Homilias JOÃO PAULO II 342


VISITA PASTORAL DO SANTO PADRE À PARÓQUIA ROMANA

DE SANTA MARIA «IN TRASTEVERE»


Domingo, 27 de Abril de 1980




1. "Aclame o Senhor toda a terra, / servi o Senhor com alegria, / ide até Ele com cânticos de júbilo" (Ps 99 [100], 2).

Estas palavras da liturgia de hoje vêm com insistência aos meus lábios, ao encontrar-me entre os nobres muros deste templo, que é o centro da vossa Paróquia e lhe dá o nome. A Basílica de Santa Maria in Trastevere é igreja que bem conheço; é igreja em que me detive e orei mais de uma vez. Trata-se, na verdade, de um templo, muito ligado à história da Igreja na Polónia, à minha Pátria. Aqui, foram depositados em 1579 os despojos mortais do grande Cardeal Estanislau Hozjusz, Bispo de Warmia, que foi um dos legados pontifícios no Concílio Tridentino, oferecendo notável contributo pessoal para o reforçamento da fé e da Igreja. No monumento fúnebre lêem-se as suas palavras célebres: "Catholicus non est qui a Romana Ecclesia in fidei doctrina discordat" (Não é católico quem na doutrina da fé discorda da Igreja de Roma). Entre as antigas pinturas do átrio do pórtico da Basílica, admira-se uma Nossa Senhora com o Menino, e São Venceslau da Boémia. E sabido também que, há mais de um quarto de século, a Basílica de Santa Maria in Trastevere é a igreja titular do Cardeal Estêvão Wyszynsld, Arcebispo de Gniezno e Varsóvia, o grande Primaz da Igreja na Polónia dos nossos tempos.

Por estes motivos foi-me dado visitar muitas vezes este nobre templo, orar nele, celebrar o Santíssimo Sacrifício ou assistir a ele, em particular durante o Concílio Vaticano II e, em seguida, no período pós-conciliar. Tive também ocasião de tomar conhecimento com as vizinhanças da Basílica e portanto com o ambiente da vossa Paróquia. Percorri muitas vezes estas ruas, dirigindo-me, para as diversas reuniões, ao vizinho Palácio de São Calisto, especialmente quando participava nos trabalhos do Conselho para os Leigos.

343 2. Por isso, mais cordialmente saúdo hoje a vossa Comunidade: a Paróquia que tem a honra de usar o nome de Nossa Senhora do Trastevere, sendo paróquia que, à roda do templo, pulsa com a múltipla vida dos homens, dos naturais e dos estrangeiros, dos cidadãos desta Cidade e dos seus hóspedes conhecida a parte que o Trastevere desempenhou na vida da Roma antiga e medieval. A antiguidade desta zona é testemunhada também pelos edifícios e pelas características ruas estreitas.

Neste bairro, habitou depois do casamento, antes de instituir as Oblatas da Congregação Beneditina do Monte Olivete, Santa Francisca Romana, nascida em 1384 e falecida em 1440. Transformou a sua rica habitação transtiberina em asilo para os necessitados e em hospital para os doentes; andava a mendigar, de casa em casa, para os pobres, atravessando as ruas do Trastevere, ela que estava aparentada com a nobre família dos Ponziani. A Paróquia de Santa Maria in Trastevere orgulha-se de poder contar esta grande Santa na sua Comunidade histórica; orgulha-se de poder chamar a Santa Francisca Romana "sua paroquiana".

A visita pastoral estava fixada para 9 de Março, dia da memória litúrgica da Santa. Infelizmente, como sabeis, não pude então vir aqui. Renovo-vos minhas desculpas. Mas eis-me agora finalmente convosco.

Desejo dirigir a minha saudação afectuosa e fraterna a todos os "Transtiberinos", aos artífices — trabalhadores do cobre, do couro, vidreiros, carpinteiros, pintores —, aos artistas e aos profissionais, que formam a variada e simpática Família do Trastevere; a todos os 6.000 paroquianos e às suas 1.750 famílias.

Uma saudação fraterna ao pároco, o zeloso Monsenhor Téocle Bianchi, que há trinta anos se entrega total e incansavelmente pelo bem das vossas almas; ao coadjutor, Don Carlo Monacchi, aos Membros do cabido da Basílica, aos Sacerdotes que, animados de autêntico espírito de serviço, dão o seu contributo para as várias iniciativas pastorais.

Uma saudação às Comunidades Religiosas Masculinas, que vivem na área da Paróquia: os Menores Observantes Franciscanos, os Padres Barnabitas, os Servos de Maria, os Padres Maronitas e os Claretianos; como também dirijo a minha saudação às numerosas Comunidades Religiosas Femininas — as Irmãs da Imaculada Conceição de Ivrea, as Terceiras Franciscanas Alcantarinas, as Irmãs de Nossa Senhora de Sião, as Irmãs Inglesas de Jesus Menino, as Irmãs do Retiro do Sagrado Coração e as Irmãs de Divina Providência. Saúdo igualmente as numerosas e tão beneméritas Confrarias e Arquiconfrarias.

Uma cordial saudação aos pais e às mães de família, que procuram viver cristãmente a sua vida de cada dia, carregada de problemas e preocupações; aos anciãos, aos doentes, aos pobres da paróquia, que necessitam da nossa compreensão fraterna e da nossa activa caridade. Uma saudação especialíssima vai para os jovens, para a mocidade e as crianças, esperança da Paróquia. A eles desejo manifestar nesta ocasião o meu incitamento e os votos de que saibam olhar para o futuro, preparando-se para ele com empenho e serenidade, a fim de serem cristãos exemplares e cidadãos integérrimos.

Falando aqui, nestes locais que abrigaram, desde os inícios do Cristianismo, os primeiros Apóstolos e em seguida tantos visitantes e peregrinos, quereria lembrar um aspecto que toca de maneira especial o coração do Bispo de Roma, Pontífice da Igreja universal. Trata-se da função internacional da Igreja, desempenhada aqui em Roma por muitas pessoas — membros dos Organismos da Cúria ou ocupados no serviço das múltiplas Organizações Católicas internacionais, que têm na área da paróquia a sua sede ou o seu Secretariado: sacerdotes, leigos, religiosos e religiosas. A estas pessoas inseridas no coração do serviço apostólico da Igreja dentro da sua dimensão universal, a minha saudação reconhecida.

3. A liturgia deste domingo está cheia da alegria pascal, cuja fonte é a ressurreição de Cristo. Nós todos nos alegramos de ser "o Seu povo e as ovelhas do Seu rebanho". Alegramo-nos e proclamamos "as grandes obras de Deus" (
Ac 2,11). Reconhecei que "o Senhor é Deus: / Ele nos fez, a Ele pertencemos. / Somos o Seu povo e as ovelhas do Seu rebanho" (Ps 99 [100], 3).

A Igreja toda se alegra hoje por Cristo ressuscitado ser o seu Pastor: o Bom Pastor. Nesta alegria participa cada parte deste grande rebanho do Ressuscitado, cada falange do Povo de Deus, em toda a terra. Também a vossa Paróquia romana in Trastevere, que tenho a felicidade de visitar hoje como seu Bispo, pode repetir estas palavras do salmo, que ressoam na liturgia do quarto domingo da Páscoa:

"Entrai pelas suas portas dando graças, / penetrai em seus átrios com hinos de louvor,... / porque o Senhor é bom,... / e a sua fidelidade estende-se de geração em geração" (Ps 99 [100], 4 s.).

344 4. Nós somos seus.

A Igreja desenvolve repetidamente, diante dos olhos da nossa alma, a verdade sobre o Bom Pastor. Também hoje ouvimos as palavras, que pronunciou Cristo a respeito de Si mesmo: "Eu sou o Bom Pastor... conheço as minhas ovelhas, e as minhas ovelhas conhecem-Me" (Canto ao Evangelho).

Cristo crucificado e ressuscitado conheceu, de modo particularizado, todos nós e conhece cada um. Não é só conhecimento "exterior", mesmo bem em pormenor, que permitisse descrever e identificar um objecto determinado.

Cristo, Bom Pastor, conhece cada um de nós de modo diversificado. No Evangelho de hoje diz a tal propósito estas palavras insólitas: (o texto é breve, podemos repeti-lo completo): "As Minhas ovelhas escutam a Minha voz; Eu conheço-as, e elas seguem-Me. Dou-lhes a vida eterna: nunca hão-de parecer e ninguém as há-de arrebatar da Minha mão. Meu Pai, que me-as deu, é maior do que todos, e ninguém as pode arrebatar da mão de Meu Pai. Eu e o Pai somos uma só coisa" (
Jn 10,27-30).

Olhemos para o Calvário, no qual foi elevada a Cruz. Naquela cruz morreu Cristo, e foi em seguida deposto no túmulo. Olhemos para a cruz, na qual se realizou o mistério do divino "legado" e da divina "herança". Deus, que tinha criado o homem, restituiu esse homem, depois do pecado — cada homem e todos os homens — de modo particularizado a Seu Filho. Quando o Filho subiu à cruz, quando na cruz ofereceu o Seu sacrifício, aceitou simultaneamente o homem que Lhe fora confiado por Deus, Criador e Pai. Aceitou e abraçou, com o Seu sacrifício e o Seu amor, o homem: cada homem e todos os homens. Na unidade da Divindade, na união com o Seu Pai, este Filho tornado, Ele mesmo, homem — e ei-Lo agora na cruz tornado "nossa Páscoa" (1Co 5,7) — restituiu cada um e todos nós ao Pai, como a Quem nos criou à Sua imagem e semelhança e, à imagem e semelhança deste próprio eterno Filho, predestinou-nos "para sermos Seus filhos adoptivos por obra de Jesus Cristo" (Ep 1,5).

E por esta adopção mediante a graça, por esta herança da vida divina, por este penhor da vida eterna, lutou até ao fim Cristo "nossa Páscoa", no mistério da Sua Paixão, do Seu Sacrifício e da Sua Morte. A Ressurreição tornou-se a confirmação da Sua vitória: vitória do amor do Bom Pastor que diz: "elas seguem-Me. Dou-lhes a vida eterna, nunca hão-de perecer, e ninguém as há-de arrebatar da Minha mão".

5. Nós somos seus.

A Igreja quer que nós olhemos, durante todo este tempo pascal, para a Cruz e a Ressurreição, e que meça-mos a nossa vida humana com o metro daquele mistério, que se realizou naquela Cruz e naquela Ressurreição.

Cristo é o Bom Pastor pois conhece o homem: cada um e todos. Conhece-o com este único conhecimento pascal. Conhece-nos porque nos remiu. Conhece-nos, porque "pagou por nós": estamos resgastados por alto preço.

Conhece-nos com o conhecimento e com a ciência mais "interior", com o mesmo conhecimento com que Ele, Filho, conhece e abraça o Pai e, no Pai, abraça a Verdade infinita e o Amor. E, mediante a participação nesta Verdade e neste Amor, Ele de novo faz de nós, em Si mesmo, os filhos do Seu Eterno Pai; obtém, de uma vez para sempre, a salvação do homem: de cada homem e de todos, daqueles que ninguém arrebatará da Sua mão... Quem, na verdade, poderia arrebatá-los?

Quem pode aniquilar a obra do próprio Deus, que o Filho realizou em união com o Pai? Quem pode mudar o facto de estarmos remidos? Facto tão poderoso e tão fundamental como a criação mesma?

345 Não obstante toda a instabilidade do destino humano e a fraqueza da vontade e do coração, a Igreja ordena-nos hoje que olhemos para o poder e para a força irreversível da redenção, que vive no coração e nas mãos e nos pés do Bom Pastor.

Daquele que nos conhece...

Tornámo-nos de novo a propriedade do Pai por obra deste Amor, que não recuou diante da ignominia da Cruz, para poder assegurar a todos os homens: "Ninguém vos arrebatará da Minha mão" (cfr. Jo
Jn 10,28).

A Igreja anuncia-nos hoje a certeza da salvação.

E cada cristão é chamado a participar nesta certeza: estou verdadeiramente comprado por grande preço! Estou verdadeiramente abraçado pelo Amor, que é mais forte que a morte e mais forte que o pecado! Conheço o meu Redentor. Conheço o Bom Pastor, do meu destino e da minha peregrinação.

6. Com tal certeza da fé, certeza da Redenção revelada na Ressurreição de Cristo, partiram os Apóstolos como o testemunham, em particular — na primeira leitura de hoje, tirada dos Actos dos Apóstolos — Paulo e Barnabé quando a caminho da primeira viagem que fizeram na Ásia Menor. Dirigem-se àqueles que professam a Antiga Aliança, e quando não são aceitos, voltam-se para os pagãos, voltam-se para homens novos e povos novos.

No meio de tais experiências e tais canseiras, começa a, frutificar o Evangelho. Começa a crescer o Povo de Deus da Nova Aliança.

Através de quantos países, povos e continentes passaram tais viagens apostólicas até ao dia de hoje?

Quantos homens responderam com alegria à mensagem pascal? Quantos homens aceitaram a certeza pascal da redenção? A quantos homens e povos chegou e continua a chegar o Bom Pastor?

Como termo desta grandiosa Missão desenha-se o que o Apóstolo João vê no seu Apocalipse:

"Eu, João, vi... numerosa multidão que ninguém podia contar e provinha de todas as nações, tribos, povos e línguas. Estavam de pé, em frente do trono e diante do Cordeiro, vestidos com túnicas brancas e de palmas na mão. Um dos anciãos explicou-me: Estes são os que vieram da grande tribulação, os que lavaram as túnicas e as branquearam no Sangue do Cordeiro" (Ap 7,146).

346 Assim pois, também nós aqui reunidos — juntamente com o Bispo de Roma, sucessor de Pedro, nesta Paróquia romana no Trastevere — confessamos a Ressurreição de Cristo, renovamos a certeza pascal da Redenção, renovamos a alegria pas-cal, que brota de nós sermos "seu Povo e ovelhas do Seu rebanho" (Ps 99 [100], 3).

Tenhamos sempre o Born Pastor! Perseveremos junto d'Ele!

A Sua Mãe, que é a Senhora do Trastevere, cantemos:

"Regina caeli, laetare!".



VI CENTENÁRIO DA MORTE DE SANTA CATARINA DE SENA




29 de Abril de 1980




1. Numerosas «virgens prudentes», como as louvadas pela parábola evangélica que ouvimos, souberam, nos séculos cristãos, esperar o Esposo com as lâmpadas bem providas de azeite, a fim de participarem com Ele na festa da graça na terra e da glória no Céu. Entre elas, brilha hoje ao nosso olhar a grande e querida Santa Catarina de Sena, flor esplêndida da Itália, pérola brilhantíssima da Ordem Dominicana, estrela de incomparável beleza no firmamento da Igreja, que honramos aqui no 6.° centenário da sua morte, sucedida numa manhã de domingo, pela hora de tércia, a 29 de Abril de 1380, enquanto se estava a celebrar a festa de São Pedro Mártir, por ela tão amado.

Satisfeito por poder dar um primeiro sinal da minha intensa participação na celebração do centenário, saúdo-vos cordialmente a todos, caros Irmãos e Irmãs, que, para comemorar dignamente a gloriosa data, vos reunistes nesta Basílica Vaticana, onde se diria que paira o espírito ardoroso da grande Senense. Saúdo de maneira particular o Mestre-Geral dos Frades Pregadores, Padre Vicente de Couesnongle, e o Arcebispo de Sena, Dom Mário Ismael Castellano, principais promotores desta celebração; saúdo os membros da Ordem Terceira Dominicana e da Associação Ecuménica dos Catarinianos, os participantes no Congresso Internacional de Estudos Catarinianos, e vós todos, caros peregrinos, que percorrestes tantas estradas da Itália e da Europa para vos unirdes neste centro da catolicidade, num dia de festa tão belo e significativo.

2. Nós olhamos hoje para Santa Catarina, primeiramente para admirar o que imediatamente impressionava todos os que dela se aproximavam: a extraordinária riqueza de humanidade, em nada ofuscada mas antes aumentada e aperfeiçoada pela graça, que fazia dela uma ima-gem viva daquele autêntico e são «humanismo» cristão, cuja lei fundamental é formulada pelo irmão e mestre de Catarina, São Tomás de Aquino, com o aforismo conhecido: «a graça não suprime, mas supõe e aperfeiçoa a natureza» (Summa Theol , ). O homem de dimensões completas é o que se realiza na graça de Cristo.

Quando no meu ministério insisto em chamar a atenção de todos para a dignidade e os valores do homem, que hoje é necessário defender, respeitar e servir, é sobretudo desta natureza, saída das mãos do Criador e renovada no Sangue de Cristo Redentor, que falo: natureza em si boa, e portanto curável na sua enfermidade e perfectível nos seus dotes, chamada a receber aquele «mais» que a torna participante da natureza divina e da «vida eterna». Quando este elemento sobrenatural se enxerta no homem e neste pode actuar com toda a sua força, realiza-se o prodígio da «nova criatura», que na sua transcendente elevação não anula, mas torna mais rico, mais denso e mais sólido tudo o que é autenticamente humano.

Assim a nossa Santa — na sua natureza de mulher dotada abundantemente de fantasia, intuição, sensibilidade, de vigor volitivo e realizador, capacidade e força comunicativa e disponibilidade para a doação de si e para o serviço transfigurada, mas não empobrecida à luz de Cristo que a chama a ser Sua esposa e a identificar-se misticamente com Ele na profundidade do «conhecimento interior», como também a empenhar-se na acção caritativa, social e até política, entre grandes e pequenos, ricos e pobres, doutos e ignorantes. E ela, quase analfabeta, torna-se capaz de fazer que a escutem e leiam, e a tomem em consideração, governadores de cidades e reinos, príncipes e prelados da Igreja, monges e teólogos, por muitos dos quais é venerada precisamente como «mestra» e «mãe».

«É mulher prodigiosa que, naquela segunda metade do século XIV, mostra em si de que foi tornada capaz uma criatura humana e — insisto — uma mulher, filha de humildes tintoreiros, quando sabe escutar a voz do único Pastor e Mestre, e alimentar-se à mesa do Esposo divino, a quem, como «virgem prudente», consagrou generosamente a própria vida.

347 Trata-se de obra-prima da graça renovadora e elevante da criatura até à perfeição da santidade, que é também realização plena dos valores fundamentais da humanidade.

3. O segredo de Catarina em responder, tão dócil, fiel e frutuosamente, à chamada do seu Esposo divino, pode-se deduzir das explicações mesmas e aplicações da parábola das «virgens prudentes», que ela expressa repetidamente nas cartas aos seus discípulos. Em particular na dirigida a uma jovem sobrinha que deseja ser «esposa de Cristo», ela redige uma síntese de vida espiritual, que vale especialmente para quem se consagra a Deus no estado religioso, mas serve de orientação e guia para todos.

«Se queres ser verdadeira esposa de Cristo — escreve a Santa — convém-te ter a lâmpada, o azeite e o lume».

«Sabes o que se entende por isto, minha filhinha?».

E apresenta o simbolismo da lâmpada: «Pela lâmpada entende-se o coração, que deve parecer-se com uma lâmpada. Tu vês bem que a lâmpada é larga em cima, e em baixo estreita: assim é feito o nosso coração, para significar que devemos tê-lo sempre largo em cima, mediante os santos pensamentos, as santas imaginações e a contínua oração; com a memória sempre aplicada a recordar os benefícios de Deus e sobretudo o benefício do Sangue com o qual. fomos cobertos...».

«Disse-te ainda que a lâmpada é estreita em baixo: assim é também o nosso coração, para significar que deve ser estreito para estas coisas terrenas, não as desejando nem amando desordenadamente, nem as ambicionando em maior quantidade do que Deus quer dar; mas devemos agradecer-lhe sempre, admirando quão docemente ele nos provê, de maneira que nunca nos falta nada...» (Carta 23).

Na lâmpada quer-se azeite. «Não bastaria a lâmpada, se não houvesse azeite dentro. E pelo azeite entende-se aquela doce virtude pequena, da profunda humildade... Essas cinco virgens loucas, gloriando-se apenas e de maneira vã da integridade e virgindade do corpo, perderam a virgindade da alma, porque não levaram consigo o azeite da humildade...» (ib.).

«E necessário, por fim, que a lâmpada esteja acesa e nela arda a chama: sem isso, não bastaria para nos fazer ver. Esta chama é o lume da santíssima fé. Digo fé viva, porque dizem os santos que a fé sem as obras é morta...» (ib.; Cartas 79, 360).

Na sua vida, Catarina alimentou efectivamente com grande humildade a lâmpada do seu coração, e manteve acesos o lume da fé, o fogo da caridade, o zelo das boas obras realizadas por amor de Deus, mesmo nas horas de tribulação e de paixão, quando a sua alma conseguiu a conformação máxima com Cristo Crucificado, até que um dia o Senhor celebrou com ela as místicas núpcias na celazinha onde habitava, feita toda esplendorosa com aquela divina presença (cfr. Vida, nn. 114-115).

Se os homens de hoje, especialmente os cristãos, conseguissem tornar a descobrir as maravilhas que se podem conhecer e gozar na «cela interior», e mesmo no coração de Cristo! Então, sim, reencontrar-se-ia o homem a si mesmo, reencontraria as razões da sua dignidade, o fundamento de todo o seu valor e a altura da sua vocação eterna.

4. Mas a espiritualidade cristã não se esgota num círculo de intimidade, nem leva a um isolamento individualista e egocêntrico. A elevação da pessoa dá-se na sinfonia da comunidade. E Catarina, embora guardando para si a cela da sua casa e do seu coração, vive desde os anos juvenis em comunhão com muitos outros filhos de Deus, nos quais sente vibrar o mistério da Igreja: com os frades de São Domingos, a quem se une em espírito mesmo quando o sino os chama para o coro, de noite, para Matinas; com as Manteladas de Sena, entre as quais é admitida para o exercício das obras de caridade e a prática comum da oração; com os seus discípulos, que vão aumentando até constituírem à volta dela um cenáculo de fervorosos cristãos, que aceitam as suas exortações de vida espiritual e os incentivos à renovação e à reforma, exortações e incentivos que ela dirige a todos em nome de Cristo; e pode-se dizer com todo o «corpo místico de Igreja» (cfr. Diálogo, c. 166), com o qual e pelo qual Catarina ora, trabalha, sofre, se oferece e por fim morre.

348 A sua grande sensibilidade perante os problemas da Igreja no seu tempo transforma-se deste modo numa comunhão com o Chistus patiens e com a Ecclesia patiens. Esta comunhão está na origem da sua mesma actividade exterior, que em certo momento a Santa é movida a exercer, primeiro com a acção caritativa e com o apostolado laical na sua cidade, e bem depressa num plano mais vasto, com o esforço de alcance social, político e eclesial.

Em qualquer caso, vai Catarina buscar àquela fonte interior a coragem da acção e a inexaurível esperança que a sustenta mesmo nas horas mais difíceis, mesmo quando tudo parece perdido, e é tal fonte que lhe permite influir nos outros, mesmo nos mais altos níveis eclesiásticos, com a força da sua fé e a fascinação da sua pessoa completamente oferecida à causa da Igreja.

Numa reunião de Cardeais na presença de Urbano VI, segundo conta o Beato Raimundo, Catarina «demonstrou que a divina Providência está sempre presente sobretudo quando a Igreja sofre»; e fê-lo com tal ardor, que o pontífice no fim exclamou: «Que há-de temer o Vigário de Jesus Cristo, mesmo que o mundo inteiro se volte contra ele? Cristo é mais poderoso que o mundo, e não é possível que abandone a Sua Igreja» ( Vida, n. 334).

5. Tratava-se de um momento excepcionalmente grave para a Igreja e para a Sé Apostólica. O demónio da divisão penetrara no povo cristão. Ferviam por todo a parte discussões e rixas. Mesmo em Roma havia quem tramasse contra o Papa, não sem o ameaçar de morte. O povo amotinava-se.

Catarina, que não cessava de animar pastores e fiéis, sentia contudo que chegara a hora de uma suprema oferta de si, como vítima de expiação e ao mesmo tempo de reconciliação com Cristo. E por isso pedia ao Senhor: «Pela honra do Teu Nome e pela Tua santa Igreja, eu beberei de boa vontade o cálice da paixão e da morte, como sempre desejei beber; disso sois testemunha desde quando, por Tua graça, comecei a amar-Te com toda a mente .e todo o coração» ( Vida, n. 346).

A partir desse momento começou a definhar rapidamente. Todas as manhãs daquela quaresma de 1380, «se dirigia à igreja de S. Pedro, Príncipe dos Apóstolos, onde, depois de ouvir Missa, ficava por muito tempo a orar; não voltava a casa senão à hora de vésperas», exausta. No dia seguinte, de manhãzinha, «partindo da estrada chamada Rua do Papa (hoje de Santa Clara) — onde residia, entre a Minerva e o Campo das Flores — ia a toda a pressa a São Pedro, fazendo uma caminhada que esfalfaria até um são» (Vida, n. 348; cfr. Carta 373).

Mas em fins de Abril já não conseguia levantar-se. Reuniu então à volta da cama a sua família espiritual. No longo adeus, declarou àqueles seus discípulos: «Entrego a vida, a morte e tudo nas mãos do meu Esposo eterno... Se lhe aprouver que eu morra, tende por certo, filhos caríssimos, que dei a vida pela Santa Igreja, e creio isto por graça excepcional que me concedeu o Senhor» ( Vida, n. 363).

Pouco depois morreu. Não tinha senão 33 anos: belíssima juventude oferecida ao Senhor pela «virgem prudente» que chegara ao termo da sua expectativa e do seu serviço!

Estamos aqui nós recolhidos, a 600 anos daquela manhã (ib., n. 348), para comemorar aquela morte e sobretudo para celebrar aquela última oferta da vida pela Igreja.

Meus caros irmãos e Irmãs, é consolador que tenhais vindo tão numerosos glorificar e invocar a Santa nesta fausta oportunidade.

É justo que o humilde Vigário de Cristo, do mesmo modo que tantos predecessores seus, vos inspire, vos preceda e vos guie em tributar uma homenagem de louvor e acção de graças Aquela que tanto amou a Igreja, e tanto trabalhou e sofreu pela sua unidade e pela sua renovação. E fi-lo com todo o coração.

349 Agora permiti que vos confie uma recordação final, que deseja ser mensagem, exortação, convite à esperança e estímulo à acção: vou buscá-la às palavras que dirigia Catarina ao seu discípulo Estevão Maconi e a todos os seus companheiros de actividade e de paixão pela Igreja: «Se fordes aquilo que deveis ser, poreis fogo a toda a Itália» (Carta 368); mais, acrescento eu: Deste «fogo» precisa a humanidade mesmo hoje, e até talvez mais hoje que ontem. A palavra e o exemplo de Catarina suscitem em muitas almas generosas o desejo de serem chamas que ardam e, como ela, se consumam para dar aos irmãos a luz da fé e o calor da caridade «que não acabará nunca (1Co 13,8).





PEREGRINAÇÃO APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À ÁFRICA



DURANTE A MISSA CELEBRADA


PARA AS FAMÍLIAS EM QUINXASSA


Igreja de São Pedro

Quinxassa (Zaire), 3 de Maio de 1980




Caros cônjuges cristãos, pais e mães de família

1. A emoção e a alegria invadem o meu coração de Pastor universal da Igreja, porque me é dada a graça de meditar pela primeira vez com famílias africanas — e para elas — sobre a sua vocação especifica: o matrimónio cristão. Que Deus — que se revelou ser "UM em TRÊS pessoas" — nos assista no decurso desta meditação! O tema é maravilhoso, mas a realidade é difícil! Se o matrimónio cristão é comparável a uma montanha muito alta que põe os esposos na proximidade imediata de Deus, é preciso então reconhecer que a sua ascensão exige muito tempo e muita fadiga. Mas será esta uma razão para suprimir ou para abaixar um tal cimo? Não é através de ascensões morais e espirituais que a pessoa humana se realiza em plenitude e domina o universo, muito mais do que por meio dos "records" técnicos e mesmo espaciais, por muito admiráveis que sejam?

Juntos, faremos uma peregrinação às fontes do matrimónio; depois, procuraremos medir melhor o seu dinamismo ao serviço dos cônjuges, dos filhos, da sociedade e da Igreja. Por fim, congregaremos as nossas energias para promover uma pastoral familiar cada vez mais eficaz.

2. Todos conhecem a célebre narrativa da Criação pela qual começa a Bíblia. Diz-se ali que Deus fez o homem à Sua semelhança, ao criar varão e mulher. Eis o que surpreende logo de início. A humanidade, para assemelhar-se a Deus, deve ser um casal de duas pessoas em movimento uma para a outra, duas pessoas que um amor perfeito reúne na unidade. Este movimento e este amor fá-las semelhantes a Deus, que é o próprio Amor, a Unidade absoluta das Três Pessoas. Jamais se cantou de maneira tão bela o esplendor do amor humano como nas primeiras páginas da Bíblia: "E Adão disse: Eis aqui agora o osso dos meus ossos e a carne da minha carne... Por isso deixará o homem o seu pai e a sua mãe, e se unirá à sua mulher, e serão dois numa só carne" (Gn 2 Gn 23-24). Parafraseando o Papa São Leão, não posso deixar de dizer-vos: "Cônjuges cristãos, reconhecei a vossa eminente dignidade!"

Esta peregrinação às fontes revela-nos igualmente que o casal inicial, no desígnio de Deus, é monógamo. E eis o que nos surpreende ainda mais, quando — no tempo em que se formam as narrações bíblicas — a civilização estava longe deste modelo cultural. Esta monogamia, que não é de origem ocidental mas semítica, aparece como a expressão da relação interpessoal em que cada uma das partes é reconhecida pela outra, com o mesmo valor e na totalidade da sua pessoa. Esta concepção monógama e personalista do casal humano é uma revelação absolutamente original, que traz o selo de Deus, e que merece ser cada vez mais aprofundada.

3. Mas esta história, que começava tão bem na aurora luminosa do género humano, conhece o drama da ruptura entre o casal que acabara de ser formado e o Criador. É o pecado original. Todavia, esta ruptura será a ocasião para uma nova manifestação do Amor de Deus. Comparado com frequência a um Esposo infinitamente fiel, como por exemplo nos textos dos salmistas e dos profetas, Deus renova incessantemente a sua aliança com esta humanidade caprichosa e pecadora. Estas repetidas alianças culminarão na Aliança definitiva que Deus selará em seu próprio Filho, que se sacrificará livremente pela Igreja e pelo mundo. São Paulo não hesita em apresentar esta Aliança de Cristo com a Igreja, como o símbolo e o modelo de toda a aliança entre o homem e a mulher (cfr. Ef Ep 5,25), unidos como esposos de uma maneira indissolúvel.

São estas as características de nobreza do matrimónio cristão. São geradoras de luz e de força para a realização quotidiana da vocação conjugal e familiar, em benefício dos próprios esposos, dos seus filhos, da sociedade em que vivem, e da Igreja de Cristo. As tradições africanas sabiamente utilizadas podem ter o seu lugar na construção dos lares cristãos na África; penso, de modo especial, em todos os valores positivos do sentido familiar, tão arraigado na alma africana e que se reveste de aspectos múltiplos, certamente susceptíveis de levar à reflexão certas civilizações que se chamam avançadas: a seriedade do compromisso matrimonial até ao fim de uma longa caminhada, a prioridade dada à transmissão da vida, e daí a importância atribuída à mãe e aos filhos, a lei de solidariedade entre as famílias que fizeram aliança e que se exerce especialmente em favor das pessoas anciãs, das viúvas e dos órfãos, uma espécie de co-responsabilidade na cura e na educação dos filhos que é capaz de atenuar muitas tensões psicológicas, o culto dos antepassados e dos defuntos que favorece a fidelidade às tradições: Certamente o problema delicado é assumir todo este dinamismo familiar, herança de costumes ancestrais, transformá-lo e sublimá-lo nas perspectivas da sociedade que está a nascer na Africa. Mas em todo o caso, a vida conjugal dos cristãos vive-se — através das épocas e das diversas situações — nas pegadas de Cristo, libertador e redentor de todos os homens e de todas as realidades que formam a vida dos homens. "Tudo o que fizerdes, em palavras ou por obras, fazei tudo em nome do Senhor Jesus Cristo", como nos disse São Paulo (Col 3,17).

4. É portanto conformando-se a Cristo, que se entregou por amor à Sua Igreja, que os esposos chegam, dia após dia, ao amor de que nos fala o Evangelho "Amai-vos como Eu vos amei", e, mais precisamente, à perfeição da união indissolúvel em todos os níveis. Os cônjuges cristãos prometeram reciprocamente pôr em comunhão tudo o que são, e tudo o que têm. É o contrato mais audacioso que existe e, ao mesmo tempo, o mais maravilhoso!

350 A união dos seus corpos, querida pelo próprio Deus, como expressão da comunhão ainda mais profunda dos seus espíritos e dos seus corações, realizada tanto com respeito quanto com ternura, renova o dinamismo e o vigor do seu compromisso solene, do seu primeiro "sim".

A união do carácter: amar um ser é amá-lo tal como ele é, amá-lo ao ponto de cultivar em si o antídoto das suas fraquezas ou dos seus defeitos, como por exemplo a calma e a paciência se o outro falta notoriamente nestes pontos.

A união dos corações! Os matizes que diferenciam o amor do homem daquele da mulher são inúmeros. Cada um dos dois não pode exigir ser amado como ele ama. E isto comporta — em ambas as partes — , a renúncia às repreensões secretas, que separam os corações, e a libertação desta pena no momento mais favorável. É muito unificador o pôr em comum as alegrias e, mais ainda, os sofrimentos do coração. Mas é sobretudo no amor comum dos filhos que a união dos corações se fortalece.

A união das inteligências e das vontades! Os esposos são também duas forças diversificadas mas conjugadas para o serviço recíproco que prestam, para o serviço ao seu lar, ao meio social, ao serviço de Deus. O acordo essencial deve manifestar-se na determinação e no encalço de objectivos comuns. O cônjuge mais enérgico deve amparar a vontade do outro, por vezes supri-la, sendo para o outro, sensata e — educadamente — a alavanca.

Por fim, a união das almas, estas mesmas unidas a Deus! Cada um dos cônjuges deve reservar-se momentos de solidão com Deus; de "coração a coração", nos quais o cônjuge não é a primeira preocupação. Esta vida pessoal indispensável da alma com Deus está longe de excluir o pôr em comum toda a vida conjugal e familiar. Pelo contrário, ela estimula os cônjuges cristãos a procurarem Deus juntos, a descobrirem juntos a Sua vontade e a cumpri-la concretamente com as luzes e as energias hauridas no próprio Deus.

5. Esta visão e esta realização da aliança entre o homem e a mulher superam singularmente o desejo espontâneo que os une. O matrimónio é verdadeiramente para eles caminho de promoção e de santificação. É fonte de vida! Não têm os Africanos um respeito admirável pela vida que nasce? Eles amam profundamente os filhos. Acolhem-nos com uma grande alegria. Os pais cristãos saberão endereçar os seus filhos pelos caminhos de uma existência referida aos valores humanos e cristãos. Mostrando-lhes mediante um estilo de vida, corajosamente revisto e aperfeiçoado, o que significam o respeito por cada pessoa, o serviço desinteressado aos outros, a renúncia aos caprichos, o perdão tantas vezes repetido, a lealdade em todas as coisas, o trabalho consciencioso, o encontro de fé com o Senhor, os esposos cristãos introduzem os seus próprios filhos no segredo de uma existência feliz que ultrapassa singularmente a descoberta de uma "boa colocação".

6. O matrimónio cristão é também chamado a ser fermento de progresso moral para a sociedade. O realismo leva-nos a reconhecer as ameaças que pesam sobre a família como instituição natural e cristã, na África como alhures; devido a certos costumes e também às mudanças culturais que se generalizam. Não vos parece que se pode comparar a família moderna a uma piroga que voga no mar e prossegue o seu curso por entre águas agitadas e obstáculos? Sabeis, tanta como eu, o quanto as noções de fidelidade e de indissolubilidade são insidiadas pela opinião pública. Sabeis também que a fragilidade e a desagregação dos lares geram uma série de misérias, embora a solidariedade africana procure remediá-las no que concerne à cura das crianças: As famílias cristãs — solidamente preparadas e devidamente acompanhadas — devem trabalhar sem desânimo para a restauração da família que é a primeira célula da sociedade e deve continuar a ser uma escola de virtudes sociais. O Estado não deve ter medo de tais lares, mas deve protegê-los.

7. Fermento da sociedade, a família cristã é ainda uma presença, uma epifania de Deus no mundo. A constituição pastoral Gaudium et spes, (48) contém páginas luminosas sobre a irradiação desta "comunidade profunda de vida e de amor" que é, ao mesmo tempo, por excelência, a primeira comunidade eclesial de base. "A família cristã patenteará a todos a presença viva do Salvador no mundo e a autêntica natureza da Igreja pelo amor dos cônjuges, pela fecundidade generosa, pela unidade e fidelidade, e pela amável cooperação de todos os membros, porque se origina do matrimónio, que é imagem e participação do pacto de amor entre Cristo e a Igreja". Que dignidade e que responsabilidade!

Sim, este sacramento é grande! E que os esposos tenham confiança: a sua fé garante-lhes que recebem, com este sacramento, a força de Deus, uma graça que os acompanhará durante toda a sua vida. Que eles não deixem nunca de recorrer a esta fonte que jorra e que está neles!

8. Não gostaria de concluir esta meditação sem encorajar muito vivamente os Bispos da África a prosseguirem — apesar das dificuldades bem conhecidas —os seus esforços de "pastoral dos lares cristãos", com um dinamismo renovado e com uma esperança inabalável. Eu sei que esta já é a preocupação de muitos; e admiro-os. Felicito igualmente as numerosas famílias africanas que já realizam o ideal cristão de que falei, com qualidades especificamente africanas, e que são para muitos outros um exemplo e uma atracção. Permito-me porém insistir.

Sem abandonar minimamente as preocupações pela formação humana e religiosa das crianças e dos adolescentes, e tendo em conta a sensibilidade e os costumes africanos, as dioceses devem, pouco a pouco, instaurar uma pastoral que abranja os dois esposos conjuntamente, e não apenas um ou outro dos cônjuges. Que se intensifique a preparação dos jovens para o matrimónio, estimulando-os a seguirem uma verdadeira preparação para a vida conjugal que lhes revelará o sentido da identidade cristã do casal, os amadurecerá para as suas relações interpessoais e para as suas responsabilidades familiares e sociais. Estes centros de preparação para o matrimónio precisam do apoio solidário das dioceses e do concurso generoso e competente de assistentes, de peritos e de lares que possam dar um testemunho de qualidade. Insisto principalmente na ajuda recíproca que o casal cristão pode dar a um outro casal.

351 9. Esta pastoral familiar deve também acompanhar os jovens lares à medida em que se formam. Dias de retomada espiritual, retiros, encontros de famílias ajudarão os jovens casais na sua caminhada humana e cristã. Que em todas estas ocasiões se esteja atento a um bom equilíbrio entre a formação doutrinal e a animação espiritual. A parte de meditação, de conversação com o Deus fiel, é fundamental.

É junto d'Ele que os esposos encontram a graça da fidelidade, compreendem e aceitam a necessidade da ascese geradora da verdadeira liberdade, retomam ou decidem os seus compromissos familiares e sociais que farão das suas casas lares irradiantes. Seria sem dúvida muito útil que as famílias de uma paróquia e de uma diocese se reunissem para constituir um vasto movimento familiar, não só para ajudar os casais cristãos a viverem segundo o Evangelho, mas também para contribuírem para a restauração da família, defendendo os seus valores contra os assaltos de todo o género, e em nome dos direitos do homem e do cidadão. Sobre este plano fundamental da pastoral familiar, cada vez mais adequado às necessidades da nossa época e das vossas regiões, deposito a minha plena confiança em vós Bispos, meus Irmãos caríssimos no Episcopado.

10. Oxalá possais encontrar nesta conversação o sinal do maior interesse do Papa pelos graves problemas da família, o testemunho da sua confiança e da sua esperança nos vossos lares cristãos, e a coragem de trabalhardes vós mesmos, mais do que nunca, nestas terras de África, para o maior bem das vossas nações e para a honra da Igreja de Cristo, pata a construção sólida de comunidades familiares "de vida e de amor" segundo o Evangelho! Prometo-vos que terei sempre presente no meu coração e na minha oração esta grande intenção! Deus, que se revelou ser família na unidade do Pai, do Filho e do Espírito, vos abençoe, e a Sua bênção permaneça para sempre sobre vós!



Homilias JOÃO PAULO II 342