Homilias JOÃO PAULO II 368


SANTA MISSA PARA OS FOCOLARINOS

NA CONCLUSÃO DO «GEN FEST 1980»



18 de Maio de 1980




Caríssimos jovens do Movimento GEN!

1. A vós todos as minhas cordiais boas-vindas. A alegria que se reflecte nos vossos rostos e se exprime nos vossos cantos criou em torno desta celebração eucarística um clima de comunhão íntima e profunda, o clima característico de uma família, reunida no calor do lar.

Sim, o «lar»: termo que para vós tem grande significado. O pensamento corre espontaneamente para aquele primeiro «lar», constituído pelos discípulos reunidos no Cenáculo, «na sala de cima» (cfr. Act Ac 1,13) depois da Ascensão do Senhor. O Livro dos Actos descreve-os durante os momentos em que «assíduos e concordes na oração com Maria» (cfr. ibid., 14), esperam a vinda do Espírito Santo, que lhes tinha sido prometido pelo Mestre. Naquela expectativa, naquela oração, naquela união fraterna que eles formam — preparando-se para a primeira Vinda e, em seguida, através daquela mesma Vinda vivendo na caridade — realiza-se, no seu princípio mais profundo, aquela frase «para um mundo unido», que constitui o símbolo empenhativo deste vosso encontro. Desta fusão, que se verificou no cenáculo, poder-se-ia dizer que encontra o seu início e a sua fonte toda a espiritualidade dos «focolarinos».

O Movimento, do qual sois uma expressão, tem o seu centro focal no amor, que o Espírito de Cristo difunde no coração dos fiéis. Deste amor o mundo de hoje tem uma necessidade imensa. Disto estais plenamente conscientes: reflectistes longamente sobre as tensões, causadoras de oposição entre indivíduos, classes sociais, áreas económicas e políticas, grupos que se inspiram em ideologias e crenças diversas. Em particular, destes-vos conta das divisões e contradições introduzidas na humanidade por aquelas ideologias que possuem uma base comum materialista e que, examinando-as bem, não podem ter outra perspectiva final senão a do temor de uma destruição recíproca.

Mas vós, caríssimos jovens, não cedestes perante estas realidades. Com o entusiasmo, que é próprio da vossa idade não vos rendestes ao Presente, dirigistes o vosso olhar para o futuro, na esperança confiante de poder deixar, a quem vier depois de vós, um mundo melhor do que aquele que encontrastes.

2. Que vos inspira uma semelhante confiança? Onde atingis a coragem para projectar e tentar a empresa ciclópica da construção de um mundo unido? Parece-me ouvir a resposta que irrompe dos vossos corações: «Na palavra de Jesus. Foi Ele que nos pediu que nos amássemos mutuamente até nos tornarmos uma coisa só. Ele, aliás, rezou por isto».

De facto é assim: escutamos novamente as suas palavras no texto evangélico há pouco proclamado. Jesus pronunciou aquelas palavras na Última Ceia, poucas horas antes de dar início à sua Paixão. São palavras em que está contida a ânsia suprema do coração do Verbo encarnado. Esta ânsia, Jesus confia-a ao Pai, o Único que pode compreender toda a intensidade e a urgência da mesma e o Único capaz de corresponder-lhe eficazmente. Jesus pede ao Pai o dom da unidade entre todos aqueles que acreditarão n'Ele: «Que todos sejam uma coisa só».

369 Não se trata de uma recomendação dirigida directamente a nós. Devemo-lo acentuar. Jesus, que nos conhece profundamente (cfr. Jo Jn 2,24 s.), sabe que não ,pode contar connosco para a actuação de um projecto tão radical. E necessária uma intervenção do Alto que, assumindo os nossos corações mesquinhos na corrente de amor que flui entre as Pessoas divinas, os torne capazes de superar as barreiras do egoísmo e de se abrirem ao «tu» dos irmãos de uma comunhão vital, em que cada um se perca como indivíduo para se encontrar num «nós», que fala com a voz mesma de Cristo, primogénito da nova humanidade.

A isso se referiu o Concílio Vaticano 11 quando, comentando o mesmo passo escriturístico, falou de «perspectivas inacessíveis à razão humana», todavia, se deduz que o homem, a única criatura na terra que Deus quis por si mesma, «não pode realizar-se plenamente senão pelo dom sincero de si mesmo» (Const. Gaudium et Spes GS 24).

Estas «perspectivas inacessíveis» nós podemo-las entrever, e nelas aventurar-nos, se nos abrirmos à graça de Cristo, que nos eleva à mesma participação da vida trinitária: o mistério altíssimo da eterna comunhão entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo torna-se, então, o modelo exemplar e como que a fonte alimentadora da comunhão que se deve estabelecer entre os homens: «Como Tu, ó Pai, estás em Mim e Eu em Ti, que também eles estejam em Nós, para que todos sejam um só». (Jn 17,21).

«Em nós»: a unidade plena não se constrói sobre outro fundamento. necessário, portanto, que cada um se esforce, antes de tudo, na procura de uma união sempre mais profunda com Cristo, mediante a fé, o diálogo da oração e a purificação do coração, se quiser contribuir eficazmente para a construção da unidade. Para o crente a dimensão vertical da abertura a Deus e da relação com Ele é o pressuposto que condiciona qualquer outro empenho na dimensão horizontal da relação com os irmãos.

3. Todavia, isto não significa, obviamente, que seja de pouca importância o empenho aplicado para estabelecer novas relações de cordialidade sincera com os irmãos. A qualidade destas relações é, ao contrário, segundo o ensinamento da Escritura, critério de verificação da autenticidade da relação que se diz ter com Deus (cfr. 1Jn 4,20 1Jn 3,17). 0 esforço para construir a unidade apresenta-se assim como o banco de prova, sobre o qual todo o cristão deve encontrar a seriedade da própria adesão ao Evangelho.

Qual será em concreto o comportamento que o cristão deverá assumir para ir ao encontro dos seus semelhantes? Deverá ser fundamentalmente um comportamento de confiança e de estima. O cristão deve acreditar no homem, acreditar «em todo o seu potencial de grandeza, mas também na sua necessidade de redenção do mal e do pecado que estão nele». Isto disse na Mensagem do início do ano para o Dia Mundial da Paz (cfr. n.° 2); e desejo reafirmar, nesta circunstância, a urgência de escavar muito profundamente em nós mesmos, para encontrar aquelas zonas, nas quais poderemos descobrir que os dinamismos constitutivos do homem levam o mesmo homem ao encontro, ao respeito mútuo, à fraternidade e à paz (cfr. ibid., 4).

4. Quando vemos as coisas por este prisma, somos levados espontaneamente a entender o outro e as suas razões, a reduzir os seus erros eventuais às proporções reais que lhes competem, a corrigir ou a integrar os próprios pontos de vista com base nos novos aspectos da verdade nascidos do confronto. Em particular, ficamos habilitados a fugir da atitude daqueles que, no ardor da polémica, acabam por desacreditar aqueles que pensam diversamente, atribuindo-lhes intenções desonestas e métodos incorrectos (cfr. ibid., 5).

Só quem cultiva o respeito sincero pelo próprio semelhante pode abrir com ele um diálogo frutuoso e construtivo. Naquela Mensagem defini o diálogo como «instrumento indispensável da paz» (ibid., 8). É-o de facto pelo menos quando quem o pratica se esforça por ater-se às regras que lhe são próprias. O meu predecessor, o Papa Paulo VI, descreveu-as admiravelmente na sua Encíclica Ecclesiam Suam: «O diálogo, lembrava ele, não é orgulhoso, não é pungente, não é ofensivo. A autoridade vem-lhe da verdade que expõe, da caridade que difunde, do exemplo que propõe; não é comando, não é imposição. E pacífico; evita os modos violentos; é paciente; é generoso» (n. 83).

O diálogo: eis a entrada sobre a qual é possível dar grandes passos para um entendimento cada vez mais profundo e para aquela unidade, que é a meta sempre perfectível nesta terra, porque nunca é inteiramente atingível.

5. Existe, todavia, uma exigência primordial, que condiciona todo o empenho sério neste sentido: ela consiste na disponibilidade para perdoar.

O pecado faz parte da bagagem do homem histórico. Não é possível, por isso, imaginar poder encontrar o homem sem encontrar o pecado. Uma orientação realista do diálogo não pode deixar de tomar em conta também a necessidade da «reconciliação» entre pessoas divididas pelo pecado. Por isso, Jesus insistiu com tanta força sobre o dever do perdão, até ao ponto de fazer dele a condição para, por nossa vez, podermos esperar o perdão de Deus (cfr. Mt Mt 6,12 Mt Mt 6,14 Mt Mt 6,15 Mt 18 Mt 35).

370 E Ele, em pessoa, deu-nos o exemplo, porque sobre a cruz se encontra a inocência absoluta com a malícia mais temerária. A oração: «Perdoa-lhes, ó Pai, porque não sabem o que fazem» (Lc 23,34) tira-nos todo o pretexto possível para nos fecharmos em nós mesmos e recusar-mos o perdão.

Santo Estêvão entendera-o perfeitamente: na Primeira Leitura desta Liturgia vimo-lo enquanto, caindo sob as pedradas, pronunciava as palavras que lhe esculpiam a grande moral para a eternidade: «Senhor, não lhes imputes este pecado» (Ac 7,60).

6. Caríssimos jovens, geração nova que leva nas mãos o mundo do futuro! Vós decidistes fazer do amor a norma inspiradora da vossa vida. Por isto, o esforço pela unidade tornou-se o vosso programa. E programa eminentemente cristão. O Papa tem, portanto, muito gosto em vos encorajar a que prossigais neste caminho, custe o que custar. Deveis dar aos da vossa idade o testemunho de um entusiasmo generoso e de uma consciência inflexível no empenho exigido pela vontade de construir um mundo unido.

A fonte a que ir buscar as energias necessárias para este caminho não fácil, vós sabeis onde encontrá-la: está no coração de Quem é «o Alfa e o Ómega, o Primeiro e o Ultimo, o Princípio e o Fim» (Ap 22,13). D'Ele se diz que oferece a cada um «gratuitamente» a água da vida» (ibid., 17).

Que Cristo seja, portanto, o vosso ponto seguro de referência, Ele é o fundamento de uma confiança que não conhece hesitações. A invocação apaixonada da Igreja: «Vem, Senhor Jesus», torna-se suspiro espontâneo do vosso coração, nunca satisfeito com o presente, porque está sempre inclinado para o «ainda não» do cumprimento prometido.

Caríssimos jovens, a vossa vida deve gritar ao mundo a vossa fé n'Aquele que disse: «Eis que eu venho em breve e trarei comigo a recompensa» (Ap 22,12). Vós deveis ser vanguarda do povo em caminho para aqueles «novos céus» e aquela «nova terra», onde habita a justiça» (2P 3,13). Os homens, que sabem olhar para o futuro, são os que fazem a história; os outros serão rebocados por eles e acabarão por se encontrar nas margens, emaranhados numa rede de ocupações, de projectos, de esperanças que, na prestação de contas, se revelarão enganáveis e alienantes. Só quem se empenha no presente, sem se deixar «prender», mas permanecendo com o olhar do coração fixo nas «coisas lá de cima, onde Cristo se encontra sentado à direita de Deus» (Col 3,1), pode orientar a história para o seu remate.

De tal remate é esta nossa Celebração eucarística uma antecipação «no mistério». Agora, como em cada Missa, à invocação da Igreja, esposa de Cristo sujeita ainda às tribulações do mundo presente, une-se a do Espírito: «O Espírito e a Esposa dizem: 'Vem'» (Ap 22,17). A Liturgia da terra harmoniza-se com a do céu. E agora, como em cada Missa, ao nosso coração necessitado de conforto chega a resposta acalmante: «Aquele que atesta estas coisas diz: 'Sim, Eu venho em breve'!» (ibid., 20).

Fortalecidos por esta certeza, nós retomamos o caminho pelas estradas do mundo, sentindo-nos entre nós mais unidos e solidários e, ao mesmo tempo, levando no coração o desejo, tornado mais ardente, de oferecer aos irmãos, envolvidos ainda na sombra da dúvida e do desconforto, o «alegre anúncio», que também surgiu no horizonte da existência deles «a estrela resplandecente da manhã» (Ap 22,16): o Redentor do homem, Cristo Senhor.





VISITA DO SANTO PADRE À PARÓQUIA ROMANA

DO SAGRADO CORAÇÃO DE CRISTO REI


Domingo, 18 de Maio de 1980




1. A visita de hoje do Bispo de Roma à paróquia de Cristo Rei tem carácter especial. Esta visita, assim como todas as outras feitas às paróquias da Igreja Romana, obedece a uma antiquíssima tradição apostólica e, ao mesmo tempo, serve para missões fundamentais e finalidades pastorais. Não posso todavia passar em silêncio uma circunstância particular: hoje ocorre o sexagésimo aniversário da colocação da primeira pedra deste Templo. Naquele longínquo 18 de Maio de 1920, estava também presente naquele significativo acontecimento o Servo de Deus Padre Leão Dehon, fundador da Congregação dos Sacerdotes do Sagrado Coração, que nestes 60 anos exerceram com muito empenho e muito fruto o seu apostolado nesta paróquia, cuja igreja de linhas modernas é dedicada ao "Sagrado Coração de Cristo, Rei Pacífico".

Não posso, neste meu encontro, deixar de expressar a minha complacência e a minha saudação ao Pároco, Padre Mário Barrizza, e aos sacerdotes religiosos seus colaboradores; todos unidos fraternalmente na mesma vocação e no mesmo ideal de doação pelas almas desta comunidade paroquial, pujante de vida e iniciativa, com os seus 9.000 fiéis e 3.000 núcleos familiares.

371 Uma cordial saudação às Religiosas, que exercem o seu precioso apostolado na área da paróquia: as Irmãs Carmelitas da Caridade; as Irmãs do Preciosíssimo Sangue, de Monza; as Irmãs Canossianas "di Santo Spirito in Sassia"; e as Irmãs da Paixão de Nosso Senhor.

Uma afectuosa saudação aos pais e às mães, para quem vai a minha palavra de alento pela missão continua e delicada, que têm de exercer nas suas famílias. Uma saudação a todos os leigos empenhados no apostolado, isto é, aos membros da Acção Católica, às Colaboradoras familiares, à Pia União dos Porteiros, ao Grupo do Voluntariado Vicentino, ao Renascimento Cristão, ao Grupo de Oração do Padre Pio, ao grupo "Famílias Novas" e às "Mães Catequistas".

Aos jovens, aos rapazes e às crianças da paróquia uma especial recordação e um aplauso pelas várias iniciativas espirituais, que sabem animar com o seu entusiasmo e generosidade.

A todos, especialmente aos que sofrem no espírito e no corpo, a minha sincera saudação.

Venho hoje à vossa Comunidade para — depois de 60 anos da sua existência e da sua intensa actividade — agradecer a Deus, que é a origem de todas as coisas; para Lhe agradecer juntamente convosco, caros Irmãos e Irmãs, que formais esta paróquia: esta comunidade da Igreja Romana Convosco, que sois a geração primeira, a segunda e já a terceira dós paroquianos de Cristo Rei.

O nascimento de uma paróquia — como a comunidade organizada de modo jerárquico do Povo de Deus, segundo o modelo das comunidades primitivas que os Apóstolos formavam e visitavam — encerra sempre em si o grande mistério do nascimento para seus de cada um de nós, quer — nascidos dos nossos pais terrestres, para a vida humana — nascemos, ao mesmo tempo, dentro da Igreja mediante a Graça, nascemos, no Sacramento do Baptismo, para a vida divina como filhos adoptivos de Deus.

E o dia de hoje leva-me a recordar também a hora do meu nascimento, chegada há 60 anos na terra polaca no mesmo dia, 18 de Maio, em que se colocava a primeira pedra desta, igreja, em que agora estamos reunidos para celebrarmos juntos a solenidade da Ascensão de Nosso Senhor Jesus Cristo. Neste dia recordo-me com particular gratidão dos meus Pais: da minha Mãe e também do meu Pai, mas recordo-me também da minha paróquia (em Wadowice) como a igreja-mãe que pouco depois me recebeu recém-nascido, nascido de Pais terrestres, para a graça do Baptismo e para a comunidade do Povo de Deus.

Alegro-me, caros Irmãos e Imãs, de que, cumprindo hoje o meu serviço de Bispo, possa viver em união convosco — no espírito da fé, da esperança e da caridade — a profunda eloquência e o mistério deste Dia, no qual a Igreja recorda, com a Ascensão, a glorificação eterna de Jesus, sentado à direita do Pai.

Jesus, morto pelos nossos pecados, ressuscitou com um prodígio divino e singular: a Sua humanidade foi transformada. Com a ressurreição, triunfou plenamente da corrupção, da mortalidade e de todos aqueles males que podem impedir a felicidade autêntica do homem. Com a ascensão, a natureza humana de Cristo foi levada ao ápice da glorificação: "a nossa humilde natureza — diz São Leão Magno — foi sublimada até sentar-se em Cristo — no mesmo trono de Deus Pai, acima de todo o exército celestial, sobre todas as falanges angélicas, acima do limite de altura de qualquer potência" (Sermo 74, De Asc. Dom., II, 1; PL 54, 397).

Este grande mistério de fé suscita, em nós todos, extraordinária esperança: também nós seguiremos a Cristo na sua definitiva glorificação, a Ele nos uniremos por toda a eternidade: "Verdadeiros eram os ossos de Cristo, verdadeiros os nervos, verdadeiras as cicatrizes... Tudo verdadeiro. Mas é também verdade que o Seu corpo físico nos precedeu no céu. Predeceu-nos a Cabeça. Segui-lo-ão os membros" (S. Agostinho, Sermo 464, De Asc.IV, 6; PL 38, 1218). Esta esperança cristã dá significado a toda a nossa vida terrena.

2. Na operar divino encontram-se, de modo maravilhoso, o fim e o princípio. Temos disso testemunhos, em particular, nas leituras da sagrada liturgia, ligada antigamente ao Domingo depois da Ascensão do Senhor.

372 No fim do Apocalipse, o último livro do Novo Testamento, o livro que esclarece o fim e o termo da temporalidade, ouvimos o seguinte prenúncio: "Eis que venho em breve e trarei comigo a recompensa: Darei a cada um segundo as suas obras. Eu sou o Alfa e o Omega, o Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim" (Ap 22,12-13).

E, como eco deste prenúncio ressoam, na dimensão apostólica, as vozes cheias de uma fervorosa oração: "O Espírito e a Esposa dizem: 'Vem!'. E aquele que ouve diga: 'Vem!'. Aquele que tem sede, venha! Aquele que o deseja, receba gratuitamente a água da vida" (Ap 22,17).

Ouve-se de novo a voz do Mensageiro, a Voz de Cristo: "O que dá testemunho destas coisas diz: "Sim, Eu venho em breve" (Ap 22,20). E depois a última invocação do Apóstolo e juntamente de toda a Igreja, da criação: "Amen. Vem, Senhor Jesus (Marana tha)".

Assim, pois, o termo torna-se o início. O início novo. O início definitivo de todas as coisas em Deus.

O próprio Deus não conhece em si nem início nem termo. Está fora do início e fora do termo. Mas, ao mesmo tempo, é o início e o fim de toda a criação. Sendo o início mais perfeito para o homem, criado à Sua imagem e semelhança, Ele, para este homem que n'Ele, em Deus, encontra o seu termo, torna-se, por obra de Jesus Cristo, o novo início definitivo.

Esta é a verdade que todos nós — comunidade e pessoas — devemos meditar de modo especial quando pensamos no nosso início: no dia do nascimento, naquele início a que corresponde o termo, o fim no tempo. O homem e a Igreja encontram este termo em Deus e Ele torna-se o novo início definitivo, por obra de Jesus Cristo.

3. Jesus Cristo tem consciência de se aproximar o termo da Sua missão terrestre: de se aproximar o momento de deixar o mundo. Disso fala claramente aos que estão mais perto d'Ele, aos Apóstolos reunidos no cenáculo: "Convém-vos que Eu vá..." (Jn 16,7). E ao mesmo tempo diz: "Não vos deixarei órfãos, voltarei para vós" (Jn 14,18), "e o vosso coração alegrar-se-á" (Jn 16,22).

Diz portanto: Eu vou..., e diz: voltarei a vós.

Esse ir-se embora que se aproxima — esse termo que deve chegar: o ir-se embora através da paixão, da cruz e da morte — é o início da nova vinda. Ela manifestar-se-á ao terceiro dia mediante a ressurreição de Cristo, no poder do Espírito Santo, e durará sempre em todos aqueles que, aceitando o Mistério da ressurreição de Cristo, submetem os seus corações ao poder deste Espírito, cuja descida se opera constantemente.

Esta verdade é importante e fundamental quer para cada um de nós — homens, baptizados — quer também para todas as comunidades do Povo de Deus na Igreja. É importante também para a vossa paróquia e para o vosso Bispo, que hoje, juntamente com a vossa paróquia, regressa com a memória e o coração ao início, ao dia do seu nascimento. É a verdade importante e fundamental, porque nela se desenha a plena trajectória da vida, que nós temos em Jesus Cristo. Nós vivemos na trajectória do "Seu afastar-se e, juntamente, da Sua vinda. Vivemos no poder do Espírito Santo, que faz que a nossa vida humana tenha o seu novo início na ressurreição de Cristo, e o seu termo em Deus mesmo que não conhece limites.

E por isso Estêvão, diácono de Jerusalém, primeiro mártir, que, lapidado pelos seus compatriotas, agonizava com palavras de perdão, na última palavra elevou esta comovedora oração: "Senhor Jesus, recebe o meu espírito" (Ac 7,59).

373 Satisfazendo o objecto da oração do Seu mártir — mas também de qualquer homem, de qualquer de nós — Cristo realiza continuamente o seu "marana tha". Nesta perspectiva vive sempre a igreja. Nesta perspectiva cada um de nós vive e morre nesta terra.

4. E por isso a última oração de Jesus Cristo, no seu termo que se aproximava aqui na terra — paixão, cruz e morte —, é a oração pela descida contínua do Espírito Santo para o Pentecostes:

Peço "que todos sejam uma só coisa; como Tu, ó Pai, estás em Mim e Eu em Ti, que também eles sejam em Nós uma só coisa" (
Jn 17,21).

A oração sacerdotal de Cristo, no dia que precedeu a sua partida do mundo, é orientada plenamente para a descida do Espírito Santo, o Pentecostes (é necessário que toda a Igreja tome como sua esta oração sobretudo no período actual): Cristo continuamente vem a nós n'Ele — e está connosco por meio d'Ele. E também nós mesmos, unidos n'Ele e por Ele com Cristo, constituímos a unidade: a unidade da fé, aqui na terra, a unidade da glória, na vida futura, que tem o seu início na ressurreição de Cristo.

A fé é o início da glória.

A unidade — união dos discípulos — é testemunho da força do Espírito, testemunho da missão de Cristo.

A Igreja, confiada na força do Espírito Santo que recebe continuamente de Cristo, não cessa de pedir pela união de todos os seus confessores, não cessa de aspirar a ela, não cessa também de ter confiança na união de todos os homens por obra da sua Cruz e Ressurreição.

Não cessa também a Igreja de ter confiança na salvação de cada homem, não cessa de encaminhar-se para a futura glória do homem em Cristo, não cessa de actuar e de sofrer por esta glória:

"Pai, quero que aqueles que Me deste, onde Eu estiver, também eles estejam comigo, para que vejam a Minha glória, a glória que Tu Me deste; porque Tu Me amaste antes da fundação do mundo. Pai justo, se o mundo não Te conhece, eu conheci-Te, e estes conheceram que Tu Me enviaste. Dei-lhes a conhecer o Teu nome e dá-lo-ei a conhecer, para que o amor com que Me amaste esteja neles e Eu esteja neles também" (Jn 17,24-26).

Caros Irmãos e Irmãs

A Mãe de Cristo ressuscitado e a Esposa do Espírito Santo obtenha para cada um de nós — e para toda a vossa Comunidade — realizar-se em nós o objecto da oração sacerdotal de Cristo.

374 Aplique-se a nós sempre a força do Amor no Espírito Santo, mediante a qual nós nos unamos a Deus, e entre nós reciprocamente nos tornemos irmãos.

A nossa vida cheque a levar sempre a isto que é aspiração, desejo e invocação: "Vem, Senhor Jesus" (Marana tha)

Tudo em nós sirva para esta coisa só.





SANTA MISSA NA FESTA DE PENTECOSTES




25 de Maio de 1980




Venerados Irmãos e caríssimos Filhos!

I. Eis que chegou de novo para nós, conforme o calendário litúrgico, «o dia do Pentecostes»... (Ac 2,1), dia de particular solenidade que, pela dignidade da celebração e pela riqueza de espiritual conteúdo, se associa ao dia mesmo da Páscoa. E possível estabelecer uma comparação entre o Pentecostes, narrado pelos Actos dos Apóstolos, o que tinha ocorrido cinquenta dias após a Ressurreição do Senhor, e o Pentecostes de hoje? Sim, não só possível, mas segura, incontestável e corroborante é uma tal ligação na vida e para a vida da Igreja, a nível quer da sua história bimilenária, quer da actualidade do tempo que estamos vivendo, como homens desta geração. Temos o direito, o dever e a alegria de dizer que o Pentecostes continua. Falamos legitimamente de «perenidade» do Pentecostes. De facto, sabemos que cinquenta dias depois da Páscoa, os Apóstolos. reunidos naquele mesmo Cenáculo, que já tinha sido o lugar da primeira Eucaristia e, sucessivamente, do primeiro encontro com o Ressuscitado, sentem em si a força do Espírito Santo, descido sobre eles, a força d'Aquele que o Senhor lhes tinha prometido muitas vezes a preço do seu sofrer mediante a cruz, e robustecidos por esta graça, começaram a agir, isto é, a exercer o seu ministério. Nasce a Igreja apostólica. Mas hoje ainda — eis a ligação — a Basílica de São Pedro, aqui em Roma, é como um prolongamento, é uma continuação do primitivo Cenáculo de Jerusalém, como o é cada templo e capela, e cada lugar em que se reúnem os discípulos e os confessores do Senhor; e nós aqui estamos reunidos para renovar o mistério deste grande dia.

Tal mistério deve manifestar-se de modo particular — como sabeis — mediante o Sacramento do Crisma, que hoje, após conveniente preparação, vão receber numerosas crianças e jovens cristãos da diocese de Roma, que estão aqui reunidos. A estes filhos, precisamente porque destinatários do «dom de Deus altíssimo» e beneficiários da acção inefável do seu Espírito dirige-se esta manhã a minha primeira saudação, que quer significar a predilecção e a confiança, que nutro por eles. A minha saudação estende-se, depois aos seus padrinhos e madrinhas, aos seus pais e parentes e a todos os que, em união de intenções e de sentimentos, participam nesta significativa e sugestiva celebração.

2. Devemos agora reflectir que o Pentecostes se iniciou precisamente na mesma tarde da Ressurreição. Quando o Senhor ressuscitou — como nos referiu o Evangelho há pouco proclamado (Jn 20,19-20) — veio pela primeira vez pôr-Se no meio dos Apóstolos, no Cenáculo, e, depois de os ter saudado com o augúrio da paz, soprou sobre eles e disse: «Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados...» (ibid.22-23). Eis, é este o dom pascal, porque estamos no primeiro dia, ou seja no elemento gerador daquela série numérica de dias, na qual o dia do Pentecostes é exactamente o quinquasésimo; porque estamos no ponto de partida, que é a realidade da Ressurreição, pela qual, segundo uma relação de causalidade antes que de cronologia, Cristo deu o Espírito Santo à Igreja como dom divino e como fonte incessante e inexaurível da santificação. Noutras palavras, devemos considerar que, na tarde mesma da sua Ressurreição, com uma pontualidade impressionante, Cristo cumpre a promessa feita tanto em particular como em público, à mulher de Samaria e à multidão dos Judeus enquanto falava de uma água viva e salutar, e convidava a vir a Ele para a poder ter em abundância e com ela extinguir para sempre a sede (cfr. Jo Jn 4, 10, 13-14; 7, 37). «E dizia isto — comenta o evangelista — referindo-se ao Espírito, que deviam receber os que n'Ele acreditassem: pois o Espírito ainda não viera, por Jesus não ter sido ainda glorificado» (Jn 7,39). Assim, logo que aconteceu a glorificação, aquela mesma promessa do envio-chegada (quem mittet; cum venerit) do Espírito Paráclito, formalmente confirmada «pridie quam pateretur» aos seus Apóstolos (Jn 14, 16, 26; 15, 26; 16, 7-8, 13) é imediatamente realizada.

«Recebei o Espírito Santo...» e este dom de santidade começa logo a agir: a santificação inicia-se — segundo as próprias palavras de Jesus — pela remissão dos pecados. Antes há o Baptismo, o sacramento do total cancelamento das culpas, qualquer que seja o seu número e a sua gravidade; depois há a Penitência, o sacramento da reconciliação com Deus e com a Igreja, e também a Unção dos Enfermos. Mas esta obra de santificação atinge sempre o seu ápice na Eucaristia, o sacramento da plenitude de santidade e de graça: «Mens impletur gratia». E qual é, neste admirável fluxo de vida sobrenatural, o lugar que cabe à confirmação? É preciso dizer que a mesma santificação se exprime também no revigoramento, precisamente na Confirmação. Nela também, de facto, está. em superabundante plenitude o Espírito Santa e santificador, nela está o Espírito de Jesus para agir numa direcção particular e com uma eficácia toda própria; é a direcção dinâmica, é a eficácia da acção interiormente inspirada e dirigida. Também isto estava previsto e predito: «Entretanto, permanecei na cidade até serdes revestidos com a força lá do Alto» (Lc 24,49); «Mas ides receber uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós» (Ac 1,8). A natureza do Sacramento da Confirmação brota desta concessão de força que do Espírito de Deus é comunicada a cada um dos baptizados, para o tornar — segundo a conhecida terminologia catequética — perfeito cristão e soldado de Cristo, pronto a testemunhar com coragem a sua ressurreição e a sua vida redentora: «E vós sereis Minhas testemunhas» (Ac 1,8).

3. Se este é o particular significado da Confirmação pelo fortalecimento em nós «do homem interior», na tríplice linha da fé, da esperança e da caridade, é fácil compreender como ela, por directa consequência, tenha grande significado também para a construção da comunidade da Igreja, como Corpo de Cristo (cfr. II Leitura tirada Da 1 Cor. 12). Também a este segundo significado se deve dar o devido realce, porque permite colher, além da dimensão pessoal, a dimensão comunitária e, propriamente eclesial na acção fortificadora do Espírito. Escutámos Paulo que nos falava desta acção e da distribuição, por parte do Espírito, dos seus carismas «para proveito comum». Não é justamente nesta elevada perspectiva que se enquadra a vasta e hoje tão actual temática do apostolado e, de modo especial, a do apostolado dos leigos? Se «a manifestação» particular do Espírito é dada a cada um para «proveito comum», Como poderia um cristão sentir-se estranho ou indiferente ou exonerado na obra de edificação da Igreja? A exigência do apostolado laical deriva daqui e define-se com obrigatória resposta aos dons recebidos. A propósito, penso que será bom ter presente — limito-me a um simples aceno — aquele texto conciliar que, sobre os fundamentos bíblico-teológicos da nossa inserção no Corpo Místico de Cristo mediante o Baptismo e da força recebida pelo Espírito mediante a Confirmação, apresenta o ministério que diz respeito a cada membro da Igreja como um «nobre compromisso de apostolado». «Para exercer este apostolado — acrescente-se — o Espírito Santo dá também aos fiéis dons especiais», de tal modo que deles advém correlativamente o dever de trabalhar e de colaborar para edificação de todo o corpo na caridade« (cfr. Decr. Apost. Actuos., proém. e n. 3).

4. A Confirmação — como todos sabem e como vos foi explicado, caros jovens e rapazes, a quem vai ser conferida hoje — recebe-se somente uma vez na vida. Contudo, ela deve deixar um sinal duradouro: precisamente porque marca indelevelmente a alma e nunca deve ser reduzida a uma longínqua recordação ou a uma evanescente prática religiosa que logo se exaure. É necessário, portanto, perguntar-se como o encontro sacramental e vital com o Espírito Santo, que recebemos pelas mãos dos apóstolos mediante o Crisma, pode e deve perdurar e enraizar-se mais profundamente na vida de cada um de nós. A sequência do Pentecostes VENI SANCTE SPIRITUS demonstra-nos isto esplendidamente: ela recorda-nos, antes de tudo, que devemos implorar com fé e com insistência este dom admirável, e ensina-nos também como e quando devemos invocá-lo.

375 Oh! Vinde, Santo Espírito, enviai-nos um raio da vossa luz... Consolador perfeito, dai-nos o vosso doce alívio, o descanso no labor e o remanso na aflição. Dai-nos a força, porque sem ela nada pode o homem e nenhum bem há nele!

5. Como acenei no início, Pentecostes é dia de alegria, e agrada-me exprimir, mais uma vez, um tal sentimento pelo facto de que pode-mos deste modo renovar o mistério do Pentecostes na Basílica de São Pedro. Mas o Espírito de Deus não está circunscrito: ele sopra onde quer (
Jn 3,8), penetra por toda a parte, com soberana e universal liberdade. É por isso que do interior desta Basílica, como humilde sucessor daquele Pedro, que justamente no dia do Pentecostes iniciou com coragem intrepidamente apostólica o ministério da Palavra, encontro também a força de gritar Urbi et Orbi: «Vinde Espírito Santo, enchei os corações dos vossos fiéis e acendei neles o fogo do vosso amor». Assim seja para toda a Igreja e para toda a humanidade!



Homilias JOÃO PAULO II 368