Homilias JOÃO PAULO II 9880


FESTA DA ASSUNÇÃO DE NOSSA SENHORA


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15 de Agosto de 1980




1. «Maria foi elevada ao céu» (Aclamação ao Evangelho) / «Alegremo-nos todos no Senhor» (Ant. da Entrada).

Com estas palavras da liturgia eucarística de hoje, saúdo a paróquia de Castel Gandolfo, dentro de cujos confins me é dado passar os dias do verão, longe, de certo modo, da minha quotidiana mesa de trabalho em Roma, e ao mesmo tempo em contínuo contacto com ela. Nesta ocasião desejo agradecer, uma vez mais, a todos os habitantes de Castel Gandolfo: os pastores das almas, os paroquianos, e também os hóspedes que vêm aqui ver-nos durante as férias; desejo agradecer tanta cordialidade e compreensão que me é demonstrada neste período. Assim também eu me sinto cordialmente ligado com a vossa comunidade — e hoje aproveito a circunstância para dar testemunho disso, por ocasião desta vossa festa que é, ao mesmo tempo, grande solenidade de toda a Igreja. Venho pois tributar — na celebração do Santíssimo Sacrifício no meio de vós — uma particular veneração ao mistério da Assunção da Mãe de Deus: mistério tão querido ao coração de cada cristão, tão «a largo raio» e ao mesmo tempo tão carregado de promessas, tão capaz de estimular os nossos corações à esperança.

2. Verdadeiramente, difícil seria encontrar um momento em que Maria pudesse pronunciar com maior elevação as palavras proferidas uma vez depois da anunciação, quando, tornada Mãe virginal do Filho de Deus, visitou a casa de Zacarias, para prestar serviços a Isabel: «A minha alma enaltece o Senhor... / O Todo-poderoso fez em mim grandes coisas, / e o Seu nome é santo» (
Lc 1, 46, 49).

Se estas palavras tiveram a sua motivação plena e superabundante na boca de Maria, quando Ela, Imaculada, se tornou a Mãe do Verbo Eterno, atingem hoje o cume definitivo. Maria que, graças à sua fé (tão exaltada por Isabel) naquele momento ainda sob o véu do mistério, entrou no tabernáculo da Santíssima Trindade, hoje entra na Morada eterna, em plena intimidade com o Pai, com o Filho e com o Espírito Santo, na visão beatífica «face a face». E esta visão, como inexaurível fonte do amor perfeito, enche todo o seu Ser com a plenitude da glória e da felicidade. Assim pois a Assunção e, ao mesmo tempo, a «coroação» de toda a vida de Maria, da sua vocação única, entre todos os membros da humanidade, a ser a Mãe de Deus. É a «coroação» da fé que Ela, «cheia de graça», demonstrou durante a anunciação e que Isabel, sua parente, assim sublinhou e exaltou durante a visitação.

Verdadeiramente podemos repetir hoje, seguindo o Apocalipse: «O Templo de Deus abriu-se no Céu, e a Sua Arca da aliança foi vista no Templo... Depois ouvi no Céu uma voz potente: 'Eis agora a salvação, o poder e o reinado do nosso Deus, e a autoridade do Seu Cristo' (Ap 11,19 Ap 12,10)».

O reino de Deus n'Aquela que sempre desejou ser apenas «a escrava do Senhor». O poder do seu Ungido, isto é de Cristo, o poder do amor que Ele trouxe à Terra como um fogo (cf. Lc Lc 12,49); o poder revelado na glorificação d'Aquela que, mediante o seu «fiat», Lhe tornou possível vir a esta terra, tornar-se homem; o poder revelado na glorificação da Imaculada, na glorificação da Sua própria Mãe.

3. «...Cristo ressuscitou dos mortos, surgiu dentre os que morreram, como os primeiros frutos da seara. Uma vez que a morte veio por um homem, também por um homem veio a ressurreição dentre os mortos. Pois, assim como em Adão todos morrem, assim também em Cristo todos serão restituídos à vida. Cada qual, porém, na sua ordem: Primeiro, Cristo, como os primeiros frutos da seara; a seguir, os que pertencem a Cristo, por ocasião da Sua vinda» (1Co 15,20-23).

A Assunção de Maria é dom particular do Ressuscitado à Sua Mãe. Se, de facto, «aqueles que são de Cristo» «receberão a vida» «à Sua vinda», então é justo e compreensível que esta participação na vitória sobre a morte, a experimente precisamente Ela em primeiro lugar, Ela a Mãe; Ela que é «de Cristo» da maneira mais plena: com efeito também Ele pertence a Ela como o Filho à Mãe. E Ela pertence-Lhe a Ele: é, de modo particular, «de Cristo», porque foi amada e remida de modo completamente singular. Aquela que, na sua mesma conceição humana, foi imaculada — isto é, livre do pecado, cuja consequência é a morte — pelo mesmo facto, não devia acaso ser livre da morte, que é a consequência do pecado? Aquela «vinda» de Cristo, de que fala o Apóstolo na segunda leitura de hoje, não «devia» acaso realizar-se, neste único caso de modo excepcional, por assim dizer «de repente», isto é no momento da conclusão da vida terrestre? Por isso, aquele termo da vida que para todos os homens é a morte, no caso de Maria, a Tradição justamente lhe chama antes dormição.

«Assumpta est Maria in coelum, gaudent Angeli! Et gaudet Ecclesia!»

4. Para nós a solenidade de hoje é quase uma continuação da Páscoa: da Ressurreição e da Ascensão do Senhor. E é, ao mesmo tempo, o sinal e a fonte da esperança da vida eterna e da ressurreição futura. Deste sinal lemos no Apocalipse de João: «Apareceu no Céu um sinal grandioso: uma Mulher revestida com o Sol, a Lua debaixo dos Pés; na cabeça, uma coroa de doze estrelas» (12, 1).

442 E embora a nossa vida sobre a terra decorra, constantemente, na tensão daquela luta entre o Dragão e a Mulher, de que fala o mesmo livro da Sagrada Escritura; embora nós estejamos quotidianamente submetidos à luta entre o bem e o mal, na qual o homem participa desde o pecado original — quer dizer, desde o tempo em que comeu «da árvore do conhecimento do bem e do mal», como lemos no livro do Génesis (2, 17; 3, 12); embora esta luta assuma por vezes formas perigosas e tremendas, todavia aquele Sinal da esperança permanece e renova-se constantemente na fé da Igreja.

E a festividade de hoje permite-nos olhar para este Sinal, o Grande Sinal da Economia Divina da Salvação, com confiança e alegria tanto maior.

Permite-nos esperar, deste Sinal, vencer, não sucumbir definitivamente ao mal e ao pecado — na expectativa do dia em que será tudo completado por Aquele que alcançou a vitória sobre a morte: o Filho de Maria; então Ele «deporá nas mãos de Deus Pai o Seu poder real, depois de aniquilar todos os chefes, autoridades e dominadores inimigos» (
1Co 15,24) e porá todos os inimigos debaixo de Seus pés. E o último inimigo a ser aniquilado será a morte (cf. 1Co 15,25).

Caros Irmãos e Irmãs, participemos com alegria na Eucaristia de hoje. Recebamos confiadamente o Corpo de Cristo, recordando-nos das Suas palavras: «Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e Eu ressuscitá-lo-ei no último dia» (Jn 6,54).

E veneremos hoje Aquela que deu a Cristo o nosso corpo humano: a Imaculada e a Assunta, que é a Esposa do Espírito Santo e a nossa Mãe



SANTA MISSA PARA A PEREGRINAÇÃO

DE JOVENS VINDOS DA IRLANDA


Castel Gandolfo, 28 de Agosto de 1980




Caros jovens de Dublin

1. O amor de Cristo reuniu-nos esta manhã! Nada pode explanar adequadamente a nossa maravilhosa unidade. Reunimo-nos no nome de Jesus, e Ele está connosco Jesus Cristo está no meio de nós (cf. Mt Mt 18,20).

2. Viestes a Roma como representantes da juventude de Dublin; desejastes retribuir a visita que vos fiz na Irlanda. E, ao mesmo tempo, ofereceis-me uma oportunidade de vos falar sobre Cristo, recordar a vossa dignidade cristã e proclamar a comunhão que o Espírito Santo deu a todos nós: a comunhão com o Pai e com o Seu Filho Jesus Cristo (cf. 1Jn 1,3).

3. Aqui viestes, além disso, para que todos nós pudéssemos juntos celebrar a nossa vida em Cristo e, mediante os méritos da sua redenção, encontrar sempre mais a grande comunhão com a Santíssima Trindade. Este é um aspecto maravilhoso da nossa Eucaristia, pois conduz-nos a Cristo, construtor das nossas vidas diárias. Ele aceita a nossa oferta, une-a à sua própria oblação e apresenta-a ao Seu eterno Pai. Ao mesmo tempo, na Missa, prestamos atenção à palavra de Deus proclamada pela Igreja — proclamação que alcança a sua mais alta expressão na verdadeira renovação do Sacrifício de Cristo. Quando celebramos este Sacrifício Eucarístico, realizamos uma acção que é a mais sublime da nossa vida cristã; nela realiza-se completamente a nossa dignidade cristã. E tudo isto é o que juntos fazemos como uma comunidade, uma comunidade em Cristo e com Cristo, como membros do seu Corpo, membros da sua Santa Igreja.

E saireis desta Celebração Eucarística para realizardes a vossa vocação, as actividades da vossa vida, e finalmente o vosso destino. Por alguns momentos, portanto, reflictamos, conforme este contexto sagrado da palavra de Deus, sobre estes importantes elementos da vida cristã.

443 4. Cada um de vós é individualmente chamado por Cristo, chamado a ter parte no seu reino e desempenhar um papel na sua missão de salvação. Estas são as grandes realidades do vosso Baptismo e da vossa Confirmação. Ao ter-vos chamado pelo nome, Deus envia-vos avante para realizardes o que Ele deseja que façais. Ele diz a cada um de vós o que disse a Jeremias o Profeta: "Eu estarei contigo para te proteger". Ele ratifica a sua protecção sobre vós ao colocar as suas palavras dentro das vossas bocas. Na expressão do Salmista a palavra de Deus vem a ser para vós uma lâmpada para os vossos passos e uma luz para os vossos caminhos (cf. Sl Ps 119,105). Cristo chama-vos para levardes uma nova vida baseada nas bem-aventuranças, com novo critério de julgamento, com uma vigorosa perspectiva espiritual e um renovado ideal de vida. Incorporado na novidade da própria vida de Cristo, somente um constante voltar-se para Ele vos dará satisfação e alegria. Um reiterado converter-se do coração torna-se a condição para o proveito das vossas actividades e a consecução do vosso destino.

5. Uma vez que seguis a vossa fundamental vocação cristã, sereis chamados a realizar alegre e fielmente as actividades de cada momento, de cada dia e semana. Para muitos de vós o campo das vossas actividades é o mundo secular, ele mesmo necessitado do fermento evangélico. A vossa tarefa é de uma clareza cristalina: Levar Cristo ao mundo e levar o mundo a Cristo. Estou certo que já compreendestes tudo isto. Não é este o contexto do vosso lema: "Fazer mais, amar mais, servir mais"?

Este "fazer", "amar" e "servir" devem ser expressos de muitas maneiras. Sois chamados, por exemplo, a ser homens e mulheres honestos e íntegros: "para viver na verdade e no amor" conforme a súplica da Missa desta manhã. Sois chamados a abrir os vossos corações para a justiça do Evangelho, a fim de que possais ser instrumentos de justiça e contrutores de paz.

Sois jovens e estais justamente a procurar a compreensão dos outros — dos que são mais velhos que vós, dos vossos sacerdotes e dos vossos queridos pais, de todos que antes formaram as gerações da sociedade — e esperais a compaixão de amizade. Mas precisamente porque sois jovens com a vitalidade da graça de Cristo e partilhais entusiasmo pela sua mensagem, sabeis que há algo de mais elevado e mais nobre; por isso, torna-se-vos possível rezar "não tanto para ser compreendido como para compreender; para ser amado como para amar". E sois chamados também a ser lideres da próxima geração através da compreensão e do amor.

Caros jovens: Não é quase metade da vossa Arquidiocese composta de jovens com menos de vinte e um anos? Podeis acaso duvidar que o futuro de Dublin e do restante da Irlanda depende realmente da vossa generosidade, da vossa entrega a Cristo e do vosso serviço aos irmãos e irmãs?

Vós sois chamados à compreensão recíproca, a trabalhar em conjunto, a juntos percorrer o caminho da vida — unidos uns aos outros e com Cristo — e a respeitar a humanidade de cada um, também a de quantos perderam o sentido da sua própria dignidade. Deveis encontrar Cristo nos outros e dar Cristo aos outros — Cristo que é a única esperança do mundo!

Em todas as circunstâncias das vossas vidas sois chamados a ser os portadores de uma mensagem de esperança, e estar prontos, como diz S. Pedro, a responder. a todo aquele que vos perguntar "a razão da vossa esperança" (1P 3,15). Com esta esperança, compreensão e amor, munidos de todos os princípios da vossa fé católica, sereis capazes de enfrentar serenamente os acontecimentos da vida diária. E podeis estar seguros que Maria, Mãe de Jesus e resplandecente "Sol do povo Irlandês", vos assistirá sempre com a sua intercessão.

Os complicados problemas sociais e económicos não são temas de fáceis soluções. Não obstante isto, uma perseverança nascida da esperança e empenho fraterno para com as necessidades de cada irmão e irmã são condições indispensáveis para o real progresso nestes sectores. A vossa vocação cristã exige de vós a vossa colaboração — grande ou pequena, mas sempre única e insubstituível — para construir uma sociedade justa e pacífica. E esta mesma vocação cristã convida-vos, individual, e colectivamente, a ajudar — mediante a oração, o sacrifício, a disciplina pessoal cristã e muitos outros caminhos abertos à vossa iniciativa criativa — a levar o Evangelho da salvação para a vida de tantas pessoas. A paróquia precisa de vós e do vosso contributo de vida cristã. A comunidade precisa da vossa vitalidade, alegria e esforços no trabalho conjunto pelo bem de todos. O próprio Criador pediu a vossa cooperação em sustento da sua criação. Estai sempre convictos de que o vosso trabalho diário é de grande valia diante dos olhos de Deus. Esforçai-vos por assegurar que a sua qualidade seja digna de Cristo e dos seus membros. E recordai-vos também que Cristo quer aceitar o dom do vosso trabalho e das vossas vidas, e oferecê-lo ao Seu Pai. De facto, está a fazê-lo precisamente agora, nesta Eucaristia.

Já mencionei a necessidade de se voltar constantemente para Cristo e de sempre se converter novamente a Ele. A vida cristã não é completa sem esta renovada conversão, e a conversão não é completamente autêntica sem o Sacramento da Penitência.

Caros Jovens de Dublin: Cristo quer estar convosco regular e frequentemente, de uma maneira pessoal, num encontro pessoal de amor misericordioso, de perdão e reconciliação. Ele deseja sustentar-vos na vossa fraqueza e manter-vos elevados para o alto, atraindo-vos para dentro do seu coração. Como expliquei na minha Encíclica Redemptor Hominis, o encontro com este Sacramento é um direito que pertence a Cristo e a cada um de vós (cf. n. 20). E também o Papa é muito solícito quando agora vos exorta: "Não priveis Cristo do seu direito neste Sacramento, e nunca renuncieis ao vosso".

6. E finalmente, caros jovens, podereis sair desta Eucaristia para cumprir o vosso destino. Este cumprimento depende da graça de Deus — como a festa de S. Agostinho hoje nos recorda tão energicamente. Mas ele exige também a aquiescência da vossa livre vontade. É preciso que digais repetidamente sim a Cristo, para assegurardes o sucesso da vossa singular participação no plano de Deus para a salvação do mundo. Precisamos aqui reflectir novamente na importância da fidelidade à vossa vocação. Mencionei em outras ocasiões quanto o curso da história tem sido moldado na Irlanda e no mundo inteiro pela fidelidade de um homem — a fidelidade de S. Patrício. A proporção pode ser diferente mas o princípio é o mesmo. Cristo tem uma especial missão para cada um de vós, missão que somente vós podeis cumprir. Sem a vossa cooperação ela poderia ficar por fazer. Cristo orienta cada um de vós, de uma maneira pessoal, em direcção de um destino, para cuja realização dependemos uns dos outros. Olhai hoje para ele — olhai para Cristo. Aceitai a sua proposta, pois Ele vos estende a mão, vos abraça com a força do seu braço e vos revela o amor do seu Sagrado Coração.

444 7. E agora, concluindo, deixai-me acrescentar mais uma palavra. Quando estive em Galway, disse a todos que ali estavam presentes que eu acredito na juventude com todo o meu coração, que acredito na juventude da Irlanda, em cada um de vós. E hoje gostaria de acrescentar algo a esta mensagem, e é isto: Por causa do que vos deu Cristo, por causa do Seu próprio livre dom de vida e de graça, Ele acredita em vós. Cristo acredita nos jovens, nos jovens da Irlanda, em cada um de vós. E Ele ama-vos. Jovens de Dublin, Cristo ama-vos! Cristo ama-vos e quer amar mediante vós! Amém.



VISITA PASTORAL DO SANTO PADRE À REGIÃO DOS ABRUZOS

SANTA MISSA DIANTE DA BASÍLICA DE COLLEMAGGIO L'Aquila, 30 de Agosto de 1980

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Caros irmãos e irmãs dos Abruzos
e do Molise

1. É alegria para mim encontrar-me convosco neste cenário estupendo, onde a Basílica de Collemaggio parece ter sido construída pela mão do homem para exprimir, em magnifica síntese de arte e de prece, o que a contemplação das vossas montanhas desperta no coração: o sentimento do infinito, o verticalismo da vida e o esplendor de Deus, reflectido na criação.

Talvez também São Bernardino de Sena, vindo aqui para dar início à sua pregação no Reino de Nápoles de então, e desta cidade chamado a subir a outro Reino, contemplasse e gozasse o esplendor destas criaturas de Deus, que, como o Pobrezinho de Assis, terá saudado, quem sabe?, com o doce nome de "irmãs".

Estamos aqui reunidos na assembleia eucarística para celebrar, nesta forma litúrgica, o sexto centenário de São Bernardino dos Albizzeschi, nascido em terra toscana em 1380, mas que por misterioso desígnio da Providência se tornou, com a sua morte, cidadão também de Áquila.

E eu quero saudar a vós todos, caros fiéis de Aquila; a vós todos, caros peregrinos dos Abruzos e do Molise e de outras regiões vizinhas e afastadas; como a todos os filhos destas regiões que emigraram além dos montes, além dos mares e dos oceanos, mas que muitas vezes regressam à sua terra inesquecível, e talvez muitos se encontrem aqui hoje connosco.

Quero saudar os Bispos aqui presentes, as Autoridades do Estado, da Região e dos Conselhos, e as militares, e a todos agradecer, juntamente aos colaboradores que prestaram os seus esforços para preparar esta celebração e acolher nesta cidade e região, na minha humilde pessoa, o Vigário de Cristo, o Bispo de Roma. Saúdo igualmente, com particular afecto, os doentes recolhidos no interior da Basílica, com os quais me deterei depois da Missa. A todos digo: O Senhor esteja convosco!

Neste momento da Assembleia, depois da liturgia da Palavra, quero também oferecer-vos alguns pontos de reflexão sobre as páginas do livro sagrado que ouvimos.

2. A primeira leitura recordou-nos algumas advertências do Sirácide, este sábio escritor do Antigo Testamento, que defende o património religioso e cultural dos antepassados e recomenda a modéstia, a humildade e a fidelidade à lei de Deus, como caminho da salvação que faz encontrar graça diante do Senhor (
Si 3,19-21 Si 30-31).

O Evangelho de Lucas (Lc 14,1 Lc 14,7 Lc 14,14) recorda o ensinamento de Jesus em casa de um dos fariseus que o convidara para comer, diante da gente que estava a observá-lo (Lc 14,1 Lc 14,7-14): vendo os convidados escolherem os primeiros lugares, Jesus ensina a boa educação da humildade, não só à mesa mas em toda a vida cristã, advertindo: "Todo aquele que se exalta será humilhado, e o que se humilha será exaltado". Depois, acrescenta a lição do desinteresse, recomendando ao seu hospedeiro que não convide para comer, os parentes e os amigos ricos para que estes o retribuam. Por fim indica-lhe que a verdadeira paga do bem, que se faz aos indigentes, se encontra em Deus, a quem nos tornamos mais semelhantes com a caridade, até à plena alegria na "ressurreição dos justos".

3. Não vos parece, caríssimos irmãos e irmãs, que estes textos bíblicos constituem o pedestal sobre que podemos ver elevado na glória dos "justos" São Bernardino?

Ficando órfão de pai e de mãe com a idade de seis anos, o filhinho dos Albizzeschi cresceu no silêncio e na virtude, muito aplicado aos estudos humanísticos e jurídicos, que interrompeu contudo aos vinte anos para dedicar-se ao serviço dos empestados no hospital da Scala da sua cidade. Depois, sentiu a necessidade de ocultar-se ainda mais, de escolher o "último lugar" entre os seguidores de São Francisco, retomando porém os livros — que muitíssimo amava — para aprofundar o saber, conseguir uma boa cultura teológica e preparar-se assim para o apostolado da pregação. E tornou-se pregador itinerante de grande fama, começando o seu caminho apostólico em Génova, em 1417, e passando depois por inumeráveis cidades e aldeias da Itália setentrional e central onde atraía multidões transbordantes, e, o que mais conta, operava conversões, pacificações e reformas, porque a gente sentia-se tocada pela sua palavra como por um sopro da graça de Deus.

Mas quanto mais crescia a popularidade, mais ele se tornava pequeno. Não aspirava a grandes coisas, aos "primeiros lugares"; mais, se ser nomeado Bispo podia então figurar como passar aos "primeiros lugares", nada menos de três vezes se recusou a aceitar, sentindo que a sua missão e o seu carisma eram os do humilde irmãozinho que, de aldeia em aldeia, reacende na gente humilde e viva, o sentimento cristão da vida, a descoberta do valor da simplicidade e da pobreza, e o que em linguagem moderna, que também usei no meu discurso à UNESCO (n. 17), se pode chamar o "primado do ser sobre o ter".

4. Era o significado mais profundo da lição do Sirácide e mais ainda da de Jesus sobre a humildade; a que São Bernardino acrescentava o chamamento ao desinteresse, à caridade, e mesmo à justiça, num tempo em que o novo desenvolvimento dos comércios e dos câmbios levava a uma expansão das finanças, nas quais o empréstimo com usura se tornava muitas vezes a forca dos pobres, ao mesmo tempo que aumentavam os desníveis sociais. Na pregação do Santo ouve-se sempre vibrar o espírito de um homem bom com os pobres, indulgente com os fracos, muitas vezes levado ao humorismo diante da realidade da vida, mas forte, decidido e firme contra o vício e em propugnar a justiça e a caridade. São Bernardino foi o propugnador da lei de Deus e o apóstolo dos meios populares, como seu pai São Francisco, como os Apóstolos e como o próprio Jesus.

5. Mas há na vida e na pregação do Santo alguma coisa que no-lo faz aparecer como quem se identificou a nível de profundidade com as necessidades espirituais do seu tempo e se tornou o arauto da divina mensagem, o Evangelho, e até do mistério que enche o Evangelho e Frei Bernardino sintetizava no nome de Jesus Cristo.

Foi o inventor e o propagador do trigrama IHS (Ihesus), que mandou pintar a ouro sabre tabuletas, com a toda a volta raios, a que atribuía particulares significados simbólicos. Com este meio, Frei Bernardino difundiu, por onde quer que passou, a devoção ao Santíssimo Nome de Jesus, já praticada em mosteiros e conventos há séculos, mas que agora se tornava um bem comum do povo cristão.

Ainda hoje sobre as portas de muitas igrejas e muitas casas, como também de antigos palácios públicos, em muitas cidades da Itália, se vêem esculpidos estes brasões com o Nome de Jesus.

Quanto desejaria que a celebração do centenário bernardiniano contribuísse também, e mesmo sobretudo, para isto: para fazer voltar o Nome de Jesus, como sinal da fé e da vida cristã das famílias, à porta de casa, no interior, tanto na Itália como nos outros Países. Peço-o aos pais e às mães de família, mas também aos jovens que estimo e amo, especialmente aos jovens casais: levai de novo o Nome de Jesus às vossas casas. Repito-vo-lo com as palavras mesmas de São Bernardino: "O nome de Jesus colocai-o nas vossas casas, nos vossos quartos e conservai-o no coração" (Quaresimale di Firenze, 1425, in Le prediche volgari, Firenze 1940, II, 190 ss.).

6. São Bernardino teve, no seu tempo, a intuição de o mistério de Jesus, "Caminho, Verdade e Vida" (Jn 14,6), encerrado no Seu Nome, que significava salvação, ser o anúncio de que tinham necessidade os homens de então, como os de sempre, e por isso se dedicou à pregação do Evangelho sob este santo sinal: "refúgio dos penitentes, bandeira dos combatentes, remédio dos fracos, conforto dos que sofrem, honra dos crentes, esplendor dos evangelizantes, mérito dos que trabalham, auxílio dos inconstantes, suspiro dos meditantes, deferimento dos orantes, gosto dos contemplativos e glória dos triunfantes".

É a explicação dada por Frei Bernardino dos doze raios dourados que nas suas tabuletas circundam o trigrama "IHS" (cf. De glorioso nomine Jesu Christi; Sermo 49, Opera, II, N. 293-302), subdivididos segundo a tríplice classificação tradicional dos imperfeitos, dos proficientes e dos perfeitos na vida espiritual. Mas aquele sinal simbólico traduzia a descoberta que fizera de um Cristo que leva a todos os homens, em todos os tempos e em todas as condições da vida, uma mensagem salvífica de valor universal.

446 Assim o Nome de Jesus tornou-se assunto vivo e vivificante na sua pregação para os homens do século XV, e era chama acesa também sobre toda a auréola dos preceitos de ordem moral, para os quais o Santo chamava os indivíduos, as famílias e a sociedade.

Até a moral cristã encontrava nova força persuasiva e plasmadora, porque se tornava expressão e irradiação de Cristo, Mestre de vida.

Também para nós se trata de receber de são Bernardino a mensagem sobre Cristo da Nova e Eterna Aliança, renovador de todas as coisas (cf. Apoc.
Ap 21,5), vivificador do homem em todas as dimensões da sua existência.

7. É a mesma mensagem que a Igreja nos fez escutar no Concílio, de que vos recordarei só uma página da Constituição Gaudium et Spes, onde se lê que "a Igreja acredita que Jesus Cristo, morto e ressuscitado por todos, oferece aos homens pelo seu Espírito a luz e a força para poderem corresponder à sua altíssima vocação; nem foi dado aos homens sob o céu outro nome, no qual devam ser salvos. Acredita também que a chave, o centro e o fim de toda a história humana se encontram no seu Senhor e mestre.

E afirma, além disso, que, subjacentes a todas as transformações, há muitas coisas que não mudam, cujo último fundamento é Cristo, o mesmo ontem, hoje e para sempre" (GS 10).

Também o meu Predecessor Paulo VI, na sua Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, afirmou que "a evangelização há-de conter também sempre — ao mesmo tempo como base, centro e ápice do seu dinamismo — uma proclamação clara de que, em Jesus Cristo, Filho de Deus feito homem, morto e ressuscitado, a salvação é oferecida a todos os homens, como dom da graça e da misericórdia do mesmo Deus" (EN 27). E eu mesmo o repeti na Exortação Apostólica Catechesi Tradendae: "O objecto essencial e primordial da catequese é.., o 'mistério de Cristo'... A finalidade definitiva da catequese é a de fazer que alguém se ponha, não apenas em contacto, mas em comunhão, em intimidade com Jesus Cristo: somente Ele pode levar ao amor do Pai no Espírito e fazer-nos participar na vida da Santíssima Trindade" (Ct 5).

Caríssimos irmãos e irmãs, quantas vezes proclamei esta certeza e esta obrigação da Igreja, quer na minha Encíclica Redemptor Hominis, quer nos meus discursos e nos meus encontros com gente de todas as idades, categorias e nacionalidades. E hoje quero repetir à luz de São Bernardino, pregador do Nome de Jesus, que enquanto o Senhor me der vida e forças, não deixarei de anunciar esta verdade, de "gritá-la sobre os tectos", como quer o Mestre (cf. Mt Mt 10,27), em Roma e onde quer que puder chegar com as minhas viagens missionárias: Jesus Cristo é o nosso Redentor, no Seu Nome está a nossa salvação, no Seu Evangelho encontra-se o Caminho, a Verdade e a Vida, de que precisam os homens de hoje, não menos do que aqueles a quem se dirigia São Bernardino.

8. Ao concluir a minha homilia, quero fazer votos e pedir a Nosso Senhor Jesus Cristo, por intercessão de São Bernardino, que mande à Igreja e ao mundo muitos missionários do Evangelho que levem a toda a parte a mensagem da salvação, porque é chamado cada homem a ser sujeito da missão do divino Salvador, que se prolonga e realiza continuamente na comunidade da Igreja. Há necessidade de vocações sacerdotais e religiosas como a de Bernardino dos Albizzeschi; há necessidade de leigos que sintam que também a eles pertence a missão salvífica da Igreja e se empenhem em participar nela da maneira que lhes é própria, à semelhança daqueles mais fiéis que apoiavam Frei Bernardino nas suas empresas apostólicas, ou mesmo lhe recolhiam e transmitiam as pregações.

Também o leigo deve ser pregação viva. Deve ser anúncio vivo do Evangelho. Porque o Evangelho é vivo e, como penetrou a sociedade italiana nos tempos perigosos de São Bernardino, assim deve hoje levedar a partir de dentro o mundo em que vivemos, por meio dos cristãos. Não raro são os valores do Evangelho, nesta época, contraditos: é preciso que os leigos dêem testemunho aberto, claro e convicto de que só em Cristo se encontra a salvação do homem.

Sobretudo na família, que o Vaticano II definiu estupendamente como "o santuário doméstico da Igreja" (A. A., 11), é necessário fazer dique contra os perigos que ameaçam profanar este santuário e devastar-lhe as estruturas sagradas: quero dizer o hedonismo que leva à falta de amor entre os cônjuges e para com os filhos, à infidelidade conjugal, ao divórcio e ao aborto. Sobretudo a respeito deste último ponto, sinto o grave dever de convidar-vos, como crentes, a aplicar toda a vossa atenção: não se pode suprimir a vida, não se pode recusar a vida, dom de Deus; chegam notícias terríveis sobre o triste primado que, neste campo, se atingiu. São Bernardino teve palavras de fogo contra este mal (Quaresimale di Firenze, 1425; Prediche al Campo di Siena, 1427: Pred. XXXIX). E eu, como Vigário d'Aquele que é a Vida do mundo, levanto alta a minha humilde voz em defesa de quem não teve nem nunca terá voz: Não se pode suprimir a vida no seio da mãe. Os leigos católicos italianos recordam certamente o convite dos seus Bispos, trabalhando "por uma superação da lei actual, moralmente inaceitável, por normas totalmente respeitadoras do direito à vida" (Istruzione pastorale del Consiglio Permanente della C.E.I.; 8 Dicembre 1978).

Na iminência do Sínodo dos Bispos, que fará próprias as ansiedades, as preocupações e os problemas da família, é necessário, por parte de todos, uma tomada de consciência, firme e generosa, para que Deus continue a abençoar todas as famílias cristãs, e as torne faróis de luz e focos de amor.

447 O Sacrifício da Nova Aliança, que agora nos preparamos para celebrar, opere em nós, com toda a sua virtude omnipotente, para nos tornar participantes todos, da salvação que vem de Cristo, e desperte no meio do povo de Deus novos apóstolos, religiosos e leigos, que saibam anunciar é fazer amar, como São Bernardino, o único nosso Salvador Jesus Cristo: é a minha oração, a que peço vos associeis; é a minha esperança, que desejaria acender também nos vossos corações.

SANTA MISSA PARA OS CONSELHEIROS ECLESIÁSTICOS

DOS CULTIVADORES DIRECTOS

E DO "MOVIMENTO APOSTÓLICO DOS CEGOS"


Castel Gandolfo, 3 de Setembro de 1980




1. Sinto-me feliz de poder esta manhã, no dia em que a liturgia da Santa Missa nos recorda a esplêndida figura do Papa S. Gregório Magno, celebrar o Sacrifício Eucarístico juntamente convosco, Conselheiros Eclesiásticos dos Cultivadores Directos, e convosco, Consultores do "Movimento Apostólico Cegos", vindos a Roma para os respectivos Congressos Nacionais.

Elevamos, antes de tudo, diante do Altar, o nosso agradecimento ao Senhor por este particular encontro litúrgico e por todos os dons inefáveis que Ele concede continuamente à Igreja, sua Esposa dilecta, a todos os Sacerdotes na cura de almas e a vós, Sacerdotes, que realizais um ministério, nem sempre fácil, de guia e de animação cristã entre os generosos trabalhadores dos campos e os queridos irmãos cegos. Invocamos depois luz e conforto sobre os trabalhos, que por vós serão realizados nestes dias e dos quais os vossos assistidos muito esperam para a solução de tantos problemas espirituais e sociais, que os afligem quotidianamente.

No vosso delicado apostolado, estais conscientes da necessidade de ter sempre um espírito de autênticos pastores, preocupados não só pela assistência material, certamente necessária e obrigatória, mas também, e sobretudo, por aquela espiritual, segundo o exemplo de S. Gregório Magno que, no seu infatigável desvelo pastoral, soube tão bem harmonizar a promoção das legítimas exigências temporais como as espirituais, às quais atribuiu naturalmente o primado, a ponto de merecer o elogio de bom Pastor, que a Igreja lhe dedicou com as leituras, há pouco ouvidas, do Livro do Profeta Ezequiel (34, 11-16) e do Evangelho segundo João (10, 11-16).

A tarefa de Conselheiros eclesiásticos diocesanos dos Cultivadores Directos assume uma importância e uma delicadeza fáceis de imaginar, se se pensa que vós sois enviados pela Igreja para agir "como sacerdotes" e, portanto, como ministros da verdade e da graça. É vossa missão fazer com que a promoção económica do mundo rural seja sempre inspirada pelos grandes valores espirituais e morais do Evangelho, tal como emergem e são apresentados pela doutrina social da Igreja.

Esta doutrina, continuamente reproposta na sua integridade e actualidade, exige opções às vezes exigentes, que não poderão ser globalmente acolhidas enquanto cada pessoa e cada família não tiverem bem presentes as orientações da fé.

A este propósito é-me grato renovar a exortação, já a vós dirigida pelo meu venerado Predecessor, Paulo VI, a realizardes "uma acção formativa e religiosa mais intensa, especialmente entre os jovens", aos quais se deve oferecer uma visão integral do homem em todas as suas dimensões e valores, sem a qual é impossível dar uma resposta adequada, coerente e firme aos interrogativos conexos com o matrimónio e com a família na hora presente.

A vós, Consultores do Movimento para os cegos, exprimo especial apreço e encorajamento por tudo o que fazeis em favor de uma categoria de pessoas tão provadas, más também tão generosas nos seus preciosos serviços à sociedade. Como é bela e significativa a vossa presença como amigos e como sacerdotes, e quanta consolação e luz lhes podeis levar! Sabei suscitar nos seus ânimos energia e boa vontade para o bem da Igreja e da Sociedade, e sede para eles instrumentos de alegria cristã e ministros de salvação eterna.

Regozijo-me, enfim, com todos os presentes pela sensibilidade eclesial no unir e coordenar a acção educativa específica por vós realizada, pelos programas pastorais das Igrejas particulares que levais avante para tornar sempre mais integradas e idóneas as várias experiências de evangelização.

Sobre estas tarefas invoco neste momento, com grande confiança, a graça do Senhor por intercessão da Virgem Santíssima e de S. Gregório, e concedo-vos a propiciadora Bênção Apostólica, extensiva aos vossos assistidos e a todos os que vos são caros.



VISITA PASTORAL DO SANTO PADRE À VELLETRI E FRASCATI (ITÁLIA)



Homilias JOÃO PAULO II 9880