Homilias JOÃO PAULO II 900


1990



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II

A CABO VERDE, GUINÉ-BISSAU, MALI E BURKINA FASO



DURANTE A CELEBRAÇÃO DA PALAVRA NO ESTÁDIO DA FONTINHA


Ilha de São Vicente, 26 de Janeiro de 1990




Meus caríssimos irmãos e irmãs “Cantai ao Senhor, terra inteira! Cantai ao Senhor, bendizei o Seu nome!” (Ps 96,1-2).

1. Hoje desejamos pôr em prática a exortação do Salmista e bendizer o nome de Deus, Nosso Senhor, nesta ilha de São Vicente, em Cabo Verde.

Queremos cantar ao Senhor e proclamar a Sua glória convosco, que habitais esta ilha, em pleno Oceano Atlântico. A terra e os oceanos falam-nos do Criador, no qual tem origem tudo o que existe. Todos nós, homens que habitamos sobre a face da terra, rodeada pelo oceano, hoje desejamos dirigir-nos ao Deus de toda a criação, com palavras de adoração e de agradecimento.

901 Saúdo-vos, irmãos e irmãs desta ilha de São Vicente, com o coração a transbordar destes sentimentos; e saúdo a quantos aqui vieram de outras ilhas para encontrar-se com o sucessor do Apóstolo São Pedro e com ele dar graças ao Senhor, e proclamar entre os povos a Sua glória. Saúdo-vos, abraçando-vos a todos e cantando convosco “um cântico novo”, pois estamos aqui juntos, cheios de alegria, por termos sido chamados para manifestar ao mundo a nossa pertença a Jesus Cristo. Por isso, cantamos e bendizemos o no me do Senhor. Embora haja diversidade de culturas, nós formamos um só povo. O anúncio do Evangelho, que aqui chegou há já cinco séculos, fez destas ilhas também a pátria dos “remidos”, uma terra abençoada pela luz da salvação, vivida e testemunhada por muitos nossos irmãos na fé. De quantos frutos espirituais se enriqueceu até ao dia de hoje a história de vossa Igreja local!

Manifestai entre as nações a glória do Senhor”!

Obedecendo a esta exortação, nós, aqui congregados pelo Bom Pastor das nossas almas, neste Estádio da Fontinha, queremos celebrar, agradecidos, a nossa esperança de povo cristão, que caminha na fé para a realização das promessas messiânicas.

2. Antes de mais, desejamos agradecer o dom da fé, que recebemos de Deus, através de quantos no-la transmitiram. E temos de a avivar constantemente, para dela darmos um testemunho corajoso e coerente. A celebração hodierna da memória litúrgica dos discípulos de São Paulo, Tito e Timóteo, proporciona ao sucessor de São Pedro, presente entre vós, uma excelente oportunidade de vos confirmar na vossa fé (Cfr. Lc
Lc 22,32).

Sinto-me realmente feliz, por poder hoje tomar parte, como Bispo de Roma, nesta assembleia de oração do Povo de Deus em Cabo Verde, aqui na ilha de São Vicente.

Nas origens do serviço episcopal do Papa, como sabeis, está precisamente Simão Pedro - o Apóstolo. Um dia, perto de Cesareia de Filipe, foi ele o primeiro a confessar que Jesus é o Filho de Deus. Quando o Messias perguntava qual era a opinião do povo acerca do “Filho do homem”, entre as várias respostas ouvidas, perante a insistência de Jesus, adiantou-se Simão Pedro: Tu és Cristo, o Messias, o Filho do Deus vivo (Cfr. Mt Mt 16,16).

Foi uma confissão que teve a sua origem em Deus: é a verdade que provém do próprio Deus, a profissão de fé; “não foram a carne nem o sangue que te revelaram, mas sim meu Pai que está nos céus” (Mt 16,17), disse Jesus, confirmando a verdade da confissão de Pedro.

Sobre esta confissão se apoia a Igreja, como sobre uma rocha. E Pedro, segundo as palavras de Cristo, tornou-se essa mesma rocha: “E eu também te digo: tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do Inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16,18).

3. O Bispo de Roma, chegando hoje junto de vós, caríssimos irmãos e irmãs, vem com a mesma confissão de fé feita por São Pedro.

Ao professar a nossa fé em Cristo, Filho Unigénito de Deus, consubstancial ao Pai, nós proclamamos a glória de Deus; e, ao mesmo tempo, anunciamos a salvação que o próprio Deus revelou à humanidade em Jesus Cristo.

A Igreja é sacramento desta salvação, pois o Senhor disse a Pedro: “Dar-te-ei as chaves do Reino dos Céus e tudo o que ligares na Terra ficará ligado nos Céus e tudo o que desligares na Terra ficará desligado nos Céus” (Mt 16,19). Em virtude disto, a Igreja é sacramento de salvação eterna: a Igreja, serva para todos os homens e povos; e Pedro - e, em continuidade com ele, os seus sucessores - torna-se o primeiro administrador desse serviço. Como é costume dizer-se, torna-se o “servo dos servos de Deus”.

902 Também o actual Bispo de Roma, sucessor do Apóstolo Pedro, nas suas visitas às Igrejas locais espalhadas pelo mundo, não deseja mais nada senão proclamar entre todas as nações “as grandezas de Deus”, anunciar “as maravilhas da Sua graça”.

4. Sim, “anunciar as maravilhas da graça” de Deus! Aquelas “maravilhas” que o Senhor continua a operar, na história dos homens e na sua existência pessoal; continua a operar também na vossa experiência humana e na história do vosso Povo cabo-verdiano.

Sois, caríssimos irmãos e irmãs, um Povo que tem sido bem provado pelo sofrimento. Mas isso contribuiu, sem dúvida, para o fortalecimento da vossa fidelidade ao Evangelho, que impregnou profundamente as vossas ancestrais tradições e terá sido, em muitos momentos, a fonte de reconforto para persistirdes na via de um trabalho sério, fonte da esperança para continuardes a lutar.

Não sendo rico de recursos naturais, o vosso país busca aplicadamente, e não sem êxito, os caminhos para o progresso constante; há que reconhecer, todavia, que as condições de vida, para muitos, continuam a ser duras. Impõe-se-vos continuar a lutar, contra as adversas condições climáticas; o fenómeno cíclico de seca e os temporais oceânicos, que vêm agravar a precariedade de um solo pouco fértil, não favorecendo o desenvolvimento económico. A produção agrícola apresenta-se, por isso, insuficiente para o consumo nacional. Algumas vezes tendes mesmo de lutar contra a fome e a subalimentação.

Sendo assim, a falta de reais perspectivas de futuro, leva muitos dos vossos irmãos e irmãs a uma forçada emigração para outras nações e continentes, com todos os problemas que isso comporta. Também em Roma, que é a minha dilecta Diocese, existe uma comunidade de Cabo-verdianos. Tenho tido a oportunidade de encontrar alguns, nas visitas pastorais às Paróquias.

5. Conheço as dificuldades que se encontram, ao inserir-se num novo ambiente social e de trabalho. Quantas vezes, somente a fé e a prática cristã constituem um ponto de referência e uma fonte de coragem, para não se perder a própria identidade, nessa fase delicada de transplantação cultural e social. Quem sabe, se muitos dos que aqui estão não fizeram já essa dura experiência de ter de deixar a sua terra?

Quereria que os Cabo-verdianos que se encontram noutros países e que, sem dúvida, acompanham, com interesse e fé, a visita do Bispo de Roma ao seu Arquipélago, soubessem que também o Papa pensou neles e aqui rezou por eles, bem conhecendo o sacrifício de terem de estar longe do que lhes é querido. E aqui deixo um dúplice apelo: em favor dos muitos cidadãos desta Nação emigrados, e a eles próprios.

Saístes daqui, amados irmãos e irmãs, consciente ou inconscientemente animados pelo ideal da fraternidade de todos os homens e com muita esperança. Oxalá que se realize a vossa esperança e possais encontrar essa fraternidade; e que todas as instituições interpeladas pelo fenómeno da emigração empreendam tudo o que é justo e válido, no sentido de servir o homem emigrante, a fim de salvaguardar a sua dignidade pessoal e favorecer a sua participação, livre e responsável, na vida comunitária e social, onde quer que se encontre.

E aos próprios, aos muitos Cabo-verdianos emigrados digo: ao granjearem o pão e buscarem a melhoria das condições de vida por longes terras, nunca esqueçam o seu torrão natal e a gente que aí habita: parentes, amigos, conhecidos e desconhecidos. Não se esqueçam dos que ficaram na pátria! Sejam fiéis as próprias raízes: à sua cultura, à sua fé e às tradições e costumes sadios. E procurem, com o seu modo de viver, dar testemunho das boas qualidades do Povo cabo-verdiano e dos valores cristãos. Estão presentes também eles, aqui agora, enquanto professamos juntos a fé comum, em Jesus Cristo Salvador. A todos, aos queridos emigrados e a vós, “a graça e a paz vos sejam dadas da parte de Deus Pai e de Cristo Jesus, nosso Salvador” (
Tt 1,4).

6. Sabemos que o arrimo do caminheiro é a fé. No se deve esquecer nunca, portanto, que a vida cristã é uma peregrinação e que a Fé é o nosso viático, o nosso farnel. Tornados semelhantes a Jesus Cristo pelo Baptismo, a Ele vamos buscar coragem e entusiasmo, para dar testemunho da Esperança que habita nos nossos corações. De Deus Pai nos vêm a “Graça e Paz” para nunca pararmos, diante das dificuldades que venhamos a encontrar na nossa caminhada.

Colocai sempre acima de todos os vossos desejos e propósitos Jesus Cristo “Nosso Salvador”. Seja sempre Ele, o Filho de Deus, o centro da vossa experiência e o horizonte dos projectos da vossa sociedade, que, na sua grande maioria, se diz católica. Em momentos de desorientação cultural e moral, como se verifica em tantas partes do mundo e, talvez também aqui, neste vosso dilecto País, que jamais se debilitem as razões fundamentais de vosso ser cristão. Não hesiteis em sacrificar tudo para permanecerdes fiéis a Cristo. Lutai contra o indiferentismo religioso, perigosa tentação dos tempos modernos! Não vos deixeis encadear pelo mito do progresso económico! Resisti à tentação de abandonar a prática religiosa, quando vos pressionarem ou começarem a preocupar demasiado interesses materiais, o êxito ou a subida na profissão e na estima social. Aliás, o Evangelho não é contrário ao progresso do homem, desde que se trate de verdadeiro progresso, daquele que não descura nenhum aspecto da pessoa humana e tem em vista o seu desenvolvimento integral e harmonioso.

903 Que o Evangelho, implantado pelo testemunho abnegado de tantos missionários, apóstolos e catequistas nestas vossas ilhas, continue a ser património irrenunciável da vossa Pátria. Na reflexão e na oração, recorrei frequentemente a esse manancial de santidade e de sabedoria, para que amadureça e se fortaleça a vossa prática da vida cristã.

O Cristianismo é força dos humildes que sabem ser simples; não é uma religião para gente sem cultura ou atrasada. Toda a sua força revolucionária está no Amor gratuito, que brota do coração de Cristo, que nos transforma a todos em apóstolos e “pescadores de homens” (
Mc 1,17). Somente na adesão simples e cordial a esse mistério, que exige de nós fidelidade humilde e corajosa, poderemos encontrar a luz para não ceder diante do fácil e aliciante engodo das seitas e do espiritismo.

7. “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16).

Irmãos e irmãs, estabeleçamos solidamente a nossa existência sobre a pedra angular, que é Cristo. Ao renovar hoje, aqui convosco, a profissão de fé do Apóstolo São Pedro, faço minhas todas as aspirações da vossa sociedade e as expectativas dos vossos corações.

E, alargando os horizontes desta nossa reflexão, partilhemos da esperança de tantos outros povos do vasto Continente africano, que, como vós, se aprestam a celebrar o próximo Sínodo Africano.

Quando, no dia da Epifania de 1989, tomei a decisão de convocar essa assembleia especial para a África, do Sínodo dos Bispos, com o tema “A Igreja em África rumo ao terceiro milénio”, tinha presente o pedido, por mais de uma vez formulado por bispos, sacerdotes, teólogos e expoentes do laicado africano. As jovens comunidades cristãs, em terras de África, estão chamadas a conjugar esforços numa orgânica solidariedade pastoral, que marque um efectivo relançamento da obra evangelizadora.

Como então, peço a vossa oração para que mais esta iniciativa sinodal, “com a ajuda de Deus, venha a constituir para a Igreja universal e para todas as Igrejas particulares da África, um momento privilegiado na caminhada de fé destas amadas populações, de quem me sinto particularmente próximo” (“L'Osservatore Romano”, 7-8 ian. 1989).

8. Nobre terra de Cabo Verde, reservatório de jovens esperanças para a Igreja, acolhe Cristo como único Senhor! A Ele consagra as tuas energias espirituais! Olha para o futuro com esperança, pois Cristo é o teu providencial e radioso futuro!

Apelo para todos, caríssimos irmãos e irmãs, para que na vossa resposta à chamada do Senhor não haja hesitações nem ambiguidades; e para que na conformação da vossa vida a Cristo não haja medo nem entraves.

Apelo, sobretudo para vós, jovens: “Cabe-vos colher a parte melhor do século que termina, ou seja, aquela ânsia de justiça, de solidariedade, de liberdade e de paz que anima a geração actual. A vós compete tornar realidade as esperanças e as expectativas de promoção humana, progresso e desenvolvimento, tão profundamente sentidas por todos. Pertence-vos procurar soluções adequadas aos problemas que emergem, realizar formas honestas de participação responsável, numa vida política e social que tenha como finalidade o serviço dos mais fracos” (Ioannis Pauli PP. II Allocutio in urbe “Trevignano Romano”, die 17 sept. 1989: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XII, 2 (1989) 547s).

9. “Graça a vós e Paz da parte de Deus pai e de Jesus Cristo, nosso Salvador” (Tt 1,5).

904 Ao concluir, repito as palavras do Apóstolo São Paulo, que hoje ouvimos na Primeira Leitura:

Graça e Paz!

Nestas duas palavras se encerra como que a síntese de todo o bem, que se pode e deve desejar a cada pessoa.

A Graça: que é a vida divina na alma humana, o fruto da reconciliação, dom de Deus em Jesus Cristo, o princípio da vida eterna, ou seja, da salvação.

A Paz: primeiro, a paz interior, a paz da consciência libertada de toda a ruptura causada pelo pecado, aberta ao verdadeiro bem: e, ao mesmo tempo, também a paz com os homens, no mútuo respeito e amizade, feita de verdade e de amor. A paz nas famílias e na comunidade social: a paz entre os povos e as nações de todo o mundo!

A Graça e a Paz estejam com todos vós!

O Deus da Paz esteja convosco!

Bendigamos o Seu nome!





VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II

A CABO VERDE, GUINÉ-BISSAU, MALI E BURKINA FASO



DURANTE A MISSA CELEBRADA


NA ESPLANADA DE «QUEBRA CANELA»


Praia, 26 de Janeiro de 1990




Amados irmãos e irmãs em Cristo,

Dai ao Senhor, ó famílias dos povos, / dai ao Senhor glória e poder, / dai ao Senhor a glória do seu nome” (Ps 96,7-8).

905 1. Com estas palavras do Salmista, a Liturgia convida todas as nações, as “famílias dos povos”, a dar glória a Deus. A glória de Deus é o fim último de toda a criação, e, de modo particular, do homem e da sociedade humana. É na glória de Deus que o homem encontra a realização, definitiva do seu destino. Em Deus encontra também a eterna elevação como proclamava, já no século segundo, Santo Ireneu: “A glória de Deus é o homem que vive” (S. Irenaei Adversus Haereses, IV, 20, 7: ): é o homem que vive a vida eterna em Deus.

Neste dia de hoje, o convite do Salmista destina-se especialmente a um de entre todos os povos da terra: à Nação de Cabo Verde, à gente que habita nestas ilhas do Oceano Atlântico; e de modo particular a vós, habitantes da Ilha de Santiago, e a quantos aqui estais congregados.

2. Saúdo-vos a todos. Ao Senhor Presidente da República e ao Senhor Bispo, Dom Paulino do Livramento Évora, agradecendo-lhes o bom acolhimento. A todas as Autoridades e a todos os diocesanos de Santiago de Cabo Verde. Muitos vieram de ilhas distantes, com sacrifício, certamente. Que Deus a todos abençoe!

O sentido religioso, di-lo a própria história, marcou sempre a vossa vida. Mas é à evangelização que se deve o estardes hoje aqui, para juntamente, com o sucessor de São Pedro, dar “glória ao Senhor”, celebrar Jesus Cristo.

Exorto-vos, por isso, a terdes um sentimento agradecido para com os missionários, que vos trouxeram a possibilidade de serdes discípulos de Cristo, de acolherdes a sua salvação; nesse sentimento, envolvei também os vossos antepassados, que se mostraram disponíveis para receber o Evangelho. Mas todos juntos, na Eucaristia, agradeçamos principalmente a Deus. É sempre Ele que dispõe os corações: o dos que pregam e o dos que acolhem a Boa Nova.

3. Jesus Cristo, Deus-Filho, consubstancial ao Pai, fez-se homem, em tudo semelhante a nós, excepto no pecado (Cfr. Hb
He 4,15); trouxe ao mundo a salvação: “graça, misericórdia e paz, da parte de Deus Pai” (2Tm 1,2), como proclamava São Paulo, na primeira Leitura de hoje. Trouxe-nos a vida eterna que Deus Pai nos prometera n’Ele. Renovou-nos o convite do Salmista: dai glória a Deus, sede a glória de Deus.

Para realizar esse desígnio divino, como lemos no Evangelho, Jesus percorria as cidades e as aldeias, na região onde habitava; e ia “ensinando... e proclamando a Boa Nova do Reino, e curando todas as doenças e todos os padecimentos” (Mt 9,35).

Em Jesus Cristo, teve início o Evangelho do Reino de Deus; e, no seu sacrifício redentor, realizou-se a Nova Aliança com a humanidade. E a missão do Evangelho e da Nova Aliança transmitiu-a o mesmo Cristo, Redentor do mundo, à Igreja, que edificou sobre o fundamento dos Apóstolos.

Foi Ele próprio quem chamou os Doze; e de entre eles, conferiu a Pedro o primado. E, já depois da sua ressurreição, chamou ainda a Paulo como último desses Apóstolos. Saulo de Tarso perseguia violentamente os cristãos, e o nome de Cristo. Mas, quando ia a caminho de Damasco, apareceu-lhe o Senhor ressuscitado e transformou-lhe a alma. O perseguidor Saulo converteu-se no Apóstolo ardoroso de Cristo e, juntamente com Pedro, em coluna da Igreja.

4. A Liturgia recorda hoje a memória de dois discípulos de São Paulo: Timóteo e Tito; mas celebrava ontem a festa litúrgica da conversão de São Paulo. E, a esta festa, está intimamente ligado o anúncio do Concílio Vaticano II, de cujo encerramento celebramos este ano o vigésimo quinto aniversário. Este Concílio foi um acontecimento de grande importância para toda a Igreja, fundada sobre os Apóstolos; e constituiu o início de uma fase na sua vida. Deu novo impulso à colegialidade dos Bispos e trouxe um novo espírito de co-responsabilidade e de colaboração maior entre os seus membros: sacerdotes, religiosos e leigos.

Hoje, convosco aqui, as portas da África, recordo estas datas para dar graças a Deus, pela grande obra do mesmo Concílio, e para exortar a todos a viverem as suas directrizes. É no Vaticano II que se radica a iniciativa da assembleia especial do Sínodo dos Bispos para a África. Também em Cabo Verde está, certamente, a ser preparado esse evento com esperança e oração confiante nos bons frutos que trará à Igreja, nesse Continente e no mundo inteiro.

906 5. Fundada sobre o alicerce dos Apóstolos, a Igreja foi-se difundindo até às extremidades da terra. E a fé cristã, apostólica e católica chegou também a Cabo Verde. Começou aqui a construção de Deus, “o edifício de Deus” (1Co 3,9), por obra dos “enviados”, dos continuadores dos Apóstolos. Com razão, a Liturgia compara a Igreja à “cidade santa” e a chama “nova Jerusalém”, em cuja edificação entram todos os baptizados, como “pedras vivas” (Cfr. 1P 2,5). E o Concílio lembra que ela é o “tabernáculo de Deus entre os homens”, a casa de Deus, em que habita a sua família (Cfr .Lumen Gentium LG 6).

Todos os baptizados, de facto se tornam filhos de Deus e irmãos em Cristo. Chamados dos povos mais diversos e mais distantes entre si, são elevados à comunhão com Deus, formam o Corpo místico de Cristo e a família de Deus. Nessa condição, são vivificados, unificados e dirigidos pelo Espírito Santo, que é um só e o mesmo, e que faz na Igreja algo semelhante ao que a alma faz no corpo do homem, como dizem os Santos Padres: um só corpo, com diversos membros, cada um com as suas funções. Além destas imagens, a Igreja, no Concílio Vaticano II, apresentou-se ao mundo como lugar do “diálogo da Salvação”.

Jesus Cristo, comparou a Igreja, a um “grão de mostarda”; àquela semente pequenina, que, crescendo, se torna a maior planta do campo, e faz-se quase uma árvore; de modo que as aves do céu vêm pousar nos seus ramos (Cfr. Mt Mt 13,32). De facto, a Igreja, não obstante provações e dificuldades, continua a expandir-se como uma árvore viçosa.

Começou como grupo dos Apóstolos e discípulos; alargou-se depois aos muitos que tiveram a dita de participar na despedida do Senhor Ressuscitado; estendeu-se seguidamente aos milhares que acreditaram, no dia do Pentecostes.

6. Depois do Pentecostes de Jerusalém, confortada pelo Espírito Santo, continuou a estender os ramos, a começar pelas regiões situadas em volta do Mediterrâneo. Mas bem depressa chegou à África. Desde os primeiros séculos os territórios da parte norte deste grande Continente, viram florescer comunidades cristãs pujantes de vida e fervor, com numerosos Mártires, Virgens, Confessores e grandes Doutores da Igreja. E a mensagem não ficou só no norte; depois, gradualmente, o anúncio evangélico da salvação veio descendo também para o sul.

A este vosso Arquipélago, o anúncio de Evangelho chegou há mais de quinhentos anos. Pouco tempo após a fase missionária, propriamente dita, a Sé Apostólica de Roma criou a Diocese de Santiago de Cabo Verde, em 1533; e ficou estruturada esta Igreja local. Ao princípio, estendia-se por uma vasta região do continente da África. Depois, com o andar dos tempos, como sabeis, a Diocese de Cabo Verde ficou limitada às ilhas do Arquipélago.

Diante da actuação do plano salvífico de Deus em Cristo, pela difusão da Igreja, sacramento da salvação, confiado aos Apóstolos e aos seus sucessores até ao actual Bispo de Cabo Verde, é verdadeiramente digno e justo que “as famílias dos Povos dêem ao Senhor glória e poder; dêem glória ao seu nome” (Cfr. Sl Ps 96 Ps 7-8). E hoje, de modo especial, o Povo cabo-verdiano.

Encontramo-nos já no limiar do terceiro Milénio cristão. Todos desejamos que ele venha a ser caracterizado por uma nova florescência da vida cristã. Estamos hoje aqui reunidos a rezar, para que o dom incomensurável da fé seja vivido mais conscientemente e participado mais generosamente, por parte de cada um de nós; para que cada Cabo-verdiano, se sinta comprometido pessoalmente na evangelização, rezando, dando bom exemplo e agindo.

7. No Evangelho desta Missa líamos que “Jesus, ao ver as multidões, se encheu de compaixão, por andarem fatigadas e abatidas, como ovelhas sem pastor. E então disse aos discípulos: " A seara é grande, mas os trabalhadores são poucos! Pedi, pois, ao Dono da seara que mande trabalhadores para a sua seara "” (Mt 9,36-38).

A Igreja não deixa de recordar estas palavras do Bom Pastor, Jesus Cristo. Constantemente eleva as suas preces para que Deus “mande trabalhadores para a sua seara”; é uma oração que deve perdurar no coração e nos lábios de todos nós: a oração pelas vocações. Em primeiro lugar e sobretudo, pelas vocações sacerdotais.E, depois também pelas vocações religiosas: masculinas e femininas, as pessoas consagradas, irmãos e irmãs. Outrora, identificavam-se com os Religiosos e Religiosas; e, hoje em dia, temos também os membros dos Institutos Seculares.

Temos, igualmente, os leigos comprometidos no apostolado da Igreja. Também eles “trabalhadores” preciosos para a “seara” de Deus, conforme foi recordado no mais recente Sínodo dos Bispos, e exarado depois na Exortação “Christifidelis Laici”.

907 8. Também aqui em Cabo Verde, continua a construção da Igreja nos corações dos homens. Todos os baptizados e não apenas os sacerdotes e os consagrados são por ela responsáveis. Seguir a Cristo é vocação para o apostolado, que a todos compromete. Os leigos, com a sua peculiar vocação e missão na Igreja, estão chamados a desempenhar um papel importante. Tanto mais que escasseiam os que se dediquem exclusivamente ao serviço do Reino.

Dado também a organização da vida moderna, sente-se a necessidade de uma presença dos cristãos leigos, activa e evangélica, ao mesmo tempo que dinâmica e transformadora, para atalhar e atacar as causas de males, que paralisam ou corroem a vida e a qualidade de vida, e impedem a “construção” e o crescimento da Comunidade eclesial e também da comunidade cristã e social. Importa que os leigos saibam tornar-se testemunhas e arautos de propostas conformes à justiça e à caridade; capazes de influenciar na melhoria das estruturas sociais, económicas e políticas. Importa que saibam ser modelos de solidariedade e de fraternidade, com o pensamento e as obras de cristãos autênticos.

Aonde não podem chegar os “pregadores” do Evangelho têm de chegar os leigos; estes estão chamados, antes de mais, a fazer com que resplandeça a novidade e a força do Evangelho na sua vida quotidiana, no seu ambiente familiar e social. Depois, estão também chamados a contribuir para a santificação do mundo. Devem preocupar-se e aplicar-se, com entusiasmo e constância, numa verdadeira actividade missionária, em relação àqueles que ainda não crêem em Deus: devem deixar-se conduzir por uma caridade apostólica, em relação aos que não vivem a fé recebida no Baptismo (Cfr. Christifidelis Laici, 34).

Onde haja indiferença e a Salvação não chegue às vidas, há que lançar uma nova evangelização, à base de capacidade criativa e invenção pastoral.

A este empenhamento dos leigos, corresponde da parte dos pastores das comunidades, em união com o Bispo, serem mestres da verdade e testemunhas da esperança, modelos de caridade fraterna e conciliadores de todas as boas vontades. Incumbe aos mesmos pastores ajudarem os irmãos leigos a formar o espírito crítico e a crescer no discernimento cristão, para saberem comportar-se como construtores da sociedade, em ordem à “civilização do amor”.

9. Como povo situado numa encruzilhada de civilizações vos, irmãos e irmãs, tendes uma tradição, em que a vida familiar, os hábitos sociais e a própria cultura estão marcados pelo Evangelho. Cada Cabo-verdiano pode sentir honra, em repetir aquela palavra: “a exemplo de meus antepassados”, que escutámos na primeira Leitura.

Entretanto a vossa terra, tornou-se outrora, conhecida por ser ponto estratégico para a guerra e lugar que encurtava distâncias para o comércio; infelizmente, também para o abominável comércio de pessoas humanas, nos tempos da escravatura.

É até possível que persistam cicatrizes disso na vossa cultura. Hoje aqui convosco, duas coisas quereria sublinhar, pois são uma linha constante do Magistério eclesiástico:

A primeira é: NÃO às discriminações de todo o tipo; jamais a escravização do homem pelo homem; nunca mais qualquer forma de violência, demolidora da dignidade das pessoas; jamais, nunca mais, a negação dos direitos de Deus sobre o homem: “o homem que vive é a glória de Deus”

A segunda é que, ao visitar-vos, fico com a impressão de que os Cabo-verdianos, fazem como aconselha o Apóstolo: esquecendo-se do que fica para trás, querem avançar para diante, para o futuro. Para um futuro cristão, cada vez melhor.

10. O Apóstolo São Paulo escreve a Timóteo: “Recomendo-te que dês nova força ao dom de Deus que em ti se encontra pela imposição das minhas mãos” (
1Tm 1,6). São Timóteo era sacerdote e bispo: “a imposição das mãos” é decisiva para a consagração ao serviço da Igreja: serviço, que é afinal a vocação dos “administradores dos mistérios de Deus” (Cfr. 1Co 4,1).

908 Hoje, portanto, o Bispo de Cabo Verde (assim como todos os outros Bispos) e também todos os Sacerdotes devem recordar “a imposição das mãos” e dar nova força interior ao dom que anda ligado a esse gesto.

Mas não somente eles. Igualmente, todas as pessoas consagradas; Religiosos, Religiosas, irmãos e irmãs devem hoje reavivar a própria consagração. Devem, ao mesmo tempo, reavivar e fortalecer o carismo recebido de Deus, juntamente com a herança de suas respectivas Famílias religiosas e dos Fundadores.

Devem fazê-lo igualmente todos os baptizados e confirmados: todos os leigos, membros do Povo de Deus em Cabo Verde.

Para todos é válido, efectivamente, o que escreve o Apóstolo: “Deus não nos concedeu um espírito de timidez, mas un espírito de fortaleza, de caridade e de sabedoria” (
2Tm 1,7).

Não nos envergonhemos, pois, do testemunho que se deve dar de nosso Senhor Jesus Cristo: “Sereis minhas testemunhas!” (Ac 1,8). E, se for preciso, saibamos também nós sofrer pelo Evangelho, apoiados na força de Deus (Cfr. 2Tm 1,8).

Esta é a mensagem que deseja deixar-vos João Paulo II, Bispo de Roma e sucessor de São Pedro, neste dia em que lhe é dado visitar a vossa Igreja e sociedade, aqui em Cabo Verde. Seja louvado nosso Senhor Jesus Cristo!



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II

A CABO VERDE, GUINÉ-BISSAU, MALI E BURKINA FASO

DURANTE

A CELEBRAÇÃO DA SANTA MISSA


NO ESTÁDIO NACIONAL DE BISSAU


27 de Janeiro de 1990




Meus amados irmãos e irmãs em Nosso Senhor Jesus Cristo,

“ Considerai a vossa vocação ”! (1Co 1,26)

1. Estas palavras, dirigidas pelo Apóstolo São Paulo aos primeiros cristãos de Corinto, dirige-as a Igreja a quantos participam na celebração da Eucaristia, a Santa Missa, deste quarto Domingo do Ano Litúrgico. E repete-as, hoje, o Bispo de Roma, sucessor de Pedro, nesta visita que vos faz aqui, na Guiné-Bissau: “ Vede quem sois, vós os que Deus chamou ”.

Enchei-vos de confiança ao considerar a vossa vocação! “ Deus escolheu o que era fraco aos olhos do mundo para confundir os fortes ” (1Co 1,27). Escolheu-vos a vós, que, humildes e pobres, não vos gloriais diante dos homens, mas somente diante do Senhor Jesus Cristo, certos de que Ele é para vós “ sabedoria, justiça, santidade e redenção ” (1Co 1,30).

909 Que Deus vos abençoe e vos torne felizes, irmãos e irmãs, dos vários grupos étnicos que compõem o povo da Guiné-Bissau: Balantas e Fulas, Manjacos e Mandingas, Pepéis e todos os outros!

Sede todos bem-vindos a esta celebração Eucarística: vós, os que pertenceis à Comunidade católica; vós, os irmãos de outras confissões cristãs, que quereis partilhar connosco a oração; e vós, os que ainda esperais da Igreja a luz de Cristo e o anúncio da sua Palavra.

A minha saudação estende-se igualmente aos amigos muçulmanos, bem como a quantos, seguindo outras crenças religiosas, especialmente as mais tradicionais da África, adoram a Deus, o único: o Criador do céu e da terra, o Deus vivo, misericordioso e omnipotente, que se revelou aos homens.

Saúdo em particular as Autoridades: o Senhor Presidente da República, os representantes do Governo e das instituições públicas. Para eles vai a minha gratidão, pelo acolhimento e hospitalidade. Peço a Deus que se mantenham e progridam aqui a concórdia e a colaboração, entre todos os que servem este Povo e a Comunidade eclesial.

2. Considerai - continua o Apóstolo - a vocação que temos em Jesus Cristo: Ele “ tornou-se para nós a sabedoria que vem de Deus e também justiça, santidade e redenção. E, assim, conforme está escrito, " quem se gloria deve gloriar-se no Senhor " ” (
1Co 1,30-31).

E qual é a vocação que temos em Jesus Cristo?

É Ele mesmo, o Senhor, que nos dá uma resposta muito profunda, no sermão da montanha, com a mensagem das oito bem-aventuranças. Acabámos de a ouvir, agora mesmo, na leitura do Evangelho deste dia:

Felizes os pobres, que o são no seu íntimo, em espírito;
felizes os que choram,
felizes os mansos, os humildes,
felizes os que têm fome e sede de justiça,
910 felizes os misericordiosos,
felizes os puros de coração,
felizes os obreiros da paz,
felizes os que sofrem perseguição por amor da justiça.

Estas bem-aventuranças - as oito bem-aventuranças do sermão da montanha - mostram, de forma muito clara, qual a nossa vocação em Jesus Cristo, neste mundo.

A vocação cristã é-nos dada no sacramento do Baptismo e reforçada com o do Crisma. Mas exprime-se em plenitude, através da Eucaristia, deste sacramento em que estamos a participar. Esses três sacramentos chamam-se “ os sacramentos da iniciação cristã ”.

3. A vocação de todos vós, que aqui na Guiné-Bissau constituís a Igreja de Cristo, é a das “ bem-aventuranças ”.

Estais radicados em Cristo e sois vivificados por Ele, como membros vivos do seu Corpo, ramos da mesma videira, rebentos de oliveira enxertados no único tronco.

A vossa vocação exige-vos, portanto, que produzais fruto, em razão de vossa maneira específica de estar em Cristo, ou seja, em comunhão com Ele. Dar fruto é exigência essencial da vida cristã; deste modo, comunhão e missão andam juntas e uma implica a outra. Quem não dá fruto, quem se dispensa de trabalhar na missão que Cristo lhe confiou, ou não responde ao convite de anunciar o Evangelho, exclui-se a si próprio da vida e da comunhão com o Mestre. Ele é, ao mesmo tempo a fonte e o fruto da missão (Cfr. Christifidelis Laici, 32).

Caros irmãos e irmãs da Guiné-Bissau, procurai conscientizar-vos da vossa vocação, que é essencialmente missionária: Cristo chamou-vos para que, por vós, na vossa terra todos conheçam e aceitem a vida nova, que entrou na história do mundo, através do Filho de Deus.

4. Procurai ter sempre presente a comunhão missionária que vos une a todas as Igrejas particulares da África e que compromete a vossa Comunidade no testemunho de tantos outros irmãos do Continente. Sede, portanto, vigilantes, generosos e perspicazes em discernir as funções e as responsabilidades que vos foram confiadas, para dardes a conhecer qual o significado genuíno da vida cristã no coração das tradições culturais e religiosas das terras africanas, felizes por nelas descobrir os germes do Verbo. Atendei às profundas evoluções que se deram nos tempos recentes, prontos para interpretar e iluminar riquezas e problemas com a luz do Evangelho, em diálogo sincero e compreensivo.

911 Como sabeis, é também essa uma das finalidades que se propõe a assembleia especial do Sínodo dos Bispos que irá tratar o tema da Igreja em África no limiar do Terceiro Milénio. Estamos cada vez mais perto desse acontecimento, que deverá constituir para todos os cristãos da África um momento privilegiado e de responsabilidade no caminho complexo da evangelização. Por esta esperam tantas amadas populações, das quais me sinto hoje, de maneira especial, muito próximo.

5. A Comunidade católica da Guiné-Bissau vive numa sociedade caracterizada por um clima de paz, de tolerância e de respeito entre as comunidades religiosas que integram a população. Muitos, aqui, olham para a Igreja católica com interesse e viva esperança, confiantes na sua mensagem. Vêem-na com simpatia muitos irmãos muçulmanos. Interrogam-na, esperançados, sobretudo aqueles que, sendo herdeiros das mais antigas tradições animistas, precisamente da Igreja esperam uma resposta esclarecedora, para as suas numerosas interrogações sobre o mistério de Deus.

Neste território, a Igreja está também a percorrer, com todos os homens, o difícil caminho da libertação, da conquista e da promoção dos direitos fundamentais do homem - de cada pessoa, e a partilhar da comum aspiração e uma autêntica solidariedade e cooperação social e económica, fruto da superação de ideologias fixas e condicionadoras. Está-se num momento de procura da pacífica convivência justa, da participação e da abertura, no caminho de um verdadeiro progresso humano.

6. Este empenhamento é de todos os filhos da Igreja e especialmente dos leigos.Que estes procurem agir com sentido de responsabilidade, iluminados pela fé e pela doutrina social da Igreja, para servirem, na caridade e na verdade, a pessoa humana e a sociedade.

A Igreja caminha com todos os homens, vive com eles e solidariza-se com a sua história; mas, ao mesmo tempo, mantém firme a consciência de que o serviço da salvação em Cristo e o anúncio do seu Reino constituem o seu objectivo primário e a fonte, singularmente eficaz, para a libertação plena e a salvação total de cada homem.

A Igreja sabe muito bem quanto o cristão pode e deve dar à sua sociedade concreta, na caminhada do progresso e do crescimento; sabe quanto a imagem cristã do homem, da sua dignidade e do seu destino, se projecta, de certa maneira, em todos os sectores da vida. Cristo revela plenamente o homem ao próprio homem. É o anúncio dessa revelação que leva o homem a reencontrar os valores próprios da sua humanidade.

Deste modo, Cristo melhora e eleva a pessoa humana; e, através das relações sociais, consolida a colaboração orgânica e desinteressada nas estruturas que visam o bem comum.

É necessário, pois, que se exalte devidamente a dignidade inviolável da pessoa humana, de modo que todos sejam levados a redescobri-la, à luz ao Evangelho. Ponde nisto, queridos irmãos e irmãs, o vosso empenho primário e unificador, ao serviço do bem comum da vossa dilecta Nação. Procurai agir no pleno respeito da ordem moral, como cidadãos que obedecem à autoridade; mas que, ao mesmo tempo, sentem solicitude responsável pela genuína liberdade, comprometidos como estão na afirmação dos direitos de todos, e dispostos a colaborar para se alcançar o que para todos é bom e justo.

Estai vigilantes e não vos deixeis vencer pelas tentações da corrupção e do abuso do poder e da riqueza. Impugnai sempre, cristãmente, o que é lesivo dos direitos e dos bens indispensáveis à dignidade de todos os vossos irmãos. Sede firmes em manter o princípio de que “ a dignidade pessoal é propriedade indestrutível a tudo o que pretenda esmagá-la ou anulá-la no anonimato da colectividade, da instituição, da estrutura, do sistema (Cfr. Christifidelis Laici, 32).

7. “Estais inseridos em Cristo Jesus” (Cfr.
1Co 1,30). Sois testemunho do seu amor. Também daquele amor divino, com que o mesmo Cristo quer restituir ao casal toda a sua dignidade e à família toda a sua solidez.

A família cristã é sinal e anúncio da profunda relação que o matrimónio tem com o mistério de Cristo e da Igreja. Amai-vos, portanto, “ como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela ” (Ep 5,25). Especialmente no mundo missionário, a família cristã constitui um lugar particularmente privilegiado para dar a conhecer o valor salvador do Evangelho.

912 Cristo proclama a unidade do amor conjugal e a sua fidelidade absoluta, num mundo onde muitas vezes, se apresentam outro tipos de cultura e de moral; um mundo que aceitou tradições de poligamia e admitiu o menosprezo da mulher, frequentemente considerada mais como objecto do que como pessoa, ao serviço dos interesses de uma cultura do poder. “ O cristão é chamado a desenvolver uma atitude de amor novo, manifestando para com a própria esposa a caridade delicada e forte que Cristo tem para com a Igreja ” (Familiaris Consortio FC 25).

Tornai-vos defensores corajosos deste anúncio libertador da família, de todas as famílias! Prontificai-vos a ultrapassar, com energia, todas as formas de desigualdade abusiva, de maus tratos, de desprezo e de descuido pela dignidade da esposa, das crianças, dos menores! Testemunhai, de modo claro e evidente, a estima que tendes pela vida, empenhando-vos em protegê-la, logo desde o seu início, e recusando toda a espécie de desinteresse ou de descuido em ralação aos mais pequenos!

Os vossos lares, os vossos agregados familiares deverão constituir um exemplo de acolhimento, de amor e de serviço, como é próprio de uma família cristã. Fazei todo o possível para que a família seja considerada come primeiro núcleo da vida social. E que todos, a começar pelas autoridades públicas e pelas leis da comunidade, respeitem os seus direitos naturais!

8. A Igreja considera seu dever preocupar-se pelo desenvolvimento dos homens e dos povos; e insere essa preocupação na sua tarefa pastoral. Move-a o amor de Cristo à luz do qual se há-de chegar ao conhecimento da autêntica promoção do homem.

Sabe-se como as opiniões sobre o desenvolvimento podem ser redutivas, o que acontecerá, se os caminhos do progresso abrangerem só uma disponibilidade maior de bens materiais e de consumo, ou privilegiando a mera expansão das tecnologias em função do crescimento económico. Mas é claro que a mera posse de bens materiais se não for acompanhada também pela consciência da dimensão moral pode facilmente levar o homem à escravizante avidez de um imediato possuir e gozar. Ora isto conduz inevitavelmente ao consumismo e provoca, afinal, uma insatisfação radical no próprio viver.

O verdadeiro desenvolvimento humano exige que o homem redescubra o plano de Deus, que lhe confiou o mundo criado, para que o conheça e o domine, no contexto da sabedoria da sua divina lei. Deus quer que o homem conheça e se sirva dos bens e das energias da natureza, considerando-os como um dom necessário à sua realização pessoal, sem que se ofusquem os valores do espírito.

Para se chegar a uma relação harmoniosa do homem com o universo criado, é preciso percorrer os caminhos do cultivo do pensamento e do amor; é por estas dimensões que o homem se eleva à sua suprema dignidade, a de ser espiritual e livre. Tal cultivo processa-se desenvolvendo conhecimentos e meios de expressão, com apreço pelo próprio património cultural, sem omitir o diálogo que o mundo moderno favorece.

É este o lema das escolas que a Igreja abre, para facultar também à população guineense essa “ cultura animi ” (M. T. Ciceronis), uma boa preparação humana e profissional, em ordem ao progresso, indispensável para que cada pessoa possa realizar autenticamente a própria vocação. São guiados pelo mesmo intuito os filhos da Igreja aqui peregrina, quando, especialmente no campo da saúde, se esforçam por assegurar com a prática das boas obras a própria vocação (Cfr. 2P 1,10), num trabalho que exorto vivamente a continuarem e pelo qual lhes exprimo aqui o melhor apreço.

9. Consideremos, pois, irmãos e irmãs, a vocação que temos em Jesus Cristo!

E voltando, mais uma vez, às oito bem-aventuranças do sermão da montanha, ouçamos o Mestre que nos diz: bem-aventurados... porque é deles o Reino dos Céus; porque serão consolados... saciados... alcançarão misericórdia... verão a Deus... serão chamados filhos de Deus, aqueles que puserem em prática as bem-aventuranças.

A nossa vocação em Jesus Cristo é uma vocação para a vida eterna em Deus: “ Alegrai-vos e exultai, porque será grande nos Céus a vossa recompensa ” (Mt 5,12). Assim nos diz o nosso Salvador. Assim nos ensina o Redentor do mundo: Aquele que tem palavras de vida eterna!

913 Ouçamos as suas palavras. Acreditemos nelas! Pois Deus é eternamente fiel à sua Palavra (Cfr, Ps 146 Ps 6
Por isso, com o Profeta, digo aqui, a quantos habitam na Guiné-Bissau: “ Procurai o Senhor, vós todos, humildes da terra... Procurai a justiça, procurai a humildade... ”. E tende confiança no nome do Senhor (Cfr. Sf So 2,3 So 3,13).

Deus conserva-se fiel para sempre(Ps 146 Ps 6)!







Homilias JOÃO PAULO II 900