Homilias JOÃO PAULO II 913


1991


VIAGEM APOSTÓLICA A PORTUGAL




AOS FIÉIS DO PATRIARCADO DE LISBOA


Sexta-feira, 10 de Maio de 1991




Foi-me dado todo o poder no céu e na terra” (Mt 28,18)!

1. Estas palavras foram pronunciadas por Cristo, no termo da Sua missão messiânica sobre a Terra, quando partia para o Pai. Ele é o Filho do Homem, vencedor da morte, que os homens Lhe infligiram no madeiro da Cruz. Agora, sobre o Monte da Ascensão, vemo-l’O ressuscitado, conservando, em Seu lado trespassado, em Suas mãos e pés, os sinais da crucifixão. Estes constituem precisamente os sinais do Seu poder.

O Seu poder não se mede por nenhum dos critérios da autoridade temporal. “O Meu Reino não é deste mundo” (Jn 18,36) - disse Ele a Pilatos, confirmando no entanto que era Rei, mas que os Seus súbditos eram os discípulos da Verdade: “Todo aquele que é da Verdade, escuta a Minha voz” (Jn 18,37).

Na hora da partida deste mundo para o Pai, desvenda aos discípulos a exclusividade e os horizontes do Seu Reino para além de todos os confins: o “poder no céu e na terra” é todo e apenas Seu! Detém este poder desde sempre, enquanto Deus; adquiriu-o como Homem, como Filho do Homem, como Redentor do mundo.

2. Queridos irmãos, no exercício e em virtude deste Seu poder, o Senhor manda os Apóstolos pelo mundo inteiro: “Ide... e fazei discípulos de todas as nações, baptizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a observar tudo o que vos mandei”. E acrescenta: “Eu estou convosco todos os dias, até ao fim do mundo” (Mt 28,19-20).

A Eucaristia - memorial e actualização da presença de Cristo com os Seus, até à Sua Vinda gloriosa - celebrada aqui na capital de Portugal, oferece-nos hoje um momento oportuno para glorificar o Pai pelo dom do Seu Filho e pelas maravilhas do Seu poder, nesta Nação verdadeiramente gloriosa em especial pelos seus feitos missionários. Grande alegria e esperança me enchem a alma ao olhar-vos como herdeiros e continuadores da primeira sementeira do Evangelho que abundantemente frutificou aqui e nos cinco continentes, podendo-se dizer dos cristãos portugueses: “A sua voz ressoou por toda a terra” (Ps 19,5).

Apresento a minha respeitosa saudação ao Senhor Presidente da República e às autoridades aqui presentes. Agradeço a palavra de Boas Vindas do Senhor Cardeal-Patriarca, exprimindo os sentimentos e projectos que vos animam; para ele e para os demais Irmãos no Episcopado que participam nesta Celebração, vai o meu abraço afectuoso e feliz. Saúdo cordialmente cada um de vós, irmãos amados, neste Estádio do Restelo que nos acolhe - sacerdotes, religiosos e religiosas, diáconos e fiéis leigos - e todos quantos se encontram unidos connosco pela rádio e pela televisão. Por fim gostava de manifestar a minha estima e solidariedade a todos os portugueses que vivem longe da sua terra e família: emigrantes, missionários e irmãos auxiliares, bem como funcionários cooperadores nos mais diversos serviços que Portugal apoia, anima ou dirige: o Papa deseja-vos, em Cristo, as maiores felicidades.

914 3. Amados irmãos e irmãs! Com o Senhor Ressuscitado, no Monte da Galileia, estavam os Onze Apóstolos. Ele prometera-lhes, ainda no Cenáculo, a vinda do Espírito Santo, nestes termos: “João baptizou em água, mas, dentro de pouco tempo, vós sereis baptizados no Espírito Santo” (Ac 1,5). Os Apóstolos guardavam na memória o baptismo de João e as expectativas por ele criadas entre o povo. Como filhos que eram da sua Nação, não os abandona o pensamento da reconstituição do reino de Israel. E naquele momento, ao ouvirem o Senhor falar-lhes do Reino de Deus (Cfr. Act Ac 1,3), interrogam-n’O acerca da sua instauração: quando virá esse reino? Mas Jesus orienta o pensamento deles para um outro Reino. É o Reino eterno de Deus, que entrou na história da humanidade, juntamente com a vinda do Messias, e confirmou a sua presença, na história, através da Sua Cruz e Ressurreição.

Este Reino “no céu e na terra” aguarda um novo Baptismo - o Baptismo no Espírito Santo: “Ides receber uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis Minhas testemunhas em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria, e até aos confins da terra” (Ac 1,8).

4. Sereis Minhas testemunhas... O Reino de Deus, revelado em Cristo, radicado na história do homem pela Sua Cruz e Ressurreição, tem necessidade de testemunhas.

As primeiras testemunhas são os Apóstolos. Depois deles, vieram outras, de modo que o testemunho apostólico de Cristo, dado com a força do Espírito da Verdade, descreve, de geração em geração, círculos cada vez mais amplos.

Um dia, nesta Terra, também os vossos antepassados se acharam dentro do círculo da evangelização. Dado que a meados do século III, a Igreja já aparece aqui regularmente constituída, isso nos revela que muito cedo os mensageiros da Boa Nova chegaram à vossa Terra, instruindo na Fé Cristã os seus habitantes, que, ao receberem o baptismo, foram introduzidos na Vida Trinitária de Deus, com a força do Espírito Santo, ou seja, com a força daquele poder que Cristo, Redentor do homem, tem no céu e na terra. As famílias tornaram-se cristãs, e, através delas, se cristianizou a sociedade inteira.

Mais tarde chegou o momento em que os próprios filhos e filhas da vossa Terra, graças à fé recebida, se tornaram mensageiros da Boa Nova no meio de outros povos. “Por mares nunca dantes navegados” (Luís de Camões, Os Lusíadas, I, 1), traçaram novas rotas para o Ocidente e para o Sul, e dobrando o Cabo da Boa Esperança, demandaram o Oriente, ao encontro de povos e culturas com quem partilharam a sua alma cristã: Cabo Verde, Guiné, Angola, São Tomé e Príncipe, Moçambique, Índia, Brasil, China, Japão, Malásia, Indonésia.

Apesar de distintas a vocação da Igreja e a da sociedade temporal (Cfr. Gaudium et Spes GS 39), podemos dizer que a história da Nação foi então história da salvação. No poder do Senhor Ressuscitado, “náo faltaram cristãos atrevimentos, nesta pequena casa Lusitana” (Luís de Camões, Os Lusíadas, VII, 14), operados pelos novos discípulos de Cristo: São João de Brito, São Francisco Xavier, Beato Inácio de Azevedo e companheiros, o Beato José de Anchieta, Venerável Gonçalo da Silveira, e os Padres Manuel da Nóbrega e António Vieira, e tantos outros, especialmente os membros das várias famílias religiosas dedicadas à missionação. Impelidos pela força do Espírito Santo, tornaram-se testemunhas da obra da Salvação. Partiram e proclamaram aos povos e terras distantes: “Aclamai a Deus”! “Aclamai o Senhor de toda a terra, cantai a glória do Seu Nome” (Ps 66,1-2). Esta nossa Celebração enquadra-se bem na comemoração dos Cinco Séculos de Evangelização e Encontro de Culturas, que ajudaram a formar a larga família universal que em nossos dias se torna uma realidade cada vez mais efectiva.

Verdadeiramente a semente do Evangelho caiu fundo em solo português e produziu abundantes frutos. Hoje, desta mesma cidade que, durante cinco séculos, viu partir tantos missionários e missionárias, o Sucessor de Pedro, com os olhos fixos nos “confins da terra que cada vez se alargam mais” (Redemptoris Missio RMi 40), deseja compartilhar, com os seus amados irmãos e irmãs de Portugal, a sua solicitude e compaixão por essas multidões famintas de Cristo.

Hoje as testemunhas de Cristo Ressuscitado sois vós: vós que escutais e acolheis a Palavra de Deus, cada um segundo a própria vocação; vós que dais testemunho tantas vezes silenciosamente da Boa Nova do Senhor Jesus, o Cristo-Rei de braços abertos a atrair ao Seu “coração manso e humilde” (Matth. 12, 29) os passos cansados dos homens deste século que, para terem tudo, muitas vezes perderam Deus! O caminho de acesso às inteligências e aos corações humanos acha-se no poder de Jesus Cristo que mantém no peito, nas mãos e pés os sinais da Sua morte redentora na Cruz.

5. O Evangelho chegou à vossa Terra, e não mais a deixou. Difundido largamente pelo mundo, por outros povos, permaneceu convosco. Todavia hoje, depois de tantos séculos, sentimos por todo o lado, mormente aqui na Europa, a necessidade de o Evangelho voltar de novo.Urge refazer cristãmente o tecido humano da sociedade. Nós acreditamos que as aspirações profundas do homem encontram em Cristo, e só n’Ele, a resposta cabal na sua plena dimensão.

A Igreja Católica não pode esquivar-se ao mandato explícito de Cristo de anunciar que Deus ama os homens e os salva em Jesus Seu Filho. Fá-lo “dirigindo-se ao homem, no pleno respeito da sua liberdade (Cfr. Dignitatis Humanae DH 3-4): a missão não restringe a liberdade, pelo contrário favorece-a. A Igreja propõe, não impõe nada: respeita as pessoas e as culturas, detendo-se diante do sacrário da consciência. Aos que se opõem, com os mais diversos pretextos, à actividade missionária, a Igreja repete: "abri as portas a Cristo!'”(Redemptoris Missio RMi 39) . Este não hesitou em proclamar que era a Verdade (Jn 14,6) e em garantir que esta Verdade nos faria livres (Jn 8,32). Sabemos que por meio de Cristo crucificado, morto e ressuscitado, se realiza a plena e autêntica libertação do mal, do pecado e da morte; n’Ele Deus dá a “vida nova”, divina e eterna. É esta a “Boa Nova” que muda o homem e a história da humanidade, e que todos os povos têm o direito de conhecer.

915 6. Outrora o trabalho da missionação poderia parecer de algum modo reservado aos missionários. O Concílio Vaticano II, ao colocar a actividade evangelizadora no coração da vida eclesial, desejou responsabilizar em relação a ela todas as comunidades e todos os fiéis cristãos: “Toda a Igreja, por sua natureza, é missionária” (Ad Gentes AGD 2), pelo que “os crentes em Cristo devem sentir como parte integrante da sua fé, a solicitude apostólica de a transmitir aos outros, pela alegria e luz que ela gera. Essa solicitude deve-se transformar, por assim dizer, em fome e sede de dar a conhecer o Senhor, quando estendemos o olhar para os horizontes imensos do mundo não cristão” (Redemptoris Missio RMi 40).

Exorto as comunidades cristãs - paróquias, grupos, movimentos apostólicos - com todos os seus membros, a intensificarem o seu dinamismo evangelizador, e a não descurarem o seu dever de levar o Evangelho de Cristo às pessoas e ambientes dele carecidos. Tereis de vos tornar crentes corajosos, dotados de uma fé inquebrantável, alimentada constantemente por uma profunda vida interior, que faça brilhar diante dos homens cada vez com maior intensidade a Luz de Cristo.

7. Peço que tenhais a mesma audácia que moveu os missionários do passado, a mesma disponibilidade para escutar a Voz do Espírito.

Por estes dias, a Igreja volta ao Cenáculo de Jerusalém. Aí, onde os Apóstolos se encontravam unidos na oração, juntamente com Maria, a Mãe do Senhor (Cf. Act Ac 1,14), aí se encontra toda a Igreja, preparando-se, para o baptismo: “Dentro de pouco tempo, sereis baptizados no Espírito Santo” (Redemptoris Missio RMi 92). Este baptismo é recordado e vivido na Solenidade do Pentecoste. “Também nós, bem mais do que os Apóstolos, temos necessidade de ser transformados e guiados pelo Espírito Santo”. Precisamos de experimentar de novo este “poder” que Cristo tem “no céu e na terra”: o poder revelado na Sua Cruz e Ressurreição. É necessário encontrarmo-nos uma vez mais com este “poder” salvífico, deixando que se revele diante de nós a grandeza divina e humana do mistério pascal do Redentor.

Quando já se avizinha o jubileu do ano Dois Mil, devemos empenhar-nos num novo advento missionário, neste mundo a contas com as mais diversas e tantas vezes trágicas vicissitudes históricas. Cristo vive com os homens, para além do tempo e da caducidade do nosso mundo humano, como Ele próprio garantiu: “Eu estou convosco todos os dias até ao fim do mundo”.

Ele está connosco. Amém.



VIAGEM APOSTÓLICA A PORTUGAL




DURANTE A CELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA


NA ILHA DA TERCEIRA EM AÇORES


Angra do Heroísmo (Terceira - Açores) - Sábado, 11 de Maio de 1991

Eis que se lhes abriram os olhos e O reconheceram” (Lc 24,31).


1. No Tempo Pascal, a Igreja volta frequentemente ao Caminho de Emaús. Hoje, aqui nos Açores, a Liturgia também lá nos conduz: as palavras do Evangelista ajudam-nos a recordar o momento em que os nossos olhos também se abriram e reconheceram Jesus Cristo. Já lá vão cinco séculos, queridos irmãos e irmãs, desde quando antepassados vossos, discípulos de Jesus, demandaram e povoaram estas ilhas prolongando até aqui o Caminho de Emaús, com o Senhor Ressuscitado a servir de rumo, Verdade e Mestre da sua aventura, repassada do drama e da glória da Cruz. Também aqui reconheceram Jesus, ao partir do pão. Este conhecimento foi depois transmitido de geração em geração, através das famílias e comunidades cristãs que aqui lançaram raízes.

Um sentimento de viva gratidão se eleva a Deus no meu coração, por finalmente me ter sido possível ver-vos e percorrer convosco este Caminho de Emaús, com o seu ponto mais alto na Eucaristia. Uma saudação agradecida às autoridades presentes, particularmente ao Senhor Presidente da República e aos Órgãos do Poder Regional, e a toda a gente que habita nesta Região Autónoma dos Açores, no meio do Oceano Atlântico. Um abraço, com particular afecto, ao Senhor Bispo, Dom Aurélio, a quem exprimo viva gratidão quer pelo convite que me fez para vos visitar, quer pelas cordiais palavras com que, há momentos, interpretou os vossos sentimentos e anseios. Uma saudação cordial e fraterna a todos vós, queridos açorianos, que saístes das vossas casas para me acolher e a quantos, perto ou longe, nos seguem pelos meios de comunicação social. Em vós, saúdo os herdeiros do património espiritual e cultural que a fé em Cristo Ressuscitado, ao longo das gerações, foi embebendo sempre mais da graça do Evangelho, e que, neste dia, vos exorto a preservar, colocando-o como fermento do Reino de Deus, na cidade dos homens.

2. O episódio de Emaús prova como a verdade da ressurreição a custo abria caminho, mesmo na mentalidade daqueles que eram discípulos de Cristo. Saíram de Jerusalém, “conversando entre si sobre tudo o que sucedera” (Lc 24,14); e tudo o que se tinha passado enchia-os de tristeza e de profunda desilusão. “Nós esperávamos que fosse Ele Quem iria libertar Israel...” (Ibid. 24, 21). As esperanças que nutriam a respeito de Jesus de Nazaré estavam confinadas a este mundo. O mesmo sentiam também todos quantos viviam à sua volta. A situação da sua pátria, dominada então pelos romanos, levava-os a ver deste modo a missão do Messias: será Ele quem libertará Israel do opressor estrangeiro. Esperavam isto de Jesus, porque tinham visto a força divina que poderosamente se revelara nas Suas obras e palavras.

916 Não pensavam porventura do mesmo modo as autoridades da Nação? Basta recordar a reunião do Sinédrio que aprovou a decisão de condenar Jesus à morte: Este revelava-se um perigo para eles, porque poderia motivar uma desastrosa intervenção do poder romano. “É melhor que morra um só homem pelo povo, e não pereça a Nação inteira” (Jn 11,50)!

3. Conversando com os discípulos, que não O reconheceram quando se pôs a caminho com eles, Cristo procura em primeiro lugar modificar o seu modo de pensar puramente humano. Para isso, invoca “a Palavra dos Profetas” (Cfr. Lc Lc 24,25), a partir de Moisés. O Antigo Testamento mostra que era necessário que o Messias “sofresse essas coisas, para entrar na sua glória” (Ibidem Lc 24,26). As Escrituras Sagradas contêm a Palavra de Deus: procurai entender os acontecimentos dos últimos dias, à luz desta Palavra; não procureis aplicar-lhes a própria interpretação humana.

A Palavra de Deus prenunciou o Messias como o Servo Sofredor, sobre Quem pesarão os pecados de todos os homens. Este sofrimento expiatório, levado à sua dimensão extrema, na Cruz do Gólgota, é o cumprimento pleno da Palavra de Deus, exarada no Antigo Testamento: era preciso que suportasse todos estes sofrimentos, para entrar na sua glória.

Qual é a glória do Messias crucificado? É a glória da ressurreição dos mortos, ao terceiro dia; é a glória do triunfo sobre a morte e sobre o pecado. Cristo vive já na glória, mesmo que os olhos dos discípulos se mostrem incapazes de O reconhecerem.

Esta situação de cegueira, nos discípulos de Emaús, prolonga-se até ao momento em que - acedendo às suas instantes súplicas para que ficasse com eles - o Senhor entrou, sentou-se à mesa e com eles partiu o pão. “E eis que se lhes abriram os olhos e O reconheceram” (Ibidem 24, 31)! Dão-se conta então que tinham estado a conversar com Jesus Ressuscitado; e disseram um para o outro: “Não estava o nosso coração a arder cá dentro, quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras” (Ibid. 24, 32)?

4. No episódio dos discípulos de Emaús manifesta-se a própria essência da vida da Igreja: esta vive da Eucaristia e da Palavra de Deus. A Palavra de Deus é preparação para viver mais profundamente a Eucaristia; a Eucaristia constitui o Sacramento “dos olhos da fé abertos” ao mistério de Deus, revelado em Cristo. Estes “olhos da fé abertos” aos horizontes e planos de Deus vos permitirão compreender e desempenhar cabalmente a vossa vocação e missão ao serviço de Cristo no mundo; vos desvendarão a tarefa e o lugar que vos compete como artífices e colaboradores de Deus na construção do Seu Reino sobre a terra.

Irmãs e irmãos caríssimos, encorajo-vos a que vos torneis membros cada vez mais activos da vossa Comunidade eclesial. Correspondereis assim à vossa vocação de cristãos que reflectem e aprofundam os fundamentos da sua fé. As tarefas que pesam sobre os cristãos deste tempo são consideráveis: é preciso que todos nos unamos para dar ao mundo um testemunho credível do Evangelho, para manifestar visivelmente a comunhão à qual Cristo chama os membros do Seu Corpo.

A narração do episódio de Emaús termina com o regresso dos dois discípulos ao Cenáculo. Eles que, desiludidos, haviam abandonado a comunidade, “partiram imediatamente, voltaram para Jerusalém e encontraram reunidos os Onze e os seus companheiros... e eles contaram o que lhes tinha acontecido pelo caminho...” (Lc 24,33 Lc 24,35). Aqueles corações abrasados têm agora tanto para contar, tanto para oferecer! Dos cristãos de hoje se espera este mesmo intercâmbio de vidas. Nesta conformidade faço ardentes votos por que o vosso Congresso Diocesano de Leigos, em meados do próximo ano, seja a reprodução fiel deste final da caminhada para Emaús, trocando energias e meios, para vos empenhardes juntos na missão única e comum de anunciar e viver o Evangelho.

5. Queridos fiéis leigos, tendes uma vocação própria que não se esgota no cumprimento das obrigações mínimas de baptizados. Esta é a vossa missão de fiéis leigos: ser o sal, a luz, a alma do mundo. Sois pais e mães de família, operários, professores, estudantes, lavradores, pescadores, ou empregados em qualquer outra profissão. Assim vivem e trabalham todos os demais homens e mulheres; só que, ao realizardes a vossa missão, procurais dar-lhe uma abertura para a eternidade, cumprir nela a vontade de Deus, fazê-la levedar segundo o Reino dos Céus, e colocá-la ao serviço do homem a fim de conseguir chegar àquela plenitude que lhe vem de Cristo, superando a ruptura entre o Evangelho e a vida. Com efeito “a síntese vital que os fiéis leigos souberem fazer entre o Evangelho e os deveres quotidianos da vida será o testemunho mais maravilhoso e convincente de que não é o medo, mas a procura e adesão a Cristo, que são o factor determinante para que o homem viva e cresça feliz, e para que se alcancem novas formas de viver mais conformes à dignidade humana” (Christifidelis Laici, 34).

Face ao progresso material que tende a apagar a voz e o apelo do espírito, reafirmai a vossa tradição rica de experiência humana e de sabedoria cristã. Penso no papel fundamental da família, no respeito pelos idosos, no cuidado dos doentes, no acolhimento e na solidariedade mútua; penso, sobretudo, na educação cristã, na oração em família, na recitação diária do terço nos vossos lares... Este património humano e cristão já plasmou gerações inteiras e gerou vidas santas. Recordemos o Padroeiro da vossa Diocese, o Beato João Baptista Machado, baptizado na Sé Catedral de Angra; no Japão, anunciou o Evangelho e aí deu o testemunho do martírio, em 1617. Como não evocar ainda o Irmão Bento de Góis, também ele açoriano, e as suas viagens de autêntico pioneiro nas terras misteriosas do Tibet?

6. O sucedido no Caminho de Emaús pode ser visto como introdução àquilo que a primeira Leitura da Liturgia de hoje, tirada dos Actos dos Apóstolos, nos diz sobre a vida da primitiva comunidade cristã de Jerusalém: “Eram assíduos ao ensino dos Apóstolos... à fracção do pão e às orações” (Ac 2,42).

917 Esta comunidade formou-se depois do dia de Pentecostes, quando o Espírito Santo abriu os olhos e o coração, primeiramente aos próprios Apóstolos e em seguida, pelo seu testemunho, aos novos discípulos de Cristo. Deles se diz: “Viviam unidos... vendiam terras e outros bens, e distribuíam o dinheiro por todos, de acordo com as necessidades de cada um” (Ibidem 2, 44. 45). Impelidos pela mensagem social do Evangelho, eles distribuíam os seus bens pelos pobres, convencidos de que as palavras do Senhor -“cada vez que fizestes estas coisas a um dos Meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes” (Mt 25,40) - não deviam permanecer um piedoso desejo, mas tornar-se um compromisso concreto de vida. O Filho de Deus entregou-se à morte e salvou todos os homens e simultaneamente uniu-os entre si, tornando-os responsáveis uns pelos outros, pelo que ninguém se pode considerar alheio ou indiferente à sorte de outro membro da família humana.

Em face da mentalidade individualista hoje difusa, urge contrapor o nosso empenho concreto de solidariedade e caridade, que tem início no seio da família, com o apoio mútuo dos esposos e depois com os cuidados que uma geração presta à outra. A família qualifica-se como comunidade de solidariedade. Muitas vezes, porém, sucede que, quando ela se decide a corresponder plenamente à própria vocação, se vê privada de recursos suficientes e de instrumentos eficazes de apoio quer na educação dos filhos, quer no cuidado dos anciãos, evitando o seu afastamento do núcleo familiar e reforçando os laços entre as gerações (Centesimus annus CA 49).

Além da família, muitas outras sociedades intermédias desenvolvem funções primárias e constróem específicas redes de solidariedade que dinamizam o tecido social, impedindo-o de cair no anonimato e na massificação, infelizmente frequentes na sociedade moderna, e proporcionando a partilha dos bens a favor dos “últimos”, que foram objecto de predilecção por parte do Senhor Jesus, e como tal os legou à Igreja, que deles fez a sua opção preferencial.

7. “Aclamai o Senhor, porque Ele é bom, porque é eterna a Sua misericórdia” (Ps 118,1).

Hoje cantamos juntos, aqui nos Açores, este Salmo pascal da Igreja. Cantavam-no os discípulos de Emaús em seus corações, no caminho de regresso a Jerusalém, já depois de terem reconhecido o Senhor Ressuscitado, ao partir do pão. Continuaram-no os cristãos da primeira comunidade de Jerusalém, reunida à volta dos Apóstolos, e depois dela, as sucessivas comunidades que iam surgindo pelo mundo inteiro, então conhecido. De geração em geração este círculo ia-se alargando. O cristianismo chegou à Península Ibérica, ainda nos tempos apostólicos, e, muitos séculos após, de lá partiram as missões rumo aos Novos Mundos, frutificando primeiro aqui, nestas Ilhas que assinalam o extremo da Europa.

Em tantos lugares da Terra, em tantas comunidades, se renova o encontro do Senhor com os discípulos no caminho para Emaús. A Igreja vive com a Palavra de Deus e com a Eucaristia: abrem-se os olhos do coração e reconhecem o Redentor. E com esta abertura ao Senhor, as vozes humanas fazem ouvir em uníssono o canto pascal de toda a Igreja:

“Aclamai o Senhor, porque Ele é bom, / porque é eterna a Sua misericórdia”!



VIAGEM APOSTÓLICA A PORTUGAL




EM PONTA DELGADA, AÇORES


Sábado, 11 de Maio de 1991




Maria escolheu a melhor parte, que lhe não será tirada” (Lc 10,42).

1. Já há muitas gerações que a referida “melhor parte” se tornou também a vossa parte, a que carinhosa e confiadamente dais o nome de “Senhor Santo Cristo dos Milagres” (Ecce Homo). O amor e a adoração ao nosso Redentor, sob o perfil do Ecce Homo, foi-se arraigando cada vez mais na vossa vida - já lá vão cinco séculos e meio de convivência vossa com o Senhor Santo Cristo, que encontra no meio de vós uma Casa hospitaleira, à semelhança da Casa de Lázaro e de suas irmãs Marta e Maria.

Daqui, deste “Campo de São Francisco”, com o meu olhar no Santuário do Senhor Santo Cristo, estendo a minha saudação amiga a todos os habitantes de São Miguel e das restantes Ilhas Açorianas. Saúdo todos os presentes nesta Celebração da Palavra, com menção primeira e deferente para o Senhor Presidente da República e para as Autoridades Locais; o meu abraço fraterno ao vosso Bispo, Dom Aurélio, a quem afectuosamente agradeço as palavras repassadas de carinho e esperança pelo Rebanho, que, há momentos, em vosso nome me dirigiu. Saúdo cordialmente os sacerdotes, os religiosos e as religiosas, tanto aqueles que vivem a sua generosa entrega ao Senhor no vosso meio, como os que daqui partiram para servir o Reino de Deus junto de quantos ainda o aguardam. Permiti-me uma palavra especial, de bênção e encorajamento às Ordens Hospitaleiras dos Irmãos de São João de Deus, e das Irmãs do Sagrado Coração de Jesus, no quinquénio jubilar que estão a viver, para que nunca desfaleçam na realização e no anúncio do pregão de caridade que São João de Deus, vosso concidadão do século XVI, lhes deixou: “Fazei o bem, irmãos!”.

918 Mas ao contemplar a numerosa juventude que aqui acorreu para ver e escutar o Papa, o meu coração e a minha palavra envolve-a de um modo particular: queridos jovens, que sois os discípulos de Jesus do Terceiro Milénio, abraço-vos a todos e cada um de vós e asseguro, desde já, que a mensagem, que vos trago, me foi dada a conhecer pelo Espírito do Senhor nos anseios e propósitos de inumeráveis multidões de jovens de todo o mundo, à procura da felicidade.

2. “Maria sentara-se aos pés do Senhor e escutava a Sua palavra” (
Lc 10,39).

O Evangelho dá testemunho de inúmeras multidões, que acorriam a escutar a Palavra do “grande Profeta enviado por Deus ao Seu povo” (Cfr. Lc Lc 7,16), a ponto de o Senhor sentir necessidade de remediar um aparente descuido dessas multidões: “já há três dias que estão comigo, e não têm que comer. Se Eu os mandar em jejum para casa, desfalecerão pelo caminho, pois muitos vieram de longe” (Mc 8,2-3).

A leitura evangélica de hoje coloca-nos diante de um cenário diferente: o Mestre entra numa casa, onde se sente bem-vindo e entre amigos, para repousar. Maria, presa das Suas palavras, senta-se aos Seus pés, a escutá-l’O, parecendo esquecer-se das lides domésticas, no que era certamente eficiente e cumpridora, porque Marta não tarda a queixar-se da sua falta. Jesus de Nazaré sentia-se à vontade com ambas as irmãs, e, na resposta a Marta, fala-lhe de uma “melhor parte”, de valores, de ideais que são melhores, porque ninguém os pode roubar: “Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada” (Lc 10,42).

Queridos jovens, à luz desta escala de valores de Jesus, convido-vos a avaliar comigo os vossos anseios, porque há “grandiosas propostas” que vos fazem e terminam em coisa nenhuma, deixando-vos desiludidos; como há, pelo contrário, desafios para andar por caminhos certamente difíceis, mas com a garantia de encontrardes neles um pedaço mais da vossa personalidade, que ninguém vos roubará! A juventude é a época de armazenamento para a vida, tempo de formação para as grandes responsabilidades do amanhã. Estai alerta contra o chamariz de um mundo que quer explorar e manipular a vossa busca honesta e generosa de felicidade e orientação!

3. “Maria escolheu a melhor parte que não lhe será tirada”(Lc 10,42).

Quantos esforços inúteis, quantas desilusões, quantos fracassos, por se ter posto a confiança e o centro da vida fora de Deus! É Ele a “melhor parte”... Quantos jovens buscam desesperadamente a felicidade, sem se darem conta de que o único que pode saciar deveras o coração humano, é Deus. “Fizeste-nos, Senhor, para Ti - exclama Santo Agostinho - e o nosso coração viverá inquieto, enquanto não repousar em Ti” (St. Agostinho, Confessiones, I, 1)! Esta é a grande verdade que dá sentido à vida. Porque saímos das mãos de Deus, só em Deus encontrará descanso e felicidade a nossa alma.

Queridos jovens, no caminho da vossa vida, não abandoneis a companhia do Senhor! O meu maior desejo para cada um de vós é que os caminhos da vossa juventude se cruzem com Cristo, “o verdadeiro herói, humilde e sábio, o profeta da verdade e do amor, o companheiro e o amigo dos jovens” (Patrum Concilii Oecum. Vat. II Nuntius quibusdam hominum ordinibus datus, “Ad iuvenes”, die 8 dec. 1965: AAS 58 (1966) 8-18), o único que vos pode fazer felizes. Não O deixeis de lado, para vos voltardes para a adoração dos falsos ídolos, inertes e que nada sabem das vossas inquietações.

Jesus de Nazaré, e só Ele, poderá preencher essa fome de infinito que se abriga dentro dos vossos corações. Quando serenamente detendes os vossos passos junto d’Ele, o Seu olhar de amor (Cfr. Mc Mc 10,21) fixa-se sobre vós. Tendes necessidade deste Seu olhar amoroso: é a mais linda janela que se abre para o paraíso! Fareis então a experiência de serdes amados eternamente, e sente-se a vida recomeçar: crescereis por “contacto” com Deus. O meio para o conseguir é a oração. Aprendei a rezar e rezai; abri os vossos corações e as vossas consciências diante d’Aquele que vos conhece melhor do que vós mesmos. Falai com Ele. Aprofundai a Palavra de Deus, lendo e meditando a Sagrada Escritura. À semelhança de Maria, que, “sentada aos pés do Senhor, escutava a Sua palavra” (Lc 10,39).

4. Através do vosso diálogo com Jesus, “que conhece o que há no homem” (Jn 4,25), podereis compreender serena e profundamente o vosso projecto concreto de vida: “Que devo fazer para que a minha vida alcance todo o seu valor e pleno sentido?”. Eis uma questão fundamental, que pouco a pouco se vai impondo a cada um de vós, precisamente no período da juventude. Sobre ela, vos interrogais a vós mesmos, e questionais os vossos pais e educadores. “Por vezes fazeis a pergunta de maneira impaciente, e todavia a resposta não pode ser apressada nem superficial, porque encerra em si a totalidade da existência humana” (Ioannis Pauli PP. II Epistula Apostolica ad iuvenes internationali vertente anno iuventuti dicato, 3, die 31 mar. 1985: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, VIII, 1 (1985) 762). Não vos esquiveis a esta pergunta, não a suprimais na vossa vida, porque nela vos descobrireis senhores e construtores do vosso destino. Ela manifesta o vosso desenvolvimento.

Na Mensagem que vos dirigi este Ano, convidei-vos à contemplação da vossa dignidade e grandeza de Filhos de Deus: “Recebestes um Espírito de filhos adoptivos, pelo qual clamamos: Abbá! Pai!” (Rm 8,15). “Como não nos maravilharmos diante desta perspectiva assombrosa? O homem - um ser criado e limitado, mais, um pecador - está destinado a ser filho de Deus! ... Deixai que este assombro sagrado vos invada e inspire acada um de vós uma adesão cada vez mais filial a Deus, nosso Pai” (Ioannis Pauli PP. II Nuntius ad iuvenes de VI Die Mundiali Iuventuti dicato 1991, 1, die 15 aug. 1990: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XIII, 2 (1990) 215s). Sabedores de que Deus é o vosso Criador e Pai, deveis colocar-Lhe a questão do vosso projecto de vida: “Que devo fazer? Qual é o Vosso plano em relação à minha vida, o Vosso plano de Criador e de Pai? Qual é a Vossa vontade? Eu desejo realizá-la”.

919 Assim o projecto de vida que estais a imaginar e a construir nascerá do mais fundo de vós mesmos, e corresponderá à vocação a que Deus vos chama, porque a vida, sendo um dom do Alto, só se realizará plenamente na resposta a um chamamento que vem do Alto e se faz ouvir no segredo do vosso coração jovem.

5. Qual pode ser a mensagem enviada por Deus ao vosso coração? Fala-vos o Discípulo amado de Cristo, o Apóstolo João, através das palavras da sua Carta, há pouco proclamadas: “Eu vos escrevi, filhinhos, porque conheceis o Pai. ... Eu vos escrevi, jovens, porque sois fortes, porque a Palavra de Deus permanece em vós, e porque vencestes o Maligno” (
1Jn 2,14). Estas palavras, que remontam a quase dois mil anos atrás, são vigorosas, constituindo para vós simultaneamente um encorajamento e um desafio.

Com efeito, palpita, nos vossos corações juvenis, o desejo de uma fraternidade autêntica entre os homens: o homem é o próximo do outro homem; o homem é um irmão para o outro homem! Ora este vosso desejo de fraternidade testemunha o facto de que vós “conheceis o Pai”, porque os homens sáo irmãos só quando houver um Pai; e este, deu-no-lo a conhecer Jesus Cristo quando nos convidou a rezar: “Pai Nosso, que estais no céu! ” (Mt 6,9). A oração do “Pai Nosso” resume a Boa Nova de Jesus de Nazaré, que surpreendentemente se faz vida, nas mais profundas e universais aspirações da humanidade actual. O Apóstolo escreve que vós, jovens, sois fortes, porque a Palavra de Deus permanece em vós, e infunde em vossos corações o amor, a benevolência, o respeito pelo homem, pela sua vida, pela sua dignidade, pela sua consciência. Se “vós conheceis o Pai”, sois fortes com o poder da fraternidade humana.

Sois fortes também para a luta: não para a luta contra o homem, mas contra o mal, ou melhor - chamando pelo nome, o primeiro artífice do mal -, sois fortes para a luta contra o Maligno.A táctica deste consiste em não se revelar abertamente, a fim de que “o mal, por ele inoculado desde o princípio, cresça a partir do próprio homem, dos próprios sistemas e das relações entre os homens, entre as classes e entre as Nações... para se tornar cada vez mais "pecado das estruturas" e cada vez menos se deixe identificar como "pecado pessoal". Consequentemente, para que o homem se sinta de algum modo "liberto" do pecado e, ao mesmo tempo, se venha a encontrar cada vez mais mergulhado no pecado” (Ioannis Pauli PP. II Epistula Apostolica ad iuvenes internationali vertente anno iuventuti dicato, 15, die 31 mar. 1985: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, VIII, 1 (1985) 798s). É preciso remontar constantemente às raízes do mal e do pecado, atingir os seus mecanismos escondidos. Jovens, vós sois fortes e vencereis o maligno, se “a Palavra de Deus permanecer em vós”. Deste modo, conseguireis gradualmente modificar o mundo, transformá-lo, torná-lo mais humano, mais fraterno, rumo à civilização do amor.

6. Caros jovens, meus amigos, quando tiverdes de escolher entre o amor e o egoísmo, lembrai-vos do exemplo de Cristo, e corajosamente segui a opção de amor. Assim o vosso projecto de vida, por vontade de Deus, deverá realizar a vocação do amor... O amor é a vocação única do homem, podendo ser realizada no matrimónio ou na doação total de si mesmo pelo Reino dos Céus. Desejo repetir aqui hoje quanto vos disse em Santiago de Compostela: “Jovens, não tenhais medo de ser santos! Voai alto, sede daqueles que apontam para metas dignas de Filhos de Deus” (Ioannis Pauli PP. II Nuntius ad iuvenes de VI Die Mundiali Iuventuti dicato 1991, 3, die 15 aug. 1990: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XIII, 2 (1990) 217). No centro do vosso agir, esteja Cristo! Segui-O, imitai-O!

Com o coração enamorado e fascinado pelo Senhor, alguns de vós sentem que Jesus os convida e segui-l’O mais de perto, e lhes pede tudo. Não tenhais medo e dai-Lhe, se vo-lo pedir, o vosso coração e a vida inteira. A Igreja e o mundo de hoje têm uma enorme necessidade do testemunho de vidas dadas sem reserva a Deus, do testemunho de um amor esponsal ao próprio Cristo. São as vocações de especial consagração ao sacerdócio, à vida evangélica na sua radicalidade de castidade, pobreza e obediência, e de consagração à vida missionária. São vocações nas quais um homem ou uma mulher, por amor do Reino de Deus, adoptam como seu programa de vida pessoal, o programa que o próprio Cristo realizou na terra. Desejaria dizer-vos a todos e a cada um de vós, jovens: se um tal chamamento chegar ao teu coração não o sufoques; escuta o Mestre que diz: “Segue-Me!”. Encontrarás à tua frente uma vida fascinante e rica de frutos, precisamente a “melhor parte que ninguém vos roubará”!

7. Cristo - Ecce Homo: “o Senhor Santo Cristo dos Milagres” tem “palavras de vida eterna” (Jn 6,68). Elas confirmam a verdade, experimentada por cada homem: a verdade da caducidade do mundo. Mas ao mesmo tempo essas Palavras, e sobretudo a Sua Cruz e Ressurreição, mostram a verdade da Vida eterna: “quem faz a Vontade de Deus permanece para sempre” (1Jn 2,17).

Caros irmãos e irmãs, ao agradecer-vos o encontro de hoje, desejo veementemente que os vossos ouvidos nunca se tornem surdos ao apelo que vos vem da Palavra de Deus. Que os vossos corações amadureçam para a vida em Deus, esta “melhor parte” da qual ninguém será capaz de vos privar. Amém!




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