Homilias JOÃO PAULO II 515

SOLENIDADE LITÚRGICA DE CRISTO REI




23 de Novembro de 1980




1. Regnavit a ligno Deus!

O texto do Evangelho de São Lucas, agora proclamado, leva-nos com o pensamento à cena altamente dramática que se realiza no «lugar chamado Calvário» (Lc 23,33) e apresenta-nos, à volta de Jesus crucificado, três grupos de pessoas que variadamente discutem a sua «figura» e o seu «fim». Quem é, na realidade, aquele que está ali crucificado? Enquanto a gente comum e anónima ficava em geral incerta e se limitava a olhar, «os chefes zombavam, dizendo: 'salvou os outros: salve-se a Si mesmo, se é o Messias de Deus, o Eleito'». Como se vê, a arma deles é a ironia negadora e demolidora. Mas também os soldados — o segundo grupo troçavam d'Ele e, quase em tom de provocação e desafio, diziam-lhe: «Se és o rei dos Judeus, salva-Te a Ti mesmo», inspirando-se talvez nas palavras mesmas da inscrição, que viam colocada por cima da Sua cabeça. Estavam, por fim, os dois malfeitores em contraste um com o outro ao julgarem o Companheiro de suplício: enquanto um O blasfemava, recolhendo e repetindo as expressões depreciativas dos soldados e dos chefes, o outro declarava abertamente que Jesus «nada praticara de condenável» e, dirigindo-se a Ele, assim Lhe pedia: «Jesus, lembra-Te de mim quando estiveres no Teu reino».

Eis como, no momento culminante da crucifixão, precisamente quando a vida do profeta de Nazaré está para ser suprimida, nós pode-mos recolher, mesmo no vivo de discussões e contradições, este misterioso aludir ao Rei e ao reino.

2. Tal cena é-vos bem conhecida, Irmãos e Filhos caríssimos, e não tem necessidade de outros comentários. Mas quanto é oportuno e significativo e, diria mesmo, quanto é justo e necessário que a hodierna festa de Cristo Rei seja enquadrada precisamente no Calvário. Podemos dizer, sem mais, que a realeza de Cristo, qual também nós hoje a celebramos e meditamos, deve ser sempre referida ao acontecimento que se executa naquela colina, e ser compreendida no mistério salvífico, aí operado por Cristo: refiro-me ao acontecimento e ao mistério da redenção do homem. Cristo Jesus — devemo-lo fazer notar — afirma-se rei precisamente no momento em que, entre as dores e angústias da cruz, entre as incompreensões e as blasfémias dos presentes, agoniza e morre. Na verdade, realeza singular é a Sua, tal que só os olhos da fé a podem reconhecer: Regnavit a ligno Deus!

516 3. A realeza de Cristo, que nasce da morte no Calvário e culmina no acontecimento dela inseparável, a ressurreição, recorda-nos aquela centralidade, que a ele compete por motivo daquilo que é e daquilo que fez. Verbo de Deus e Filho de Deus, primeiro que tudo e acima de tudo, «por Ele — como em breve repetiremos no Credo — todas as coisas foram feitas», Ele tem um intrínseco, essencial e inalienável primado na ordem da criação a respeito da qual é a suprema causa exemplar. E depois que «o Verbo se fez homem e habitou entre nós» (Jn 1,14), também como homem e Filho do homem, consegue um segundo título na ordem da redenção, mediante a obediência ao desígnio do Pai, mediante o sofrimento da morte e consequente triunfo da ressurreição.

Convergindo n'Ele este duplo primado, temos portanto não só o direito e o dever, mas também a satisfação e a honra, de confessar o Seu excelso senhorio sobre as coisas e sobre os homens, que pode ser chamado, com termo não certamente impróprio nem metafórico, realeza. «Humilhou-se a Si mesmo, feito obediente até à morte e morte de cruz. Por isso é que Deus O exaltou e Lhe deu um nome que está acima de todo o nome, para que, ao nome de Jesus, todo o joelho se dobre, nos céus, na terra e nos infernos, e toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor» (Flp. 2, 8-11). Eis o nome de que nos fala o Apóstolo: é o nome do Senhor e serve para designar a inigualável dignidade, que só a Ele pertence e O coloca a Ele só — como escrevi no princípio da minha primeira Encíclica — no centro, mesmo no vértice do cosmos e da história. Ave Dominus noster! Ave rex noster!

4. Mas querendo considerar, além dos títulos e das razões, também a natureza e o âmbito da realeza de Cristo nosso Senhor, não podemos deixar de subir a esse poder que Ele próprio, na altura de deixar esta terra, definiu como total e universal, colocando-o na base da missão confiada aos Apóstolos: «Foi-Me dado todo o poder no céu e na terra. Ide pois, ensinai todas as nações, baptizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a cumprir tudo quanto vos tenho mandado» (Mt 28,18-20). Nestas palavras não há só — como é evidente — a explícita reivindicação de uma autoridade soberana, mas está também indicada, no acto mesmo em que ela é participada aos Apóstolos, uma sua ramificação em distintas, embora coordenadas, funções espirituais. Se, de facto, Cristo ressuscitado diz aos seus que vão e recorda o que já mandou, e se Lhes entrega o encargo tanto de ensinar como de baptizar, isto explica-se porque Ele mesmo, precisamente em virtude do sumo poder que Lhe pertence, possui em plenitude tais direitos e está habilitado a exercitar tais funções, como Rei, Mestre e Sacerdote.

Não é certamente o caso de nos perguntarmos qual foi o primeiro destes três títulos, porque, no contexto geral da missão salvífica que recebeu Cristo do Pai, a cada um deles correspondem funções igualmente necessárias e importantes. Todavia, mesmo para nos mantermos fiéis ao conteúdo da Liturgia de hoje, é oportuno insistir na função real e concentrar o nosso olhar, iluminado pela fé, na figura de Cristo como rei e senhor.

A este propósito, parece óbvia ,a exclusão de qualquer referência de natureza política ou temporalesca. A pergunta formal que Lhe fez Pilatos «És Tu o rei dos Judeus?» (Jn 18,33), Jesus responde explicitamente que o Seu reino não é deste mundo e, diante da insistência do procurador romano, afirma «Tu o dizes: Eu sou rei», acrescentando logo a seguir: «Para isto nasci, e para isto vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade» (Jn 18,37). De tal modo, declara Ele qual é a dimensão exacta da Sua realeza e a esfera em que se exercita: é a dimensão espiritual que encerra, em primeiro lugar, a verdade para anunciar e servir. O Seu reino, embora comece cá em baixo na terra, nada tem contudo de terreno, e transcende toda a limitação humana, lançado como está para a sua consumação além do tempo, na infinidade do eterno.

6. Foi a este reino que nos chamou Cristo Jesus, dando-nos uma vocação que nos leva a participar naqueles seus poderes que já recordei. Nós todos estamos ao serviço, em virtude da consagração baptismal, estamos investidos de uma dignidade e de um cargo real, sacerdotal e profético, com o fim de podermos eficazmente colaborar no seu crescimento e na sua difusão. Esta temática, na qual tão providencialmente insistiu o Concílio Vaticano II na Constituição sobre a Igreja e no Decreto sobre o Apostolado dos Leigos (cf. Lumen Gentium LG 31-36 Apost. Actuosit AA 2-3) é-vos certamente familiar, caríssimos Irmãos e Filhos da diocese de Roma que me estais escutando. Mas hoje, precisamente na circunstância da festa de Cristo Rei, desejo recordá-la e recomendá-la vivamente à vossa atenção e sensibilidade.

Vós, de facto, viestes a esta sagrada Assembleia, como representantes e primeiros responsáveis do Laicado romano, que mais directamente está empenhado na acção apostólica. Quem mais e melhor que vós, mesmo pelo dever da exemplaridade que obriga os cristãos da Urbe, numa data tão significativa, é solicitado a reflectir acerca do modo de conceber e realizar tal trabalho? Trata-se realmente de um serviço do Reino, e este exactamente é o motivo por que hoje vos convoquei para a Basílica Vaticana, a fim de animar os vossos ânimos a prestarem sempre vigilante, concreto e generoso serviço ao Reino de Cristo.

Sei que, em vista do novo ano pastoral, estais a estudar o tema «Comunidade e Comunhão», e pusestes como base das vossas reflexões as conhecidas palavras dirigidas pelo apóstolo João aos primeiros baptizados, as quais podem ser consideradas como o programa dinâmico de todas as comunidades cristãs: «O que vimos com os nossos olhos, o que contemplámos e as nossas mãos apalparam acerca do Verbo da vida... isso vos anunciamos, para que também vós tenhais comunhão connosco» (1Jn 1,1 1Jn 1,3).

Eis enunciado, caríssimos, o vosso esquema de vida e de trabalho: vós, crentes e cristãos, leigos e sacerdotes comprometidos, recolhendo o testemunho dos Apóstolos, já vistes Cristo Redentor e Rei, encontrastes-vos com Ele na realidade da Sua presença humana e divina, histórica e transcendente, entrastes em comunhão com Ele, com a Sua graça, com a verdade e com a salvação por Ele trazidas, e agora, com base nesta forte experiência, pretendeis anunciá-l'O à Cidade de Roma, às pessoas, às famílias e às comunidades que nela vivem. E grande encargo, alta honra e dom inefável: servir Cristo Rei e utilizar tempo, canseiras, inteligência e fervor para O fazer conhecer, amar e seguir, na certeza de que só em Cristo — caminho, verdade e vida (Jn 14,6) — a sociedade e cada indivíduo poderão encontrar o verdadeiro significado da existência, o código dos valores autênticos, a justa linha moral, a necessária força nas adversidades, a luz e a esperança acerca das realidades meta-históricas. Se é grande a vossa dignidade e magnífica a vossa missão, estai sempre prontos e alegres servindo Cristo Rei em todos os lugares, em todos os momentos e em todos os ambientes.

Conheço bem as graves dificuldades que se encontram na sociedade moderna e, de modo particular, nas cidades populosas e febris, como é a Roma de hoje. Não obstante certas situações complicadas e por vezes hostis, exorto-vos a não perder nunca o ânimo. Coragem! Trabalhai com zelo na área da diocese inteira e de cada paróquia e comunidade, levando a toda a parte o entusiasmo da vossa fé e do vosso amor por um serviço pontual e fiel a Cristo Senhor. Assim seja.

VISITA À PARÓQUIA ROMANA DE SÃO LEONARDO DE PORTO MAURÍCIO


Acília (Roma), 30 de Novembro de 1980




517 Caríssimos Irmãos e Filhos

1. Ao ouvirmos as palavras do Evangelho de hoje, segundo Mateus, vêm espontaneamente à memória, reaparecem aos nossos olhos, os acontecimentos que durante a semana passada agitaram toda a Itália: o grande terremoto que feriu as regiões da Campânia e da Basilicata, desde Potenza até Avelino, até ao litoral, aos portos de Nápoles e de Salerno.

De repente, na noite de domingo passado, veio o primeiro abalo violento que destruiu as habitações dos homens e os santuários do Senhor, tirando a vida a milhares de habitantes, adultos e crianças. Na terça-feira passada, visitei algumas localidades atingidas pelo terremoto. Estive no hospital ao lado dos leitos dos feridos mais graves: cabeças em chaga, pernas e mãos fracturadas e tórax esmagados. Além disso, clima geral de temor. Os habitantes, diante do perigo de novos abalos que poderiam tirar-lhes a vida ou a saúde, abandonam as casas e acampam nas estradas e nos campos.

Nós todos, com espírito de humana solidariedade, queremos ir em ajuda dos nossos irmãos e compatriotas, arrastados pela desgraça. Mas, ao mesmo tempo, estes acontecimentos põem-nos diante dos ohos, com particular força comparativa, o quadro terrível que todos os anos é traçado nos Evangelhos deste primeira Domingo do Advento: anúncios de destruição e de morte, na expectativa da "vinda do Filho do homem" (
Mt 24,39).

2. A história dos homens e das nações, a história da humanidade inteira, fornece suficientes provas para se afirmar que em todos os tempos se mutiplicaram desgraças e catástrofes, calamidades naturais, como terremotos, ou as causadas pelo homem, como guerras, revoluções, morticínios, homicídios e genocídios. Além disso, cada um de nós sabe que a nossa existência terrena conduz à morte, chegando assim um dia ao seu termo. O mundo visível, com todos os bens e as riquezas que esconde em si mesmo, no fim não é capaz de dar-nos senão a morte: o termo da vida.

Tal verdade, embora recordada também na liturgia de hoje, primeiro domingo do Advento, não é todavia a verdade especifica anunciada neste dia festivo, e em todo o período do Advento. Não é a palavra principal do Evangelho.

Qual é então a palavra principal? Lemo-la há pouco: a vinda do Filho do Homem. A palavra principal do Evangelho não é "a partida", "a ausência", mas "a vinda" e "a presença". Também não é "a morte", mas "a vida". O Evangelho é a Boa Nova, pois pronuncia a verdade sobre a Vida no contexto da morte. A Vinda do Filho do Homem é o início desta Vida. E de tal início fala-nos precisamente o Advento, que responde à pergunta: como deve viver o homem no mundo com a perspectiva da morte! O homem ao qual, num abrir e fechar de olhos, pode ser tirada a vida, como deve viver neste mundo, para encontrar-se com o Filho do Homem, cuja vinda é o início da nova Vida, da Vida mais poderosa que a morte?

3. Precisamente sobre isto desejo reflectir juntamente convosco, caros paroquianos da comunidade de Acília, dedicada a São Leonardo de Porto Mauricio: a paróquia que me foi dado visitar hoje. De facto, como Bispo de Roma e sucessor de São Pedro, sou o Vosso Bispo; e o dever principal dos Bispos, herdado dos Apóstolos, é visitar cada uma das comunidades cristãs e manter com elas um laço vivo.

Desejo, pois, nesta ocasião da hodierna visita, saudar cordialmente todos vós, que formais a Paróquia de São Leonardo com as suas 12.000 almas e 3.000 famílias. Saúdo afectuosamente o Cardeal Vigário e o Bispo Auxiliar Dom Clemente Riva, que participam da minha solicitude pelo bem desta paróquia, confiada aos Frades Franciscanos Menores da Província Romana. A eles dirijo o meu reconhecido pensamento pela sua zelosa obra de apostolado, há já bastante tempo exercitada com assiduidade e sacrifício, recordando particularmente o benemérito pároco, Padre Guido Anagni, que nos acompanha espiritualmente há vinte anos, com empenho, quotidianamente participado pelos seus colaboradores, e todo dirigido a formar cristãos convictos e responsáveis. A minha benevolência cordial vai também para as caras e generosas Irmãs Baptistinas, que realizam um trabalho insubstituível, e para cada um dos grupos do laicado, que não deixam de estudar e percorrer os caminhos muitas vezes árduos de uma responsável e iluminada colaboração. Às crianças, aos anciãos, aos doentes, aos jovens e aos adultos, aos operários e aos empregados, a todos, abro o meu íntimo para fazer sentir minha viva participação em cada um dos seus problemas e cada uma das suas fadigas, e para dizer sobretudo que estou no meio de vós, para vos confirmar na viva expectativa de Cristo Salvador, que é firmeza na fé e alegria na esperança.

4. Eis que nos encontramos todos no primeiro domingo do Advento. Qual é a verdade que penetra em nós e nos vivifica hoje? Que mensagem nos anuncia a Santa Igreja, nossa Mãe? Não é, como já disse, mensagem de medo e de morte, mas é mensagem de esperança e de chamada.

Tomemos como exemplo a segunda leitura; eis o que o Apóstolo Paulo diz aos Romanos de então, mas que devemos tomar a peito nós Romanos de hoje: "Isto fareis vós que conheceis o momento. Já é hora de despertardes do sono, que a salvação está agora mais perto de nós do que quando abraçámos a fé. A noite vai adiantada e o dia está próximo" (Rm 13,11-12).

518 Na realidade, diversamente de como se pode ser levado a pensar, a salvação está mais próxima e não mais afastada. De facto, vivendo numa época de secularização, somos testemunhas de comportamentos de indiferença religiosa e também de programas e ideologias ateias ou mesmo antiteístas. Seríamos levados assim a pensar que os indícios humanos desmentem a mensagem da liturgia de hoje. Ela, pelo contrário — embora fazendo também referência a estes "indícios humanos", — proclama todavia a verdade divina e anuncia o desígnio divino que não falha nunca, que não muda mesmo que possam mudar os homens, os programas e os projectos humanos. Aquele desígnio divino é o desígnio da salvação do homem em Cristo que, uma vez formado, perdura, e consequentemente se dirige à realização de si mesmo.

Mas o homem pode ser a tudo isto surdo e cego. Pode entrar cada vez mais profundamente na noite, apesar de se aproximar o dia. Pode mutiplicar as obras das trevas, apesar de Cristo nos oferecer "a arma da luz".

Portanto, o convite presente da hodierna liturgia é o do Apóstolo: "revesti-vos do Senhor Jesus Cristo". O Advento é a nova chamada a revestirmo-nos de Jesus Cristo.

Diz ainda o Apóstolo: "caminhemos como de dia, honestamente; não em bacanais e na embriaguez, não em desonestidade e dissoluções, não em contendas e ciúmes... não vos preocupeis com a carne para lhe satisfazer os apetites" (
Rm 13,13-14).

5. Que significa, além disso, o Advento? O Advento é a descoberta de uma grande aspiração dos homens e dos povos a caminho da casa do Senhor. Não a caminho da morte e da destruição, mas do encontro com Ele.

E por isso ouvimos na liturgia de hoje este convite: "Vamos com alegria ao encontro do Senhor".

E o mesmo salmo responsorial desenha-nos, por assim dizer, a imagem daquela casa, daquela cidade, daquele encontro: "Já pisam o teu solo os nossos pés, / às tuas portas param, ó Jerusalém. / Para lá sobem as tribos, / todas as tribos de Israel. / Para celebrar segundo a Lei / o nome do Senhor. / Porque lá se exerce a justiça, / nos tribunais da Casa de David. / Por amor dos meus irmãos e amigos / direi: 'a paz contigo!'. / Por amor da Casa do Senhor nosso Deus / pedirei para ti todo o bem" (Ps 121 [122]).

Sim. O Senhor é o Deus da Paz, é o Deus da Aliança com o homem. Quando na noite de Belém os pobres pastores se puseram a caminho do estábulo, em que se realizará a primeira vinda do Filho do Homem, serão conduzidos pelo canto dos Anjos: "Glória a Deus nas alturas / e paz na terra aos homens do Seu agrado" (Lc 2,14).

6. Esta visão da paz divina encontra-se em toda a expectativa messiânica na Antiga Aliança. Ouçamos hoje as palavras de Isaías: "Ele julgará as nações, / e dará as Suas leis a muitos povos, / os quais das suas espadas forjarão relhas de arados, / e das suas lanças, foices. / Uma nação não levantará a espada contra outra nação, / e já não se adrestrarão para a guerra. / Casa de Jacob, vinde, / caminhemos à luz do Senhor" (Is 2,4-5).

O Advento traz consigo o convite à paz de Deus para todos os homens. E necessário construirmos esta paz e continuamente a reconstruirmos em nós mesmos e com os outros: nas famílias, nas relações com os vizinhos, nos ambientes de trabalho e na vida da sociedade inteira. Trabalhai com espírito de fraternal solidariedade para que a vossa Paróquia cresça cada vez mais como comunidade de fiéis, de famílias e de grupos — refiro-me particularmente a todos os vossos grupos organizados — em comunhão de verdade e de amor. A comunidade paroquial, na verdade, edifica-se sobre a Palavra de Deus, transmitida e garantida pelos Pastores, é alimentada pela graça dos Sacramentos, é sustentada pela oração e é unida pelo vínculo da caridade fraterna. Cada membro seu sinta-se vivo, activo, participante, co-responsável, e comprometido em cargos efectivos de evangelização cristã e de promoção humana. Desse modo a vossa Paróquia torna-se sinal e instrumento da presença de Cristo no bairro, irradiação do Seu amor e da Sua paz.

Para servir essa paz de mútiplas dimensões, é preciso ouvir ainda estas palavras do profeta: "Vinde, subamos à montanha do Senhor, / à casa do Deus de Jacob: / Ele nos ensinará os Seus caminhos, / e nós andaremos pelas Suas veredas; / porque de Sião sairá a lei, / e de Jerusalém a palavra do Senhor" (Is 2,3).

519 Também para a vossa comunidade eclesial, é o Advento a época em que se devem aprender de novo a Lei do Senhor e as Suas palavras. É o tempo de uma intensificada catequese. A Lei e a Palavra do Senhor devem penetrar de novo no coração, devem encontrar confirmação na vida social. Servem para o bem do homem — constituem a paz!

A vossa Paróquia é dedicada a São Leonardo de Porto Maurício, franciscano de palavra ardente, que percorreu a Itália para admoestar e converter multidões imensas, chamando à penitência e à piedade, e vivendo em íntima união com Deus. A ele, tão amado pelos Romanos do seu tempo e já venerado como Santo desde o momento da morte em São Boaventura do Palatino, confio a vossa Paróquia, os vossos propósitos de vida cristã e a vossa fidelidade, no tempo presente, a Cristo Senhor.

7. Caros Irmãos e Filhos: eis-nos pois de novo no princípio do caminho. Está iniciado de novo o Advento: o tempo da graça, o tempo da expectativa e o tempo da vinda do Senhor, que perdura sempre. E a vida do homem desenvolve-se no amor do Senhor, não obstante todas as dolorosas experiências da destruição e da morte, a caminho da final realização em Deus.

O Filho do Homem virá!

Nós ouvimos estas palavras com esperança, não com medo, embora estejam cheias de profunda seriedade.

Velai... e estai prontos, pois não sabeis em que dia virá o Filho do Homem.

Vem, Senhor Jesus!

Marana thá!



VISITA DO SANTO PADRE À PARÓQUIA ROMANA

DE NOSSA SENHORA DE LA SALETTE


Domingo, 7 de Dezembro de 1980




1. "Preparai o caminho do senhor, endireitai as suas veredas; toda a criatura verá a salvação que vem de Deus" (Lc 3,4 Lc 3,6).

Quando ouvimos estas palavras, que há pouco foram recordadas juntamente com a aclamação da "Aleluia" tomamos consciência de viver o período do Advento. Sabemos também que fala São João Baptista, aquele Profeta ainda da Antiga Aliança, a quem foi dado preparar directamente o caminho do Messias e entrar, por assim dizer, com toda a sua missão no âmbito do Evangelho. É uma daquelas personagens que na liturgia do Advento aparecem mais frequentemente. Prepara-nos todos os anos para a vinda do Senhor.

520 Seria todavia difícil, hoje — na vigília da solenidade da Imaculada Conceição da bem-aventurada Virgem Maria não dirigir o nosso pensamento e o nosso coração para Aquela, em que se realizou o Advento do Messias esperado — para Aquela, a quem foi dado concebé-1'O no seio virginal e dá-1'O ao mundo na noite de Belém: para Maria! Isto sobretudo considerando que a vossa paróquia está sob o seu santíssimo patrocínio. Desejo portanto saudar com o nome de Maria, "Nossa Senhora de La Salette", esta paróquia que me é dado visitar precisamente hoje, para nela celebrar a liturgia do Advento e encontrar-me com toda a vossa comunidade, 'como também com cada um dos seus membros.

2. A minha saudação vai, primeiro que tudo, para o Senhor Cardeal Vigário e para o Bispo Auxiliar, Dom Remígio Ragonese, os quais completam, com a sua presença, a alegria deste encontro.

Saúdo em seguida o Pároco, Padre Franco Zimbardi, e os sacerdotes seus colaboradores, o Padre Luciano Iaconi (a quem desejo pronta cura), o Padre Giancarlo Berzacola e o Padre Bruno Stefanelli, como também aqueles padres da Cúria Geral dos Missionários de Nossa Senhora de La Salette, que prestam contributo precioso à actividade paroquial: é-me agradável exprimir a todos, nesta circunstância, estima e apreço pelo trabalho pastoral realizado com generosa, dedicação em serviço dos fiéis do populoso bairro.

Uma saudação particular dirige-se também para as Religiosas das diversas Congregações presentes na paróquia: o empenho que elas mostram em oferecer a própria actividade — e a sua oração, como é o caso sobretudo do Mosteiro de Clarissas Claustrais — em apoio das várias iniciativas da paróquia, merece aplauso e palavras de ânimo.

E uma especial palavra de louvor e estima desejo também dirigir a todos os leigos que sabem colocar, à disposição das múltiplas exigências de urna pastoral moderna, o seu tempo, a sua inteligência e o seu coração. O meu pensamento vai para quantos estão empenhados nos diversos movimentos eclesiais, como a Acção Católica, o Apostolado da Oração e a Legião de Maria; e também para o grupo dos Escuteiros, para o das Conferências de São Vicente de Paulo, para a Associação de Pais da escola Anna Michele; nem quereria esquecer as iniciativas de inspiração social, como o Centro Desportivo, o Círculo do Jogo das "bocce" e o Círculo Cultural.

Desejo, por fim reservar uma palavra de particular apreço, quer para os leigos que prestam a sua colaboração na catequese permanente de iniciação, para isto preparados por um curso bienal, que funciona a nível interparoquial, como também para os que trabalham no Serviço de Promoção da Família, exercendo actividades de consulta e de assistência quanto aos jovens, que se preparam para o matrimónio, e quanto aos casais em dificuldades.

A paróquia, que celebra este ano o vigésimo aniversário do início oficial da actividade pastoral, tem intensa vitalidade, que me apraz pôr em foco e animar. Muitos problemas foram enfrentados no decorrer destes anos e, com o auxílio da Virgem de La Salette; orago da igreja, alguns deles foram também resolvidos com felicidade. Outros estão ainda de pé, relacionados com as vicissitudes das famílias que se defrontam muitas vezes com dificuldades internas e ambientais; relacionados com a situação dos jovens, expostos às sugestões da droga e do permissivismo moral; ou ainda com a mentalidade social, inspirada em modelos de pensamento que tem pouco que ver com o Evangelho. Quereria dizer a todos: confiai em Maria "reconciliadora dos pecadores". Será Ela que vos obterá, com a sua intercessão materna, que saibais assimilar cada vez melhor os valores da fé, de tal maneira que possais caminhar, apoiados na esperança, para a edificação de uma comunidade cada vez mais profundamente dominada pela força unificante do amor.

Quanto vos disse nesta saudação seja testemunho, caros Irmãos e Irmãs, do laço que existe entre a vossa paróquia e o Bispo de Roma chamado por Cristo a desempenhar o ministério da salvação no meio de vós. A Imaculada Mãe de Cristo de "La Salette" abençoe o nosso encontro.

3. Quando João Baptista, nas margens do Jordão; prepara os seus discípulos para a vinda do Messias, administrando-lhes o baptismo da penitência, fala-lhes assim:

"Eu vos baptizo com água para vos levar ao arrependimento; mas Aquele que vem depois de mim é mais forte do que eu, e eu nem sequer sou digno de lhe levar as sandálias; Ele vos baptizará no Espírito Santo e em fogo..." (
Mt 3,11).

Assim, pois, a missão de João nas margens do Jordão, a qual consiste em pregar e administrar o baptismo da conversão, serve para preparar para Cristo, que baptizará no Espírito Santo.

521 O baptismo de João não tem esta mesma força. Só a terá o Baptismo instituído por Cristo, aquele Baptismo com água no Espírito Santo, de que uma vez o Senhor Jesus dirá, durante a conversa nocturna, a Nicodemos: "Quem não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no Reino de Deus" (Jn 3,5). Aquele Baptismo, enquanto Sacramento, deve transmitir aos homens todo o fruto da redenção efectuada por Cristo. Deve "sepultar" o homem — como se exprimirá São Paulo — na sua morte de cruz, para que possa ressuscitar dela para vida nova: para a que revelará Cristo na sua ressurreição (cf. Rom Rm 6,3-11). Tal vida nova, divina e sobrenatural, é, nas almas humanas, o dom do Pai, de que os homens se tornarão participantes em Cristo por obra do Espírito Santo.

Por isso João Baptista nas margens do Jordão, anunciando a vinda do Messias, já diz: "Ele vos baptizará no Espírito Santo e em fogo" (Mt 3,11). Aquele "fogo" deve queimar, devorar o mal do pecado — antes de tudo do pecado original — que separa o homem de Deus e não lhe permite participar na sua vida: isto é não permite ao homem mergulhar nesta Vida, como numa água vivificante.

4. O hodierno domingo do Advento traz à nossa consciência o significado messiânico do Baptismo. O Messias que deve vir é Aquele que baptizará no Espírito Santo e em fogo.

Devemos fazer desta indicação o tema principal do nosso encontro, da nossa meditação em comum. A vida de cada paróquia, a vida da vossa paróquia, que tem o nome de Nossa Senhora de "La Salette", está construída sobre o fundamento Baptismo. A paroquia é aquela comunidade concreta, a comunidade do Povo de Deus, na qual as pessoas novas, nascidas de pais e mães terrestres, renascem da água e do Espírito Santo (cf. Jo Jn 3,5), para receber a vida nova que nos trouxe Cristo e nos deu com a Sua vinda: a vida iniciada com o Nascimento na noite de Belém e completada com a Páscoa de morte e de ressurreição.

"Com o sacramento do baptismo — recordou o Concílio Vaticano II — o homem é verdadeiramente incorporado em Cristo crucificado e glorificado, e regenera-se pela participação na vida divina segundo as palavras do Apóstolo: 'Sepultados juntamente com Ele no baptismo, no baptismo juntamente com Ele ressuscitastes pela fé no poder de Deus que O ressuscitou dos mortos' " (Col 2,12) (Decr. Unitatis Redintegratio UR 22).

Assim pois a vida real do cristão inicia-se mediante o Baptismo. E a vida da paróquia, como comunidade de Povo de Deus, inicia-se sempre de novo mediante o Baptismo que, de cada vez, faz desta comunidade a herança messiânica do Filho de Deus. Cada um de nós traz em si a filiação divina, iniciada pelo sacramento do Baptismo na pia baptismal da paróquia, como dom do Pai, obtido graças à vinda do Filho de Deus ao corpo humano. Confirma-o o "carácter", ou seja, o sinal sacramental do Baptismo.

5. Devemos portanto, na vida de cada paróquia — e hoje penso sobretudo na vossa paróquia em "Monteverde Novo" — renovar constantemente em nós a consciência do Baptismo.

De que modo?

Antes de tudo, dando a devida importância a cada baptismo, que nesta paróquia é administrado. A celebração dele deve andar ligada a uma adequada preparação. A preparação, no caso do Baptismo dos adultos, diz respeito primeiro que tudo ao catecúmeno mesmo. Mas no caso do Baptismo das crianças — que é a hipótese mais frequente nos nossos ambientes católicos — a preparação há-de abraçar os pais e os padrinhos do pequeno catecúmeno, e também — quanto possível — os outros membros do ambiente em que ele deve nascer para a Vida nova mediante o sacramento do Baptismo.

Este sacramento não pode tornar-se só costume ou hábito tradicional, destituído do pleno significado que é essencial na vida da família e da paróquia.

Além disso, o sacramento do Baptismo, administrado a um recém-nascido ou a uma criança não ainda chegada ao uso da razão, comporta a obrigação: de introduzir, de iniciar o cristãozinho, a partir do momento preciso da vida consciente, naquilo de que ele se tornou participante no Baptismo já recebido a seu tempo.

522 Esta obrigação diz respeito, primeiro que tudo, aos pais e aos padrinhos. E também aos pastores de almas. Indirectamente diz respeito a toda a paróquia.

E realiza-se mediante uma catequese sistemática ligada à participação na vida sacramental, dentro dos tempos e dos modos adequados à idade e às circunstâncias. Enorme importância para esta catequese tem a vida mesma quotidiana da família e de todo o ambiente, em que devem reflectir-se dia após dia as verdades transmitidas.

6. Na segunda leitura de hoje, tirada da carta de São Paulo aos Romanos, o Apóstolo escreve assim: "Acolhei-vos pois uns aos outros como Cristo vos acolheu, para glória de Deus" (
Rm 15,7). Esta locução e o apelo parecem exprimir perfeitamente a importância do assunto, a que dedicamos a nossa meditação por motivo da hodierna visita.

De facto: Cristo acolheu-nos, para glória de Deus — mediante a Sua vinda — e acolhe-nos incessantemente para glória de Deus. Isto manifesta-se pela primeira vez no sacramento do Baptismo. Cristão é o homem "acolhido para glória de Deus" em Jesus Cristo. E com tal sentido deve ele viver e preparar-se para a união com Deus nesta glória.

E quando o Apóstolo escreve: porque Cristo vos acolheu, para glória de Deus, vós "acolhei-vos... uns aos outros", indica com estas palavras a solicitude com que a comunidade deve circundar a obra do divino Advento e da divina Páscoa em cada um, começando pelos anos da infância.

A paróquia é a comunidade do Povo de Deus, que tem a comum solicitude de conseguir que o dom messiânico do Baptismo não se desperdice em cada um dos seus membros, mas dê os frutos cada vez mais plenos da fé, da esperança e da caridade, os frutos da vida "em espírito e verdade" (Jn 4,23).

Durante este hodierno encontro desejo e peço que a vossa paróquia, dedicada à Mãe de Deus de "La Salette", seja precisamente uma comunidade, como ficou descrita, e que tal se torne cada vez em maior plenitude.



Homilias JOÃO PAULO II 515