e à realizá-las do modo mais perfeito possível, para permitir aos participantes em toda a celebração uma renovação de fé e de caridade em Cristo.

Quero que vós saibais que o Papa vos ama e conta muito convosco. Abençoo-vos com todo o meu coração e deixo-vos com estas palavras: "Servi o Senhor com alegria!".



SANTA MISSA PARA UM GRUPO DE NEODIÁCONOS


Palácio Pontifício de Castel Gandolfo

Sexta-feira, 11 de Abril de 1980




Queridos filhos e irmãos em Cristo

332 1. Na presença da comunidade de crentes representada pelo grupo formado pelos vossos pais, parentes e amigos, viestes aqui para confirmar a oblação da vossa vida como diáconos da Igreja de Deus. Ao fazê-lo estais repletos de confiança porque sabeis que a vossa vocação e o vosso ministério encontram o seu efectivo sustentáculo no poder da Ressurreição de Cristo; que a Igreja celebra com alegre gratidão e amor durante este santo período.

A Igreja depositou sem dúvida um grande tesouro nas vossas mãos, porque vos chamou para estardes associados num caminho especial com o Senhor Jesus, no seu cuidado de Pai e no seu serviço à humanidade. Fostes chamados para uma conformidade maior com Cristo Servidor, e a partir de agora a vossa diaconia será expressa num ministério da palavra, do altar e de caridade.

2. Toda a vossa vida deve estar radicada na palavra de Deus que sois chamados a aceitar e a comunicar em toda a sua plenitude, tal como é proclamada pela santa Igreja Católica, una e apostólica. No Sacrifício da Eucaristia — em que participais e que será para sempre o centro da vossa vida — o próprio Cristo oferecerá todo o vosso ministério de caridade a seu Pai. A partir de agora tereis particular contacto com o pobre, o que sofre e o fraco — com todos aqueles que se encontram em dificuldade. E lembrai-vos sempre que o maior serviço que prestais ao povo de Deus é levar-lhe o seu edificante Evangelho de salvação.

3. A fim de vos preparardes para este gravoso serviço, a Igreja invocou solenemente sobre vós o Espírito Santo e os seus sete dons. É ele, o Espírito Santo, quem pode configurar-vos cada vez mais profundamente com Jesus, que vós representais, e quem deseja prolongar mediante vós o seu contracto salvífico com a humanidade. O povo deve poder ver Cristo em vós; o Mestre deve ser reconhecido no discípulo. É no nome de Jesus que fostes enviados, e tudo o que realizardes será feito "em nome de Jesus Nazareno" (
Ac 4,10).

4. Para terdes consciência da vossa tarefa de ministério no seu santo nome, e a fim de permanecerdes efectivamente unidos a ele, deveis rezar. Deveis erguer com frequência os vossos corações para o Senhor, que vos chamou por nome e vos confiou uma grande responsabilidade. A este respeito, a Liturgia das Horas será o enriquecimento da vossa vida e a garantia da eficácia do vosso ministério de serviço. A oração deve sustentar o vosso serviço e o vosso serviço, por sua vez, deve levar-vos frequentemente à oração. Estai certos que Maria, a Mãe do Senhor Ressuscitado, vos sustentará nos vossos esforços e vos acompanha com o seu amor.

5. E por fim, queridos filhos e irmãos, para que a vossa alegria possa ser completa, recordai as palavras de Jesus, a certeza que Ele nos deu, a maravilhosa promessa que nos fez: "Se alguém quer servir-Me... Meu Pai há-de honrá-lo" (Jn 12,26). Sim, como diáconos sois chamados a servir Cristo nos seus membros e a serdes honrados pelo seu Pai Eterno a quem vão todos os louvores e acção de graças na unidade do Espírito Santo, para sempre e sempre. Ámen.



VISITA PASTORAL DO SANTO PADRE A TURIM

SANTA MISSA CELEBRADA NA PRAÇA DA CATEDRAL DE TURIM



Domingo, 13 de Abril de 1980




1. "Na tarde desse dia, o primeiro da semana, estando fechadas as portas da casa onde os discípulos se achavam juntos, com medo dos judeus" (Jn 20,19). Com estas palavras começa hoje a leitura do Evangelho segundo João.

"Estando fechadas as portas... com medo".

Logo de manhã, chegou a notícia aos Apóstolos reunidos no Cenáculo de que o sepulcro, onde Cristo fora deposto, estava vazio. A pedra, selada pela autoridade romana a pedido do Sinédrio, fora removida. Os guardas, que por iniciativa e ordem do mesmo, deviam vigiar o túmulo, estavam ausentes.

As Mulheres, que "logo de madrugada" se haviam dirigido para o sepulcro de Jesus, puderam sem dificuldade entrar no túmulo. Depois puderam fazer o mesmo também Pedro, por elas informado e João juntamente com ele. Pedro entrou no sepulcro; viu as ligaduras e o sudário, colocado à parte, com o qual tinha sido envolvido o corpo do Mestre. Ambos constataram que o túmulo estava vazio e abandonado. Acreditaram na veracidade das palavras, que as mulheres lhes haviam dito, sobretudo Maria de Magdala; todavia.., não tinham ainda compreendido a Escritura, segundo a qual Ele devia ressuscitar dos mortos (cfr. Jn 20,1 ss.).


Homilias JOÃO PAULO II 322