Homilias JOÃO PAULO II 351


PEREGRINAÇÃO APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À ÁFRICA



DURANTE A MISSA DE ORDENAÇÃO


DE OITO NOVOS BISPOS


Quinxassa (Zaire)

Domingo, 4 de Maio de 1980




Queridos Irmãos em Cristo

Neste dia de grande alegria, nesta circunstância solene, dirijo-me em primeiro lugar a vós que ides receber a graça do episcopado:

"Já não vos chamo servos..., chamei-vos amigos" (Jn 15,15). Eis o que disse Cristo aos Apóstolos, eis o que Ele vos diz.

1. Há já muito tempo que estais intimamente associados à vida de Cristo. A vossa fé desenvolveu-se neste solo africano, na vossa família ou na vossa comunidade cristã, e produziu os seus frutos. Depois seguistes a Cristo que vos convidava a consagrar-vos inteiramente à sua missão. Recebestes o sacerdócio ministerial dos padres para serdes os dispensadores dos mistérios de Deus. Esforçastes-vos para o exercer com sabedoria e coragem.

E eis que fostes escolhidos para "apascentar o rebanho do qual o Espírito Santo vos constituiu guardiões", como disse Paulo aos Anciãos de Éfeso, bispos, para o presidir em nome e no lugar de Deus, e caminhar à sua frente. Vós recebeis, como dizia ainda Santo Inácio de Antioquia, "o ministério da comunidade". Para isso, como os Apóstolos, sois enriquecidos por Cristo de uma efusão especial do Espírito Santo, que tornará fecundo o vosso ministério (cfr. oração da unção dos Bispos); sois revestidos da plenitude do sacerdócio, sacramento que imprime em vós o seu carácter sagrado; assim, de modo eminente e visível, ocupareis o lugar do próprio Cristo, Doutor, Sacerdote e Pastor (cfr. Lumen gentium LG 20-21). Dai graças ao Senhor! E cantai: aleluia! ".

É uma grande alegria e uma honra para as comunidades onde tendes as vossas raízes ou que vos recebem como pastores, para o Zaire, o Burundi, o Sudão, Djibouti, e também para as comunidades religiosas que vos formaram. Vós fostes "escolhidos entre os homens e constituídos a favor dos homens nas coisas concernentes a Deus" (He 5,1). Quando as Igrejas jovens vêem os seus filhos assumirem a obra da evangelização e tornarem-se bispos dos seus irmãos, é "sinal particularmente eloquente da maturidade da autonomia destas Igrejas! Neste dia, procuremos não esquecer também os méritos de todos os pioneiros que prepararam de longe ou de perto estes novos responsáveis, e de modo particular os sacerdotes e os bispos missionários. Por eles também agradeçamos ao Senhor!

352 2. É Cristo ressuscitado, glorificado pela mão de Deus e posto pelo seu Pai na posse do Espírito Santo prometido (cfr. Act Ac 2,33), este Cristo que contemplamos com uma alegria particular neste tempo pascal, é Ele que actua mediante o nosso ministério. Porque é Ele o Princípio, é Ele a Cabeça do Corpo que é a Igreja (cfr. Col Col 1,18). No Espírito Santo, Cristo continua a sua obra mediante aqueles que Ele instituiu pastores e que não cessam de transmitir este dom espiritual pela imposição das mãos. Eles são "os sarmentos através dos quais se transmite a semente apostólica" (cfr. Lumen gentium LG 20, citando Tertuliano). Assim a linha do episcopado continua sem interrupção desde as origens. Vós entrais, por conseguinte, no colégio episcopal que sucede ao colégio dos Apóstolos. Trabalhareis ao lado dos mais velhos, com os mais velhos: mais de cinquenta Zairenses já foram agregados ao corpo episcopal desde a primeira Ordenação episcopal em 1956, e os outros países, aqui representados, encontram-se em situação semelhante. Trabalhareis em comunhão com os vossos irmãos, espalhados pelo mundo inteiro, formando um todo em Cristo, unidos à volta do Bispo de Roma, sucessor de Pedro. Estareis tanto mais ligados a esta comunhão indispensável quanto sois ordenados por aquele a quem o Espírito Santo confiou, como a Pedro, o encargo de presidir à unidade. Sim, dai graças ao Senhor! E cantai: aleluia!

3. Recebeis uma grande graça para exercer um cargo pastoral exigente. Conheceis os três aspectos que habitualmente são indicados como "magistério doutrinal, sacerdócio do culto sagrado, ministério do governo" (cfr. Lumen gentium LG 20). A constituição conciliar Lumen gentium (nn. LG 18-27) e o decreto Christus Dominus (nn. CD 11-19) continuam a ser a carta do vosso ministério que devereis meditar com frequência.

Sois antes de tudo responsáveis da pregação do Evangelho, cujo livro vai ser imposto sobre a vossa cabeça durante a oração consacratória, e depois colocado nas vossas mãos. Aqui, na África, pede-se primeiro aos homens de Igreja: dai-nos a Palavra de Deus. Sim, é uma coisa maravilhosa ver a sede que os vossos compatriotas têm do Evangelho: eles sabem, eles pressentem que é uma mensagem de vida. Por isso, não estareis sós. Os vossos sacerdotes, os vossos diáconos, os vossos religiosos e religiosas, os vossos catequistas, os vossos leigos são também evangelizadores de muito mérito, quotidianos, tenazes, muito perto do povo, e às vezes mesmo pioneiros, nos lugares ou nos ambientes onde o Evangelho ainda não penetrou plenamente. O vosso papel será suster o seu zelo, harmonizar o seu apostolado, vigiar por que o anúncio, a pregação e a catequese sejam fiéis ao sentido autêntico do Evangelho e a toda a doutrina, dogmática e ética, que a Igreja explicitou no decurso dos seus vinte séculos, a partir do Evangelho. Servos-á necessário procurar, ao mesmo, tempo, que esta mensagem atinja verdadeiramente os corações e transforme o proceder, servindo-se da linguagem adequada aos vossos fiéis africanos. Como a liturgia se apresta a dizer-vos: a tempo e a contratempo, "pregai vós mesmos a palavra de Deus com grande paciência e com a preocupação de instruir". Vós sois, em primeiro lugar, as testemunhas da verdade divina e católica.

Vós recebeis o encargo de santificar o povo de Deus. Neste sentido, sois pais e transmitis a vida de Cristo mediante os sacramentos, que celebrais, e cuja administração regular, digna e fecunda, confiais aos vossos sacerdotes. Tereis a peito preparar os vossos fiéis para estes sacramentos, e encorajá-los a vivê-los na perseverança. A vossa oração não deixará de acompanhar o vosso povo nos caminhos da santidade. Contribuireis para preparar, com a graça do Senhor, uma Igreja sem mancha nem ruga, que anuncie a nova Jerusalém, de que nos fala o Apocalipse, "a esposa que se ataviou para o seu esposo" (Ap 21,2).

4. Enfim, vós recebeis o governo pastoral de uma diocese, ou participais nele como bispos auxiliares. Cristo dá-vos autoridade para exortar, para repartir os ministérios e os serviços, segundo as necessidades e as capacidades, para vigiar pelo seu cumprimento, repreender, se necessário, com misericórdia os que se afastam, vigiar sobre todo o rebanho e defendê-lo, como dizia São Paulo (Ac 20,29-31), e suscitar um espírito cada vez mais missionário. Procurai em tudo a comunhão e a edificação do Corpo de Cristo. Trazeis, com razão, sobre a cabeça o emblema do chefe e na mão a cruz do pastor. Recordai-vos que a vossa autoridade, segundo Jesus, é a do Bom Pastor, que conhece as suas ovelhas e está muito atento a cada uma delas; a do Pai que se impõe pelo seu espírito de amor e dedicação; a do funcionário pronto a dar contas ao seu Patrão; a do "ministro", que está no meio dos seus "como aquele que serve" e está pronto a dar a sua vida. A Igreja recomendou sempre ao chefe da comunidade cristã a preocupação especial pelos pobres, pelos fracos, por aqueles que sofrem, pelos marginalizados de toda a espécie. Ela pede-vos que concedais um apoio especial aos vossos companheiros de serviço, que são os sacerdotes e os diáconos: eles são para vós irmãos, filhos e amigos (cfr. Christus Dominus CD 16).

A administração rigorosa que vos é confiada requer de vós, com a autoridade, a prudência e a sabedoria dos "anciãos"; o espírito de equidade e de paz; a fidelidade à Igreja de que é símbolo o vosso anel; uma pureza exemplar de doutrina e de vida. Trata-se, afinal, de conduzir clérigos, religiosos e leigos à santidade de nosso Senhor; trata-se de os conduzir a viver o mandamento novo do amor fraterno, que Jesus nos deixou como seu testamento (Jn 13,34). É por isso que o recente Concílio lembra a todos os bispos o dever primordial de "mostrar o exemplo da santidade mediante a caridade, a humildade e a simplicidade de vida" (cfr. ibid., n. 15). São Pedro escrevia aos "anciãos": "Apascentai o rebanho de Deus... no espírito de Deus... como modelos do vosso rebanho" (1P 5,2-3).

5. Deste modo provereis ao bem das almas, à sua salvação. Deste modo continuareis a edificação da Igreja, já bem implantada no coração da África e particularmente em cada um dos vossos países. Deste modo dareis uma parte preciosa à vitalidade da Igreja universal, levando, comigo e com todos os bispos, a solicitude de todas as Igrejas.

Além disso, formando as consciências segundo a lei de Deus e educando-as nas responsabilidades e na comunhão na Igreja, contribuireis para formar os cidadãos honestos e corajosos de que o país tem necessidade, inimigos da corrupção, da mentira e da injustiça, artífices da concórdia e do amor fraterno sem fronteiras, solícitos de um desenvolvimento harmonioso e especialmente das categorias mais pobres. Assim, vós exerceis a vossa missão que é de ordem espiritual e moral: ela permite-vos que vos pronuncieis sobre os aspectos éticos da sociedade, cada vez que os direitos fundamentais das pessoas, as liberdades fundamentais e o bem comum o exigirem. Tudo isto no respeito das autoridades civis que, no plano político, e na busca dos meios para promover o bem comum, têm a sua competência e as suas responsabilidades específicas. Deste modo preparareis em profundidade o progresso social, o bem-estar e a paz da vossa querida pátria e merecereis a estima dos vossos concidadãos. Sois aqui os pioneiros do Evangelho e da Igreja e, ao mesmo tempo, os pioneiros da história do vosso povo.

6. Caríssimos Irmãos, este ideal não vos deve oprimir. Deve, pelo contrário, atrair-vos, servir-vos de trampolim e de esperança. Sem dúvida, trazemos todos este tesouro em vasos de argila (cfr. 2Co 4,7), inclusive aquele que vos fala e ao qual se reserva o nome de "Santidade". É preciso muita humildade para usar este nome. Mas submetendo humildemente toda a vossa pessoa a Cristo, que vos chama a representá-lo, podeis ter a certeza da sua graça, da sua força e da sua paz. Como São Paulo, "confio-vos a Deus e à palavra da Sua graça" (Ac 20,32). Deus seja glorificado em vós!

7. E agora, dirijo-me mais directamente a todos aqueles que vos circundam com a sua simpatia e a sua oração. Queridos irmãos e irmãs de Quinxassa, do Zaire, do Burundi, do Sudão, de Djibouti, acolhei com alegria os nossos Irmãos que se tornam vossos Pais e Pastores. Tende por eles o respeito, o afecto e a obediência que deveis aos ministros de Cristo, que é Caminho, Verdade e Vida. Ouvi os seus testemunhos, porque eles vêm a vós como primeiras testemunhas do Evangelho. A sua mensagem é a mensagem de Jesus Cristo. Abri as vossas almas às bênçãos de Cristo, à vida de Cristo que eles vos trazem. Segui-os nos caminhos que eles vos traçam, a fim de que a vossa conduta seja digna dos discípulos de Cristo. Rezai por eles. Com eles, edificareis a Igreja na África, desenvolvereis comunidades cristãs, em estreita comunhão com a Igreja universal da qual recebestes e continuais a receber a seiva, em relação confiante com a Sé de Pedro, príncipe da unidade, mas com o vigor e as riquezas espirituais e morais, que o Evangelho terá feito surgir das vossas almas africanas.

Pela Providência de Deus, esta grande hora diz respeito também a África anglófona, e em particular ao Sudão. Na pessoa do novo Bispo auxiliar de Juba, eu saúdo a Arquidiocese inteira e todos os filhos e filhas da Igreja nessa terra: graça e paz a todos vós em Jesus Cristo, Filho de Deus, em Jesus Cristo, Bom Pastor, que pelo ministério dos bispos continua a solicitude pastoral da Sua Igreja inteira. Esteja o amor do Salvador nos vossos corações hoje e sempre!

353 E a vós, queridos amigos que não compartilhais a fé cristã mas quisestes acompanhar os católicos nesta celebração litúrgica, agradeço-vos e convido-vos também a acolher estes novos bispos como chefes religiosos, e defensores do homem, como construtores de paz:

E agora, preparamo-nos para o rito da ordenação. Como o Apóstolo Paulo junto dos "anciãos" de Éfeso, aos quais acabava de fazer as suas recomendações prementes, vamos rezar. Bendito seja o Senhor que prolonga assim a sua obra entre nós! Que todos os Apóstolos intercedam por nós! A Virgem Maria, a mãe do Salvador, a mãe da Igreja, a Rainha dos Apóstolos, interceda por nós! Nós consagramos-Lhe estes novos servidores da Igreja. Demos graças ao Senhor, na fé, na caridade e na esperança! Amém. Aleluia!

PEREGRINAÇÃO APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À ÁFRICA



DURANTE A MISSA CELEBRADA


NA ESPLANADA DO "BOULEVARD DE L'ARMÉE"


Brazzaville, Congo, 5 de Maio de 1980




Caros Irmãos e Irmãs em Cristo

Cantai, sob a acção da graça, louvores a Deus em vossos corações (cfr. Col Col 3,16).

1. Hoje é o Bispo de Roma que vos visita, o Sucessor do Apóstolo Pedro, a quem Jesus disse: "Confirma os teus irmãos" (Lc 22,32). Venho, pois, para vos confirmar na fé, na caridade e na esperança.

Venho para vos confirmar na fé que vós já possuis, graças a uma evangelização que produziu os seus frutos. Falar-vos-ei desta evangelização para vos encorajar a continuá-la.

Venho para estimular a vossa caridade recípoca e para com todos, "a caridade que é o vínculo da perfeição". Recordo-vos, portanto, as palavras do Apóstolo Paulo: "Revesti-vos... de sentimentos de misericórdia, de benignidade, humildade, mansidão e longanimidade, suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos mutuamente" (Col 3,12-13). Jesus não dissera já: "Amai os vossos inimigos... para serdes filhos do vosso Pai que está nos Céus" (Mt 5,44-45)?

Venho para revigorar a vossa esperança a fim de que nenhuma vicissitude vos desvie do caminho em que estais empenhados, nem da finalidade da vossa vida cristã: a salvação das vossas almas e a edificação da Igreja.

E faço-o, reforçando a união da vossa comunidade católica. com a Igreja universal, que é una na diversidade dos seus membros.

2. Mas, antes de mais, o Papa não teria tido ocasião de vir ao meio de vós, se não tivesse sido precedido, há precisamente um século, por valorosos missionários que, por sua vez, não tinham outra preocupação que não fosse a do vosso bem espiritual. Chegaram aqui, ao vosso País, ardentes de amor para com Cristo e para convosco, para vos proporem o Evangelho que eles mesmos haviam recebido. De facto, toda a fé vem de Cristo, mediante os Apóstolos. "Como hão-de acreditar n'Aquele que não ouviram? E como ouvirão se ninguém lhes prega? E como pregarão se não forem enviados?" (Rm 10,14-15).

354 Esses missionários foram acolhidos entre vós. Tiveram de começar por viver convosco, por rezar no meio de vós, testemunhando o seu amor — porque é este amor o coração da nossa mensagem — sob a forma de amizade, de hospitalidade, de ajuda mútua, e também de cuidados e de instrução. Anunciaram-vos o Evangelho porque conheciam a vossa fome da Palavra de Deus. Alguns dos vossos pais aderiram à fé. Prepararam-se demoradamente para o baptismo. A partir desse momento nasceu a Igreja no Congo. Mas foi também preocupação dos missionários prepararem, entre os filhos desta nação, evangelizadores, catequistas e, logo depois, sacerdotes, religiosos e religiosas. A Igreja desenvolveu-se rapidamente entre vós, de tal modo que muitos dos vossos compatriotas entraram na sua família. Não podemos, porém, esquecer a grande quantidade de paciência, de sofrimentos, de fadigas, de alegrias e de esperanças dos missionários, e os méritos dos vossos pais.

Hoje a Igreja é conduzida por bispos congoleses, que foram constituídos vossos Pastores pela imposição das mãos dos seus irmãos maiores. É um final da maturidade da vossa Igreja. A vossa comunidade dera, inclusive, um Cardeal à Igreja universal, isto é, um colaborador mais especialmente ligado ao Papa e à Igreja de Roma, e que todos nós choramos. As vossas comunidades são chamadas a consolidar-se e a crescer. Vivei em acção de graças!

Meditemos um instante, Irmãos e Irmãs, nesta evangelização que é necessário continuar. Evangelho quer dizer "Boa Nova". Que Boa Nova?

O Evangelho não promete a riqueza, nem fáceis condições de vida, e nem sequer o pão de cada dia, se bem que nos indique como um dever trabalharmos para o obter, solidariamente, com coragem e sentido de justiça; e, por outro lado, sem nos esquecermos de o pedir a Deus e de, ao mesmo tempo, Lhe agradecer, a Ele que é o Autor de todos os bens.

É verdade que identificais a Boa Nova com a paz? De facto é uma coisa maravilhosa a paz na sociedade, a paz nas famílias, a paz de uma vida livre e, sobretudo, a paz no coração de cada um, a paz de uma consciência recta que vive serena e confiante diante de Deus e diante dos homens. "Reine a paz de Cristo em vossos corações", como diz São Paulo (
Col 3,15).

Mas esta mesma paz vem da Boa Nova do amor de Deus que foi o primeiro a amar-nos e a perdoar-nos. "Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu Filho único, para que todo o que n'Ele acreditar não pereça, mas tenha a vida eterna,... para que o mundo seja salvo por Ele" (Jn 3,16-17). Como o notava a Exortação Apostólica Evangelii nuntiandi, do meu venerado predecessor Paulo VI: "Esta atestação de Deus proporcionará, para muitos talvez, o Deus desconhecido, que eles adoram sem Lhe dar um nome". Para nós, "o Criador já não é uma potência anónima e longínqua: ele é Pai. '... Sinal de amor nos deu o Pai em nos chamarmos, como de facto somos, filhos de Deus'; e portanto, nós somos irmãos uns dos outros em Deus" (n. 26).

4. Esta verdade foi revelada por Deus, em Jesus Cristo, Aquele que morreu e ressuscitou por nós, "o Primeiro e o Intimo", "o que vive", "a Testemunha fiel e verdadeira" (Ap 1,17-18 Ap 2,13), que reúne os seus discípulos numa família profundamente solidária, como os membros do seu Corpo, a Igreja. Esta verdade é testemunhada por vinte séculos de história cristã. Foi vivida por milhões de discípulos de Jesus Cristo em todos os países, não raro até à santidade e às vezes até ao martírio. Não fizestes vós já a experiência de que esta verdade ilumina as vossas vidas? Ela permite-vos que vejais o seu significado e o seu fim; assegura-vos que Deus Pai e seu Filho fazem dentro de vós a Sua morada; e dá-vos a certeza da presença do Espírito Santo, o Defensor, Aquele que vos liberta dos vossos pecados, de tudo o que vos faz correr o risco, em vós ou fora de vós de vos afastardes da rectidão, da pureza de vida, da justiça, da paz, da reconciliação, da partilha de bens e do amor fraterno. Quer isto dizer que a educação na fé coloca as bases morais de uma vida social melhor e verdadeiramente renovada. E os cristãos iniciados nos sacramentos têm a alegria de, neste mundo, se unirem ao Senhor, para participarem no seu sacrifício è no seu banquete a missa esperando a vida eterna com Ele. Evangelizar é levar esta Boa Nova a todos os ambientes, é propô-la à livre adesão, por meios pacíficos, é transformar, pelo seu impacto, a partir de dentro, é tornar nova a própria humanidade (cfr. Evangelii nuntiandi EN 18).

5. A adesão na fé a esta Boa Nova requer, sem dúvida, uma conversão não apenas antes do baptismo mas durante toda a vida. Os ídolos, a que é necessário renunciar, renascem continuamente se bem que tragam por vezes novos nomes—quer nas velhas Igrejas do Ocidente, quer nas jovens Igrejas da África. Surgem obstáculos a nível do espírito humano — e o materialismo, ideológico ou prático, não é dos mais pequenos — que podem afastar a mensagem da salvação, deixando perceber que ela seja inútil ou ilusória. Surgem obstáculos, talvez ainda mais, ao nível dos nossos hábitos pessoais ou familiares, dos costumes da sociedade, que procuram relegar o Evangelho como um ideal demasiado difícil. É verdade que Jesus disse: "Sede perfeitos, como é perfeito o vosso Pai celeste" (Mt 5,48).

É preciso então recordar-se de que Deus é também Deus da misericórdia, tal como a Igreja é mãe misericordiosa: apesar do carácter pecador, fraco e hesitante dos seus filhos, ela convida-os esperança e propõe-lhes um ideal cristão, uma santidade, não como um fardo, mas como uma luz que atrai e que eleva os corações. Mesmo que a evangelização conheça, aqui e ali, etapas progressivas e laboriosas — não terminamos nunca de nos tornar cristãos! — a Igreja sabe que os filhos deste pais são capazes de uma autêntica vida cristã. Já disso deram largas provas. E ela conta muito com eles.

6. A evangelização da consciência pessoal e colectiva dos homens deve, portanto, ser procurada segundo os caminhos que são semelhantes em toda a Igreja (cfr. Decreto Ad gentes AGD 11-18 Exortação Evangelii nuntiandi EN 21-24 EN 40-47), mas de que vós deveis encontrar aqui a aplicação concreta, em função da vossa cultura africana e da vossa actual situação. Vem em primeiro lugar o testemunho da vossa vida de cristãos, o testemunho das famílias, dos adultos, dos jovens e das pessoas consagradas: a forma cristã do vosso viver pode suscitar, por si mesma, e no interior respeito pelos outros, a atracção pelo Evangelho. É necessário além disso um anúncio explícito e preciso do Evangelho, que nutra o espírito e o coração: é este o papel da pregação, da liturgia da Palavra, e também o da catequese. Sim, hoje em dia todos vós tendes necessidade de uma sólida catequese que torne mais profunda a vossa amizade pessoal com Cristo e vos permita dar-vos conta da esperança que existe em vós. Sei que a vossa pastoral dedica muitos dos seus esforços a esta catequese, bem como à formação dos catequistas. Felicito-os por isso. Tanto as famílias como as paróquias devem dar prioridade a esta formação, não apenas das crianças, mas também dos jovens, dos estudantes, dos futuros esposos, mesmo dentro do âmbito de preparação para os sacramentos. Faço votos, enfim, por que as vossas comunidades cristãs atinjam o fervor da oração e a força da coesão fraterna.

7. Existe, neste campo, lugar para todos os obreiros da evangelização. Agradeço aos sacerdotes, aos religiosos, às religiosas e aos leigos vindos de longe, que aqui continuam a trabalhar, sob a orientação dos bispos congoleses: estes não só vos continuam a dar um precioso auxilio, como também contribuem para vos manter unidos à Igreja universal, e estou certo de que tal experiência é benéfica para as suas próprias Igrejas. Estes sacerdotes missionários formam um único presbitério com os sacerdotes locais, aos quais gostaria de exprimir, de modo especial, o meu afecto e a minha confiança. Caros amigos, o Senhor chamou-vos a servi-1'O, numa consagração total da vossa vida, de que o celibato é um dos sinais, tornando-vos disponíveis para todos. Sede sacerdotes santos; sede os guias espirituais dedicados e competentes de que o vosso povo tem necessidade. É uma grande graça! Faço votos, igualmente, por que as vocações sacerdotais e religiosas apareçam em grande número e se fortifiquem com uma sólida formação. Faço votos, enfim, por que muitos leigos cristãos dêem à evangelização a sua ajuda insubstituível, como catequistas e num apostolado de pessoa a pessoa, de família a família, do mais velho ao mais jovem.

355 8. Eu sei que vós continuais a evangelização em condições que não são fáceis, muitas vezes com meios pobres. Conhecestes já grandes dificuldades. E eu gostaria de confirmar a vossa esperança. Confiai as vossas necessidades ao Senhor, que é fiel, e ajudai-vos uns aos outros. Vós sabeis em quem depositastes a vossa confiança. Com São Pedro, digo-vos: permanecei firmes na fé, sabendo que os vossos irmãos espalhados pelo mundo suportam as mesmas dificuldades (cfr. 1P 5,9). E ainda: "Sede todos concordes em sentimentos de amor fraterno, de misericórdia e de humildade" (ibid. 3, 8). O poder de Deus está em vós, segundo o grau da vossa fé e do vosso amor, e na medida da vossa coesão. Sim, seja sem quebras a vossa unidade: é ela a vossa força.

9. Desta maneira vós sereis também, no meio dos vossos compatriotas que não partilham a vossa fé, construtores de paz, e mesmo o "sal" e o "fermento" de que fala Jesus, para a vida fraterna a que eles aspiram. Já o dei a entender: a evangelização comporta normalmente a solicitude pelo desenvolvimento humano e pelo progresso social. A independência e a honra da vossa nação também vos preocupam; desejais um aumento dos meios de subsistência, uma ordem justa para todos e uma vida pacífica. Vós quereis servir o vosso país. Tomais os pobres ao vosso cuidado. E sabeis que uma civilização sem alma vos não poderia trazer a felicidade. Estais prontos a dedicar ao serviço do vosso País o vosso trabalho e a vossa honestidade, no respeito por todos, banindo o ódio, a violência e a mentira. Os responsáveis pelo bem comum não podem ignorar que o vosso contributo cristão é benéfico ao país.

E não duvido que continuarão a conceder-vos a justa liberdade religiosa que vos é reconhecida, e a possibilidade de trabalhardes, como bons cidadãos, no engrandecimento da nação. Que Deus abençoe o Congo!

10. Enfim, caros amigos, penso na vossa inserção na Igreja universal.

É um mistério grande e belo. A árvore da Igreja, plantada por Jesus na Terra Santa, nunca deixou de se desenvolver. Todos os países do antigo Império romano foram nela enxertados. A minha própria pátria, a Polónia, teve a sua época de evangelização, e a Igreja do meu país enxertou-se na árvore da Igreja, para lhe fazer produzir novos frutos. Também a vossa comunidade de crentes do Congo foi, por sua vez, enxertada na árvore da Igreja. O enxerto vive da seiva que circula na árvore; não pode sobreviver senão intimamente unido à árvore. Mas a partir do momento que está enxertado, ele oferece à árvore o seu património e assim produz frutos que são seus. Isto não passa de uma comparação. A Igreja faz com que participem da sua vida os novos povos que a ela aderiram. Nenhuma comunidade nova, enxertada na árvore da Igreja, pode viver a sua vida de maneira independente. Não pode viver senão participando na grande corrente vital que faz viver toda a árvore. Dela recebe a Igreja novos tesouros de vitalidade, e pode assim mostrar ao mundo maior variedade de frutos. São estes os meus votos para a Igreja que está no Congo. Que ela reforce a sua união com a Igreja universal e com o Sucessor de Pedro, que é o princípio e o fundamento da unidade de todos! Que aumentem a sua própria vitalidade, a sua unidade e santidade! Que delas faça beneficiar toda a Igreja! Ao sopro do Espírito Santo! Com Maria, a Estrela da Evangelização! Assim seja! Aleluia!



PEREGRINAÇÃO APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À ÁFRICA



DURANTE A MISSA CELEBRADA


EM KISANGANI, ZAIRE


Catedral de Nossa Senhora do Rosário

Terça-feira, de Maio de 1980




Caros irmãos e irmãs
Caros filhos e filhas da Igreja

1. O nosso breve encontro de ontem à tarde na praça desta catedral fizera-me prever que participaríeis em grande número na Eucaristia desta manhã. Obrigado de todo o coração. Obrigado a vós, e obrigado a todos aqueles que vos pediram para os representardes, porque a distância ou a doença os impediram de estar presentes. Rezo por eles e abençoo-os. O vosso grande número alegra o Senhor, e enche-me a mim de satisfação. Ao ver-vos, penso no Apocalipse de São João, que lemos nos domingos da Páscoa. Todas as nações, todas as raças e todas as línguas tomarão parte no interminável cortejo dos que foram marcados na fronte com o sinal de Deus. Pensai no vosso baptismo e na vossa confirmação. Cristãos de Kisangani e desta grande região rural, vós fazeis parte dessa multidão imensa que São João não conseguia enumerar. Vós sois o povo de Deus que caminha hoje sobre a terra de África, e viveis a vossa pertença a Deus mediante as realidades do mundo rural. Gostaria de meditar convosco sobre estes dois aspectos da vossa existência concreta e, no final, ajudar-vos a contemplar aquela que o Concílio Vaticano II, em momento feliz, apresentou como a Mãe da Igreja, e a quem nós nos dirigimos esta manhã, sob a invocação de Nossa Senhora do Rosário.

2. Tal como as primeiras comunidades cristãs de Jerusalém, de Antioquia, de Corinto e de Roma nasceram da pregação da Boa Nova, que é essencialmente o mistério de Cristo, assim os vossos postos de "missão" e as vossas paróquias surgiram, cem anos atrás, do anúncio do Evangelho aos vossos pais na fé. Foi esta, no começo, obra dos missionários vindos de longe, ardentes de amor por Cristo e por vós. Propunham-vos a mensagem que eles mesmos haviam recebido, porque ninguém a descobre por si próprio: recebe-se da Igreja. Os cristãos desta região formam hoje todo um povo, com pastores escolhidos entre os filhos deste país. E todos juntos, bispos, sacerdotes, religiosos e fiéis, vós sois a Igreja, vós fazeis parte daquele imenso povo de Deus nascido no Pentecostes e destinado a conhecer a plenitude divisada por São João. Aqui, na terra, esse povo está sujeito a provações e, por vezes, a humilhações e perseguições. Dele fazem parte mártires e santos, como os vossos compatriotas que preferiram sacrificar a sua vida do que faltar à fidelidade do seu baptismo, como é o caso da Irmã Anwarita que a Igreja se propõe beatificar. Muitos têm a tendência de reduzir a Igreja àquilo que é visível, ou mesmo aos seus Responsáveis, às suas instituições e à sua organização. Na realidade, como o afirmou, e muito bem, o recente Concílio, a Igreja-povo de Deus é um mistério.

356 Que mistério é este? Uma expressão muito forte do Apóstolo Paulo aos cristãos de Corinto ajudar-vos-á a compreendê-lo: "Vós sois corpo de Cristo e Seus membros, cada um na parte que lhe toca" (1 Col 12, 27). Ou ainda: "Cristo é a cabeça do Corpo, a Igreja" (Col 1,18). Nós estamos misteriosamente integrados e unidos à vida de Cristo ressuscitado e glorificado à direita de Deus, tal como os membros o estão à cabeça. A Igreja é hoje o Cristo vivo sobre todos os continentes, em todos aqueles que se converteram ou se convertem incessantemente a Ele, de tal modo que a sua vida não é já apenas a sua vida, mas a de Cristo neles. Vós recebeis o corpo eucarístico de Cristo para vos tomardes ainda mais membros do seu Corpo.

4. Tendes vós, cristãos da região de Kisangani, esta visão dinâmica e misteriosa da Igreja? da vossa união vital com Cristo, e com os outros membros de Cristo? Isto deve verificar-se no estilo das vossas celebrações eucarísticas do domingo, que vós quereis dignas, festivas e orantes. Isto deve verificar-se também no vosso comportamento diário, na família, no bairro ou na aldeia. Para construir verdadeiramente esta Igreja, esta família cristã unida a Cristo, é bom que façais — como o fazeis já — outros encontros de oração, de reflexão, de comunhão, de ajuda mútua, para serdes melhores discípulos de Cristo e viverdes a sua fraternidade nos ambientes da vossa vida e do vosso trabalho.

5. Vós sois, de modo preciso, a Igreja, o Cristo que vive no mundo rural. Este quadro social distingue-vos, e vós tendes a missão de o tomar mais digno de Deus e, por conseguinte, mais humano. Aí deveis sentir-vos particularmente próximos de Cristo. Jesus, de facto, passou a sua vida terrena num meio essencialmente agrícola. Viveu durante trinta anos numa das mais pequenas aldeias da Palestina, em Nazaré. E, durante a sua vida pública, visitou numerosas aldeias de agricultores e de pequenos pescadores. Observou longamente e amou a natureza, as flores e as árvores, as estações, os trabalhos dos campos, os trabalhos dos operários, do ceifeiro, do vinhateiro, do pastor, da mulher que vai à água, que amassa o pão, que prepara o almoço. Tomou contacto com os costumes locais que marcam o ritmo da vida. Compartilhou os acontecimentos da aldeia, a hospitalidade oferecida pelos amigos, as bodas e o luto. Demorou-se com os meninos que brincavam e com os doentes que sofriam. Sabemo-lo porque de todas estas observações Ele se utilizou maravilhosamente para fazer compreender aos seus ouvintes os mistérios do Reino de Deus que ele viera revelar, de tal modo que o Evangelho é para vós, habitantes do mundo rural, um livro de linguagem amena, que vos é muito compreensível.

6. Mas há alguma coisa de ainda mais profundo nesta simpática proximidade com Jesus de Nazaré. que Jesus é o Filho de Deus "encarnado", vindo na carne para viver as realidades concretas da nossa existência, ao mesmo tempo como homem e como Filho de Deus. É um mistério inaudito! Vós apercebeis-vos da dignidade que Ele Confere à vossa vida de humildes trabalhadores, porque Ele mesmo a viveu em Nazaré, na Palestina! Viveu-a sob o olhar de Deus seu Pai, intimamente unido a Ele em acção de graças. Ofereceu a Deus todas as alegrias e todas as amarguras. Viveu-a com simplicidade e pureza de coração, com coragem, como um servo, como um amigo que se aproximava dos doentes, dos aflitos e dos pobres de toda a espécie, com um amor que ninguém superará e de que fez o seu testamento: amai-vos, como eu vos amei. É esta vida que, através da prova do seu sacrifício, oferecido para libertar o mundo dos seus pecados, é agora glorificada junto de Deus.

Convido-vos, da mesma forma, caros amigos, a tomardes consciência da dignidade da vossa vida, que foi santificada por Cristo e por Ele resgatada no mistério da Encarnação e da Redenção, e a fazerdes dela, também vós, uma oferta agradável a Deus, imprimindo-lhe o sinal da oração e do amor. Esta perspectiva transformará a partir de dentro a vossa vida e tomar-vos-á participantes da santidade de Cristo.

7. Penso que ela poderá também estimular-vos a transformar as condições da vossa vida rural na medida em que elas se deterioram pela negligência ou pelo pecado, e impedem o homem de viver, em dignidade, a esperança e a paz. Porque o Reino dos céus que nós preparamos deve encontrar já algum início nesta vida terrena. Este progresso tem muita importância para o Reino de Deus (cfr. Gaudium et Spes GS 39).

Sim, se vós tomardes consciência da dignidade da vossa vida e do vosso trabalho, com o amor generoso do cristão, procurareis torná-los mais dignos para vós e para os outros. Vós não podeis aceitar que os "camponeses sejam considerados como homens e mulheres de segunda categoria. Não vos podeis resignar a que alguns sejam esmagados na miséria, ou vítimas da injustiça. Não é justo nem conforme ao Evangelho de Cristo que os mais fortes ou os mais afortunados explorem os outros. Já São Tiago denunciava este mal (Jc 4,13 Jc 5,6). Vos dar-vos-eis as mãos para fazer frente às dificuldades. Vós deveis reflectir em conjunto e especificar acções comuns, talvez modestas — porque só por vós não tendes meios para agir eficazmente —, mas realistas. Vós que, justamente, estais agarrados às vossas terras, deveis contribuir para travar o êxodo rural, tão prejudicial à vida agrícola e a toda a nação. O vosso pais deve dedicar-se a satisfazer as suas necessidades alimentares; os produtos agrícolas são mais necessários que certos produtos de luxo. O desenvolvimento industrial dos países africanos tem necessidade do desenvolvimento agrícola; aquele implanta-se sobra este. Depende dai a vida dos seus filhos.

8. De certo que as Igrejas cristãs não têm que propor nem devem, elas mesmas, encontrar soluções técnicas para a condução do mundo rural. Porém são depositárias do sentido evangélico que deve ser transmitido à vida dos homens e das sociedades. E os cristãos, assim formados, trarão a estas soluções humanas uma dimensão que iluminará a escolha dos objectivos e dos métodos. Por exemplo, devem ser cuidadosos pelo respeito das pessoas. Devem preocupar-se com os pequenos e com os fracos. A sua honestidade não tolerará a corrupção. Devem procurar a ajuda recíproca e a solidariedade. Devem querer que as suas comunidades conservem um rosto fraterno. Devem ser construtores da paz. Devem considerar-se como gestores da criação de Deus, que se não pode esbanjar nem exterminar a bel-prazer, porque foi confiada aos homens para bem de todos. Devem evitar que se instale um materialismo que seria, de facto, uma escravidão. Para sermos breves, devem trabalhar, a partir deste momento, para um mundo mais digno dos filhos de Deus.

É este o papel que a Igreja reconhece aos leigos cristãos, ajudados pelos seus pastores. Sim, existe aqui um testemunho da Igreja.

9. Caros irmãos irmãs, para realizar isto de modo verdadeiramente cristão é preciso, antes de mais, que estejais animados no vosso interior pelo Espírito de Deus. E eu gostaria que, a este propósito, vos dirigísseis ainda mais à Virgem Maria, vossa Mãe e Mãe da Igreja.

Celebramos hoje a Missa de Nossa Senhora do Rosário, diante desta catedral a ela dedicada. Para mim é uma grande alegria. Quem, melhor que Maria, viveu uma vida absolutamente simples, santificando-a? Quem, melhor que Maria, acompanhou Jesus em toda a sua vida gozosa, dolorosa e gloriosa, e entrou na intimidade dos seus sentimentos filiais para com o Pai e fraternos para com os outros? Quem, melhor que Maria, associada agora à glória de seu Filho, pode intervir em nosso favor?

357 Ela deve acompanhar-vos agora na vossa vida, nesta vida que nós lhe confiamos. E a Igreja propõe-nos para isto, uma oração muito simples — o rosário, o terço — que se pode intercalar no ritmo da nossa jornada. O terço, lentamente recitado e meditado em família, na comunidade ou pessoalmente, far-vos-á entrar a pouco e pouco nos sentimentos de Cristo e de sua Mãe, evocando todos os acontecimentos que são a chave da nossa salvação. Na cadência da Ave Maria, contemplareis o mistério da Encarnação de Cristo, de que atrás falámos, a Redenção de Cristo, bem como o fim a que nos destinamos na luz e no repouso de Deus. Com Maria, abrireis a vossa alma ao Espírito Santo para que seja Ele a inspirar todas as grandes tarefas que vos esperam. Com ela realizarão as mães o seu papel de portadores de vida, de guardas e educadoras do lar.

Seja Maria a vossa guia e o vosso amparo. Assim seja!



Homilias JOÃO PAULO II 351