Homilias JOÃO PAULO II 890


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II

AO ZIMBÁBUE, BOTSUANA, LESOTO,

SUAZILÂNDIA E MOÇAMBIQUE

DURANTE A SANTA MISSA

AOS CONSAGRADOS E AOS LEIGOS COMPROMETIDOS


POR OCASIÃO DO ENCONTRO NA IGREJA


DE SANTO ANTÓNIO EM MAPUTO


891
18 de Setembro de 1988




Queridos irmãos no Sacerdócio,
Religiosos e Religiosas,
Seminaristas e Aspirantes à vida consagrada
e Leigos comprometidos,

1. É MOTIVO DE GRANDE ALEGRIA para mim este encontro convosco, a quem o Senhor “fitou”, com especial predilecção. Foi Ele que vos escolheu e vos chamou, para que, a partir da consagração do Baptismo, renunciásseis ao mundo e, em condições peculiares, O seguísseis mais de perto:

– uns, marcados com o selo do Espírito Santo, para se consagrarem ao culto divino, ao ministério da Palavra e ao serviço da comunidade, os Sacerdotes;

– outros, para que vivam exclusivamente para Ele, “por amor do reino dos céus”, na liberdade de quem se reconhece filho de Deus, “senhor” em relação ao mundo e irmão das demais pessoas, em diálogo, e comunhão fraterna com elas, os Religiosos;

– e outros, enfim, para que exerçam com especial empenho, na parte que lhes toca, a missão de todo o Povo cristão, na Igreja e no mundo, os Leigos.

A todos quero aplicar as palavras programáticas do Apóstolo: “libertos do pecado e tornados servos de Deus, tendes como fruto a santidade e como fim a vida eterna” (
Rm 6,22), ao testemunhardes que o mundo não pode ser transfigurado, nem oferecido a Deus sem o espírito das bem-aventuranças (Cfr. Lumen Gentium LG 31).

2. Vim até junto de vós para vos conhecer melhor e para vos demonstrar que a Igreja toda, Corpo místico de Cristo, está convosco e compartilha os vossos problemas e aspirações e os vossos sofrimentos e esperanças, num momento de transformação profunda deste País. Isso traz consigo grandes mutações, não só externas, mas também quanto à “alma” deste Povo moçambicano, que todos amamos. A ele quereis anunciar o Evangelho, a fim de que possa, com a força do Espírito Santo, purificar-se e afirmar-se plenamente, no seu ser e nos seus valores autênticos.

892 A vossa generosidade e dedicação têm sido guiadas pelos Pastores da Igreja nesta jovem Nação, aos quais pertence orientar toda a vida eclesial nas próprias Comunidades diocesanas, discernir e harmonizar na pastoral de conjunto as actividades das pessoas de vida consagrada (Mutuae Relationes, 6) e reunir à sua volta a inteira família da grei e formá-la, de modo que todos vivam e operem em comunhão de caridade (Cfr. Christus Dominus CD 16).

Ao saudar-vos cordialmente, saúdo também os vossos irmãos e irmãs, espalhados por Moçambique, com a expressão da minha estima em Cristo e desejando que todos continuem a “escutar o que diz o Senhor Deus: Ele fala de paz para o seu povo e para os seus fiéis e de esperança para quem se converte a Ele” (Ps 85,9).

Sei que não vos fazem desanimar as dificuldades de diverso tipo que enfrentais: nem a pequenez do número, nem os perigos da guerra, nem a insegurança das situações, nem a escassez de recursos de toda a ordem. É mais forte do que tudo isso o amor com que Cristo vos amou e o amor da vossa resposta.

Convosco e por vós elevo o meu louvor agradecido ao Deus de toda a consolação e Autor de todos os bens, pela actividade da vossa fé, pelo esforço da vossa caridade e pela constância da vossa esperança, bem ancorada em Jesus Cristo (Cfr. 1Th 1,3). É de facto consolador para mim, com a solicitude de toda a Igreja, o testemunho que estais dando.

3. Apoiados na força do Espírito, quereis estar presentes aos irmãos que sofrem, solidários no seu sofrimento, para com eles partilhardes as insondáveis riquezas do amor de Deus e ajudá-los, com o testemunho de “Cristo em vós, a esperança da glória” (Cfr. Cl Col 1,27). E não hesitais em colocar-vos na vanguarda da missão, afrontando os maiores riscos, incluindo o risco da própria vida. Bem se vos pode aplicar a palavra da “Evangelii Nuntiandi”: “Na verdade, a Igreja vos deve muitíssimo” (Evangelii Nuntiandi EN 69).

Neste sentido não posso deixar de manifestar apreço pelo trabalho meritório bem secundado por vós, aqui realizado, com vista a encarnar a Igreja na cultura local, a assegurar os serviços essenciais às comunidades cristãs, e a dotá-las das estruturas indispensáveis à sua manutenção e desenvolvimento. Hoje, expressão da comunhão eclesial, isso vai-se fazendo com a presença e colaboração fraternal dos beneméritos missionários, provenientes de outras nações; amanhã – praza a Deus! – com membros das Comunidades eclesiais locais, realizando o desiderato do Concílio quanto à implantação sólida da Igreja, num determinado grupo humano (Cfr. Ad Gentes AGD 19).

4. Antes de me referir aos diversos componentes desta selecta assembleia, quereria indicar a todos duas metas a ter em vista, para animar e unificar os esforços de caridade pastoral e de apostolado:

1ª – sede arautos e artífices da conversão, num sentido ampliado: a mudança de mentalidades em função de valores de ordem superior, quais são o bem comum e o pleno desenvolvimento do homem todo e de todos os homens (Cfr. Sollicitudo Rei Socialis SRS 38); assim preparareis os caminhos do perdão e da reconciliação.

2ª – sede testemunhas e fautores da reconciliação, procurando extirpar dos corações dos homens o ressentimento e a aversão. Para tanto, orai “para que todos conheçam a verdade e se salvem (Cfr. 1Tm 2,4 2P 3,9); enunciai a mensagem da reconciliação (2Co 5,19), insistindo oportuna e inoportunamente (2Tm 4,2), para que se afirme “a unidade dos espíritos, por meio do vínculo da paz” (Ep 4,3).

Só quando forem percorridos estes dois caminhos, se poderá esperar a plena realização da promessa do Salmo que acabámos de recitar: “Da terra germina a fidelidade e a justiça olha do céu... Misericórdia e verdade apertam-se as mãos e a justiça e a paz abraçam-se. O Senhor dará os seus benefícios e a nossa terra dará os seus frutos” (Ps 85,11 Ps 85,13).

5. Caros Sacerdotes,

893 Há uma fórmula, assaz conhecida, criada pela intuição do Povo de Deus, que diz: o Sacerdote é um outro Cristo.Não é metáfora. É a realidade maravilhosa e consoladora, mas também indicativa de tremendas responsabilidades.

Colaboradores directos do ministério episcopal, pela Ordenação sacerdotal fostes introduzidos num género de vida que vos distingue essencialmente dos demais baptizados: pelo “carácter” em vós impresso, houve uma transformação no “organismo” sobrenatural, que vos habilitou para agir “in persona Christi”, para servir o amor com que Ele envolve toda a família humana. É um dom que, estando em vós e não sendo para vós, vos enriquece e interpela a crescerdes na consciência e coerência da real configuração com Cristo, Sacerdote e Bom Pastor.

“Constituídos a favor dos homens, nas coisas respeitantes a Deus” (
He 5,1), a vossa função eclesial é indispensável e está bem definida: não é mera deputação jurídica nem delegação da comunidade. É vida: é viver como se o próprio Cristo vivesse em vós; é reflecti-lo constantemente no comportamento, no ministério sagrado, no serviço e no trato com os irmãos e irmãs: em tudo se deve revelar o vosso relacionamento com o Pai, no Espírito Santo. O Sacerdote nunca poderá ser “outro Cristo” para os homens, se antes não for “homem de Deus” (Cfr. 1Tm 6,11).

6. Aqui convosco, dou graças ao Altíssimo pela missão sublime e inefável confiança depositadas em vós, em favor da Igreja: da Igreja em Moçambique, que pela dedicação dos seus Sacerdotes, mesmo entre tribulações, aqui vai crescendo em número e qualidade. Sem jamais desanimar, ponde o vosso apoio em Deus vivo, pela oração sob todas as suas formas, centrada na Eucaristia e aferida pela Liturgia das Horas, acompanhada sempre de devoção autêntica a Nossa Senhora, Rainha dos Apóstolos.

O vosso ministério pastoral, em comunhão com o Bispo, exige a perseverança, o tacto e a diligência bem retratadas nas parábolas do Reino (Cfr. Mt Mt 13,1-51); e, não vos exime de horas de interrogação: “Quem sou eu, afinal?”. A resposta estará na vossa fé e no vosso amor à Igreja: sou – conforme a Mãe Igreja dispõe – chamado, consagrado e enviado para ser “outro Cristo”, em favor dos homens meus irmãos.

7. Por vicissitudes históricas conhecidas, há escassez de Sacerdotes diocesanos de Moçambique. As vocações chegadas à consagração, nos últimos tempos, são pouco numerosas. Há indícios de progresso, graças a Deus. Sem o ministério hierárquico, os leigos, com toda a sua boa vontade, não estariam em condições de desempenhar bem a sua função. Por isso, é de esperar e pedir ao Senhor da messe que, cada vez mais, Bispos e Sacerdotes moçambicanos assumam e orientem os destinos da Igreja neste País.

É mais conatural para vós, amados irmãos, do que para os dedicados missionários, “compadecer-vos” do homem moçambicano, comunicar e dialogar na sua “linguagem”, atingir o seu modo de se abrir a Deus e os seus costumes. Mas será maior também a incisividade do vosso testemunho e exemplo. Que seja sempre Jesus Cristo – homem perfeito, princípio e ideal do homem restaurado, do homem novo (Cfr. Gaudium et Spes GS 22), na dimensão divina e humana do mistério da Redenção – o modelo da vossa vida e do vosso empenho na inculturação do Evangelho.

8. Gostaria, caríssimos Religiosos – em boa parte também Sacerdotes – de dispor de tempo para traçar aqui o vosso “perfil”, como testemunhas das bem-aventuranças vividas no quotidiano, testemunhas do Absoluto de Deus, do invisível e da vida futura, a ser vivida em esperança já no presente; não sendo viável, limito-me a aplicar-vos a palavra da “Evangelii Nuntiandi”: “sois um meio privilegiado de evangelização eficaz” (Evangelii Nuntiandi EN 69).

Não quereria deixar de frisar a originalidade da vossa condição eclesial e o seu valor incontestável. Mesmo quando vos dedicais directamente à “pastoral”, permanecei fiéis ao vosso lugar na Igreja, bem definido pelo Concílio Vaticano II, e aos carismas que vos são próprios. E que a finalidade da vossa actividade, entrosada com o Clero diocesano, seja sempre, à semelhança da missão do Filho de Deus feito homem, missão de amor, de paz e de redenção.

Nas vossas pessoas, vejo as plêiades de Religiosos a que se figa a história da Igreja neste País: formais ainda hoje, a maioria do clero activo. Para prosseguirdes o vosso serviço, cada vez com mais frutos espirituais para os filhos desta terra, estou certo de que continuarão a processar-se harmoniosamente, como até aqui, segundo o espírito do documento “Mutuae Relationes”, os contactos, diálogos e bom entendimento dos Superiores religiosos com os Bispos, postos pelo Espírito Santo a governar a sua Igreja.

9. Caríssimas Religiosas,

894 Também a vós quero exprimir estima, pelo dom que constituís para os Moçambicanos, que tanto precisam do carinho da Mãe Igreja, modelado pelo carinho maternal de Maria, a Mãe de Jesus. Para alguns, já “começou a brilhar uma luz”: outros, ainda não viram a “grande luz” do “Príncipe da Paz” (Cfr. Is Is 9,2) Poderá suceder através do vosso testemunho de amor esponsal a Cristo, pelo qual toda a verdade salvífica do Evangelho se torna particularmente visível entre os homens; daí nasce, como algo próprio da vossa vocação, a participação que tendes no apostolado da Igreja, na sua missão universal (Redemptionis Donum, 15).

O testemunho do dom total das vossas pessoas a Deus, para O servir nos irmãos, vivido em castidade, pobreza e obediência, faz de vós expressão privilegiada da mesma Igreja, a interpelar aqui a sociedade e o mundo. E sensíveis às necessidades e sofrimentos dos homens, que se apresentam aos vossos olhos tão claramente e de modo tão impressionante, nunca esqueçais: a vossa obra de apostolado fundamental permanece aquilo que vós sois na Igreja, segundo a palavra do Apóstolo: “Vós estais mortos: e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus” (Col 3,3).

10. A maturidade e a continuidade de uma Igreja particular têm o seu penhor também na vida consagrada. Vive-se em Moçambique um momento de boas esperanças: o momento de vocações femininas e do aparecimento de novos institutos nas Dioceses. Estas esperanças serão confirmadas, se houver uma formação aprimorada e profunda das novas Religiosas moçambicanas, no enquadramento devido: visão de fé, a sustentar a generosidade e o aperfeiçoamento na caridade, oração-diálogo continuado com Deus (Cfr. Jo Jn 15,5), vinculação a um determinado instituto com o seu carisma e vida comunitária, apesar das solicitações do imediato.

É de per si muito válido o modelo concreto de vida que ofereceis, sobretudo aos jovens – com a disponibilidade, o desapego, a competência e a laboriosidade – nas comunidades, no ensino, no cuidado dos doentes e assistência aos pobres de todas as condições, na promoção da mulher e dos analfabetos. Mas recordai sempre que tendes de fazer resplandecer em tudo isso o dom da Redenção, impressa nos conselhos evangélicos, como “hóstias vivas, santas e agradáveis a Deus” (Cfr. Rm Rm 12,1): em constante atitude oblativa. Sede assíduas na oração, alegres na dedicação e entusiastas da vossa vocação!

11. Desejo recordar aqui aqueles e aquelas que vivem inteiramente consagrados à oração, ao silêncio e à penitência: os Religiosos de vida contemplativa. Também eles são construtores da “cidade” de Deus, com o que são, constituindo para os homens “sinais” do amor-Redenção e enriquecendo de uma misteriosa fecundidade apostólica a Igreja peregrina.

Sei que são poucos ainda, os Contemplativos, em terras moçambicanas. Mas o Senhor providenciará; e estou certo de que não faltarão diligências a secundar a Providência divina, para que se multipliquem.

12. Aos queridos Seminaristas e aos Aspirantes à vida consagrada, quero dirigir igualmente uma saudação amiga e uma palavra: ouvistes o que acabo de dizer aos vossos irmãos e irmãs mais velhos, àqueles que jà saboreiam e vêem quanto o Senhor é bom. E não estranhareis, certamente, que a Igreja se mostre atenta e até exigente, quanto à vossa formação e boa preparação para o compromisso que desejais assumir, cônscia e generosamente. A Igreja é Mãe e Mestra e possui uma longa experiência.

Estais aplicados a discernir a voz de Deus e a aprofundar aquela “ciência” importantíssima, que é conhecer-se a si mesmo e a buscar certezas, quanto ao sonho lindo, que em boa hora começastes a sonhar: doar a vossa vida, em consagração total ao Senhor.

Como o jovem Samuel (Cfr. 1S 3,1-10) procurai essas certezas sob a orientação dos vossos mestres. Estabelecei um diálogo íntimo, na oração e na meditação, com Cristo, o “Bom Mestre” (Cfr. Mt Mt 19, 6ss), que vos ilumine na resposta que deveis der a Deus. Não vos deixeis seduzir por interesses humanos. O consagrado não é uma pessoa roubada à sociedade, mas sim uma pessoa que a ela se dedica com redobrado valor. A vida consagrada é portento um modo eminente de servir os vossos irmãos, o vosso País: servir este querido Povo moçambicano, que tem sede de Verdade e fome do “Pão da Vida” (Cfr. Jo Jn 6,48).

13. Com viva satisfação, vejo aqui representados e quero saudar os Leigos de Moçambique, em especial os que se comprometeram em tomar parte activa da vida da Igreja. Na animação das comunidades, na catequese, nos diversos serviços de uma comunidade, a vossa presença e acção são preciosa colaboração na pastoral; preciosa não somente porque multiplica o número dos obreiros da Igreja, tão necessários nas circunstâncias actuais do vosso País, mas porque significa que vós compreendestes bem o valor do vosso Baptismo e Confirmação. Recordai, porém, que o fruto do vosso apostolado anda ligado à qualidade da vossa fé, da vossa oração e da vida pessoal, familiar, e profissional.

Em colaboração confiante com os Pastores, a vossa actividade no âmbito da Igreja é importante. Mas a vossa atenção e dedicação hão-de estender-se a um campo mais vasto, para fazer com que o vosso ambiente seja animado pela força do Evangelho.

895 Os cristãos, movidos pelo espírito das bem-aventuranças, articulam o seu agir com o que se fez dentro da comunidade nacional, aos diversos níveis, pelo bem comum. Onde quer que se movam, nas diferentes áreas da sociedade – da política à cultura, da educação à família, do trabalho ao sofrimento – visam o objectivo de formar uma imensa família de irmãos, unidos pela força da Redenção de Cristo, nossa Páscoa, a ouvirem “o que diz o Senhor Deus: Ele fala de paz para o seu povo e para os seus fiéis e de esperança para quem se converte a Ele” (Ps 85,9).

14. Irmãos e irmãs,

O momento histórico que esta Nação está a viver exige de todos, sem excepção, sacrifícios, renúncias, dedicação e amor. É conhecido e e edificante que não poucos de entre vós – Sacerdotes, Religiosos, Religiosas e Leigos – para estarem mais próximos das populações se sujeitam as suas privações, dificuldades, insegurança e isolamento. Além do ardor apostólico, demonstram saber em quem puseram a confiança (Cfr. 2Tm 1,12). Graças à força misteriosa do Espírito de amor e de fortaleza, há odor de holocausto voluntário, que diariamente se eleva destas terras para o Alto. Que isso seja penhor de paz e prosperidade para todo o Povo moçambicano!

E porque precisamos de mais santos, santos moçambicanos, invoquemos o Espírito de santidade e de justiça: “TANA MOYA” (Vinde Espírito Santo!).

VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II

AO ZIMBÁBUE, BOTSUANA, LESOTO,

SUAZILÂNDIA E MOÇAMBIQUE



NO ENCONTRO COM OS JOVENS DE MOÇAMBIQUE


Maputo, 18 de Setembro de 1988




Saúdo-vos, jovens, “porque sois fortes”!

1. SIM, CARÍSSIMOS JOVENS e Amigos de Moçambique, olhando para vós, vejo que sois fortes. Sois a força desta Nação, destinada a fazer dela uma grande Nação. Sois a força da Igreja, destinada a dar continuidade e solidez à “boa obra” do Evangelho aqui começada por Deus (Cfr. Fl Ph 1,6). Sois a força do futuro, melhor, sois o futuro de Moçambique, da Igreja e do mundo. E é vontade de Deus que seja um futuro melhor.

E “quem fez a vontade de Deus permanece eternamente” (1Jn 2,17)

Muito obrigado pelas vossas calorosas boas-vindas! Obrigado sobretudo por terdes vindo; correspondestes em grande número e com todo este entusiasmo ao convite de encontrar-vos com o Papa. Dais-me grande alegria, pois eu desejava multo este encontro. Sei que também vós me esperáveis, com grande curiosidade e, muitos de vós, com entusiasmo e amor.

Saudando-vos cordialmente, saúdo todos os jovens de Moçambique, onde quer que se encontrem: os que encaram a existência com serenidade e os que, olhando o futuro incerto, se interrogam: os estudantes, dentro e fora da pátria, e aqueles que não estudam; os activos em diversas ocupações, servindo briosamente os seus semelhantes e o bem comum, e os outros, sem emprego, inválidos, alienados e sem confiança; os que são livres e aqueles que não se sentem livres nem seguros. Para todos quereria deixar uma mensagem de esperança.

2. Sabeis que, como Bispo de Roma, tenho feito diversas peregrinações pastorais pelos cinco Continentes. Move-me o compromisso que tenho com Jesus Cristo; e, ao mesmo tempo, o compromisso com o homem, com todos os homens meus irmãos, de ajudá-los a serem mais felizes, pois é esse o plano do Criador. Foi essa a razão pela qual o Filho Unigénito de Deus se fez homem: “por nós, homens, e para a nossa salvação desceu do céu”.

896 Em todas as minhas viagens pastorais os jovens do mundo merecem-me uma atenção prioritária, se bem que não exclusiva, pois também a eles e sobretudo a eles desejo que sejam felizes; desejo anunciar-lhes a verdade que liberta e introduz no caminho da felicidade, da luz, daquela Luz destinada a iluminar todo o homem (Cfr. Jo Jn 1,9).

Estais no momento de traçar o plano da vossa felicidade, que será tanto mais profunda quanto mais vos exigir esforço. O período da juventude é de muita importância, precisamente por isso: é a altura de fazer o projecto de vida. As decisões tomadas, os compromissos assumidos e os valores aos quais ligais a vossa existência, assim como as metas que estabelecerdes alcançar, serão a forma da vossa felicidade.

Quanto vos desejo que sejais felizes! Olhai, ser jovem quer dizer vida em flor, cheia de promessas de frutos de bem; quer dizer esperança da vossa família, duma nação, da Igreja e do mundo: de um mundo melhorado pela vossa contribuição generosa e pela vossa felicidade pessoal. E é essa a vontade de Deus: “Quem faz a vontade de Deus permanece eternamente” (Cfr. 1Jn 2,17).

3. Alegrei-me por saber, ao preparar este encontro convosco rezando e informando-me, que muitos jovens moçambicanos têm sido, de facto, “fortes”: têm sabido vencer, como nos explicava o Apóstolo São João na leitura da Bíblia que ouvimos. Quer dizer, têm feito grandes esforços e demonstrado coragem para perseverar na fé, para permanecer em seus corações a “Palavra de Deus” e o “amor do Pai”.

Não se deixaram perturbar, no meio de uma derrocada de valores tradicionais e queridos do seu Povo moçambicano, no meio do desconcerto e desrespeito que os rodeava e de pressões ambientes. Outros, talvez se tenham mostrado menos “fortes”; mas ainda é tempo de se tornarem “fortes”. É sempre tempo para um jovem reconquistar a sua juventude crestada.

É jovem quem for “forte”; e não se demonstra “jovem” quem se deixa vencer pelo “maligno”. E agora é tempo de preparação, de dar têmpera à vossa fortaleza; é tempo de treino para a participação e para a vitória.

4. E qual é a “modalidade desportiva” – perguntareis – em que temos de demonstrar fortaleza, para a qual devemos treinar com afinco e em que temos de vencer? Quais os adversários que temos de superar?

São João Evangelista explicava: existe a luz e existem as trevas; existe a justiça e existe o pecado. Quem acolhe a Palavra de Deus não peca, mas observa os “mandamentos”: conhece a verdade e tira de sua vida as “trevas”, a falsidade e a mentira. Vence o “maligno”, o demónio, que é o “pai da mentira”.

Além do demónio, há outros adversários da verdade e da “luz”, a que importa resistir, para vencer. São eles:

– o “mundo”, identificado com a mentalidade que pactua com o mal, que pretende impor a falsidade e a ilusão do comodismo, que passam muito depressa, deixando o desencanto;

– a tríplice “concupiscência” desordenada: concupiscência da “carne”, que é a tendência para o abuso do prazer, abuso contrário à vontade de Deus, ao bem de cada um e do seu próximo; a concupiscência dos “olhos”, que é a ambição do poder, de ser alguém, para dominar e dar largas ao próprio egoísmo; e, por fim, o “fausto da vida”, que é a ganância de ter muitas riquezas, as quais tornam os homens soberbos, presunçosos e fechados a Deus e aos irmãos.

897 Esta explicação já indica a “modalidade” para que estais a preparar-vos: a vida, como deve ser. A vitória sobre o mal, sobre as “trevas” é dom do Alto; mas é também conquista pessoal: um empenhamento que obriga. Não há meios termos: ou se escolhe a luz, a verdade e a liberdade com Deus, ou então vaguear nas “trevas” do mundo que passa. E no segundo caso, a vida perde sentido, o homem é um “vencido” e talvez se torne escravo. Mas para todos vós, queridos jovens, a vontade de Deus é a vitória, é vencer na vida. E “quem faz a vontade de Deus permanece eternamente” (1Jn 2,17).

5. Mas – direis, ainda – para confrontar-se com a “vontade de Deus” é preciso reconhecer em mim e nos outros a possibilidade de aceitar o mesmo Deus, a dimensão transcendente; reconhecer que nós, pessoas humanas, não somos apenas matéria bem estruturada e melhor organizada do que qualquer outra, mas também espírito; e, como ser espiritual, reconhecer que, segundo a Bíblia, cada homem foi criado à imagem e semelhança do próprio Deus; e que, como remido, é chamado a ser o seu filho, em Jesus Cristo, e irmão dos outros homens e destinado a uma vida eterna.

Sim! É necessário reconhecer tudo isto. E negar esta transcendência é reduzir-se e reduzir os outros a “objectos”, cuja sorte fica sujeita ao abuso, ao egoísmo e à ganância dos demais homens; ou então à omnipotência do Estado, erigido em valor supremo. E olhai, esta transcendência, “a própria razão a dá a conhecer” (Cfr. Dignitatis Humanae DH 2).

A Igreja, escreveram para vós os Bispos que tomaram parte no Concílio, tem confiança que vós encontrareis uma força e uma alegria tais, ao descobrir toda a riqueza de serdes pessoas, que não chegareis a ser tentados nem a ceder à sedução das filosofias do egoísmo e do prazer e que, perante o ateísmo, vós sabereis afirmar a vossa fé na vida e no que dá sentido à vida: a certeza da existência de um Deus justo e bom” (Cfr. CONC. OEC. VAT. II Nuntii quibusdam hominum ordinibus dati, die 8 dec. 1965: AAS 58 (1966) 16).

6. Sonhar, ter aspirações é belo; é normal na vossa idade, cheia de encantos. Eu também vivi a vossa idade, em clima de guerra, com aspirações como vós, com sofrimento como vós e com momentos de interrogação como vós. Mas chega o momento da caminhada na vida em que importa escolher, decidir e demonstrar que sois “fortes” para superar adversários e obstáculos. E vêm inevitavelmente algumas perguntas: Quem sou eu, afinal? Para onde vou? Qual o caminho a seguir, o melhor percurso para mim?

Gostaria de encontrar-me a sós com cada um, no momento destas perguntas, e conversar: ouvir e responder. Não sendo isso possível, como amigo e como “mais velho”, como quem já fez o confronto de si próprio com a “vontade de Deus” e acredita no seu “amor de Pai”, quero deixar a todos o meu testemunho: o testemunho daquilo que eu considero a coisa mais importante para todos os homens meus irmãos.

Partindo da certeza de que a vossa maior fonte de fortaleza está em serdes pessoas, em serdes pessoas ao lado de outras pessoas e de juntos poderdes realizar coisas estupendas, o meu testemunho é este: só em Deus encontram fundamento sólido os valores humanos; e só em Jesus Cristo, Deus e Homem, se vislumbra uma resposta ao problema que cada pessoa constitui para si mesma: Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida para todos os homens.

7. Abertos para as dimensões sociais do homem, como todos os jovens, vós voltais-vos para o futuro.Sentis vontade de fazer alguma coisa; em certos momentos, podereis sentir mesmo o desejo de transformar radicalmente as estruturas, que se apresentam inadequadas aos vossos sonhos de uma sociedade melhor: uma sociedade justa, livre e próspera, onde todos e cada um possam usufruir serenamente os benefícios do progresso.

Deus fez os jovens assim, precisamente para que se sintam impelidos a transformar o mundo, melhorando-o, e se tracem um projecto de vida nesse sentido. Incomodam-vos as “sombras”, daquilo que “está mal”: as sombras das divisões e barreiras entre os homens, da incompreensão entre as gerações, do racismo, da injustiça e da guerra; e, por outro lado, as sombras da dissipação e desperdício, enquanto noutras partes do mundo se sofre a miséria e a fome. E talvez vos assaltem dois tipos de tentação: de desânimo e abdicação ou, pelo contrário, de atitudes extremistas até à violência.

Mas vós sois “fortes”: quereis ser “fortes”, não é verdade? E, por isso mesmo, quereis ouvir a sabedoria dos “mais velhos”, que vos apontam os caminhos da temperança, da prudência e da justiça, para chegar à autodisciplina e à primazia do amor na própria vida, as alavancas da renovação por vós desejada. Por outras palavras, quereis formar em vós uma personalidade equilibrada, consciência recta e esclarecida, ser pessoas justas, que inspiram confiança, homens e mulheres de palavra honrada e de uma autenticidade a toda a prova. É esta a vontade de Deus; e “quem faz a vontade de Deus permanece eternamente” (1Jn 2,17).

8. Escrevi-vos há tempos uma Carta, em que vos dizia que a história é escrita não só com os acontecimentos que se desenrolam “fora” do homem; mas é escrita, primeiro que tudo, “dentro” do homem: é a história das consciências humanas, das vitórias e das derrotas morais (Cfr. IOANNIS PAULI PP. II Epistula Apostolica ad iuvenes internationali vertente anno iuventuti dicato 6, die 26 mar. 1985: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, VIII, 1 (1985) 767). E num boletim por vós distribuído, em vista deste encontro com o Papa, lia-se: “Construamos a paz na justiça e no amor”. Gostei do lema. Mas, às vezes, muitos bons desejos de construir uma sociedade justa desvanecem-se na inautenticidade e não perduram, por lhes faltar o apoio de um sério empenho de morigeração e mesmo de austeridade pessoal. Numa palavra, por falta de “fortaleza” moral. Construí, amados jovens, a paz “dentro”, nas vossas consciências, para poderdes desempenhar a grande missão de paz que vos espera.

898 Apesar da vossa juventude, já tivestes ocasião de viver uma dura experiência, por vezes bem dolorosa, da falta de paz, determinada pelas vicissitudes que o vosso País tem atravessado. Alguns de vós já nasceram em tempo de guerra e de grandes provações e sofrimentos.

Quantos coetâneos vossos perderam a vida, vítimas da guerra, da violência, da fome e da doença! Quantos se encontram inválidos! Quantos outros perderam o respeito pela vida, o apreço pelos valores de ordem superior e tradicionais, o amor da família e deixaram entrar em si o desamor e a revolta!

9. Vós sentis que, tanto ou mais do que outros países, Moçambique precisa de vós: precisa de jovens que saibam vencer na vida, de “homens novos”. Sentis que vos cabe a tarefa bela e entusiasmante, mas não fácil, de construir uma sociedade, dando todo o significado e expressão que deve ter a independência há pouco alcançada, que não é fim para si mesma. Sentis que vos cabe a tarefa não somente de consolidar uma sociedade encontrada, mas de reconstruir muita coisa e dotar este Povo de estruturas e órgãos, que permitam a todos os cidadãos viver como verdadeira Nação, que tem o seu protótipo numa grande família harmoniosa e feliz.

Mas o primeiro passo tem de ser construir a paz, como se lie no vosso folheto programático. A vós, jovens, rapazes e raparigas de Moçambique, cabe integrar-vos, como protagonistas, na realização deste programa gigantesco. Apresento-o a vós, precisamente porque sois jovens, sois a força e a certeza do futuro de Moçambique. Sede os portadores desta mensagem de paz e esperança para todos os Moçambicanos! Sede também mensageiros com a vida e o exemplo!

Deponde dos vossos corações ressentimentos e ódios! Deixai-vos conhecer e amar pelo Redentor do homem, Jesus Cristo, que é na história dos homens a forma e o nome do amor e misericórdia de Deus. Tornai-vos “pacíficos” desde o período da vossa formação para vencer na vida! Preparai-vos qualitativamente, em todos os campos, para a obra de reconstrução e desenvolvimento que vos lança um desafio!

Que os vossos Governantes possam contar convosco, com todos e cada um!

Que o Papa, ao deixar Moçambique, leve a certeza de que a Igreja, instrumento de paz, por vocação e missão divina (Cfr. Gaudium et Spes
GS 89), possa ter-vos como arautos da paz e fautores da fraterna convivência nesta comunidade nacional, em nome de Cristo, Príncipe da Paz!

E que, uma vez em Roma, eu esteja seguro de que este meu apelo permanece nos corações dos meus amigos jovens moçambicanos e continua a frutificar na pacificação e em participação no desenvolvimento, no progresso e na prosperidade do nosso querido Moçambique!

10. Assim, caríssimos amigos, também a Igreja precisa de vós: quer que sintais que sois Igreja e nela vivais responsavelmente a comunhão e a participação, na luz das bem-aventuranças, a irradiar a alegria de filhos de Deus, na luta contra “mecanismos perversos” e “estruturas de pecado”, visando a solidariedade humana e cristã (Cfr. Sollicitudo Rei Socialis SRS 40).

E para alguns – seja-me permitida a expressão – Cristo precisa de vós, de modo especial: sugere-lhes que “deixem tudo” e “O sigam” como projecto de vida e caminho de felicidade. É conhecida a grande necessidade de vocações sacerdotais, religiosas e de leigos comprometidos.Ambiente para estas vocações são as famílias, onde haja clima de amor e oração. Alegrou-me saber que, fruto de uma mais cuidadosa preparação, para aqueles que seguem a estrada do casamento, vai crescendo o apreço pelo sacramento do Matrimónio, celebrado como Deus quer e segundo as leis do vosso País.

Não vos contentardes com ser como sois, e aspirardes a ser melhores é ter personalidade; não vos contentardes com o mundo como encontrastes, mas querê-lo melhor é sinal de juventude; não vos contentardes com as dimensões do tempo, mas aspirardes a ser pessoas para a eternidade é serdes cristãos. É a vontade de Deus: e “quem faz a vontade de Deus permanece eternamente” (1Jn 2,17).

899 Antes de vos abençoar, de todo o coração, pensando em todos os nossos amigos jovens de Moçambique, sobretudo nos que sofrem elevemos a Deus a nossa voz rezando como São Francisco de Assis:

“Senhor, fazei de mim um instrumento da Vossa paz!
Onde houver ódio, que eu leve o Amor; Onde houver ofensa, que eu leve o Perdão;
Onde houver discórdia, que eu leve a União;
Onde houver dúvida, que eu leve a Fé;
Onde houver erro, que eu leve a Verdade;
Onde houver desespero, que eu leve a Esperança;
Onde houver tristeza, que eu leve a Alegria;
Onde houver trevas, que eu leve a Luz.
Senhor,
Fazei que eu procure mais:
900 consolar que ser consolado,
compreender que ser compreendido,
amar que ser amado.
Pois é dando que se recebe,
é perdoando que se é perdoado,
e é morrendo que se ressuscita para a Vida Eterna!”.



Homilias JOÃO PAULO II 890