Homilias JOÃO PAULO II 927

VIAGEM APOSTÓLICA AO BRASIL




NA MISSA CELEBRADA PARA OS FIÉIS


DA ARQUIDIOCESE DE SÃO LUÍS DO MARANHÃO


São Luís, 14 de outubro de 1991






“Foi do agrado de vosso Pai dar-vos o Reino” (Lc 12,32)

1. Jesus de Nazaré anuncia a vinda sobre a terra do reino de Deus. É o dom do Pai eterno. É o seu desígnio e seu plano de salvação. O mundo foi criado para que nele amadurecesse o reino de Deus. O mundo é temporal e transitório, o reino de Deus é eterno.

O destino do homem é o Reino de Deus. “Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único” (Jn 3,16). O Filho de Deus, tornando-se homem por obra do Espírito Santo, nascido da Virgem Maria, revela o reino de Deus como destino do homem. A Ele - a Cristo - o Pai transmitiu este reino. Nele está para que se propague aos homens, para vir a ser nosso. O Reino de Deus é pois o próprio Cristo que no-lo dá como uma tarefa e nossa meta.

928 Por isso, diz Cristo: “Não temais, pequeno rebanho, porque foi do agrado de vosso Pai dar-vos o reino” (Lc 12,32). Desde o início de sua pregação, Cristo anuncia este reino: “O reino de Deus está próximo” (Ibid. 10, 9). “Convertei-vos e crede no evangelho” (Mc 1,15).

2. O Evangelho do reino de Deus é a confirmação da obra divina da criação. Deus criou o mundo para o homem, para todos os homens e mulheres. Mas como o destino definitivo do homem é o reino de Deus, não pode ele viver exclusivamente para o mundo. Não pode viver como se o mundo e as realidades temporais fossem sua meta definitiva.Não pode arrimar totalmente o coração nos bens e nas riquezas desta terra.

Cristo Nosso Senhor nos ensina isto, na parábola que acabamos de ler no evangelho de hoje. Um homem rico, que só pensava na maneira de aumentar as próprias riquezas, é colocado diante da realidade iniludível da morte. “Insensato! Nesta noite ainda exigirão de ti a tua alma. E as coisas, que ajuntaste, de quem serão?” (Lc 12,20).

Assim “o Deus santo mostrar-se-á como tal, fazendo justiça” (Is 5,16).

3. O que a parábola evangélica demonstra com o exemplo de um homem, de um rico egoísta, é da mesma forma apresentado pelo profeta Isaías na primeira leitura como um problema social.

Não é difícil comprovar naquela parábola, à luz do que diz Isaías, uma imagem da realidade dos nossos tempos, e mesmo da atual situação do Brasil.

Quando o homem se deixa arrastar pelas próprias paixões, para sustentar sua ânsia de prazer, de posse, de dominação e de bem estar - movido por desenfreado egoísmo -, compreende-se o alcance das palavras do profeta: “Ai de vós que ajuntais casa a casa, que acrescentais campo a campo, até que não haja mais lugar e que sejais os únicos proprietários da terra” (Ibid. 5, 8). E quando tem tudo isso, não pensa mais a não ser no próprio descanso, no conforto, esquecendo-se de que nada disto aproveita, pois - como diz Jesus - “não é rico para Deus” (Lc 12,21). Torna-se, assim, injusto desrespeitando aqueles que têm iguais direitos, tanto da propriedade como dos frutos da terra.

Gostaria, por isso, de voltar a recordar aqui, aquilo que é doutrina comum - como o declarou o Concílio Vaticano II (Gaudium et Spes GS 69) e que reiterei na Encíclica “Centesimus Annus” - que “Deus deu a terra a todo o gênero humano, para que ela sustente a todos os seus membros sem excluir nem privilegiar ninguém. Está aqui a raiz do destino universal dos bens da terra. Esta, pela sua própria fecundidade e capacidade de satisfazer às necessidades do homem, constitui o primeiro dom de Deus para o sustento da vida humana” (Centesimus Annus CA 31).Os bens deste mundo foram criados por Deus para o bem de todos. A propriedade privada, importante e necessária, inclusive da terra, deve estar a serviço desta finalidade original e não impedi-la.

É inegável que há uma maior consciência desta verdade, e que os dados estão indicando uma leve melhora na distribuição da terra no Brasil. Mas também é certo que falta ainda muito para que se possa falar de uma justa distribuição da terra no Brasil. Não me refiro, evidentemente, à posse dos meios de produção, que “é justa e legítima, se serve para um trabalho útil” (Ibid. 43). A Igreja tem consciência disto. Ela sabe, por exemplo, que a economia de escala é uma exigência em nossos dias. Quem produz mais pode produzir a menor custo e, portanto, vender por preço menor. No caso, trata-se de “distribuir as propriedades insuficientemente cultivadas por aqueles que as podem tornar rendosas”. Neste sentido, a posse da terra “torna-se ilegítima, quando não é valorizada ou quando serve para impedir o trabalho dos outros” visando somente “obter um ganho que não provém da expansão global do trabalho humano e da riqueza social, mas antes de sua repressão, da ilícita exploração, da especulação, e da ruptura da solidariedade no mundo do trabalho” (Centesimus Annus CA 43). Sob este ponto de vista, pode-se falar do elevado grau de concentração da propriedade de terras no Brasil que exige uma justa reforma agrária. “Semelhante propriedade não tem qualquer justificação, e constitui um abuso diante de Deus e dos homens” (Ibid.).

“Confio que a auspiciada reforma agrária possa ser realizada conforme as profundas aspirações do povo brasileiro”.

4. “O Deus santo mostrar-se-á como tal, fazendo justiça”.

929 O Evangelho do reino traz consigo esta verdade fundamental. Deus é infinitamente santo. Sua santidade constitui também a referência definitiva de qualquer justiça. A esta santidade de Deus, que é também a justiça definitiva, se opõe qualquer injustiça, quer nas relações entre o homem com seu próximo, quer em qualquer aspecto da vida social.

No ano passado, ao receber em Roma um grupo de Bispos brasileiros em visita “ad limina”, recordava-lhes o grande desafio do contraste entre dois Brasis: um, altamente desenvolvido, pujante, e lançado no rumo do progresso e da opulência; outro refletindo-se em desmesuradas zonas de pobreza, de doença, de analfabetismo e de marginalização (Cfr. Eiusdem Allocutio ad quosdam Brasiliae episcopos, 3, die 24 mar. 1990: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XIII, 1 (1990) 745). Falava-lhes também, do fosso que divide a sociedade brasileira, que hoje necessita do empenho de todos, a fim de que se beneficiem de uma mais ampla solidariedade, no respeito ao bem comum.

Amados Irmãos e Irmãs, não há como não ver nesta disparidade, a existência de fatores de verdadeira injustiça que, entre outros, estão ligados aos problemas da distribuição da terra e do seu aproveitamento racional. Sabe-se que o Brasil é um país de migrantes, com milhões de trabalhadores rurais sem terra ou com terra insuficiente para prover ao sustento das suas famílias, devendo por isso, migrar em massa para os Estados mais ricos da República. É bem conhecido o problema dos assalariados temporários, moradores das cidades e explorados no campo.

Não estarão estes fatos indicando por si só, a necessidade de serem atendidas as justas e urgentes reivindicações daqueles cidadãos, que têm direito a fazer parte da vida econômica da Nação? Ao Estado, cabe “o dever principalíssimo de assegurar a propriedade particular por meio de leis sábias”, pois nem a justiça nem o bem comum, consentem danificar alguém nem invadir sua propriedade sob nenhum pretexto (Rerum Novarum, 55). Mas, cabe também à tutela do Estado assegurar um sistema justo de distribuição das terras, garantindo, ao mesmo tempo, o direito de todos de que se reconheça, tanto a capacidade como o rendimento do próprio trabalho (Centesimus Annus
CA 52 Centesimus Annus 52 e 28), dentro de condições realisticamente acessíveis.

Falar portanto de Reforma Agrária, nada mais é que dar apoio à modernização das relações trabalhistas no campo, criar ocupações produtivas na área rural, coibir as manifestações de violência que já mataram tantas pessoas, inclusive sacerdotes, promover serviços de educação, saúde, de créditos financeiros, criando condições para o exercício da cidadania a mais de uma dezena de milhões de agricultores. Tudo isso traria, também, benefícios às cidades, na medida em que haveria um menor êxodo rural, aumentaria a produção agrícola, normalizando o abastecimento e a oferta de alimentos básicos. No próximo dia l6, ao celebrar-se a “Jornada Mundial da Alimentação”, organizada pela FAO, serão debatidos os problemas da fome no mundo. Espero que neste foro internacional, sejam sugeridas soluções adequadas para fazer frente, em espírito de fraternidade e cooperação, a este problema tão angustiante.

Trata-se, no fundo, de incentivar todas as formas de cooperação entre os vários setores da sociedade, na busca de soluções para a questão da propriedade e do uso da terra, no contexto de uma agricultura que adote critérios modernos de produção.

5. Quero terminar estas palavras, saudando o povo desta bela terra, centro tradicional de cultura, que mereceu à cidade de São Luís o título de “Atenas do Brasil”.

Recordo com emoção a história da Igreja aqui iniciada em 1612 pelos missionários capuchinhos franceses na cidade fundada por La Ravardière. O Maranhão se tornou o centro irradiador da extraordinária ação missionária que os jesuítas, capuchinhos, mercedários e tantos outros estenderam à imensa região amazônica no século dezessete. Aqui, o grande clássico da língua portuguesa, o orador sacro e missionário Padre Antônio Vieira, soube defender a dignidade humana e a liberdade dos indígenas e denunciar os abusos que contra eles cometiam os colonizadores da terra. Por isso, desejo recordar este monumento que nos lembra um dos marcos fundamentais da evangelização na América Latina. Refiro-me ao Convento das Mercês que, recentemente restaurado por mãos generosas, concluirá sua reconstrução quando lhe for anexada a Igreja que os padres mercedários construíram, no início deste século, com enorme sacrifício e zelo. Nele ressoam ainda hoje as palavras do Padre Antônio Vieira que residiu nessa casa.

Não poderia deixar também de lembrar, que o Maranhão foi o grande foco irradiador no Brasil da devoção ao Coração de Jesus, tão querida do povo, através do zelo do insigne missionário e fundador de obras e institutos religiosos, o Padre Gabriel Malagrida, que deixou marcas profundas de sua ação apostólica em todo norte e nordeste do Brasil do século dezoito!

Deus seja louvado, que trouxe o Papa ao Maranhão!

Agradeço, queridos filhos do Maranhão, e a vosso Arcebispo, Dom Paulo Eduardo Andrade Ponte, todos os Cardeais e Bispos aqui presentes, o Senhor Governador e demais Autoridades, o carinho com que me acolhestes. Agradecendo, peço a chuva, necessária para a vossa região.

930 6. “Mestre, dize a meu irmão que reparta comigo a herança” (Lc 12,13), lemos no Evangelho de hoje. A estas palavras, de algum dos presentes, Jesus respondeu: “Meu amigo, quem me constituiu juiz ou árbitro entre vós?” (Ibid. 12, 14).

Não compete a Cristo, nem a sua Igreja solucionar o problema da terra. Isto cabe às instituições humanas, às autoridades competentes.

A missão da Igreja, é anunciar o Evangelho do reino. O reino de Deus é a manifestação da santidade de Deus, daquela santidade que se torna patente mediante a justiça, mediante o julgamento: “O Senhor dos exércitos triunfará no julgamento” (Is 5,16).

Por isso Cristo diz: “Não temais, pequeno rebanho”. Não vos deixeis abater por qualquer injustiça terrena. No fim, se fará justiça. Portanto, todos que sois responsáveis pela sociedade, fazei tudo o que estiver ao vosso alcance, a fim de que, na vida dos homens, na vida das sociedades, a injustiça dê lugar à justiça! “Não temais, pequeno rebanho... diz Jesus... porque foi do agrado do vosso Pai dar-vos o reino”. Esta é a medida definitiva de todos os sistemas temporais.

E Jesus exclama: “Fazei para vós bolsas que não se gastam, um tesouro inesgotável nos céus, aonde não chega o ladrão, onde a traça não o destrói” (Lc 12,33).

Para isso, inclusive, “vendei o que possuís e dai esmolas” (Ibid.)!

Que todo o vosso modo de agir mostre onde está “vosso verdadeiro tesouro”. “Porque onde estiver vosso tesouro, ali estará também o vosso coração” (Ibid. 12, 34).

Unamo-nos agora em torno da Hóstia Consagrada do Divino Redentor, desejosos de receber d’Ele a inspiração e a força para prosseguir naquele caminho com que os primeiros evangelizadores transmitiram a fé cristã nesta terra. Possam as “Santas Missões” que estão se realizando atualmente na cidade de São Luís, desencadear este processo da Nova Evangelização que abençoo de todo o coração, confidando-a às mãos maternas de Nossa Senhora Aparecida.



VIAGEM APOSTÓLICA AO BRASIL




DURANTE A CELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA


NA ESPLANADA DOS MINISTÉRIOS


Brasília, 15 de Outubro de 1991




Sem a fé é impossível agradar a Deus” (He 11,6).

1. A leitura da carta aos Hebreus mostra-nos vários personagens do Antigo Testamento: homens com quem Deus se comprazia precisamente por causa da sua fé: Abel, Enoc, Noé, Abraão e Sara, Isaac e Jacó.

931 Na Nova Aliança, seguindo a Cristo, que é “o autor e consumador” da nossa fé (Cfr. ibid. 12, 2), aquela lista se prolonga e se estende a todos os povos e nações da terra. Na vossa grande pátria brasileira como são numerosos aqueles que “são agradáveis a Deus mediante a fé”, que a Ele “se achegam”, conforme as palavras da carta aos Hebreus: “pois para se achegar a Ele, é necessário que se creia primeiro que Ele existe e que recompensa os que o procuram” (Ibid.11, 6).

Ora, a fé é a “procura” de Deus.É significativo o que escreve Pascal: “não me procurarias se já não me possuísses” (B. Pascal, Pensées, cap. II, 9). “Antecedente”, à “procura” de Deus por parte do homem, é o dom divino da fé, com o qual “buscamos continuamente a sua face” (Cfr. Sl
Ps 105,4).

2. O que é a fé? O Apóstolo responde: “A fé é o fundamento das coisas que se esperam, e o argumento das que não se vêem” (He 11,1). Portanto, pela fé, de certo modo, superamos o limiar da realidade visível, para entrarmos na invisível. O visível, de certa maneira, testemunha o invisível (Ibid. 11, 3). O universo presta testemunho de Deus como seu Criador. Lemos na carta aos Hebreus: “Pela fé reconhecemos que o mundo foi formado pela palavra de Deus, de sorte que o visível foi feito pelo invisível”. O testemunho da palavra de Deus Criador está de certo modo, inscrito em toda a criação.

Além deste testemunho, acessível a todos, a fé encontra seu apoio nos testemunhos humanos de divina Revelação.Os antepassados, com efeito, “receberam... o testemunho” (Ibid. 11, 2). “Deus, tendo falado outrora muitas vezes e de muitos modos a nossos pais pelos profetas, ultimamente, nestes dias, falou-nos por meio do seu Filho” (Ibid.1, 1-2).

3. O Concílio Vaticano II ensina: “A Deus que revela deve-se prestar a "obediência da fé" (Rm 16,26 cfr. ibid Rm 1,5 2Co 10,5-6), pela qual o homem se entrega livre e totalmente a Deus, oferecendo-Lhe "a plena submissão da inteligência e da vontade" e dando voluntariamente assentimento à revelação feita por Ele. Para professar esta fé, é necessária a graça de Deus que previne e ajuda, e os auxílios internos do Espírito Santo, que possam mover e converter para Deus os corações, abrir os olhos da alma, e dar "a todos a suavidade no aderir e dar crédito à verdade". Para que a inteligência da revelação seja cada vez mais profunda, o mesmo Espírito Santo aperfeiçoa constantemente a fé, por meio dos seus dons” (Dei Verbum DV 5).

A fé, pois, é um dom do mesmo Deus, que vem ao homem com a palavra da Verdade absoluta, mas é, ao mesmo tempo, a resposta do homem, que procura sinceramente encontrar esta Verdade: o encontro com Deus.

4. Hoje, na medida em que nos aproximamos do Terceiro Milênio da Era cristã, são necessários homens de fé. Homens que sejam luz e força para uma nova sociedade: políticos, técnicos, administradores, educadores, funcionários públicos, empresários, trabalhadores da cidade e do campo... Como eu disse na minha primeira viagem, em Salvador, aos construtores da sociedade pluralista - homens que pertencem a “uma sociedade que deve responder às exigências humanas, tanto ao nível dos bens materiais quanto dos bens espirituais e religiosos, uma sociedade fundada sobre um sistema de valores que a defenda das manipulações do egoísmo individual ou coletivo” (Discurso às autoridades e ao povo em Salvador, 3, 6 de julho de 1980).

Para esta tarefa, é necessária a educação permanente da fé dos cristãos, especialmente dos que têm uma responsabilidade maior e mais direta na construção da sociedade. Exige-o a mesma dimensão da sua natureza, constituída de alma e corpo, pois ele foi chamado pelo Pai a tomar posse do reino dos céus, que lhe foi preparado (Cfr. Mt Mt 25,34). Decorre daí sua preocupação por descobrir o significado mais profundo deste mundo, que é obra do Criador. Se o mundo saiu das mãos de Deus, se Ele criou o homem à sua imagem e semelhança (Gn 1,26), deve desentranhar o sentido divino que naturalmente possuem todas as coisas. Não existe, nem nunca existiu, incompatibilidade entre o saber humano e a fé. Desde o esforço intelectual mais profundo até o mais simples ofício manual, tudo pode e deve levar a Deus. Por isso, é necessário cultivar a fé de acordo com o nível cultural de cada um, com sua responsabilidade social e com sua própria capacitação profissional.

5. A grande santa de Ávila, que a Igreja celebra hoje no Calendário litúrgico, pode ser lembrada como uma mulher cuja fé a levava a preocupar-se pelos milhões de seres humanos, que ainda não conheciam a Jesus Cristo e aos quais a Igreja deveria anunciá-lo. Em Santa Teresa, a fé em Jesus Cristo era inseparável do amor à Igreja. Suas últimas palavras foram: “Graças a Deus, morro como filha da Igreja”. Pessoas de fé assim, são luz para os outros, centro de irradiação espiritual e religiosa, sal da terra. Nossos tempos necessitam da presença atuante e benéfica de homens e de mulheres que saibam mostrar a própria fé com suas obras (Cfr. Tg Jc 2,8).

6. O que será “a nova sociedade” brasileira como fruto da educação na fé?

A esta pergunta, Cristo responde com as próprias palavras do Evangelho que hoje foram lembradas na liturgia: “o sal da terra, e a luz do mundo” (Cfr. Mt Mt 5,13-14)!

932 O sal que dá o bom sabor aos alimentos, é a imagem do que deve ser o fruto da educação na fé que leva saúde espiritual e moral aos mais variados âmbitos da existência humana - o homem, a família, a comunidade, a sociedade. Deste modo, todos ficam protegidos contra a depravação, contra aquilo que Cristo disse que deve “ser lançado fora e pisado pelos homens” (Ibid. 5, 13).

É, ao mesmo tempo: a luz que resplandece para os outros, que ilumina a todos “os que estão em casa” (Cfr. ibid. 5, 15). A vossa grande casa brasileira, possui muitos milhões de moradores. A fé é luz que “não se coloca debaixo do alqueire, mas sobre o candeeiro”. Que ela “brilhe... diante dos homens, para que vejam vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus” (Ibid. 5, 15-16).

Eis o que Cristo diz, respondendo à vossa pergunta: o que é a fé, e o que é educar na fé para uma nova sociedade?

7. Caríssimos Irmãos e Irmãs,

É com grande alegria que estou novamente em Brasília. O Papa está feliz vendo como cresceu, nestes últimos 11 anos, esta cidade-menina que vai se tornando, efetivamente, o centro das grandes decisões nacionais. Os amplos horizontes que ele descortina do alto deste planalto, recordam-lhe o sonho profético de Dom Bosco que tanto inspirou os fundadores da cidade. Lembro que não longe deste lugar foi plantado o cruzeiro e celebrada a Primeira Missa que marcou o nascimento de Brasília. Que esta cidade cresça sempre à sombra da cruz e protegida pelas bênçãos maternas de sua padroeira Nossa Senhora Auxiliadora!

De todo o coração saúdo os que vieram para celebrar esta Eucaristia. E também para participar nela. Em primeiro lugar, saúdo cordialmente o Senhor Presidente da Republica, Dr. Fernando Collor, junto com os membros do Governo, o Governador e todas as Autoridades civis e militares. Estamos agradecidos pela vossa presença nesta celebração. Aos tantos países aqui representados pelos seus Embaixadores. A todas Nações aqui representadas, formulo votos de paz e prosperidade.

Agradeço o acolhimento generoso e fraterno do querido irmão, Pastor desta Igreja em Brasília, o Cardeal Dom José Freire Falcão e de seus Bispos Auxiliares, Dom Alberto Taveira e Dom Raymundo Damasceno Assis, que é atualmente o Secretário-Geral do Conselho Episcopal Latino-Americano. Saúdo também todos os Cardeais e Bispos aqui presentes. Exprimo também minha alegria pela participação dos irmãos das outras Igrejas Cristãs. Obrigado por esta união em torno de Cristo.

8. Gostaria de aproveitar a ocasião, para expressar a satisfação que me foi dada pelo querido Irmão no Episcopado e Arcebispo Militar do Brasil, D. Geraldo do Espírito Santo d’Ávila, ao me convidar para abençoar a Primeira Pedra da futura Catedral da Arquidiocese Militar do Brasil, cujo título será Santa Maria dos Militares, Rainha da Paz. Faço votos de que a edificação deste templo sirva para congregar sempre mais a família militar do Brasil e se torne um grande centro da evangelização de todos, do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, para cumprirem sua missão própria de serem garantia da paz, da liberdade e da justiça. Aos sacerdotes que estão desempenhando sua diakonia na vilas militares, nos quartéis e nos vários destacamentos da fronteira, digo-lhes que se entreguem com amor e confiança ao trabalho, sem se poupar, levando o Evangelho onde o bem das almas os solicite.

Vão aqui, também, minhas palavras de agradecimento, ao dileto Irmão no Episcopado Dom José Newton de Almeida Baptista, que com tanta diligência e operosidade entregou-se a fundo à sua obra de Pastor, não só na nova Capital da República, como no Ordinariado militar. Que Deus o recompense e o abençoe!

9. “Sem a fé é impossível agradar a Deus”. Sem a fé não é possível que a vida humana seja semelhante à de Deus.No entanto, esta é a vocação do homem. Disto depende seu bem e sua felicidade, não só temporal, mas eterna.

Deus, que criou o homem, à sua imagem e semelhança, dele espera que seja realmente semelhante a Ele. Deus quer que ele, como Abel, Lhe ofereça o sacrifício dos frutos da fé e das boas obras. Deus espera que o homem se torne herdeiro daquela justiça, que o Evangelho lhe ensina, justiça merecida por Cristo crucificado, por Cristo ressuscitado, para a redenção dos pecados. Ao homem é concedida a justiça de Cristo, “o primogênito de toda a criatura” (
Col 1,15), através da fé peregrina em direção à terra prometida, à vida eterna em união com Deus.

933 10. Maria, a primeira que acreditou, a estrela da nova evangelização, invocada em todo o Brasil, como Nossa Senhora da Conceição Aparecida, Maria seja o modelo, seja a educadora da fé para os brasileiros, para os cristãos, comprometidos na construção da nova sociedade. Seja o modelo e a educadora da fé. Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil.



VIAGEM APOSTÓLICA AO BRASIL




NA CELEBRAÇÃO DA PALAVRA NA ESPLANADA


DO ESTÁDIO «SERRA DOURADA» DE GOIÂNIA


Terça-feira, 15 de Outubro de 1991

Queridos Irmãos e Irmãs,


1. É grande a alegria do Papa de conhecer, pela primeira vez, a terra goiana e de visitar a cidade de Goiânia. Tão jovem ainda, nos seus 55 anos de existência, é ela hoje uma grande metrópole, que une a beleza de suas avenidas e de suas construções, ao calor humano e à conhecida hospitalidade dos moradores. Abraço toda a população goiana con grande carinho. Saúdo con deferência ao Senhor Governador e a todas as autoridades estatais e municipais.

Saúdo, com sentida emoção, a grande comunidade católica de Goiás, que cresceu pelo trabalho sacrificado de tantos missionários, vindos de outros países ou de outras regiões do Brasil. Estes vastos sertões guardam ainda as marcas deixadas pelo zelo apostólico dos dominicanos, dos redentoristas e franciscanos, de pastores dedicados como Dom Prudêncio Gomes da Silva ou do missionário dominicano, Dom Alano Maria du Noday. No mais idoso dos bispos do Brasil, Dom Francisco Prada Carrera, cujos 98 anos de idade não o impediram de acolher-me no aeroporto da cidade, expresso meu afeto pelos pastores desta terra. Recordo, com admiração, a extraordinária obra educacional do grande filho de Dom Bosco, Dom Emanuel Gomes de Oliveira, cujas escolas abriram o caminho para a disseminação do ensino pelo interior do Estado. Esta obra foi coroada pela Universidade Católica de Goiás, a primeira instituição universitária do centro-oeste brasileiro, criada após sua morte pelo primeiro Arcebispo de Goiânia, Dom Fernando Gomes, e pelo trabalho dedicado dos educadores jesuítas.

Louvado seja Deus que permitiu ao Papa vir a esta terra e conhecer este povo!

2. “Eles perseveravam na doutrina dos Apóstolos, nas reuniões em comum, na fração do pão e nas orações”(Ac 2,42).

É muito importante para nós a passagem dos Atos dos Apóstolos, que hoje foi lida aqui. Assim era a vida da primeira comunidade cristã em Jerusalém - da primeira comunidade reunida em torno dos apóstolos de Cristo. Eles se mantinham ainda ligados ao templo de Jerusalém mas, ao mesmo tempo, na prática, já haviam introduzido “em suas casas” aquilo que constituía a Igreja da Nova Aliança:

- o ensinamento dos apóstolos, ou seja, a palavra divina da Boa Nova transmitida por Cristo, confirmada com o sacrifício da Cruz e selada pela ressurreição;

- o partir o pão, ou seja, a Eucaristia, o sacramento do mistério pascal do Redentor;

- a oração, como o mesmo Cristo lhes ensinara.

934 Tudo isto era confirmado exteriormente pelos sinais da onipotência divina, por “prodígios e milagres” (Cfr. ibid. 2, 43).

Era também, acompanhado pelo testemunho das obras, que encontravam sua expressão no mandamento do amor de Cristo, o amor fraterno, o amor social: “Eles dividiam seus bens entre todos, segundo a necessidade de cada um” (Ibid. 2, 45).

3. O texto dos Atos dos Apóstolos contendo o testemunho da vida das primeiras comunidades cristãs, é de especial significado para os discípulos e confessores de Cristo de todos os tempos.

Ele é importante para nós que estamos aqui reunidos.

Com particular satisfação, dirijo-me a esta representação do Divino Pai Eterno, na sua atitude de coroar a Beatíssima Virgem Maria. Sei que o povo dessa Arquidiocese, e de todo o Goiás, tem muita devoção ao Divino Pai Eterno, e esta representação exprime muito bem o sentido misterioso da Redenção realizada pelo Deus Homem que, para nos salvar, veio ao mundo, por vontade do Pai, encarnando-se no seio puríssimo da Virgem Maria.

Nisto, caríssimos filhos do Brasil, se resume toda a beleza das insondáveis riquezas do amor de Deus pelos homens, que quis reunir na Igreja Católica todas as ovelhas para que, ao fim dos tempos, constituam um só rebanho com um único pastor!

Por um desígnio insondável da Providência, a Igreja é este mistério, manifestado pela livre disposição da sabedoria e da bondade do Pai de se comunicar. Tal comunicação se realiza pela missão do Filho e o envio do Espírito Santo, para salvação dos homens. Na ação divina tem origem a criação, como história dos homens, pois ela tem seu “princípio”, no sentido mais pleno da palavra (
Jn 1,1), em Jesus Cristo, o Verbo feito carne. A Igreja é esse mistério que tem sua origem da Trindade Santíssima, à qual está intimamente unida e sem a qual não poderia subsistir. É este o fundamento da unidade eclesial em si mesma, e da unidade com seu Povo.

Tal é também o sentido mais profundo da expressão Povo de Deus que o Concílio Vaticano II nos quis propor (cfr. Lumen Gentium LG 9). Não se trata mais de um povo reunido em torno dos ideais da Antiga Aliança, pois surgiu o “novo povo de Deus”, constituído por todos os que crêem em Jesus Cristo e foram renascidos, batizados na água e no Espírito Santo (Cfr. Jo Jn 3,3-6). O Concílio nos apresenta esse Povo como “comunidade de fé, de esperança e de caridade”Cfr. Lumen Gentium, 8) cuja fonte é a Eucaristia. “Participando realmente do Corpo do Senhor na fração do pão eucarístico, somos elevados à comunhão com Ele e entre nós” (Cfr. ibid.7).

O que deseja o Papa dizer hoje a seus queridos irmãos e irmãs, esperando que suas palavras possam alcançar, desde este belo planalto os mais longínquos rincões do Brasil?

Que dizer, o Sucessor de Pedro quer lembrar a todos que essa união íntima do fiel com o seu Salvador, bem como a unidade dos fiéis entre si, constituem o fruto indivisível da participação fecunda na Igreja e transformam toda a existência dos cristãos em “culto espiritual”. Daí surge a dimensão comunitária da Igreja, para que nela possam ser vividas e condivididas a fé, a esperança e a caridade, e para que uma tal comunhão, radicada no coração de todo aquele que crê, se realize num plano comunitário, plenamente unida aos pastores, que estão à frente de seu rebanho.

4. Ao ler e meditar as Diretrizes gerais para a ação pastoral que a Igreja no Brasil tenciona pôr em prática no próximo quadriênio, pude comprovar o espírito que animava aos Bispos reunidos em Itaici. Queriam eles implementar aquela dimensão evangélica, fruto do Espírito do Senhor: evangelizar com renovado ardor missionário, testemunhando Jesus Cristo, em comunhão fraterna, à luz da evangélica opção preferencial pelos pobres, para formar o Povo de Deus.

935 Parece-me sentir nestas palavras o sabor da primitiva cristandade. Aquela sociedade nascida à sombra do Cenáculo, destinada a ser a nova “luz das nações”, aquela sociedade dos que foram escolhidos por Jesus Cristo (Cfr. Rm Rm 1,6), divinamente pensada e constituída por seres humanos, chamados a compô-la em vista de um desígnio orgânico e sobrenatural, é hoje a que marca o destino do homem para uma nova esperança, para a ressurreição definitiva.

Também hoje a Igreja é o fundamento daquela “comunhão universal da caridade (Cfr. Lumen Gentium LG 23) fundada na fé, nos sacramentos, e na ordem hierárquica, na qual, pastores e fiéis, se alimentam pessoal e comunitariamente das fontes da graça, obedecendo ao Espírito do Senhor, que é o Espírito da verdade e do amor” (Ioannis Pauli PP. II Allocutio ad Patres Cardinales et Praelatos Familiae S. P. Romanaeque Curiae, imminente Nativitate D. N. I. C., 3, die 20 dec. 1990: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XIII, 2 (1990) 1700).

Comunhão na fé, antes de mais nada, que não exclui a diversidade, pois tal diversidade existe para o serviço, na caridade, de uns para com os outros. Neste sentido, desempenha um papel essencial o serviço universal do Romano Pontífice, que tem aos seus cuidados a Igreja em todo o mundo, de forma que, a plena eclesialidade de qualquer comunidade cristã, inclui necessária e essencialmente a comunhão com o Sucessor de Pedro (Lumen Gentium LG 23). Ser simplesmente comunidade, não significa estar em comunhão. Nem mesmo a comunidade que se reúne em nome do Senhor, torna-se por si mesma Igreja. Ser Igreja, é sempre um dom do alto, enraizado na união de cada um com Deus, em Cristo, através dos dons da fé e dos sacramentos. Estes dons, por sua vez, estão vinculados, por disposição divina, à unidade do Episcopado cum Petro e sub Petro - com Pedro e sob o mandato de Pedro.

Mas a Igreja não é só comunhão, mas também sacramento: sinal e instrumento da comunhão dos homens com Deus (Ibid.1) e entre si. Esta força unificadora da Igreja, construtora da comunhão, tem a sua máxima expressão na Eucaristia. A comunhão na fé, assim como o Batismo e os demais sacramentos, ordena-se à Eucaristia (S. Thomae, Summa Theologiae, III, q. 56, a. 3, ad 1). O Concílio Vaticano nos dizia que “a Eucaristia aparece como fonte e ápice de toda a evangelização” (Presbyterorum Ordinis PO 5). Ordenar, portanto, as estruturas comunitárias, a catequese, a ação evangelizadora para que todos, crianças ou adultos, possam receber os sacramentos da salvação cristã, é um grave dever que compete aos sacerdotes, aos agentes de pastoral, aos religiosos e religiosas, a todos que colaboram na evangelização do Povo de Deus. Prepará-los, porém, para uma adequada recepção, e uma viva participação no Mistério Eucarístico, é dar pleno significado às palavras do Mestre, “ut omnes unum sint”, “que todos sejam um” (Jn 17,21). Por isso, faço votos de que a pregação, as Celebrações da Palavra, necessárias pela escassez de sacerdotes, a Catequese, todas iniciativas pastorais, sejam imbuídas por este que é o principal significado do “ardor missionário” que a CNBB quis propor para a Igreja no Brasil.

Desejo, por isso, incentivar todas as instâncias eclesiais, os meus Irmãos no episcopado, os religiosos e religiosas e, especialmente, todos os que dão vida às comunidades eclesiais nesta generosa terra de Goiás, e em todo o Brasil para que sejam cada vez mais “expressão de comunhão e um meio eficaz para construir uma comunhão ainda mais profunda” em toda a Igreja na Terra da Santa Cruz (Redemptoris Missio RMi 51).

5. Agora, caros Irmãos e Irmãs, voltemos mais uma vez à cidade santa de Jerusalém. Vamos ao Cenáculo no primeiro dia da Paixão de Cristo.

O Senhor Jesus reza pelos seus discípulos. Não só pelos que estavam junto a Ele, mas por todos, por aqueles que, graças às palavras dos apóstolos, crerão nele, em todo lugar e época! Reza portanto também por nós aqui reunidos. Por todos os que participam na construção da sociedade, a fim de que haja nela mais justiça, mais solidariedade, pelos que sofrem a pobreza e que são prejudicados pela indiferença de muitos, pelos doentes, e aqui quero recordar as vítimas fatais e mais de uma centena de pessoas atingidas pelo acidente radioativo de 1987, para que a sociedade ajude a superar seus problemas e que o Senhor os console em suas tribulações.

6. A oração de Cristo no Cenáculo, chama-se “oração sacerdotal”.

O que pede ao Pai o Redentor do mundo? - “Para que todos sejam um” (Jn 17,21). Que unidade ele pede? “Como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, que também eles sejam um”(Ibid.17, 21-22).

E acrescenta: “Para que sejam perfeitos na unidade, e o mundo reconheça que me enviaste e os amaste como amaste a mim” (Ibid. 17, 23).

“...para que o mundo creia” (Ibid. 17, 21). Pensemos bem nestas palavras!

936 Hoje nos unimos à Oração Sacerdotal de Nosso Senhor e Redentor. Rezemos pela unidade da Igreja, que há cinco séculos lançou suas raízes em terras do Brasil. Rezemos pela unidade dos cristãos, pela unidade de todo o Povo de Deus. Rezemos pela unidade de toda a família humana, pois todos fomos redimidos com o Sangue de Cristo na Cruz, e todos temos um só criador e Pai que está nos céus.

Quero, por fim, caríssimos Irmãos e Irmãs, agradecer o acolhimento do Arcebispo de Goiânia, Dom Antônio Ribeiro de Oliveira e de todos os bispos deste Estado. Que a Virgem Maria, a quem os goianos gostam de venerar como Nossa Senhora da Abadia, volte seu olhar para este povo querido, para seus pastores, para seus lares e seus trabalhos, dando a cada um sentir sempre os efeitos de sua proteção materna.




Homilias JOÃO PAULO II 927