Homilias JOÃO PAULO II 413


VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE AO BRASIL



PARA OS CATEQUISTAS EM PORTO ALEGRE


Porto Alegre, 5 de Julho de 1980




Veneráveis Irmãos,
filhos diletíssimos!

414 1. Laudetur Iesus Cristus! (Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!). É com estas palavras de saudação cristã que desejo dirigir-me a vós neste encontro marcado pela Providência no programa de minha viagem pelo Brasil, nesta hora de plenitude espiritual.

Agradeço-vos o conforto que me proporciona este vosso acolhimento tão afetuoso e cordial. Não vos detenhais, no entanto, em minha humilde pessoa. Elevem-se, antes, os vossos corações até Aquele que ela representa e serve, o Senhor Jesus Cristo. em seu nome que venho a vós. A Ele, que daqui a pouco baixará a este altar, toda a honra e glória, particularmente neste dia iluminado pelo suave e pacífico triunfo eucarístico em terras do Brasil.

Vindo ao encontro de um desejo vosso, talvez nem mesmo manifestado, quisera responder, antes de tudo, a algumas perguntas que, mais ou menos conscientemente, devem ter aflorado ao vosso coração: Por que o Papa veio de tão longe até nós? Quais os motivos que o levaram a isto?

Pois bem, filhos diletíssimos, a razão é esta: vim para conhecer-vos melhor, para escutar-vos, para entrar em diálogo convosco, para mostrar-vos que a Igreja está perto de vós e partilha os vossos problemas, as vossas dificuldades e sofrimentos, as vossas esperanças. Sou o primeiro Papa que chega a esta terra belíssima. Então, vim ainda para agradecer convosco ao Senhor pelo dom inestimável que vos foi concedido, a fé católica. O vosso maravilhoso país, onde a natureza derramou imensas riquezas, é um país jovem, aberto ao futuro, de impressionante pujança em todos os setores da vida humana. A vossa riqueza maior, porém, é o patrimônio religioso e moral da vossa tradição cristã. Este patrimônio não só merece ser conservado a todo custo, mas, mais do que isto, deve inserir-se no movimento ascensional da Nação, deve ser a sua alma, a fim de que, como tem sido católico o substrato da vossa história de ontem, assim seja também cristãmente vivo e operante o espírito de vossa sociedade de hoje.

Cumprindo a missão recebida por Pedro e seus sucessores, vim para confirmar-vos na fé. Ouvimos na segunda leitura que Paulo percorria as cidades já evangelizadas, exortando os cristãos a observarem a doutrina apostólica e confirmando-os na fé recebida (cf. At
Ac 16,4-5). Peço a Deus que esta minha viagem apostólica tenha para vós o mesmo sentido e obtenha o mesmo resultado.

Por isso, filhos diletíssimos, os melhores votos que posso fazer-vos, a diretriz que desejo deixar-vos como lembrança desta minha viagem, são as palavras de São Pedro às comunidades da Igreja nascente. Permanecei firmes na fé (1P 5,9): firmes na adesão interior, plena e sincera ao Evangelho; e firmes na proclamação exterior, isenta de qualquer intemperança ou desrespeito para com as opiniões alheias, mas franca, corajosa, coerente, perseverante, digna da fé dos vossos pais.

2. Sois uma Nação que hoje se encontra em fase de transformação febril. E isto traz consigo não pequenas mutações, bem o sabeis, não só quanto ao aspecto exterior do País, mas ainda mais quanto ao interior da vida e dos costumes do povo.

Estarão os cristãos do Brasil preparados a enfrentar o choque provocado por esta passagem das velhas às novas estruturas econômicas e sociais? A sua fé estará em condições de permanecer inabalável?

Em outros tempos, a muitos bastava um padrão modesto de instrução elementar e aquela sincera religiosidade popular, enraizada tão profundamente com suas várias expressões no contexto social e cultural de vossa Nação.

Hoje não é mais assim. A difusão da cultura, o espírito crítico, a publicidade dada a todas as questões, os debates, exigem um conhecimento mais completo e aprofundado da fé. A própria religiosidade popular deve ser alimentada com explicitação sempre maior da verdade revelada e liberada dos elementos que a fazem parecer inautêntica. Ela precisa do alimento sólido de que fala São Paulo. Em outras palavras: Impõe-se um esforço sério e sistemático de catequese. Eis o problema que hoje se põe diante de vós em toda a sua gravidade e urgência.

Providencialmente, este esforço já está sendo realizado em vosso País. Tal esforço corresponde à tarefa fundamental da Igreja, à sua missão primária e específica. “Evangelizados pelo Senhor no seu Espírito – assim se expressaram os vossos Bispos em Puebla – fomos enviados para levar a Boa Nova a todos os irmãos, especialmente aos pobres e esquecidos”(Puebla, 164).

415 Trata-se de uma incumbência grandiosa, à qual todos somos chamados a dar a nossa contribuição.

Um edifício é constituído de muitas pedras; sua construção é o fruto conjunto de quem o ideou e de quem lhe executou os planos.

3. Assim acontece com a Igreja, como a vemos hoje: o grande artífice é Deus, que a idealizou e continua a vivificá-la; mas as pedras são aqueles que serviram como instrumentos dóceis e prontos para a ação do Espírito Santo e que transmitiram esta maravilhosa herança da fé. Cabe agora a nós continuá-la e ampliá-la, para que se torne realidade o advento do Reino de Deus.

Que serviço mais belo que o do catequista que anuncia a Palavra divina, que se une com amor, confiança e respeito ao próprio irmão, para ajudá-lo a descobrir e realizar os desígnios providenciais de Deus sobre ele?

Mas trata-se também de uma tarefa extremamente árdua e delicada, porque a catequese não é simples ensino, mas é transmissão de uma mensagem de vida, como jamais será possível encontrar em outras expressões do pensamento humano, mesmo sublimes.

Quem diz “mensagem”, diz algo mais do que doutrina. Quantas doutrinas de fato jamais chegam a ser mensagem!

A mensagem não se limita a propor idéias: ela exige uma resposta, pois é interpelação entre pessoas, entre aquele que propõe e aquele que responde.

A mensagem é vida. Cristo anunciou a Boa Nova, a salvação e a felicidade: “Bem-aventurados os pobres em espírito, bem-aventurados os mansos, bem-aventurados os perseguidos...”(cf. Mt
Mt 5,3-11); e ainda: “Deixo-vos a minha paz, dou-vos minha alegria” (cf. Jo Jn 14,27 Jn 15,11).

As multidões escutavam-no porque viam nele a esperança e a plenitude da vida (cf. Jo Jn 10,10).

Além disso, é preciso respeitar esta mensagem divina, pois o homem não é juiz da palavra e da obra de Deus (cf. Catechesi Tradendae CTR 17 CTR 29 CTR 30 CTR 49 CTR 52 CTR 58 CTR 59). Deve respeitá-la mantendo-se fiel, antes de tudo, a Cristo, à sua verdade, a seu mandato - sem isso haveria alteração, traição - e ao homem, destinatário da palavra e da mensagem do Senhor. E não ao homem abstrato, imaginário, mas ao homem concreto que vive no tempo, com seus dramas, suas esperanças. É a este homem que se deve anunciar o Evangelho, a fim de que nele e por ele receba do Espírito Santo a força para realizar-se plenamente, na integridade do seu ser e dos seus valores.

A eficácia da catequese, por conseguinte, dependerá em grande parte desta sua capacidade de dar um sentido, o sentido cristão a tudo aquilo que constitui a vida do homem em seu tempo, homem entre os homens, cidadão entre cidadãos.

416 4. Quanto ao tema da catequese, sabeis que o pensamento da Igreja foi amplamente apresentado na recente Exortação Apostólica Catechesi Tradendae. Não pretendo repetir o que foi dito neste documento. Todavia quisera chamar a atenção para alguns pontos que mais de perto tocam as necessidades da Igreja no Brasil.

Antes de mais nada: a catequese na família. Nos primeiros anos de vida da criança, lançam-se a base e o fundamento do seu futuro. Por isso mesmo, devem os pais compreender a importância de sua missão a este respeito. Em virtude do batismo e do matrimônio são eles os primeiros catequistas de seus filhos: de fato, educar é continuar o ato de geração. Nesta idade, Deus passa de modo particular “através da intervenção da família” (Sacrae Congregationis Pro Clericis, Directorium Catechisticum Generale, 79).

As crianças têm necessidade de aprender e de ver os pais que se amam, que respeitam a Deus, que sabem explicar as primeiras verdades da fé (cf. Catechesi Tradendae
CTR 36), que sabem apresentar o “conteúdo cristão” no testemunho e na perseverança “de uma vida de todos os dias vivida segundo o Evangelho”(Ibidem, 68).

O testemunho é fundamental. A palavra de Deus é eficaz em si mesma, mas adquire sentido concreto quando se torna realidade na pessoa que anuncia. Isto vale de modo particular para as crianças que ainda não têm condições para distinguir entre a verdade anunciada e a vida daquele que a anuncia. Para a criança não há distinção entre a mãe que reza e a oração; mais ainda, a oração tem especial valor porque é a reza da mãe.

Não aconteça, diletíssimos pais que me ouvis, que vossos filhos cheguem à maturidade humana, civil e profissional, ficando crianças em assuntos de religião. Não é exato dizer que a fé é uma opção a fazer-se em idade adulta. A verdadeira opção supõe o conhecimento; e nunca poderá haver escolha entre coisas que não foram sábia e adequadamente propostas.

Pais catequistas, a Igreja tem confiança em vós, ela espera muito de vós.

Quero, além disso, recomendar vivamente a catequese paroquial. A paróquia é o lugar em que a catequese pode desdobrar toda a sua riqueza. Nela, a escuta da palavra se associa à oração, à celebração da Eucaristia e dos outros sacramentos, à comunhão fraterna e ao exercício da caridade. Nela, o mistério cristão é anunciado e vivido. Urge que cada paróquia se torne um lugar onde a catequese ocupa a maior das atenções e reencontre “a própria vocação, que é a de ser uma casa de família, fraternal e acolhedora, onde os batizados e os confirmados tomam consciência de ser Povo de Deus”(Ibidem, 67).

Há ainda o ensino religioso nas escolas.

Na escola, o cidadão se forma através da cultura e da preparação profissional. A educação da consciência religiosa é um direito da pessoa humana. O jovem exige ser encaminhado para todas as dimensões da cultura e quer também encontrar na escola a possibilidade de tomar conhecimento dos problemas fundamentais da existência. Entre estes ocupa o primeiro lugar o problema da resposta que ele deve dar a Deus. impossível chegar a autênticas opções de vida, quando se pretende ignorar a religião que tem tanto a dizer, ou então quando se quer restringi-la a um ensino vago e neutro e, por conseguinte, inútil, por ser destituído de relação a modelos concretos e coerentes com a tradição e a cultura de um povo.

A Igreja, ao defender esta incumbência da escola, não tem pensado nem pensa em privilégios: ela propugna por uma educação integral ampla e pelos direitos da família e da pessoa.

5. Finalmente, quero lembrar a grande contribuição que nos vem dos meios de comunicação social.

417 Não podemos deixar de admirar seu enorme desenvolvimento. Por eles, a cultura chega a todos os recantos, já não há barreiras de espaço e de tempo. Penetram estes meios na intimidade dos lares e chegam aos lugares mais humildes e distantes.

São muitas as vantagens que oferecem: informam com rapidez, instruem, divertem, irmanam os homens, juntam à expressão racional a imagem, o símbolo, o contacto pessoal; a palavra se conjuga com a expressão estética e artística.

Seu poder é tal que dá força àquilo de que falam, e diminui o que silenciam.

Podem ter os seus riscos como os da cultura nivelada e, por conseguinte, reduzida; da passividade e da emotividade e, por conseguinte, do depauperamento de senso crítico; da manipulação e, por conseguinte, do impulso à evasão e ao hedonismo.

Estes defeitos, no entanto, não estão ligados à técnica e seus meios, e sim ao homem que deles se serve. A catequese, que até agora teve expressão sobretudo escrita, é convocada a exprimir-se sempre mais também através destes novos instrumentos. A tarefa é grande e de muita responsabilidade: é preciso agir nos meios de comunicação e ao mesmo tempo educar para o uso destes instrumentos (cf. Inter Mirifica
IM 3). Construiremos a Igreja também à medida que soubermos trabalhar neste campo.

6. Filhos diletíssimos, pouco valor teria uma catequese, mesmo substanciosa e segura, se não for transmitida com eficiência de expressão e apoio daqueles subsídios didáticos que hoje se apresentam sempre mais ricos e sugestivos. A catequese exige uma “ars docendi” especial, uma pedagogia própria. Para possui-la não basta a informação comum, muitas vezes aproximativa e empírica, como a pode ter qualquer sacerdote ou religioso ou qualquer leigo que tem instrução religiosa.

Muitos elementos culturais, didáticos e sobretudo morais são necessários, para dar ao catequista o prestígio e a eficiência que o devem qualificar. Não há, porventura, aqui o perigo que, na falta de tais exigências, o ensino catequético não só fique infrutífero, mas por vezes até nocivo? Por isso verificamos com grande satisfação que também entre vós aparecem e se multiplicam as escolas de catequese, para possibilitar aos catequistas uma preparação doutrinal, didática e espiritual progressivamente atualizada. Assim compreendereis que eu, cheio de viva esperança acompanhada de insistente oração, formule os meus votos calorosos pelo feliz e fecundo êxito de todas estas acertadas iniciativas.

O Evangelho de hoje nos falou através de símbolos de vida e de crescimento, lento talvez, mas constante: é a semente que, lançada à terra, se desenvolve até à espiga; é o grão de mostarda que chega a se tornar arbusto em que as aves do céu encontram abrigo (cf. Mc Mc 4,1-2 Mc Mc 4,26-32). Que cada um de vós medite bem sobre o sentido dessas palavras do Senhor e, vivendo sua vocação e missão específicas na Igreja, tenha em si mesmo essa vida e participe desse crescimento, para ajudar também os outros a crescer em fé firme e amadurecida.

Diletíssimos filhos, falei-vos com afeto profundo; dei-vos algumas diretivas, mas sobretudo quis encorajar-vos. Que o Senhor vos abençoe no caminho que com alegria louvavelmente empreendestes. Recomendo-vos todos à proteção de Maria Santíssima, “Mãe e modelo dos catequistas”(Catechesi Tradendae CTR 73).





VIAGEM APOSTÓLICA AO BRASIL




Curitiba, 6 de Julho de 1980




Amados irmãos no Episcopado e no Presbiterato,
418 queridos filhos e filhas, religiosos e leigos.

1. Como agradecer à Providência Divina que me dá a graça deste encontro com a população de Curitiba e com peregrinos vindos de todo o Paraná e do vizinho Estado de Santa Catarina? Sirva de agradecimento a Eucaristia que quisestes colocar no centro do encontro como sua alma e sua inspiração.

Ora, nesta Eucaristia acabam de ressoar duas páginas do Novo Testamento que um Papa, Sucessor do Apóstolo Pedro, não pode ouvir sem íntima trepidação, sem que se reabra nele como uma chaga a consciência da própria pequenez diante da missão recebida - mas tampouco sem uma renovada confiança n’Aquele em quem tudo pode (cf. Fl
Ph 4,13) .

Uma contém o episódio de Cesaréia de Filipe: a inequívoca confissão de Pedro (Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo) à qual responde a misteriosa e prodigiosa confissão de Cristo (Tu és Pedro e sobre esta pedra construirei a minha Igreja!). Ao longo de 2.000 anos, 264 vezes esta mesma palavra foi dita aos ouvidos e à consciência de um homem frágil e pecador. 264 vezes um novo Pedro foi colocado ao lado do primeiro para ser pedra de alicerce da Igreja. Último no tempo a mim foi repetida a promessa de Cesaréia de Filipe e é na função de Pedro que me acho em meio a vós. Com que mensagem?

Aquela mesma que brota da outra página lida na presente Liturgia. Pedro, o ardente mas timorato, o amigo, o renegado, o arrependido, acabava de receber o Espírito Santo. E pela força do Espírito ele anuncia a uma Jerusalém repleta de peregrinos: “Este homem que entregastes crucificando-o, Deus o ressuscitou e O constituiu Senhor”. Tudo quanto Pedro dirá até à última confissão numa encosta do Vaticano, que coroa a de Cesaréia de Filipe, se reduz a estas frases. Tudo quanto deve dizer o Sucessor de Pedro talvez esteja contido nestas simples palavras: “Deus O constituiu Senhor”(cf. At Ac 2,23-34 At Ac 2,36).. no fundo o que o Papa sente: o doce e urgente dever de anunciar, por onde passa, com a força e o fervor de quem anuncia uma boa nova.

2. Mas o Sucessor de Pedro encontra aqui e agora um novo título de semelhança com seu longínquo primeiro Predecessor naquela sua pregação referida na leitura desta Liturgia. Este Estado do Paraná, esta Cidade de Curitiba onde me encontro, retrata bem a Jerusalém da manhã de Pentecostes pela imensa variedade de raças daqueles que ouvem anunciar a Boa Nova de Jesus Cristo. Ali - segundo a fascinante enumeração dos Atos dos Apóstolos - Partos, Medos, Elamitas, habitantes da Mesopotâmia, da Judéia, da Capadócia, do Ponto e da Ásia, da Frígia, da Panfília, do Egito. Aqui caldeados pela terra que os acolheu mas presentes e reconhecíveis de algum modo nos rostos de seus filhos, netos e bisnetos - portugueses, italianos, ucrainos, alemães, japoneses, romenos, espanhóis, sírios, libaneses - para não falar daqueles, numerosos, que trazem nas veias um sangue igual ao meu, sangue polonês!

Inúmeras vezes, bem antes que eu imaginasse vir até aqui e previsse este encontro, eu já conhecia este aspecto do Paraná, ponto de chegada de inúmeras correntes migratórias, ponto de encontro de irmãos vindos dos mais longínquos quadrantes.

Neste fenômeno, que a fria etiqueta de imigração define tão pobremente, esconde-se uma admirável riqueza de aspectos humanos e - por que não? - evangélicos.

3. Primeiro entre todos, a acolhida franca e generosa que, apenas nascido para a independência política, este País começou a oferecer aos mais diversos povos. Quando difíceis conjunturas históricas fizeram descer sobre vários países da Europa o espectro da fome, imensas glebas do sul do Brasil são oferecidas aos braços dispostos ao seu cultivo mas sobretudo um novo lar é dado a quem acorria. Quando numa nação o excesso populacional veio a criar problemas graves de espaço vital, o Brasil soube abrir seus espaços quase ilimitados com prodigalidade e inteligência.

Há uma arte na acolhida, há um jeito de receber, coisas estas que é impossível codificar nas leis e normas da imigração mas que o Brasil, graças às qualidades de seu povo, conhece e aplica perfeitamente. Haverá países em que a assimilação e integração do imigrado se faça com igual naturalidade? Com maior naturalidade do que aqui, é impossível. Não creio ter visto em outro lugar os imigrados e seus filhos e netos sentirem-se tão apaixonados da terra que acolheu a eles ou os antepassados, tão “bairristas” do Brasil, ao mesmo tempo que não renegam os países de origem.

Quero pois, como filho de uma Pátria de onde vieram tantos filhos para aqui, render uma sentida homenagem à ampla e inconfundível hospitalidade deste País.

419 4. E aqui vem o segundo aspecto. Acolhido sem reticências nem preconceitos, o imigrante retribuiu imediatamente a hospitalidade recebida. Nenhum exagero em dizer que o Brasil moderno, que eu já pude ver pulsar de vitalidade em Brasília, no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte, São Paulo e Porto Alegre e vejo pulsar aqui, é produto também do trabalho resoluto mas livre e alegre de centenas de milhares de imigrantes. Penso que ao lado de São Paulo e do Rio Grande do Sul, o Paraná é um magnífico exemplo disso. E não há dúvida de que a operosidade do imigrante somado-se à dos brasileiros de longa data, só podia enriquecer com um sentido novo o progresso do País. Seria demais falar de um cunho profundamente solidário e fraternal deste progresso?

Não quero silenciar no curso desta Eucaristia um preito de afeição aos imigrantes que ajudaram a construir o Paraná - e o Brasil. Não foi sempre risonho o quadro da sua vinda para cá. Foi muitas vezes de sofrimentos e agruras a história de cada família e de cada leva que aqui chegou. Não terá faltado nenhum dos espinhos que costumam cercar a saída da própria pátria em busca de outra.

Malgrado tudo, aqueles homens e mulheres souberam aclimatar-se na nova terra, construir um novo lar, criar famílias cuja pobreza material ia de par com altíssimos valores humanos, morais e religiosos. Souberam sobretudo amar sua nova pátria e trabalhar por ela. Dar-lhe filhos e netos de primeiríssima qualidade no sacerdócio, nas artes, na política, na literatura.

5. O terceiro aspecto é o que hoje se apresenta aos meus olhos: a prodigiosa integração na miscigenação de que o Brasil dá exemplo. Tive ocasião de dizê-lo mas repito-o de bom grado por causa da admiração - e da emoção - que o fato suscita em mim: de todas as belezas de vosso País não sei se levarei no coração imagem de beleza mais tocante e significativa do que a da concórdia, da alegria descontraída, do senso de autêntica fraternidade com que convivem aqui as mais variadas raças.

6. Celebrando aqui, sob a invocação de Pentecostes recordado na primeira leitura, a Eucaristia que é sacramento da unidade e da fraternidade dos discípulos de Cristo mas que é também germe de unidade e fraternidade no mundo, eu quero fazer um pedido a vós e um pedido por vós.

Por vós eu peço a Deus com o maior fervor, que não venha nunca a arrefecer mas antes se alente e cresça a profunda integração racial que existe entre vós. Que nesta fraternidade entre os vários povos não falte uma especial solidariedade com vossos irmãos indígenas. Que haja ainda entre vós abertura para acolher muitos outros grupos humanos necessitados de uma nova pátria porque privados das suas.

A vós eu peço, com afeto de pai e confiança de irmão, que conserveis sempre este aspecto de vosso ser. E este meu pedido alarga-se em votos por que neste nosso mundo onde há ainda tanta discriminação os homens se compreendam sempre melhor, se aceitem uns aos outros por aquilo que têm em comum, a fim de crescer a solidariedade, o amor e a fraternidade entre os povos e se consolidarem as bases da paz.

Receba a Virgem Maria, Nossa Senhora Aparecida, a oração do Papa neste sentido.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE AO BRASIL

HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II

NA SANTA MISSA DEDICADA

AOS TRABALHADORES RURAIS


Recife, 7 de Julho de 1980




Queridos irmãos e irmãs,
vocês especialmente, camponeses do Nordeste
420 e, representados por vocês, os camponeses de todo o Brasil

1. Minha primeira palavra, muito simples mas que responde a um impulso do coração, é de saudação muito cordial a vocês.

Saúdo os que estão aqui, à custa de não sei quantos sacrifícios. Vocês vieram certamente trazidos pela fé e desejosos de ver e escutar o Vigário de Nosso Senhor Jesus Cristo. Este gesto não me surpreende porque sei há muito tempo do grande espírito religioso que é o de vocês.

Saúdo os que não puderam vir apesar do grande desejo. Espero que minha voz possa chegar a eles ao menos pelo rádio.

Por mim teria prazer em cumprimentá-los de um a um, mas vocês compreendem que é totalmente impossível. Fiquem sabendo ao menos, como se eu o dissesse a cada um em particular, que o Papa tem muita consideração por vocês, sabe e aprecia o que vocês fazem, os ama como verdadeiros filhos e está feliz com este encontro.

2. E por que este encontro com camponeses do Nordeste? Primeiro, porque eles desempenham um papel de enorme importância na sociedade brasileira em nossos dias e merecem uma palavra de estímulo e encorajamento daquele que recebeu a missão de Pastor universal da Igreja. Depois, porque eles enfrentam situações particularmente dolorosas de marginalização - penúria, subalimentação, insalubridade, analfabetismo, insegurança - e precisam daquela palavra de conforto, de esperança e de orientação que um pai deve de modo particular aos filhos mais abandonados e mais provados pela vida. Eu não poderia passar pelo Brasil sem dirigir-lhes estas palavras.

3. Não é segredo para ninguém que o mundo atravessa atualmente uma hora difícil de sua história. Problemas graves golpeiam todos os setores da vida dos povos e das Nações, e, de modo particular, o setor agrícola. Como tive ocasião de dizer por ocasião de minha visita à Sede da Organização das Nações Unidas para a alimentação e a agricultura, o setor agrícola é um setor “mantido, por um tempo demasiadamente longo, à margem do progresso dos níveis de vida, um setor atingido de maneira particularmente dolorosa pela rápida e profunda mutação sócio-cultural do nosso tempo. Isto põe em evidência as injustiças herdadas do passado; desestabiliza homens, famílias e sociedades, acumula as frustrações e obriga a migrações frequentemente maciças e caóticas”(João Paulo II, Discurso aos diretores da FAO, 2; 12 de Novembro de 1979).

Acompanho com infinito interesse os esforços convergentes de todas as boas vontades, e não tenho deixado passar uma ocasião sequer de apoiá-los com a oração, com a palavra, com meu empenho pessoal na esperança de que também no domínio da agricultura, esses esforços cheguem às melhores soluções em vista do bem pessoal de cada homem, no respeito às exigências do bem comum.

As considerações que passo a fazer no quadro deste nosso encontro são ditadas por um só propósito: partindo da missão própria da Igreja e do papel que lhe cabe, refletir quanto possível à luz do magistério desta mesma Igreja no campo social e ajudar assim a “estabelecer a comunidade humana segundo a Lei divina”(cf. Gaudium et Spes
GS 42). Deste modo, com a força do Espírito, que é a única de que dispõe, em pleno respeito à autonomia do domínio temporal mas consciente de suas responsabilidades, a Igreja não quer omitir-se quando se trata de fazer que “a vida humana se torne cada vez mais humana” e de conscientizar “para que tudo aquilo que compõe esta mesma vida corresponda à verdadeira dignidade do homem”(Redemptor Hominis RH 14).

4. Uma reflexão séria e serena sobre o homem e a convivência humana em sociedade, iluminada e robustecida pela Palavra de Deus e pelo ensinamento da Igreja desde as suas origens, nos diz que a terra é dom de Deus, dom que Ele faz a todos os seres humanos, homens e mulheres, que Ele quer reunidos em uma só família e relacionados uns com os outros em espírito fraterno (Gaudium et Spes GS 24). Não é lícito, portanto, porque não é segundo o desígnio de Deus, gerir este dom de modo tal que os seus benefícios aproveitem só a alguns poucos, ficando os outros, a imensa maioria, excluídos. Mais grave ainda o desequilíbrio, e mais gritante a injustiça a ele inerente, quando esta imensa maioria se vê condenada por isso mesmo a uma situação de carência, de pobreza e de marginalização.

O próprio direito de propriedade, em si mesmo legítimo, deve, numa visão cristã do mundo, cumprir a sua função e observar a sua finalidade social (Aos índios mexicanos em Cuilapán, México, 29 de Janeiro de 1979). Assim, no uso dos bens possuídos, a destinação geral que Deus lhes deu e as exigências do bem comum prevalecem sobre vantagens, comodidades e, por vezes, mesmo necessidades não primárias de origem privada. Isto é verdade também – como tive oportunidade já de dizê-lo – quando se fala do mundo rural e do cultivo da terra, pois a terra foi posta por Deus à disposição do homem. No primeiro capitulo do Gênesis (texto que acabamos de escutar) Deus diz: “Tomai posse da terra... eu vos dou as plantas... e as árvores que trazem sementes... Isto será vosso alimento”(Gn 1,29). A terra é do homem porque ao homem Deus a confiou e, por seu trabalho ele a domina (cf. Gn Gn 1,28). Não é pois admissível que no desenvolvimento geral de uma sociedade, fiquem excluídos do verdadeiro progresso digno do homem precisamente os homens e as mulheres que vivem em zona rural, aqueles que estão prontos a tornar a terra produtiva graças ao trabalho de suas mãos, e que têm necessidade da terra para alimentar a família.

421 Há quinze anos atrás, o Concílio Vaticano II – a Igreja tomando consciência de si mesma e do mundo – proclamava, referindo-se exatamente à questão que nos interessa: “Em muitas regiões, dadas as peculiares dificuldades no setor agrícola... importa ajudar os que se dedicam à agricultura, para que não fiquem reduzidos à condição de cidadãos de segunda ordem” (Gaudium et Spes GS 66). E não é impensável que se vejam reduzidos a condições ainda bem menos nobres.

Não basta efetivamente dispor de terra em abundância, como sucede aqui no vosso querido Brasil, quer-se uma legislação justa em matéria agrária, para se poder dizer que temos uma sociedade a corresponder à vontade de Deus, quanto à terra e às exigências da dignidade da pessoa humana, de todas as pessoas humanas que a habitam. É preciso que a legislação seja atuada eficazmente e sirva o bem de todos os homens e não apenas interesses de minorias ou individuais.

Também aqui à abundância de terras e a uma legislação adequada há de juntar-se mais do que boa vontade, uma sincera conversão do homem ao homem na sua plenitude transcendente. O homem do campo, identifica-se com o seu trabalho e com o chão, do qual faz brotar o sustento de tantos também nas grandes cidades. Aí lança raízes profundas, que marcam indelevelmente o seu ser.

Arrancá-lo do seu torrão, empurrando-o para um êxodo do incerto, em direção das grandes metrópoles, ou não assegurar os seus direitos à legítima posse da terra, é desrespeitar seus direitos de homem e de filho de Deus. É introduzir um perigoso desequilíbrio na sociedade. Além do mais, o integral desenvolvimento acertado e humano saberá sempre garantir em igualdade de condições, tanto o crescimento técnico e industrial de uma Nação, como uma atenção prioritária às questões agrícolas tão indispensáveis em nossos dias no quadro de uma sociedade independente, harmoniosa e justa. Neste aspecto, limito-me a chamar a atenção para as diretrizes dadas pelo meu predecessor João XXIII, na encíclica “Mater et Magistra”: para onde vais?: fiz esta pergunta nas várias etapas de minha viagem apostólica pelo Brasil. Quero repeti-la também aqui, para vocês e com vocês, para todos aqueles que detêm uma parcela de responsabilidade pelo mundo rural e pelo bem comum; para onde vais?

Que a resposta seja uma atitude corajosa, firme, inspirada pelos lídimos valores cristãos em defesa pela promoção dos direitos do homem, do homem do campo, também ele partner na vida e construção de uma sociedade cada dia mais justa e por isso mesmo mais humana.

No pensamento da Igreja, considerar que a organização social está a serviço do homem e não ao contrário, é um princípio fundamental. Este princípio vale para todos e sempre. Vale principalmente para aqueles que são mandatados pela sociedade para garantir o bem de todos. As iniciativas que eles tomam, no tocante ao setor agrícola, devem ser iniciativas em favor do homem, seja no plano legislativo, seja no domínio judiciário, seja ainda no plano da salvaguarda dos direitos dos cidadãos. Uma situação na qual a população, também a da zona rural, vê que sua dignidade humana é desrespeitada, leva à ruína, pois deixa o campo aberto a outras iniciativas, inspiradas estas pelo ódio e pela violência.

5. Os trabalhadores da terra, como os trabalhadores de qualquer outro ramo da produção, são e devem permanecer sempre, aos próprios olhos e aos olhos dos outros, no plano dos conceitos e na ordem prática, antes de tudo pessoas humanas: devem ter possibilidades de realizar as virtualidades contidas em seu ser, as possibilidades de “ser mais” homem, e, ao mesmo tempo, ser tratado de acordo com a sua dignidade humana. Sendo “o trabalho para o homem, e não o homem para o trabalho”, é exigência fundamental e plenamente respeitosa da sua dignidade, que ele possa tirar do mesmo trabalho os meios necessários e suficientes para fazer frente, com decência, às próprias responsabilidades familiares e sociais.

Jamais o homem é mero “instrumento” de produção.

Assim no seio de uma mesma comunidade política bem ordenada, justiça e humanidade não se coadunam nem se conciliam “com um certo abuso da liberdade por parte de alguns, abuso ligado precisamente a um modo de comportar-se consumístico, não controlado pela ética, enquanto isso limita simultaneamente a liberdade dos outros, isto é daqueles que sofrem notórias carências e se vêem empurrados para condições de ulterior miséria e indigência” (cf. Redemptor Hominis RH 16), numa versão gigantesca da parábola bíblica do rico e do pobre Lázaro (cf. Lc Lc 16,19-31).

Nesta parábola, Cristo não condena o rico porque é rico, ou porque veste luxuosamente. Ele condena fortemente o rico que não leva em consideração a situação de penúria do pobre Lázaro, que deseja tão somente alimentar-se das migalhas que caem da mesa do festim. Cristo não condena a simples posse de bens materiais. Mas as suas palavras mais duras dirigem-se para aqueles que usam sua riqueza de maneira egoísta, sem se preocupar com o próximo, a quem falta o necessário.

Com estas palavras, Cristo coloca-se do lado da dignidade humana, do lado daqueles cuja dignidade não é respeitada, do lado dos pobres. “Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos céus”(Mt 5,3). Sim, bem-aventurados os pobres, os pobres de bens materiais que conservam, no entanto, sua dignidade de homem. Bem-aventurados os pobres, aqueles que, por causa de Cristo, têm uma especial sensibilidade por seu irmão ou sua irmã que padece necessidade; por seu próximo que é vítima de injustiças; por seu vizinho que sofre tantas privações, inclusive a fome, a falta de emprego ou a impossibilidade de educar dignamente seus filhos.

422 Bem-aventurados os pobres, os que sabem se desapegar de suas posses e de seu poder, para colocá-los a serviço dos necessitados, para se comprometer na busca de uma ordem social justa, para promover as mudanças de atitudes necessárias a fim de que os marginalizados possam encontrar lugar à mesa da família humana.

No que diz respeito aos bens de primeira necessidade – alimento, vestuário, habitação, assistência médico-social, instrução de base, formação profissional, transporte, informação, possibilidades de se distrair, vida religiosa – impõe-se que não haja estratos sociais privilegiados. Que entre os ambientes urbanos e ambientes rurais não se verifiquem desigualdades clamorosas, e quando estas se criam, haja uma pronta aplicação dos meios adequados para que sejam eliminadas ou reduzidas até onde for possível. Nisto todos e cada um hão de sentir-se comprometidos: pessoas, grupos sociais e poderes públicos a todos os níveis.

6. Aos trabalhadores da terra, como aos demais trabalhadores, não podem ser negados por nenhum pretexto, o direito de participação e comunhão, com senso de responsabilidade, na vida das empresas e nas organizações destinadas a definir e salvaguardar os seus interesses e mesmo na árdua e perigosa caminhada rumo à indispensável transformação das estruturas da vida econômica, sempre em favor do homem.

Uma tal presença ativa dos trabalhadores nestes diversos níveis em sociedade, a que os liga a sua atividade, pressupõe sempre uma economia ao serviço do homem, com toda a verdade do seu ser pessoal. Assim, para superar contrastes que surgem cada vez que se confunde liberdade com instinto do interesse individual e coletivo, ou com instinto de luta e de domínio, quaisquer que sejam as cores ideológicas que os polarizem, para que tal participação dos trabalhadores seja eficaz e construtiva, impõe-se uma prévia conversão das mentes, das vontades e dos corações: a conversão ao homem, à verdade do homem. Conhecer e aceitar a verdade é a condição básica da liberdade: “Conhecereis a verdade e a verdade vos tornará livres” (
Jn 8,32).

7. Na linguagem bíblica o pensamento de Deus a respeito da relação homem-terra se exprime nestes termos: “Tomou o Senhor Deus o homem e o pôs no jardim do Éden, para cultivá-lo e guardá-lo” (Gn 2,15). Noutra passagem se lê que ao primeiro casal humano disse: “... Povoai a terra, submetei-a e dominai” sobre a criação (cf. Gn Gn 1,28).

Ora, “dominar” e “cultivar” a terra deveria ser o princípio sempre observado por todos os homens na administração deste dom de Deus; o princípio que dita a linha de ação absolutamente obrigatória para todos aqueles que são responsáveis e interessados na questão da terra: pessoas investidas de públicos poderes, técnicos, empresários e trabalhadores.

Sucede, no entanto, que “o homem parece não dar-se conta muitas vezes de outros significados do seu ambiente natural, fora daqueles que servem para os fins de um uso ou consumo imediatos.

Quando, ao contrário, era vontade do Criador que o homem comunicasse com a natureza como "senhor" e "guarda" inteligente e nobre, e não como "desfrutador" e "destrutor" sem respeito algum”(Redemptor Hominis RH 15).

Perante os recursos imensos e belezas maravilhosas desta grande Nação, nasce espontaneamente o grito da alma: cultivai e guardai o vosso querido Brasil! Aproveitai e dominai esses recursos, fazei que eles rendam mais em favor do homem, do homem de hoje e de amanhã. Aqui, quanto ao uso do dom de Deus que é a terra, deve-se pensar muito nas gerações futuras, deve-se pagar um tributo de austeridade, para não debilitar, reduzir ou, pior ainda, tornar insuportáveis as condições de vida das futuras gerações. Exigem-no a justiça e a humanidade!

8. Uma última palavra, especialmente para aqueles que, quando trabalham, têm a felicidade de caminhar à luz de Cristo. O trabalho é fator de produção, fonte de bens econômicos, meio de ganhar a vida, etc. Mas ele deve ser concebido e vivido também como dever, como amor, como fonte de honra e como oração.

Isto é válido para todos os trabalhadores, naturalmente, mas de um modo especial para vocês, trabalhadores da terra. Vocês são chamados a prestar um serviço aos homens-irmãos, em contato com a natureza, colaborando diretamente com Deus, Criador e Pai, para que este nosso planeta – a Terra – seja cada vez mais conforme aos seus desígnios, o ambiente desejado para todas as formas de vida: a vida das plantas, a vida dos animais e a vida, sobretudo, dos homens. Vejam, “ao Senhor pertence a terra e quanto ela contém, o universo e quantos o habitam” (Ps 23,1). Façamos tudo o que estiver ao nosso alcance, como “seus guardas inteligentes e nobres”, para que sempre, servindo ao homem, “toda a terra adore a Deus, O celebre e cante o Seu nome” (Ps 65,4).

423 Falei a vocês com o coração aberto, consciente de que a Igreja, fiel ao seu Senhor, sabe que deve abrir-se às realidades humanas, interpretá-las à luz do Evangelho e impregnar, com a mesma Boa Nova, essas realidades, procurando levar os homens a modificar – quando for o caso – os critérios de julgar, os valores preferidos, os centros de interesse, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de vida, que se apresentam em contraste com os desígnios de Deus (cf. Evangelii Nuntiandi EN 19).

9. É sabido que neste País se estão estudando e pondo em prática iniciativas de vasto alcance para o setor agrícola. Queira Deus que um humanismo cristão as ilumine sempre: um verdadeiro senso do homem. Este homem é cada um de vocês e cada um dos que vocês aqui representam, com a sua dignidade de pessoa e de filho de Deus. Impõem-se presteza e profundidade para enfrentar uma situação sobre a qual o silêncio de vocês fala com muita eloquência. Não deixem que se rebaixe nunca a dignidade moral e religiosa de vocês com a aceitação de sentimentos como o ódio ou o desejo de violência. Amem a paz! Levantem os olhos para o seu Pai e Senhor de todos: é Ele que a cada um dará a recompensa do que é e faz.

Por vocês e com vocês, queridos irmãos camponeses, em seu nome e em nome de Deus eu peço aos outros nossos irmãos: que se procure a colaboração e a concórdia; que todos os responsáveis e interessados pelo bem de cada homem – poderes públicos a nível nacional, estadual e local, grupos, organizações e todos os homens de boa vontade, com a especifica contribuição da Igreja no desempenho da própria missão – busquem e apliquem as medidas reais, adequadas e eficazes, para satisfazer os direitos do homem do campo, para ajudá-lo. Nisto quem tem mais, mais se deve sentir obrigado a cooperar.

Somos a família dos filhos de Deus. Como irmão quero dizer-lhes, amados camponeses do Brasil, que vocês valem muito. Conservem as suas riquezas humanas e religiosas: o amor da família, o sentido da amizade e da lealdade, a solidariedade com os mais necessitados entre vocês, o respeito pelas leis e por tudo o que é legítimo na convivência civil, o amor à boa harmonia e à paz, a confiança em Deus e a abertura para o sobrenatural, a devoção a Nossa Senhora, etc. Por Ela, por Nossa Senhora, aqui diante de sua Veneranda imagem que se apresenta sob o título para vós tão querido – Nossa Senhora do Carmo – peço a Deus que a todos assista, conforte e ajude.

Amém.





Homilias JOÃO PAULO II 413