Homilias JOÃO PAULO II 507


VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

À REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA

(15-18 DE NOVEMBRO DE 1980)

SANTA MISSA ÀS ASSOCIAÇÕES DE APOSTOLADO DOS LEIGOS



Catedral de Fulda

Terça-feira, 18 de Novembro de 1980




1. Permiti-me, veneráveis irmãos bispos e sacerdotes, irmãos e irmãs das Ordens e Congregações religiosas; permiti-me, representantes do apostolado leigo aqui presentes, manifestar em primeiro lugar a minha veneração àquele, junto de cujo túmulo nos reunimos no decorrer desta peregrinação a Fulda, no santuário da vossa Nação.

São Bonifácio era beneditino, membro de uma venerável Ordem, que no tempo de Gregório Magno chegara às ilhas britânicas com o monge Agostinho. Bonifácio tinha respondido ao apelo dos povos que ocupavam na Alemanha o território a leste do Reno. Ele escutou-o como chamada de Cristo e assim pisou o solo dos vossos predecessores.

São Bonifácio, bispo e mártir, representa o "início" da evangelização e da Igreja na vossa terra. Viemos hoje aqui para tomar contacto com este "início"; para compreender o significado. O "início" representa a obra mesma de Deus, que Se serviu do testemunho de um homem: o testemunho de Bonifácio, da sua vida e do seu martírio.

2. São Paulo fala-nos na segunda leitura, com a sua Carta aos Tessalonicenses, mas sem dúvida alguma as palavras do Apóstolo das gentes poderiam ser as mesmas do apóstolo dos alemães. Elas brotam do seu coração, assim como antes brotaram do coração de Paulo de Tarso.

"Confiando no nosso Deus, fomos anunciar-vos o Evangelho de Deus, no meio de grandes obstáculos" (1Th 2,2). A vós? Quais eram aqueles povos? Quais são as denominações históricas daquela estirpe, à qual Bonifácio tinha chegado como missionário? Os historiadores chamam-lhes turingianos e assianos, alemanos, bavareses e frísios. São Bonifácio, junto de cujo túmulo nos encontramos, aqui, em Fulda, trouxe a estes povos as palavras do Evangelho, e aquele amor único que se tornou a herança do seu coração graças à força do Espírito Santo — para ele como para tantos que o precederam e seguiram: para os apóstolos, os missionários e os pastores. "Como Apóstolos de Cristo — escreve Paulo — fizemo-nos pequenos entre vós, como uma mãe que acalenta os filhinhos que anda a criar. Deste modo, levados pela viva afeição que sentíamos por vós, desejávamos compartilhar convosco; não só o Evangelho de Deus, mas a própria vida, tão caros vos tínheis tornado para nós" (1Th 2,7-8).

3. Desviemos agora o nosso olhar da leitura da Carta aos Tessalonicenses e transportem-nos para a sala da última ceia no dia da Páscoa. Cristo diz: "Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; chamei-vos amigos, por que tudo quanto ouvi de Meu Pai, vo-lo dei a conhecer" (Jn 15,15). Uma frase muito significativa: Servo é aquele que não sabe nada; amigo— aquele a quem se diz tudo, a quem tudo é confiado; aquele que sabe.

E que coisa sabe e conhece este amigo e apóstolo? Ele sabe aquilo que Cristo mesmo ouviu do Pai. De facto, Cristo disse quanto ouvira do Pai àqueles que tinha escolhido: aos apóstolos, aos amigos.

508 Bonifácio, que há muitos séculos chegara à terra dos vossos predecessores, tinha a mesma consciência e certeza, na qual Cristo, na última ceia, tinha confirmado os seus apóstolos, quando os chamara amigos: nós proclamamos "como Deus nos pôs à prova para nos ser confiado o Evangelho, é assim que o anunciamos: não para agradar aos homens, mas a Deus que põe à prova os nossos corações" (1Th 2,4). Estas são as palavras de Paulo, o apóstolo das gentes, mas a liturgia de hoje coloca-as nos lábios de Bonifácio, o apóstolo da Alemanha. E fá-lo com todo o direito. A obra da evangelização, que ele difundiu no vosso País, baseia-se no facto que ele anunciava o ensinamento de Deus e somente o ensinamento de Deus. Ele estava disposto a dar a própria vida por amor daqueles aos quais tinha sido enviado. O Evangelho e a Igreja baseiam-se no fundamento da verdar de e do amor, que "foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo" (Rm 5,5).

4. O Evangelho nem sempre agrada aos homens. E não pode sempre agradar-lhes. Não pode ser falsificado como "lisonja", e não é possível nele procurar a própria vantagem, e nem mesmo a "pura glória". Às vezes, pode parecer a quem o ouve uma "leitura severa" e para quem o difunde e comunica pode tornar-se "sinal de contradição". Visto que esta verdade de Deus, esta Boa Nova oculta em si grande tensão interna. Nela concentra-se o contraste entre o que vem de Deus e o que deriva do mundo. Cristo diz: "Se fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu, mas, porque, não sois do mundo, por isso é que o mundo vos aborrece" (Jn 15,19). E ainda: "Sabei que, primeiro do que a vós, Me aborreceu a Mim (Jn 15,18).

No coração do Evangelho, da Boa Nova, está impressa a cruz.Nele cruzam-se as duas grandes correntes: uma, que de Deus, se dirige para o mundo, para os homens do mundo: corrente de amor e de verdade; a outra, que percorre o mundo: "a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida" (1Jn 2,16). Estas não vêm do Pai.

O cruzamento destas duas correntes continua e repete-se ao longo da história e assume aspectos diversos. No meio, Cristo continua a viver, Cristo não veio ao mundo para o condenar, sentado na cátedra do Juiz da verdade transcendental absoluta. Ele veio para que o mundo, por meio d'Ele, fosse salvo. E para isso ele manda os seus jovens pelo mundo: em "todo o mundo". Ele diz-lhes: "Se a Mim Me perseguiram, também vos perseguirão a vós; se guardaram a Minha palavra, também guardarão a vossa" (Jn 15,20). Não é talvez oportuno determo-nos aqui, junto do túmulo de São Bonifácio, em Fulda, a reflectir sobre a força extraordinária desta afirmação?

5. Meditámos sobre tudo aquilo que o Serviço Divino de hoje tratou, consideramo-lo com grande escrupulosidade, para honrar o primeiro Padroeiro da Alemanha. Com efeito, todas as palavras da liturgia referem-se a ele. Lemo-las por ele. Por isso, tornou-se ele na vossa Pátria a pedra angular da Igreja, porque nele se realizaram estas palavras.

Como o fermento impregna a farinha, assim Bonifácio com o seu testemunho fez penetrar nos corações o Espírito de Cristo e os converteu. Com ele recordamos todos os filhos e filhas desta vossa Pátria, assim como deles fala a primeira leitura tirada do Livro de Sirácide: "Louvemos os homens ilustres, nossos antepassados, segundo as suas gerações. O Senhor deu-lhes grande glória e a magnificência desde o princípio do mundo. Eles governaram nos seus estados, foram homens de grande virtude, dotados de prudência; as predições que anunciaram adquiriram a grande dignidade de profetas. Todos eles alcançaram glória entre os seus contemporâneos e foram honrados no seu tempo. Os que deles nasceram, deixaram um nome, que faz recordar os seus louvores. Porém, aqueles foram homens de misericórdia, cujas obras de piedade não foram esquecidas. Na sua descendência permanecem os seus bens; os seus netos são uma santa linhagem" (Si 44, 1-3, 7-8, 10-11).

Quantos nomes deveríamos recordar! Apresentemos alguns: Bruno de Querfuth e Benn de Meissen; Ildegarda de Bingen e Isabel de Turígia; Edviges de Andechs e Gertrudes de Hefta; Alberto Magno e Pedro Canísio; Edith Stein e Alfred Delp, Franz Stock e Karl Sonnesnchein. Verdadeiramente "os seus méritos não foram esquecidos" (Si 44,10). "Os seus corpos foram sepultados em paz, e o seu nome vive de geração em geração. Proclamem os povos a sua sabedoria, e cante a assembleia os seus louvores" (ibid., 44, 14-15).

6. E observai: ao seguirmos os versículos desta leitura do Antigo Testamento e ao voltarmos o nosso olhar para este maravilhoso quadro que a liturgia nos apresenta chegamos até à nossa geração, aquela de hoje.

Caros irmãos e irmãs! Na verdade, apesar de todas as diferenças, a nossa tarefa, a nossa missão tem muitas coisas em comum com o compromisso de Bonifácio. Com ele nasceu, e em certo sentido, a história do cristianismo no vosso País. Muitos dizem que esta história está caminhando agora para o fim. Eu digo-vos: a história do cristianismo no vosso País deve iniciar novamente agora, e precisamente por vós e pelo vosso testemunho formado no espírito de São Bonifácio.

Como é magnífico que precisamente eu possa trazer aos vossos corações esta mensagem, caros católicos dos Conselhos e das Associações de apostolado leigo. A história das associações católicas nos últimos 130 anos, mas também o compromisso dos Conselhos de apostolado dos leigos, que têm junto de vós boa tradição e se formaram um pouco por toda a parte após o Concílio Vaticano II, são um pressuposto promissor para o compromisso da hora presente. Não pareis naquilo que já conquistastes, mas arriscai corajosamente um novo início, como fez Bonifácio. Oferecei, como "amigos de Cristo", aos homens de hoje o "Evangelho de Deus" e a "vossa própria vida" (cf. Jo Jn 15,15 1Th 2,8)!

7. Graças a Bonifácio, não somente aumentou a fé, mas também floresceu aquela cultura humana, que é fruto e confirmação da fé. Na transmissão da fé e no serviço ao mundo também vós hoje, como leigos, tendes a vossa mais nobre tarefa. Quando os homens, sobretudo os jovens, vos pedem e exigem conhecer o significado da vida, vós deveis dar-lhes uma resposta convincente e compreensível. Quando o direito à vida e os pressupostos éticos da autêntica cultura humana são ameaçados: vós deveis tutelar o direito e a dignidade do homem! Quando, mediante a formação e a educação, se vem a formar um quadro humano puramente de funcionalismo vazio de significado: vós deveis apresentar um quadro, no qual se considere o homem como a imagem de Deus! Quando o consumismo e de uma parte o prazer, e o temor perante as limitações do desenvolvimento por outra, sugestionam a sociedade: vós deveis criar novo estilo de vida e condições humanas de vida, que dêem testemunho da esperança que Cristo nos deu.

509 São Bonifácio tinha como irmã uma grande mulher: a santa abadessa Lioba, cujo túmulo é venerado apenas a poucos quilómetros daqui: vós deveis dar à mulher, na sociedade e na Igreja, aquela importância e consideração, que lhe permitam realizar a sua alta missão para uma vida verdadeiramente humana e cristã. Quando, com o progresso da humanidade, cresce também o número daqueles que vivem em condições de marginalização ou que não podem usufruir plenamente dos resultados do desenvolvimento global: colocai-vos ao lado deles para que gozem os direitos e o bem-estar, vós deveis ser os paladinos de uma ordem social que atinja a todos, da liberdade, da justiça e da paz.

8. Caros irmãos e irmãs! Sede co-responsáveis pelo futuro da nossa Igreja. Sede precisamente vós mesmos Igreja. Testemunhai nas vossas associações as características fundamentais da Igreja, da Igreja una, santa, católica e apostólica.

Sede uma só coisa entre vós; sede como demonstra a vossa grande tradição — as colunas e os esteios da unidade entre o rebanho de Cristo e os seus pastores, enviados por Cristo. Não vos ocupeis com o prestígio, o egoísmo e o orgulho, mas sede "um coração e uma alma" (cf. Act
Ac 4,32). Promovei com vigor a unidade da cristandade dividida! A unidade da Igreja era a paixão de São Bonifácio.

Sede santos! Sim, santificai as vossas vidas e tende sempre presente somente o que é santo. Só quando fizerdes das características imutáveis do Evangelho o vosso estilo de vida, é que conseguireis causar admiração aos homens e atraí-los. E, no vosso testemunho ao mundo, ajudai à santificação do mundo. Bonifácio foi santo na vida e na morte.

Sede católicos, universais, abertos e cosmopolitas como Bonifácio, que uniu em sua vida e em seu coração a Inglaterra, a Alemanha e Roma. Não vos fecheis nas vossas preocupações e nos vossos problemas. O vosso contributo é exigido por toda a humanidade, pelo Terceiro Mundo e pela Europa, a fim de que o novo início se realize.

Finalmente, sede apóstolos, testemunhas da fé conforme o exemplo do martírio e do apostolado de Bonifácio, de acordo com o Papa e com os Bispos, mas, ao mesmo tempo, corajosos no vosso compromisso insubstituível e imprescindível.

Permiti-me, caros irmãos e irmãs, concluir estas reflexões junto do túmulo de São Bonifácio, o apóstolo do vosso País, com um desejo sugerido pela liturgia de hoje. Lemos no livro de Sirácide: "Os seus descendentes mantiveram-se fiéis à aliança e os seus filhos permaneceram para sempre; nem a sua posteridade nem a sua glória terão fim (ibid. 44, 12-13).

Que outra coisa posso desejar de vós, a geração presente dos cristãos da terra alemã? E que podemos pedir juntos, aqui, neste lugar santo? Que as gerações, que se seguirem, conservem a fé na aliança. Que Cristo seja o vosso Caminho, a vossa Verdade e a vossa Vida. Que elas, como vós, possam vir a este lugar, que representa o "início" da obra de Deus na vossa Pátria. Que elas, daqui, iniciem um presente sempre novo. ... e a vossa devoção jamais será esquecida.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

À REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA

(15-18 DE NOVEMBRO DE 1980)

SANTA MISSA AOS RELIGIOSOS E RELIGIOSAS



Santuário de Altötting,

Terça-feira, 18 de Novembro de 1980




Caros irmãos e irmãs em Cristo!

510 1. Na peregrinação pelo vosso País, juntos nos reunimos na casa do Senhor, neste santuário, de modo particular para nos encontrarmos com Maria, Nossa Senhora. Neste encontro participais sobretudo vós, reverendos irmãos e irmãs que, como membros das Ordens religiosas, dos Institutos seculares e de outras Comunidades, tendes especial vocação. Podeis dizer de vós que, pela vossa total consagração, "a vossa vida está escondida com Cristo em Deus" (Col 3,3).

Peregrino sou convosco à Gnaden-Kapelle de Altötting. Alegro-me convosco pela presença do Senhor Cardeal Joseph Ratzinger, Arcebispo de Munique e Frisinga, do Bispo da Diocese de Passau e de numerosos peregrinos, sacerdotes e leigos da Baviera e dos estados vizinhos, reunidos aqui para a celebração eucarística vespertina. Um "obrigado" de coração pela vossa vinda! Senti-vos agradecidos pelas orações e pelos sacrifícios silenciosos e mais escondidos, com que preparastes espiritualmente há várias semanas este encontro! Senti-vos agradecidos pela encorajadora fidelidade manifestada na vossa saudação ao Sucessor de Pedro! Esta adesão de amor faz-me sentir convosco como em casa, hoje, quando se celebra em Roma a dedicação das Basílicas dos Santos Pedro e Paulo. Seja-me concedido comparar a nossa comum visita a Altötting àquela feita por Maria a Zacarias e a Isabel. Tenho confiança que esta nossa visita será rica de frutos, se procurarmos fazê-la como foi feita por Maria. Queremos, portanto, deixar-nos guiar, o mais possível, pela luz das palavras ouvidas na liturgia.

9- Maria entra em casa dos seus parentes, saúda Isabel e dela ouve palavras de saudação. Estas palavras são-nos muito familiares. Pronunciamo-las muitas vezes, sobretudo quando meditamos os mistérios do rosário. "Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre" (Lc 1,42). Deste modo a esposa de Zacarias saúda Maria. Ela exprime assim o primeiro louvor de bem-aventurança, cujo eco ressoa na história da Igreja e da humanidade, na história dos corações e dos pensamentos humanos. Poderia o homem atingir meta mais elevada? Poderia ter ele experiência mais profunda de si? Poderia o homem com alguma conquista do seu ser, com a sua inteligência e grandeza de espírito, ou com os seus empreendimentos heróicos ser elevado a dignidade mais alta do que aquela a ele conferida neste "fruto do seio" de Maria, no qual o Verbo Eterno, o Filho consubstancial ao Pai, se fez carne? Pode a grandeza do coração humano acolher uma plenitude de verdade e de amor, maior que aquela pela qual Deus mesmo se apresta a dar ao homem o Seu único Filho? O Filho de Deus faz-se homem, concebido pelo poder do Espírito Santo! Sim, verdadeiramente: "Tu és bendita entre todas as mulheres!".

Ao primeiro louvor de bênção, Isabel acrescenta outro: "Feliz daquela que acreditou que teriam cumprimento as coisas que lhe foram ditas da parte do Senhor" (Lc 1,45). Isabel elogia e louva a fé de Maria. Esta fé penetrou de maneira mais profunda na grandiosidade singular daquele momento em que a Virgem de Nazaré ouviu a palavra da anunciação. Esta mensagem, de facto, tinha destruído todos os critérios do entendimento humano, apesar da elevada tradição do Antigo Testamento. Eis que Maria não só ouviu estas palavras e as acolheu, mas também lhes deu a devida resposta: "Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra" (Lc 1,38). Tal resposta exige de Maria uma fé incondicional, uma fé a exemplo de Abraão e de Moisés, e ainda maior. Isabel louva precisamente esta fé.

3. Meus caros irmãos e irmãs! Em vista do mistério da chamada pessoal de cada um de vós, podemos certamente, com as devidas proporções, de alguma maneira repetir: "Feliz és tu, porque acreditaste". A fé de Maria reflectiu-se também em vós, quando respondestes com o vosso "Fiat", o vosso Sim ao apelo para o seguimento particular de Cristo. Só na fé podeis — como um dia os discípulos junto ao lago de Genesaré — dar os primeiros passos como chamados pelo Senhor: na fé, ouvistes em vós a palavra d'Aquele que vos chamava; na fé, abandonastes o vosso habitual ambiente de vida com todas as suas possibilidades; na fé, colocastes-vos no seguimento do Senhor, dispostos desde aquele momento a preocupar-vos, pelo total vínculo a Ele, somente com o sentido e a fecundidade da vossa vida. Na fé ao amor constante d'Aquele que vos chamou e à força do seu Espírito colocastes-vos à disposição de Deus, mediante os votos de pureza, de castidade consagrada e de obediência; e isto não por "impedimento de revogação", não por "exclusão da vida moderna", não como colaboração num grupo, que se reúne para desempenhar uma tarefa e depois livremente se dissolve de novo. Não, vós pronunciastes uma vez para sempre o vosso sim, que encontra a sua expressão na vossa forma de vida, até no hábito religioso.

No nosso tempo, em que não se tem a coragem de assumir um compromisso definitivo e muitos preferem tornar a ceder "a uma vida de prova", compete-vos testemunhar que se pode ter a coragem de assumir um compromisso definitivo e uma decisão por Deus, a qual abranja toda a vida e vos torne livres e alegres, quando todos os dias é renovada. O vosso "sim", pronunciado há anos ou decénios, deve ser sempre de novo confirmado ao Senhor. Por isso, é necessário estar atento continuamente ao mistério cada vez maior de Deus, e contemplar cada dia o Seu amor crucificado e mortificante. Só Ele pode conservar vivo em vós o dom da vocação. Só Ele pode, com o seu Espírito, vencer as debilidades sempre de novo provadas.

Também o "sim" de Maria, expresso numa decisão singular, precisou de ser mantido sempre, até ao seu estar junto da cruz, onde Ela ofereceu o seu Filho e se torna a nossa Mãe. Aquele que aceita o "sim" de Maria como título de colaboração da Redenção, quer reclamar também o vosso "sim". Expressaste-lo! Exprimi-lo novamente, todos os dias! Então vale também para vós: "Feliz Aquela que acreditou".

4. A fé faz o estado religioso tornar-se um reino particular do futuro Reino de Deus. Cristo fala deste Reino em conexão com a ressurreição dos mortos: "Na ressurreição, nem os homens terão mulheres, nem as mulheres maridos" (Mt 22,30). Na Missa, que hoje celebramos em honra de Nossa Senhora de Altötting, este mistério é expresso na primeira carta de São Paulo aos Coríntios: "E, quando este corpo corruptível se revestir de incorruptibilidade, e este corpo mortal se revestir de imortalidade, então cumprir-se-á o que está escrito: 'A morte foi tragada pela vitória. Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?'. O Aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a Lei. Graças sejam dadas a Deus, que nos dá a vitória por nosso Senhor Jesus Cristo" (1Co 15,54-57).

Estas incisivas palavras do Apóstolo das gentes foram lidas hoje em honra de Maria. Ela, com efeito, é plenamente participante na ressurreição de Cristo. As mesmas palavras o Apóstolo dirige-as também a vós, caros irmãos e irmãs, porque com o grande "sim" da vossa vida escolhestes a virgindade consagrada "por amor do Reino dos céus" (Mt 19,12).

Oxalá o coração de cada um de vós, que tendes renunciado à paternidade e maternidade terrena, possa estar sempre pleno do tesouro inestimável da paternidade e maternidade espiritual, da qual tantos dos vossos irmãos tem necessidade muito urgente! Vós não amareis menos; vós amareis mais! Que sabeis, de modo muito profundo, cuidar, ajudar, edificar, guiar e consolar, é testemunhado, não pela última vez, pelas muitas cartas, até mesmo comoventes, com que se pede ao Papa não permita que irmãs, padres ou irmãos se retirem de uma creche, de uma escola, de uma casa de repouso para anciãos, de um hospital, de um centro social ou de uma paróquia.

Porque é tão apreciado o vosso serviço? Não só pela vossa idoneidade específica e porque, pela vossa opção de vida, podeis dar mais tempo, mas principalmente porque os homens percebem que, por meio de vós, um Outro age. De facto, na medida em que viveis a vossa plena doação, participais um pouco d'Ele; e Ela pede em definitivo o coração humano.

511 Amai-O em todos aqueles que são confiados aos vossos cuidados, às vossas orações de intercessão e ao vosso desconhecido sacrifício. Servi-O "nos enfermos e anciãos, nos inválidos e abandonados, dos quais ninguém cuida... nas crianças e nos jovens, na escola e na cura de almas. Servi-O nos vários ministérios, como também no cumprimento de ofícios que exigem formação altamente especializada" (cf. Homilia de 5 de Junho de 1979, em Jasna Gora). Por isso muitos das vossas comunidades deixam a própria pátria, para servir com doação incansável o Reino de Deus nas Igrejas jovens. Procurai-O e encontrai-O em todas as partes, como diz a esposa no Cântico dos Cânticos: "... encontrei aquele a quem a minha alma ama" (Ct 3,4). Esta plenitude de vida — porque O encontrais em tudo e tudo n'Ele é ao mesmo tempo o melhor encorajamento para os jovens cristãos acolherem na Igreja o apelo de Jesus, também o apelo ao estado dos conselhos evangélicos. Em vós pode aparecer-lhes claramente que encontrou o sentido da vida, quem se doa (cf. Mc Mc 8,35).

5. Maria, a quem viemos em peregrinação em Altötting, traz em si as características daquela mulher que nos é descrita pela misteriosa revelação: "Uma mulher revestida de Sol, tendo a Lua debaixo dos seus pés e uma coroa de doze estrelas sobre a cabeça" (Ap 12,1). Esta mulher, que corresponde evidentemente Aquela dos inícios da história da criação e da revelação, como se lê nas primeiras páginas da Bíblia, "esmagará a cabeça da serpente" (cf. Gén Gn 3,15).

Precisamente entre esta promessa inicial e o fim apocalíptico, Maria deu à luz um Filho "que há-de reger todas as nações com ceptro de ferro" (Ap 12,5).

O seu calcanhar foi aquele insidiado pela "primeira" serpente. E igualmente é esse que luta com o dragão apocalíptico, porque Maria como Mãe do Senhor é modelo da Igreja, a que também chamamos mãe (cf. LG ).

Caros irmãos e irmãs! Vós sois chamados a participar de modo particular nesta luta espiritual! Sois chamados para esta luta constante, que a nossa mãe Igreja deve enfrentar e a molda à imagem da Mulher, Mãe do Messias. Vós, que encontrais o centro da vossa vocação no adorar o Deus Santo, estais também particularmente expostos ao ataque do Maligno, como parece claro no modo exemplar das tentações do Senhor. Enfurece-se a luta entre o Verbo de Deus e a palavra do Maligno. Entre o "ordena que estas pedras se convertam pão" e o "nem só de pão vive o homem" (Mt 4,3-4). Deus quer que dominemos a terra (cf. Gén Gn 1,28) ao darmos a ela e a nós mesmos a perfeição. A tentação do Maligno quer que a deformemos e nos destruamos; que o trabalho nos escravize e que o tempo livre nos vicie; que nos sacrifiquemos pelos nossos bens externos e nos entristeçamos interiormente; que adornemos a nossa casa enquanto outros estão privados dela; que visemos a "ter" e nos esqueçamos do "ser"; que os bens possuídos se tornem o nosso Deus (cf. Flp 3, 19).

Ao meditar a íntima luta pelo espírito de pobreza e a percepção significativa desta pobreza, caros irmãos e irmãs, ajudai todos os membros da Igreja e a humanidade inteira a dominarem este mundo, a possuírem as coisas a fim de que elas não nos possuam, a não fazerem do prazer o conteúdo da vida. "Lança-Te daqui abaixo", disse pela segunda vez o tentador a Jesus (cf. Mt Mt 4,6). Lança-te na aventura; tenta dar um salto no reino dos sonhos, é-nos sugerido hoje; embriaga-te com a abundância durante esta vida, no delírio da velocidade, no prazer da sensualidade, das alucinações e da brutalidade.

Deus deu-nos um coração para unia experiência vital e muitas coisas que podem satisfazer as nossas aspirações e sobretudo as do nosso irmão. Sem Ele, tudo é nada. Devemos procurar n'Ele a nossa felicidade; caso contrário, nunca a conseguiremos, atraídos pela busca de felicidade, de desilusão em desilusão, até à saciedade e à náusea. Mediante a vossa renúncia ao matrimónio e o cuidado particular da abertura ao amor de Deus, caros irmãos e irmãs, ajudai todos na Igreja a doarem-se sem se perderem, a doarem-se uns aos outros para juntos crescerem em Cristo, e usufruírem do transitório de modo que permaneçam ao mesmo tempo já ligados ao exterior, como rezamos na liturgia do 17° domingo depois do Pentecostes.

Ainda mais esplêndido e perigoso do que o mundo e o nosso companheiro, do que a posse e a felicidade, é o "eu" e a sua exigência de se realizar. Deus quer o homem "a sua imagem e semelhança" (Gn 1,26); Lúcifer quer que ele seja um adversário de Deus, negando-Lhe a adoração (cf. Gén Gn 2,20) e sujeitando-se ao ídolo: "Mostrou-Lhe todos os reinos do mundo... Tudo isto Te darei, se, prostrado, me adorares" (Mt 4,8). Todo o modelo criativo e toda a auto-realização na política, na economia, na vida cultural e também na Igreja corre o perigo da vaidade, do orgulho e da insensibilidade.

Caros religiosos, com a vossa luta pelo espirito de obediência e o seu sinal sensível, a obediência aos Superiores, ajudai todos os crentes e a própria Igreja a descobrirem a tentação do Maligno e a resistirem-lhe; ajudai a aperfeiçoarem a liberdade na doação.

Precisamente hoje, mais que nunca, o Reino de Deus, que sofre violência (cf. Mt 11,12), necessita de novos "lutadores" para enfrentar as tentações e os desafios do nosso tempo.

E ele encontrá-los-á nos vossos claustros e nas vossas comunidades, piasmados e amparados pela vida comunitária.

512 Estai persuadidos de que tais mulheres e homens magnânimos ajudarão, também hoje e no futuro, a seguir Cristo e a "renovar a face da terra" (Ps 103,30).

6. Nestes dias da minha visita no meio de vós, a Igreja celebra a memória de três Santos da vossa Pátria.

Para concluir, desejaria apontar-vos a vida e o serviço deles.

Santo Alberto vos ajude a ouvir a voz de Deus através dos sinais dos tempos! Santa Gertrudes alcance para vós o fervor e o fruto do encontro com Deus, na meditação e na liturgia! Santa Isabel obtenha para vós aguda sensibilidade e esclarecida abertura na doação a todos os que têm necessidade de vós.

A Alberto, Gertrudes e Isabel, associa-se aqui em Altötting o humilde e alegre porteiro do convento de Sant'Ana, o frade S. Conrado. Vemo-lo ajoelhado junto da pequena janela, precisamente por ele aberta no muro, para poder contemplar o altar da Igreja. Rompei também, na vida de cada dia, as muralhas do visível para terdes diante dos olhos, sempre e em toda a parte, o Senhor.

Queremos agora prosseguir juntamente com Maria a nossa visita ao santuário a Ela tão querido. Entremos com Ela, e deixai-me repetir: "A minha alma glorifica ao Senhor, e o meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador, porque olhou para a humilde condição da Sua serva. De facto, desde agora todas as gerações me hão-de chamar ditosa, porque me fez grandes coisas o Omnipotente. É santo o Seu nome e a Sua misericórdia vai de geração em geração para aqueles que O temem" (Lc 1,46-50).

Em verdade, meus caros irmãos e irmãs, o Omnipotente fez "grandes coisas" em cada um de nós! Grandes coisas! Em cada um de nós! Não cesseis de louvá-l'O! Não cesseis de agradecer-Lhe! Não cesseis de viver dia após dia a vossa doação total, a vossa vocação sob o patrocínio da Virgem Imaculada, Nossa Senhora de Altötting!

Viverá então em nós o Reino de Deus!



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE

À REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA

(15-18 DE NOVEMBRO DE 1980)

SANTA MISSA PARA OS JOVENS



"Theresienwiese" de Munique

Quarta-feira, 19 de Novembro de 1980




1. Quando Cristo fala do Reino de Deus serve-se muitas vezes de imagens e de parábolas. A sua imagem da "ceifa" da "grande ceifa", devia recordar a quem O escutava um acontecimento que se repetia cada ano, esperado com tanta ansiedade, com o qual se podia aprestar para recolher, com o duro trabalho de muitos homens e fadiga, os frutos produzidos pela terra.

513 Esta palavra — "ceifa" — ainda hoje faz o nosso pensamento tomar a mesma direcção, embora tenhamos diante de nós, habitantes de países altamente industrializados, uma imagem pouco clara do que a colheita dos frutos da terra significa para o agricultor e sobretudo para os homens.

Com a imagem do trigo, que é recolhido, Cristo quer referir-se ao crescimento e à maturação interior do homem.

O homem está unido à sua natureza e dela não pode separar-se. Ao mesmo tempo ele domina-a com todo o procedimento íntimo do próprio ser pessoal. Por isso a maturação humana é um tanto diferente da maturação dos produtos da terra. Para o homem não falamos somente de um crescimento corpóreo e espiritual. Para que o homem amadureça é necessário que amadureça juntamente com ele, sobretudo, a dimensão espiritual e religiosa do seu ser. Quando Cristo fala da "ceifa", quer dizer que o homem deve amadurecer em Deus e que, por conseguinte, em Deus mesmo, no Seu Reino, ele recolhe os frutos das suas lutas e da sua maturação.

Desejaria agora falar-vos, jovens homens de hoje, com seriedade, mas, ao mesmo tempo, com alegre esperança, desta verdade do Evangelho. Estais a atravessar um período particularmente importante e crítico da vossa vida, no qual se pode decidir muito ou quase tudo para o vosso ulterior desenvolvimento, para o vosso futuro.

Para a formação da própria personalidade, para a construção do homem interior, a consciência da verdade reveste uma importância determinante. O homem pode maturar verdadeiramente só à luz da verdade e na verdade. Aqui está o significado profundo de uma educação tão importante, que deve acompanhar todo o sistema escolar até à universidade. Esta educação, esta formação deve ajudar o jovem a aprender a conhecer e a compreender o mundo e a si mesmo; deve ajudá-lo a fazer com que aprenda tudo aquilo que leva a existência e o agir do homem no mundo a atingirem o seu pleno significado. Por causa disso, deve também ajudá-lo a aprender a conhecer Deus. O homem não pode viver, sem conhecer o significado da própria existência.

2. Esta busca, esta auto-orientação e esta maturação para a verdade plena e fundamental da realidade não é certamente fácil. Desde sempre foi necessário enfrentar muitas dificuldades. E precisamente a este problema parece querer referir-se São Paulo, quando escreve, na segunda carta aos Tessalonicenses: "Não vos deixeis facilmente abalar e aterrorizar... Que ninguém vos seduza, de maneira alguma" (
2Th 2,2-3). Estas palavras, dirigidas a uma jovem comunidade dos primeiros cristãos, devem ser hoje relidas à luz das diferentes condições da nossa civilização e cultura moderna. Assim, desejaria dizer-vos, jovens homens de hoje: "Não vos deixeis desanimar! Não vos façais enganar!

Sede reconhecidos, quando tendes bons pais, que vos encorajam e indicam o justo caminho. Talvez eles valham muito mais de quanto, à primeira vista, podeis reconhecer. Mas há muitos que sofrem por causa dos próprios pais, não se sentindo compreendidos, ou sem mais estão abandonados. Outros devem encontrar o caminho da fé sem ou até contra os próprios pais. Muitos, na escola sofrem por causa da "exigência de aproveitamento", como vós dizeis; muitos sofrem pelo relacionamento com os outros e pelas pressões no campo do trabalho; outros pela insegurança da perspectiva futura de uma ocupação. Com efeito, não causa medo o facto de que o desenvolvimento técnico destrói as condições naturais de vida do homem? E sobretudo: onde terminará este mundo, que está dividido em blocos militarizados, em povos ricos e pobres, em estados livres e totalitários? Neste ou em outro lugar da terra continuam a deflagrar guerras, causadoras de morte e de destruição entre os homens. E ainda em muitas partes da terra, de perto e de longe, actos de duras repressões e de sanguinoso terrorismo. Até mesmo no lugar onde agora celebramos a Eucaristia, devemos diante de Deus recordar as vítimas, que recentemente, perto desta grande praça, foram mortas ou feridas pela explosão de uma bomba. É difícil saber do que seja capaz o homem que vive a aberração do espírito e do coração.

É nestes pressupostos que baseamos o nosso apelo à mensagem da paz: "Não vos deixeis desanimar facilmente!". Todas estas misérias e dificuldades fazem parte daquelas resistências, das quais devemos aproximar-nos para provar o nosso amadurecimento à luz da verdade fundamental. Daqui nós encontramos também a força de trabalhar juntos para a construção de um mundo justo e humano; disto nos derivam a prontidão e a coragem e, em grande medida, também a responsabilidade de cuidarmos da vida da sociedade, do Estado e da Igreja. Em verdade, devemos também dizer que nos consola muito o facto de, apesar de tantas sombras e dificuldades, existir ainda tanto, tanto bem. E não quer dizer que falta, só porque dele o homem pouco fala. Muitas vezes é necessário descobrir e reconhecer todo o bem que age silenciosamente e que, talvez no futuro, será reconhecido na sua plenitude. Que fez, por exemplo, a Madre Teresa de Calcutá, no silêncio e na discrição, antes que o mundo, surpreso, desse conta dela e da sua obra? Por isso, não vos deixeis desanimar tão facilmente!

3. Não vos ocorre ver que, na vossa sociedade, ao vosso redor, muitos, que se dizem cristãos, tornaram incertos ou de todo perderam a orientação? E esta situação não age, talvez negativamente, sobretudo nos jovens? Não é evidente a grande tentação do abandono da fé, da qual fala o Apóstolo na sua carta?

A Palavra de Deus na liturgia de hoje dá-nos o pressentimento da amplitude do horizonte deste abandono da fé, assim como se manifesta neste século e aclara a sua dimensão.

São Paulo escreve: "O mistério da iniquidade já está em acção..." (2Th 2,7). Não podemos dizer o mesmo do vosso tempo? O mistério da iniquidade, o abandono de Deus, segundo as palavras da carta de Paulo, tem estrutura interior e sequência bem definida: "... há-de manifestar-se o homem da iniquidade... aquele que se levanta contra tudo, o que leva o nome de Deus ou que se adora, a ponto de tomar lugar no templo de Deus e se apresentar como se fosse Deus" (2Th 2,3-4). Encontramos também aqui uma estrutura da negação, da erradicação de Deus do coração dos homens e do abandono de Deus por parte da sociedade humana, e isto com o objectivo, como se diz, de uma plena "humanização" do homem, isto é, tornar o homem humano em sentido pleno e, de certo modo, colocá-lo no lugar de Deus; portanto, "deificá-1o". Esta estrutura, como se vê, é muito antiga e já conhecida desde as origens, desde o primeiro capítulo do Génesis: isto é, a tentação de conferir ao homem a "divindade" (da imagem e semelhança de Deus) do Criador, de tomar o lugar de Deus, com a "divinização" do homem, contra Deus — ou sem Deus, como é evidente pelas afirmações ateístas de muitos sistemas modernos.

514 Quem rejeita a verdade fundamental da realidade, quem se coloca a si mesmo como medida de todas as coisas, e deste modo se coloca no lugar de Deus, quem, mais ou menos conscientemente, pensa diminuir Deus, o Criador do mundo, ou Cristo, o Redentor da humanidade, quem, em vez de procurar Deus, corre atrás dos ídolos, sempre voltará as costas à única verdade suprema e fundamental.

Esta é a fuga da interioridade. Ela pode levar a render-se. "É tudo sem sentido". Se os jovens tivessem para com Jesus uma tal atitude, o mundo nunca teria nada a aprender da mensagem salvífica de Cristo. Esta fuga da interioridade pode assumir a forma de uma desesperada extensão do conhecimento. Há muitos Jovens entre vós que procuram destruir a própria humanidade refugiando-se no álcool e nas drogas. Frequentemente se trincheiram atrás do medo ou do desespero, muitas vezes, por isso também atrás da busca do prazer, da falta de força interior, ou da irresistível curiosidade de "experimentar" tudo. Ou também, a fuga da interioridade leva a associardes-vos em seitas religiosas, que se servem do vosso idealismo e da vossa ingenuidade e de vós tiram a liberdade de pensamento e da consciência. Refiro-me além disso à fuga para "as ilhas de felicidade" que, mediante determinadas práticas exteriores, garantem a conquista da verdadeira felicidade, e por fim deixam abandonado, quem nelas se refugia, a si mesmo e à própria indecisa solidão.

E depois, existe também uma fuga da verdade fundamental para o exterior, isto é, para utopias políticas e sociais, para alguma visão ideal da sociedade. Os ideais e a necessidade de um objectivo são de tal modo necessários, que as "fórmulas miraculosas" utópicas já não ajudam, tanto mais que frequentemente se traduzem em regimes totalitários ou na aplicação de um poder destrutivo.

4. Vós vedes tudo isto, todas as fugas da verdade, a força oculta e cheia de perigos da resistência à lei e da maldade, que se manifestam. Não conseguis resistir à tentação da solidão e do abandono? Então a leitura de hoje do Profeta Ezequiel vos dá a resposta. São as palavras do pastor, que procura as ovelhas tresmalhadas e abandonadas para as poder reunir "de todas as partes por onde tenham sido dispersas num dia de nuvens e trevas" (
Ez 34,12).

Este pastor, que procura o homem no caminho escuro da sua solidão e do seu abandono para poder levá-lo novamente para a luz, é Cristo. Ele é o bom pastor. Ele está também sempre presente no ponto mais oculto do "mistério do malvado" e põe sobre os seus ombros até a existência humana nesta terra. Ele age na verdade, quando liberta o coração do homem da fundamental resistência em que se aloja, e que é aquela da divinização do homem sem ou contra. Deus, a qual cria um clima de solidão e de abandono. No caminho que leva da escura solidão para a autêntica humanidade, Cristo, o bom pastor, faz-se portador, com profunda participação e acompanhando-nos com o seu amor, de cada um dos homens, sobretudo dos jovens que crescem.

O profeta Ezequiel diz ainda deste pastor: "Arrancá-las-ei entre os povos e as reunirei dos vários países, para as reconduzir à sua própria terra e as apascentar nos montes de Israel, nos vales e em todos os lugares habitados da região" (Ez 34,13). "Procurarei a ovelha perdida; reconduzirei a transviada; a que está ferida tratá-la-ei; à doente darei força, ao mesmo tempo que vigiarei a que está gorda e vigorosa. Apascentá-las-ei todas com justiça" (Ez 34,16).

Assim Cristo acompanhará a maturação do homem para a sua humanidade. Ele acompanha-nos, nutre e encoraja-nos na vida da Sua Igreja com a Sua palavra e os Seus Sacramentos, com o Corpo e o Sangue da Sua celebração pascal. Nutre-nos como eterno Filho de Deus, de maneira que o homem participe da Sua filiação divina, "diviniza-o" interiormente, para que seja "homem em toda a plenitude do seu significado, para que o homem, criado imagem e semelhança de Deus alcance a sua maturidade em Deus.

5. É precisamente à luz de quanto foi referido, que Cristo diz: a messe é "grande". A messe é grande porque o destino do homem supera qualquer medida. É grande pela dignidade do homem. É grande pela força da sua vocação. Grande é esta maravilhosa colheita do Reino de Deus na humanidade, a messe do bem na história do homem, dos povos e das nações. É verdadeiramente grande — "mas os operários são poucos" (Mt 9,37).

Que significa isto? Quer significar, meus caros Jovens, que vós sois chamados, sois chamados por Deus. A minha vida, a minha vida como homem tem portanto o seu significado, quando sou chamado por Deus, com um apelo vigoroso, decisivo e definitivo: Somente Deus pode chamar assim o homem, e nenhum outro. E este apelo de Deus é feito incessantemente em Cristo e por Cristo, a cada um de vós; sede operários da messe da vossa humanidade, operários na vinha do Senhor, para participardes da colheita messiânica da humanidade.

Jesus tem necessidade também de homens jovens que, entre vós, sigam o seu apelo e vivam como Ele, em pobreza e castidade, a fim de que sejam o sinal vivo da realidade de Deus no meio dos vossos irmãos e irmãs.

Deus tem necessidade de sacerdotes que se deixem guiar pelo bom pastor no serviço da Sua palavra e dos Seus sacramentos para os homens.

515 Ele tem necessidade de religiosos, homens e mulheres, que abandonem tudo para O seguir e servir a humanidade.

Ele tem necessidade de esposos cristãos, que juntos e com os seus filhos se esforcem pela plena maturação da humanidade em Deus.

Deus tem necessidade de homens que estejam prontos a assistir aos pobres, aos doentes, aos rejeitados, aos marginalizados e àqueles que sofrem na alma.

A história do cristianismo do vosso povo, que tem mais de mil anos, é rica de homens, cuja figura pode ser um estimulo para a resposta ao vosso grande apelo. Desses citarei apenas quatro, que hoje, na cidade de Munique, me vêm mente. Na liturgia hodierna celebramos a memória deles. Penso no santo Bispo Benno de Meissen, cujos restos mortais repousam na Frauenkirche de Munique. Ele era um homem de paz e de reconciliação, que pregava incessantemente, um amigo dos pobres e dos necessitados. E também hoje o meu pensamento dirige-se para a grande figura de Santa Isabel, cujo lema era: "Amar — conforme o Evangelho". Era princesa de Wartburg, e como tal gozava de todos os privilégios do seu estado; e no entanto viveu completamente para os pobres e para os marginalizados. Para concluir, desejaria citar um homem, que alguns de vós, ou os vossos pais, conheceram pessoalmente: o Padre Jesuíta Rupert Mayer, cujo túmulo, no centro de Munique, na cripta do Bürgesaal, todos os dias, é visitado por muitas centenas de pessoas para breve oração, Não dando importância às consequências de uma grave ferida, que lhe deixara a primeira guerra mundial, ele lutou aberta e corajosamente pelos direitos da Igreja e pela liberdade, e por isso sofreu as penas do campo de concentração e o exílio.

Caros jovens! Sede abertos ao apelo de Cristo. A vossa vida humana é "uma ventura e um risco que jamais se repetem", e pode ser "uma bênção ou uma maldição". Diante de vós, jovens, que sois a grande esperança do nosso futuro, queremos pedir ao "Senhor da messe" que faça de cada um de vós, de todos os jovens desta terra um operário da Sua "grande colheita", que corresponda assim à abundância dos apelos e dos dons no Seu Reino nesta terra.

Desejo, enfim, enviar particular pensamento de bênçãos aos nossos irmãos e irmãs de fé evangélica, que hoje, neste País, comemoram o "dia de penitência". Eles celebram-no com a consciência da necessidade de conversão sempre nova e, segundo o desejo da Igreja, para recordar diante de Deus na oração também as comunidades dos povos e dos Estados. Recordai-vos também, na oração deste dia, dos vossos compatriotas católicos e do vosso irmão João Paulo e do seu serviço. Amém.




Homilias JOÃO PAULO II 507