Homilias JOÃO PAULO II 697

697 Os anos, que passam, que terminam a 31 de Dezembro e começam de novo no de Janeiro, passam na realidade confrontando-se com aquela plenitude, que provém de Deus. Passam diante da Eternidade e do Verbo. Cada ano do calendário humano traz, juntamente com o tempo, certa parcela do "Kairós" divino. Cada um começa, dura e morre em relação com aquela plenitude do tempo que vem de Deus.

É preciso darmo-nos conta disto, de modo particular, hoje, que é o primeiro dia do Ano Novo.

2. Quão forte e esplendidamente se põe esta realidade em evidência, quando nos damos conta de que este primeiro dia do Ano Novo é ao mesmo tempo o dia da oitava do Natal. O Novo Ano nasce no esplendor do mistério em que se revelou a "plenitude do tempo".

"Deus mandou o Seu Filho nascido de uma mulher".

E precisamente para esta Mulher, para a Mãe do Filho de Deus, para a Theotokos, se dirigem hoje, no início do Ano Novo, de modo especial, o pensamento e o coração da Igreja. Maria está presente durante toda a oitava; todavia a Igreja deseja venerá-1'A particularmente hoje, com um dia todo seu: a festividade da Maternidade divina de Maria.

Para Ela, portanto, para a Maternidade admirável da Virgem de Nazaré, ligada à plenitude dos tempos, nós nos voltamos mediante este início do ano que traz em si o dia de hoje.

E recordamo-nos que é o início do Ano do Senhor de 1981, no qual ressoarão, com eco longínquo nos séculos, as datas comemorativas dos dois importantes Concílios dos primeiros tempos da Igreja, que ficou una e única apesar do nascer das primeiras grandes heresias. Na verdade, no ano de 381, realizou-se o primeiro Concílio de Constantinopla que, depois do Concílio de Niceia, foi o segundo Concílio Ecuménico da Igreja, ao qual devemos o "Credo" que é rezado constantemente na liturgia. Herança especial desse Concílio é a doutrina sobre o Espírito Santo, assim proclamada na liturgia latina: Credo in Spiritum Sanctum Dominum et vivificantem, qui ex Patre Filioque procedit – (a formulação da liturgia oriental diz porém: qui a Patre per Filium procedit) – qui cum Patre et Filio simul adoratur et conglorificatur, qui locutus est per prophetas.

E em seguida, no ano de 431 (
Ha 1550 anos) foi celebrado o Concílio de Éfeso, que veio confirmar, com imensa alegria dos participantes, a fé da Igreja na Maternidade divina de Maria. Aquele, que "nasceu de Maria Virgem" como homem, é ao mesmo tempo o verdadeiro Filho de Deus, "da mesma substância do Pai". E Aquela, por quem Ele "foi concebido do Espírito Santo" e que O deu à luz na noite de Belém, é verdadeira Mãe de Deus: Theotokos.

Basta rezar com atenção as palavras do nosso Credo para nos darmos conta de quão profundamente estes dois Concílios, que recordaremos no decurso do ano de 1981, estão organicamente ligados um ao outro com a profundidade do Mistério divino e humano. Sobre este mistério constrói-se a fé da Igreja.

3. No primeiro dia do Ano Novo desejamos tornar a ler, na profundidade daquele mistério, a mensagem da paz, que, de uma vez para sempre, foi revelada na noite de Belém: Paz aos homens de boa vontade! Paz na terra! – Eis o que o mistério do Nascimento de Deus quer dizer-nos cada ano, e o que a Igreja põe em evidência também hoje, primeiro dia do Ano Novo.

"Deus mandou o Seu Filho, nascido de uma mulher..." para que nós possamos receber a filiação de adopção.

698 "E a prova de que sois filhos é que Deus enviou aos nossos corações o Espírito do Seu Filho que brada: 'Abbá, Pai!' ". Assim, já não és escravo mas filho..." (Ga 4,6-7).

Toda a humanidade deseja ardentemente a paz e vê a guerra coma o perigo maior na sua existência terrena. A Igreja encontra-se totalmente presente nestes desejos e, de igual modo, nos temores e nas preocupações que afligem todos os homens, manifestando estes sentimentos de modo particular no primeiro dia do Ano Novo.

Que é a paz? Que pode ser a paz na terra, a paz entre os homens e os povos, senão o fruto da fraternidade, que se mostrará mais forte do que aquilo que divide e contrapõe reciprocamente os homens? De tal fraternidade fala exactamente São Paulo, quando escreve aos Gálatas: "vós sois filhos" e se filhos – os filhos de Deus em Cristo – então também irmãos.

E em seguida escreve: "Assim, já não és escravo, mas filho". Neste contexto insere-se o tema da mensagem escolhida para o Dia da Paz do 1° de Janeiro de 1981; diz: "Para servir a paz, respeita a liberdade".

4. Sim! Devemos fazer apelo à fraternidade, caros Irmãos e Irmãs, se queremos vencer os monstruosos mecanismos, que, na vida e no desenvolvimento das potências do mundo contemporâneo, trabalham em favor da guerra.

É necessário considerarmos a humanidade como única grande família, na qual todas as categorias de pessoas devem ser reconhecidas e acolhidas como irmãos. No limiar de um novo ano, voltemos de modo especial o nosso pensamento e a nossa solicitude para aqueles, entre estes irmãos, que se encontram em particulares situações de necessidade e esperam que os ingentes recursos, destinados a construir instrumentos de destruição recíproca, sejam pelo contrário usados para as urgentes obras de socorro e de melhoramento das condições de vida.

5. Como é sabido, 1981 foi proclamado pela ONU "Ano Internacional dos Deficientes". São milhões de pessoas atacadas por doenças congénitas, por enfermidades crónicas ou sujeitas a várias formas de deficiência mental ou de enfermidades sensoriais. Essas pessoas, no decurso deste ano, dirigir-se-ão, da maneira mais aguda, à nossa consciência humana e cristã. Segundo recentes estatísticas, o número dos atacados por elas sobe a mais de 400 milhões. São também eles nossos irmãos. É necessário que a dignidade humana e os direitos inalienáveis deles recebam reconhecimento pleno e efectivo pelo decurso de toda a sua existência.

Em Novembro passado, durante a reunião de um Grupo de trabalho, a Pontifícia Academia das Ciências, na sua constante obra em serviço da humanidade mediante a investigação científica, aprofundou o estudo de uma particular categoria de deficientes, os mentais. A debilidade mental, que ataca cerca de 3 por cento da população mundial, deve ser tomada em especial consideração, pois constitui o mais grave obstáculo para a realização do homem. A relação do mencionado Grupo de trabalho pôs em relevo a possibilidade de curas preventivas das causas de debilidade mental, mediante oportunas terapias. A ciência e a medicina oferecem portanto mensagem de esperança e ao mesmo tempo de compromisso em favor de toda a humanidade. Se ao menos uma mínima parte do "orçamento" para a corrida aos armamentos fosse transferida para este objectivo, poder-se-iam conseguir importantes resultados e poder-se-ia aliviar a sorte de numerosas pessoas que sofrem.

No princípio deste ano, desejo confiar todas as pessoas deficientes à maternal protecção de Maria. Na Páscoa de 1971, quatro mil deficientes mentais, divididos em pequenos grupos acompanhados por familiares e educadores, dirigiram-se como peregrinos a Lourdes e viveram dias de paz e de serenidade, juntamente com todos os outros peregrinos. Faço votos de coração por que, sob o olhar materno de Maria, se multipliquem as experiências de solidariedade humana e cristã, numa renovada fraternidade que una os débeis e os fortes no caminho comum da divina vocação da pessoa humana.

6. Pensando, ao transpormos o limiar deste novo ano, nas mais graves necessidades da humanidade, desejaria, em seguida, chamar a atenção para aquela parte da família humana que se encontra em necessidade extrema por causa da situação alimentar. A fome e a alimentação insuficiente constituem hoje, com efeito, problema dramático de sobrevivência para milhões de seres humanos, especialmente de crianças, em vastas zonas do nosso globo. O meu pensamento vai particularmente para algumas extensas regiões da África, atacadas pela seca, como o Sahel, e da Ásia, danificadas por calamidades naturais ou que têm de enfrentar o problema do considerável fluxo de refugiados.

Segundo uma relação da FAO, pelo menos 26 países africanos tiveram as recentes colheitas, inferiores às do passado. Nalgumas partes daquele continente persiste a fome e verificam-se periódicas carestias, que ceifam não poucas vítimas. Depois, segundo os cálculos de peritos, as reservas cerealíferas mundiais, já no terceiro ano consecutivo, diminuirão, se continuar a actual tendência. Faço votos do coração para que todos os responsáveis, todas as organizações e todos os homens de boa vontade dêem o seu contributo para a aplicação de medidas que permitam mais efectivo socorro aos irmãos, que se encontram na indigência, e ao mesmo tempo se crie mais eficaz sistema de segurança alimentar. A palavra de Cristo "Tinha fome e destes-me de comer" é um apelo, estimulante e particularmente actual, dirigido às nossas responsabilidades.

699 Penetrantes são as palavras de São Paulo da hodierna liturgia. É necessário que a vida da grande família humana em todo o mundo se transforme, sob o signo da universal fraternidade dos homens. Com efeito, nós somos filhos: Deus mandou aos nossos corações o Espírito de Seu Filho que brada: Abbá, Pai. Portanto já ninguém é escravo, mas filho.

7. Durante o ano recém-terminado, foi recordada de modo particular a figura de São Bento, como Patrono da Europa, em relação com os 1.500 anos decorridos desde o seu nascimento.

Meditando no decorrer dos acontecimentos mais antigos e nos contemporâneos, pareceu justo proclamar como patronos da Europa, no fim do ano, São Cirilo e São Metódio, que representam outra grande componente na missão cristã e na obra da economia da salvação no nosso continente. É a componente ligada com a herança da Grécia antiga e do Patriarcado de Constantinopla, donde ambos estes irmãos foram mandados em missão para entre os povos da Europa meridional e oriental, precisamente para entre os Eslavos. A Europa, de facto, tornou-se cristã sob a acção de ambos estes elementos.

Particularmente no fim do ano em que foi inaugurado o definitivo diálogo teológico entre a Igreja católica e toda a Ortodoxia, pareceu-nos por conseguinte que, pôr em evidência a missão de São Cirilo e de São Metódio, tinha justa eloquência. É a eloquência da reconciliação e da paz, que em todos os caminhos da humanidade deve mostrar-se mais poderosa que as forças da divisão ou da ameaça recíproca.

8. Termino recorrendo, uma vez mais, às palavras da liturgia de hoje:

"Deus se compadeça de nós e nos dê a Sua bênção, / resplandeça sobre nós a luz do Seu rosto. / Na terra se conhecerão os Seus caminhos / e entre os povos a Sua salvação. / O Senhor nos dê a Sua bênção" (Salmo resp.).



SANTA MISSA PARA A ORDENAÇÃO DE ONZE NOVOS BISPOS


Solenidade da Epifania

Terça-feira, 6 de Janeiro de 1981




1. "Levanta-te e resplandece, Jerusalém! Chegou a tua luz, a glória do Senhor levanta-se sobre ti" (Is 60,1).

Com estas palavras do profeta Isaías a liturgia de hoje anuncia a celebração de uma grande festa: a solenidade da Epifania do Senhor, que é o complemento da festa do Natal; do nascimento de Deus.

As palavras do profeta dirigem-se a Jerusalém, à cidade do Povo de Deus — a cidade da eleição divina. Nesta cidade, devia a Epifania atingir o seu ápice nos dias do mistério pascal do Redentor.

700 Por agora, todavia, o Redentor é ainda o menino. Está numa pobre gruta junto a Belém, e a gruta serve de refúgio aos animais; lá encontrou Ele o primeiro abrigo para Si mesmo nesta terra. Lá O circundaram o amor da Mãe e a solicitude de José de Nazaré. E teve também início a Epifania: aquela grande luz que devia penetrar os corações, guiando-os pelo caminho da fé em Deus, o único com o qual, neste caminho, o homem pode encontrar-se: o homem vivo com o Deus Vivo.

Hoje, neste caminho da fé, vemos de novo os três homens vindos do Oriente, de fora de Israel. São homens sábios e poderosos, que vêm trazidos a Belém pela estrela no firmamento celeste e pela luz interior da fé na profundidade dos seus corações.

2. Neste dia, tão solene, tão eloquente, apresentais-vos aqui Vós, venerados e caros Filhos, que pelo acto da Ordenação deveis tornar-vos nossos irmãos no Episcopado, no serviço apostólico da Igreja.

Saúdo-vos cordialmente nesta Basílica, para a qual se deslocou a luz da Jerusalém messiânica juntamente com a pessoa do Apóstolo Pedro, que aqui veio guiado pelo Espírito Santo por vontade de Cristo.

Aqui, neste lugar, medito juntamente convosco as palavras da liturgia de hoje, em que se manifestam a luz da Epifania e a missão nascida nos corações dos homens pela fé em Jesus Cristo. Resplandeça esta luz sobre vós de modo particular no dia de hoje — brilhe continuamente nos caminhos da vossa vida e do vosso ministério. Guie-vos esta luz — como a estrela dos Magos — e ajude-vos a guiar os outros em conformidade com a substância da vossa vocação ao Episcopado.

"Os Bispos — recordou o Concílio Vaticano II — como sucessores dos Apóstolos, recebem do Senhor, a quem foi dado todo o poder no céu e na terra, a missão de ensinar todas as gentes e de pregar o Evangelho a toda a criatura, para que todos os homens alcancem a salvação pela fé, pelo baptismo e pela observância dos mandamentos (cf. Mt
Mt 28,18 Mc 16,15-16 Ac 26,17 ss.). Para o desempenho desta missão, Cristo Senhor nosso prometeu o Espírito Santo aos Apóstolos e enviou-O no dia de Pentecostes para que, robustecidos com a Sua força, eles fossem Suas testemunhas até aos confins da terra, perante as gentes, os povos e os reis (cf. Ac 1,8 Ac 2,1 ss.; Ac 9,15). Este encargo, que o Senhor confiou aos pastores do Seu Povo, é verdadeiro serviço que na Sagrada Escritura se chama com muita propriedade 'diakonia', isto é, ministério (cf. Ac 1,17 Ac 1,25 Ac 21,19 Rm 11,13 1Tm 11,12)" (Const. Dogm. Lumen Gentium LG 24).

3. Deveis ser, caros Irmãos, confessores da fé, testemunhas da fé, mestres da fé. Deveis ser os homens da fé. Olhai para este maravilhoso acontecimento, que a solenidade de hoje apresenta aos olhos da nossa alma.

Um dia, depois da descida do Espírito Santo, deu-se na comunidade da Igreja primitiva uma grande viragem. Tornou-se protagonista desta viragem Paulo de Tarso. Ouçamos como ele fala na liturgia de hoje: "Por revelação foi-me dada a conhecer o mistério... de que os gentios são co-herdeiros, pertencem ao mesmo Corpo e comparticipam na Promessa, feita em Cristo Jesus por meio do Evangelho" (Ep 3,3 Ep 3,6).

Este mistério, em virtude do qual Paulo e em seguida os outros Apóstolos levaram a luz do Evangelho para fora das fronteiras do Povo da Antiga Aliança, este mistério é anunciado já hoje. Já no momento do nascimento do Messias: à sua manjedoura em Belém, à comparticipação na promessa que Ele veio cumprir, são chamados com a luz da estrela e com a luz da fé três homens que provêm de fora de Israel.

Estes três homens falam de todos os que devem seguir a mesma luz messiânica, quer provenham do Oriente quer do Ocidente, quer do Norte quer do Sul, para encontrarem, juntamente "com Abraão, Isaac e Jacob" a promessa do Deus Vivente.

Esta Promessa cumpre-se hoje, diante dos olhos dos Magos, assim como se cumpriu na noite do nascimento de Deus diante dos olhos dos pastores, perto de Belém.

701 Oh, quantas coisas nos dizem hoje as palavras do profeta, dirigindo-se a Jerusalém: "Levanta os olhos e vê à tua volta... o teu coração palpitará e se dilatará" (Is 60,4-5).

4. Caros Filhos e amados Irmãos!

Deveis tornar-vos as singulares testemunhas da hodierna alegria da Jerusalém do Senhor. Devem palpitar e dilatar-se os vossos corações diante do Mistério para que olhais! Diante da luz que deveis servir!

Quão grande é a fé dos Magos! Como estão seguros da luz que o Espírito do Senhor acendeu nos seus corações! Com quanta tenacidade a seguem! Com quanta coerência procuram o recém-nascido Messias! E, quando finalmente alcançam a meta, "... sentiram grande alegria, e, entrando na casa, viram o Menino com Maria, Sua mãe. Prostrando-se, adoram-n'O, e, abrindo os cofres, ofereceram-Lhe presentes: ouro, incenso e mirra" (Mt 2,10-11).

A luz da fé permitiu-lhes perscrutar todas as incógnitas. Os caminhos incógnitos, as circunstâncias incógnitas. Como quando se encontraram diante do "Recém-nascido — um recém-nascido humano, que estava sem casa. Notaram a miséria do local. Como contraste com a própria posição de homens instruídos e socialmente influentes. Todavia "prostraram-se e adoraram-n'O" (cf. Mt Mt 2,11).

Se este Menino, Cristo, tivesse podido falar então, como falou depois muitas vezes, deveria dizer-lhes: homens, é grande a vossa fé! Palavras semelhantes às que uma vez, mais tarde, ouviu a cananeia: "grande é a tua fé" (cf. Mt Mt 15,28).

5. Caros Irmãos! Dentro de pouco, também vós vos curvareis profundamente, vos prostrareis, e, estendidos no pavimento desta Basílica, preparareis os vossos corações para a nova vinda do Espírito Santo, a fim de receberdes os seus dons divinos. São os mesmos dons que iluminaram e reforçaram os Magos no caminho de Belém, no encontro com o Recém-nascido, e depois no caminho de regresso e em toda a vida.

A estes dons divinos eles responderam com um dom: o ouro, o incenso e a mirra, realidades gila têm também o seu significado simbólico. Seguindo este significado, ofereceis hoje os vossos dons, vós mesmos em dom, e prontos a oferecer por toda a vossa vida o amor, a oração e o sofrimento.

E depois, levantai-vos encaminhai-vos pela via pela qual vos conduzir o Senhor, guiando-vos pelas sendas da vossa vocação e do vosso ministério.

Levantai-vos, reforçados na fé. Como testemunhas do Ministério de Deus. Como servos do Evangelho e dispensadores do poder de Cristo.

E caminhai à luz da Epifania, guiando os outros para a fé e fortificando na fé todos aqueles que encontrardes.

702 Acompanhem-vos sempre a sabedoria, a humildade e a coragem dos Magos do Oriente.



CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA

POR OCASIÃO DA VISITA AO PONTIFÍCIO SEMINÁRIO FRANCÊS


Domingo, 11 de Janeiro de 1981




Esta celebração do baptismo do Senhor Jesus introduz-nos intimamente no mistério da pessoa e da missão de Cristo. Introduz-nos, por isso mesmo, numa melhor compreensão do nosso ser de cristão, de baptizado, e, mais ainda, da nossa vocação de sacerdotes ou de futuro sacerdote.

1. No termo desta semana da Epifania, é precisamente à manifestação de Cristo, à Sua "epifania", que nós assistimos, ao ser baptizado por João Baptista. Nas margens do Jordão, Jesus misturou-se com os pecadores, com todos os que esperavam na penitência a presença do Messias.

O Verbo feito carne, sendo embora de condição divina, não se valeu da Sua igualdade com Deus, mas assumiu a condição de escravo, tornando-se semelhante aos homens e obedecendo (cf. Flp 2, 4-8), vivendo na carne para resgatar aqueles que estavam sob o domínio da carne.

E "os céus abrem-se", diz misteriosamente São Mateus. Para todos a quem este acontecimento espiritual é então revelado e para aqueles a quem a narração evangélica é destinada, fica assim manifesto que não há nenhuma barreira entre Deus e Jesus, mas sim contacto imediato, união total, um face a face, e nós cremos que assim é, em virtude mesma da Encarnação, porque é o Verbo de Deus que se fez carne.

O profeta Isaías suspirava pela vinda de Deus, pela Sua plena revelação, nestes termos comovedores: "Oh! se rasgásseis os céus e descêsseis... para mostrardes o Vosso nome" ( 64, 1). Agora conhecemos o verdadeiro nome de Deus, graças ao Filho. O Pai revela-se como tal, designando o Seu "Filho muito amado", no qual "pôs toda a Sua complacência". Revela o Filho. Apresenta-O doravante ao mundo, a começar pelos Seus discípulos. "O testemunho de Deus consiste naquele que Ele deu de Seu Filho", dirá São João (1Jn 5,9). Penetramos com Jesus no verdadeiro mistério de Deus, o da Trindade santíssima.

Porque o Espírito Santo é também manifestado. Desce sobre Jesus como uma pomba, esta ave familiar, símbolo do amor e da paz, que é neste momento a imagem do Dom perfeito que vem das profundezas de Deus. Vem exprimir o laço inefável que une Jesus a Seu Pai, e significar também que Jesus vai inaugurar publicamente a Sua missão salvífica, no meio dos homens, com o poder do Alto. Somos então convidados a aplicar a Jesus a profecia de Isaías em que Deus afirma: "Eis o Meu Servo que Eu amparo, o Meu eleito, no qual minha alma põe a sua complacência; fiz repousar sobre ele o Meu Espírito..., segurei-Te pela mão; formei-Te e designei-Te para seres a aliança dos povos, e a luz das nações" (Is 42,1-6).

Sim, adoremos o Filho muito amado nesta "epifania" que os Padres, e sobretudo o Oriente, celebram ao mesmo tempo que a manifestação aos Magos em Belém: é-nos manifestado, de céu aberto, no seio da Trindade; e é-nos manifestado como investido da Sua missão para connosco.

2. O Filho único de Deus vem fazer de nós filhos. O mistério do seu baptismo introduz-nos no mistério do nosso baptismo. "E da Sua plenitude é que nós todos recebemos graça sobre graça" (Jn 1,16). Fomos baptizados, não só na água, para correspondermos a uma necessidade de purificação, mas no Espírito que vem do Alto e dá a vida de Deus. Fomos baptizados em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, para entrarmos em comunhão com Eles. Os céus abriram-se, em certo modo, para cada um dentre nós, pelo ministério da Igreja, a fim de nós entrarmos "na casa de Deus", conhecermos a adopção divina. Trazemos connosco para sempre a sua marca, apesar da nossa fraqueza e da nossa indignidade. Demos graças hoje por este dom do nosso baptismo: fazendo-nos participar da vida de Deus, faz-nos participar no culto espiritual de Cristo, na Sua missão profética, no seu serviço régio, que formam o sacerdócio comum a todos os baptizados. "Reconhece, ó cristão, a tua dignidade!". No 1° de Junho último, assim me dirigia eu a todo o povo da França: "França, filha mais velha da Igreja, és fiel às promessas do teu baptismo?". Esta pergunta, faço-a hoje a cada um dentre vós que pertence ao povo da França, apesar de residir actualmente na diocese de Roma.

3. E demos graças, enfim, por este apelo de Cristo a participarmos do Seu sacerdócio ministerial, que nos associa tão estreitamente à missão mesma de "Servo" inaugurada no baptismo.

703 Tenho a grande alegria, precisamente hoje, de celebrar a Eucaristia num Seminário, de me dirigir a sacerdotes e sobretudo àqueles que se preparam para o sacerdócio, e aos seus amigos de Roma. Não me esqueço de que representais parte dos seminaristas da França — praticamente um décimo, segundo me disseram — provindo de grande número de dioceses francesas.

Caros amigos, avaliais bem a graça que o Senhor já vos concedeu? Fez ressoar em vós o Seu apelo a tudo deixardes para O seguir, esperando o momento de vos conferir, quando da imposição das mãos, o Seu Espírito que fará de vós Seus diáconos e Seus sacerdotes. Como vos manifestar a grande esperança que a Igreja coloca em vós, em particular para o futuro da Igreja na França? O caro Cardeal Marty, por felicidade presente entre vós, poderia dar testemunho dela melhor que ninguém. E o Papa compartilha desta esperança dos Bispos da França, exprimindo-vos com eles a sua confiança e o seu afecto.

Aos vossos companheiros, do seminário de Issy-les-Moulineaux, tive já ocasião de dizer o meu pensamento, .em Junho passado, depois de me deter longamente com os meus Irmãos Bispos, depois de ter confiado aos sacerdotes, em Notre-Dame, os incitamentos e as orientações que lhes destinava. Vós não deixastes, com certeza, de reler esses textos, e os vossos directores sabem orientar-vos para o essencial. Contentar-me-ei portanto com alguns pontos.

4. Fazeis aqui a aprendizagem de servos de Cristo, que necessita de uma longa maturação espiritual, intelectual e pastoral. É quase a experiência dos Apóstolos que o Senhor se associou depois do Seu baptismo.

Precisais primeiramente de entrar, cada dia mais, no espírito de Cristo, de vos enraizar nele. Mostra isto até que ponto vos deveis familiarizar com a Sua Palavra, com a Sagrada Escritura, meditá-la; frequentar o Senhor na intimidade da oração — nada substituirá a oração pessoal, sem ela secar-se-ia a nossa vida sacerdotal —; aprender a orar em comum e a ter comunicações espirituais mútuas com toda a simplicidade; celebrar o Senhor numa liturgia digna e viva, como o permitem o Concílio e a reforma bem compreendida de Paulo VI; associar-vos ao Sacrifício de Cristo que será o auge e o centro da vossa vida sacerdotal quotidiana. Deveis também aproveitar da experiência dos autores espirituais, iniciar-vos nas escolas de espiritualidade, para alimentardes o vosso pensamento cristão, orientardes e fortificardes o vosso proceder cristão, e adquirirdes a arte de guiar vós mesmos as almas, como eu recordava na minha carta aos sacerdotes de Quinta-Feira Santa de 1979.

5. Estais aqui também para receber uma sólida formação doutrinal, nos diferentes ramos do saber teológico, bíblico, canónico e filosófico. Não insisto, porque julgo que já estais bem convencidos e creio saber que vos esforçais com toda a seriedade. E, além disso, tendes a sorte de dispor, nesta cidade de Roma, de Universidades e Faculdades notáveis, que exigem alto nível de estudos e investigações: permite-vos isto que vos inicieis de maneira equilibrada em todo o pensamento do Magistério da Igreja, que lhe descubrais o sentido profundo e vos apliqueis a ele com fidelidade. Por vezes não descobris o laço directo entre estes estudos e o ministério que vos será pedido; penso, por exemplo, nas bases da filosofia, que tem aliás não pouca importância. Mas tende paciência. Enriqueceis a vossa reflexão com elementos sólidos e métodos absolutamente indispensáveis para evitar a vós mesmos serdes arrebatados por todo o vento de doutrina, para serdes capazes de pregar, ensinar, guiar com segurança a reflexão dos leigos cristãos no labirinto das correntes de ideias e dos costumes actuais. Estes estudos romanos devem também dar-vos o gosto e a possibilidade de continuar o vosso trabalho intelectual durante toda a vossa vida. Sereis certamente chamados a ministérios diversificados, que não podeis prever e não vos pertence a vós escolher, mas que todos exigirão de vós formação sólida e qualificada. Pessoalmente, como Arcebispo de Cracóvia e professor em Lublino, sempre insisti nestes estudos aprofundados. Exigem, sem dúvida, sacrifícios. Mas preparam seguramente o futuro. O problema está em procurar a unificação da vossa vida intelectual com a vida espiritual.

6. Por fim, tudo o que fazeis é no sentido de vos preparardes para a vida apostólica dos sacerdotes. Mostra o entusiasmo que vos deve animar para levardes o Evangelho aos vossos contemporâneos, para os ajudardes a acolhê-lo numa adesão de fé que se mostra muitas vezes difícil, para os levardes à oração como à recepção frutuosa dos sacramentos, e os educardes nas exigências concretas da fé nos seus diversos compromissos. Este cuidado de evangelização foi e continua a ser honra de grande número de sacerdotes franceses: espero que sereis destes. Não para fazerdes obra pessoal. Mas para levar a Jesus Cristo. E pelos caminhos que a Igreja quer. Pois ser sacerdote, será, participando no sacerdócio único de Cristo, participar no sacerdócio do vosso Bispo e sob a sua responsabilidade; será integrardes-vos no presbitério da vossa diocese, com ardor, confiança e humildade, para nele exercerdes uma parte de ministério, aquela que vos confiarem e para a qual vós deveis estar disponíveis; será trabalhar solidariamente com os vossos irmãos, sem abdicar de nenhuma das exigências da Igreja integradas na vossa formação. Por agora, a aplicação aos vossos estudos e o facto de não serdes ainda sacerdotes quase não vos permitem tomar como cargo um apostolado, embora um certo número preste já o auxílio possível à diocese de Roma. Mas, acima de tudo, deve cada um ter a peito laços verdadeiros e confiantes com o próprio Bispo, manter-se muito humildemente aberto às necessidades espirituais a que amanhã será necessário responder, aos cuidados apostólicos dos colegas franceses e sobretudo dos Bispos que têm a responsabilidade da evangelização. A aprendizagem de uma vida eclesial deve fazer-se ainda, neste seminário de Santa Clara, graças à qualidade da vida comunitária, da vossa vida fraterna, da vossa aptidão para vos aceitardes, embora sendo diferentes, e para viverdes em equipas, voltadas para o mesmo objectivo: a missão da Igreja.

Lembrais-vos de como Isaías traçava há pouco a figura do Servo: "Não vai bradar... Não vai quebrar a cana já fendida, nem apagar a chama que fumega. Vai proclamar fielmente a justiça, sem desanimar". Oxalá sejais amanhã estes pastores intrépidos, ao mesmo tempo firmes e misericordiosos. E também despertar outros candidatos ao sacerdócio. Ah! caros jovens, a vossa oração, o vosso exemplo, o vosso dinamismo ao serviço da Igreja e a vossa alegria de servir a Cristo podem tanto para obter de Deus as vocações de que a Igreja em geral, de que a Igreja na França, têm uma vital necessidade!

Por fim, vale a pena acrescentar que tendes, aqui em Roma, a sorte de poder juntar a este sentido pastoral, ao amor da vossa Igreja local, a abertura a outras Igrejas locais, ao lado de cujos membros vós caminhais aqui, e a preocupação da necessária unidade delas na Igreja universal, em comunhão com o Papa? Estou certo que mantereis fortíssimo este apego a Roma, ao Sucessor de Pedro, e que ajudareis sempre as vossas comunidades cristãs a vivê-lo, para se operar o crescimento delas na fidelidade da fé e na harmonia de todo o Corpo de Cristo.

7. Caros amigos, esta formação será o fruto de esforços perseverantes que eu desejava animar. Vós realizá-los-eis com a ajuda dos vossos directores e professores desta casa, dos vossos conselheiros espirituais. Desejo agradecer-lhes insistentemente o concurso prestado; e prestar homenagem à Congregação dos Padres do Espírito Santo, por terem aviventado este Seminário pontifício desde a fundação.

No caminho do sacerdócio, a alma do vosso progresso será afinal o Espírito Santo, aquele que repousou sobre Jesus no Seu baptismo e o guiou na Sua missão. Vamos pedir a este Espírito por vós. O mesmo fareis também vós por mim. Isto, sempre em união com a Santíssima Virgem, tão disponível precisamente para o Espírito Santo. Maria Imaculada, a quem está consagrada a vossa casa, e para quem olhais a justo título como "Tutela domus". Ela vos conduza com segurança até Jesus, até ao Salvador, para vos tornardes, como sacerdotes, os servos do Seu amor! Amém,



VISITA À PARÓQUIA ROMANA DE SÃO JOSÉ NO BAIRRO TRIONFALE


704
Domingo, 18 de Janeiro de 1981




1. "Graça e paz vos sejam dadas da parte de Deus, nosso Pai, e da do Senhor Jesus Cristo" (
1Co 1,3).

Com estas palavras, com as quais o Apóstolo Paulo saudava outrora a Igreja em Corinto, saúdo hoje a vossa Paróquia. É a primeira Paróquia que me é dado visitar este ano: no ano do Senhor de 1981. Ela é dedicada a São José como Patrono o que é ulterior motivo da minha alegria. Todos nós vivemos ainda o clima espiritual do tempo do Natal, com o qual está tão estreitamente ligada a figura de São José. E precisamente ele encontramos na noite de Belém junto de Maria e do Menino recém-nascido. Precisamente ele é aquele homem providencial, a quem o Pai Celeste confiou um particularíssimo cuidado do seu Filho na terra. Ele olhou por Jesus e por Sua Mãe, quando foi preciso fugir para o Egipto. Foi na Sua casa de Nazaré que Jesus passou a sua vida oculta, trabalhando desde a juventude ao lado do carpinteiro José. Por isso, também a Igreja inteira testemunha a sua particular confiança e veneração a São José. Alegro-me pelo facto de que a vossa Paróquia O escolheu como próprio Patrono — e na ocasião da visita de hoje desejo recomendar-Lhe todos Vós e a vossa Comunidade, repetindo as palavras de Paulo: "Graça e paz vos sejam dadas da parte de Deus, nosso Pai, e da do Senhor Jesus Cristo" (1Co 1,3).

2. A minha saudação, por isso, dirige-se a toda a Comunidade paroquial. Em particular agrada-me saudar em primeiro lugar o Cardeal Vigário, que tem o cuidado de toda a pastoral diocesana, e depois o Bispo da Zona, D. Remigio Ragonesi, o zeloso Pároco com os seus Colaboradores, pertencentes aos Servos da Caridade da benemérita Obra de Don Guanella. Juntamente com os Pastores saúdo também os representantes das diversas Famílias Religiosas, masculinas e femininas, que trabalham na Paróquia. Quero depois reservar menção especial aos membros de todas as Associações Católicas, que sei estarem vivamente empenhados no âmbito desta Comunidade em várias iniciativas pastorais. A Paróquia de São José do bairro Trionfale conta mais de trinta mil habitantes. Por isso os seus problemas são muitos. Mas confio na responsável participação de todos no enfrentar e resolver juntos as multíplices necessidades pastorais, em espírito de comunhão e dinâmica realização da própria identidade cristã baseada no Baptismo. Dirijo-me particularmente aos jovens, porque orientam para os altos ideais da vida eclesial o seu entusiasmo e a sua inteligência. Aos doentes, depois, aos quais asseguro a minha afectuosa participação no seu estado de enfermidade, peço que ofereçam o seu sacrifício para o bem de todos e para um eficaz testemunho do Evangelho no mundo de hoje. E confio à generosa recompensa do Senhor tudo o que cada um de vós realiza activamente como membro do corpo de Cristo que é a Igreja.

3. O tempo do Natal, que acabámos de viver, renovou em nós a consciência de que "o Verbo se fez carne e habitou entre nós" (Jn 1,14). Esta consciência nunca nos abandona: contudo, neste período, ela torna-se particularmente viva e expressiva. Torna-se o conteúdo da Liturgia, mas também o conteúdo do costume cristão, familiar e social. Preparamo-nos sempre para aquela noite santa do Nascimento temporal de Deus mediante o Advento, assim como proclama o Salmo responsorial de hoje: "Esperei, esperei no Senhor com toda a confiança, Ele inclinou-Se para mim e ouviu o meu clamor" (Ps 39,2).

É admirável este inclinar-se do Senhor para os homens. Ao fazer-se homem, e primeiro de tudo como criança indefesa, faz, antes, que nós nos inclinemos para Ele, assim como Maria e José, como os pastores e depois os três Magos do Oriente. Inclinamo-nos com veneração, mas também com ternura. No nascimento terreno do seu Filho, Deus tanto se "adapta" ao homem que até se faz "homem"! .

E precisamente este facto — se seguirmos o contexto do Salmo — "pôs em nossos lábios um nova cântico, um hino de louvor ao nosso Deus" (Ps 39,4).

Que suavidade transparece dos nossos cânticos natalícios! Quanto exprimem a aproximação de Deus, que Se fez homem e frágil criança! Oxalá não percamos nunca o profundo sentido deste Mistério! Oxalá o mantenhamos sempre vivo, assim como no-lo transmitiram os grandes santos — e aqui sob o céu italiano, de modo especial São Francisco de Assis. Isto é muito importante, caros Irmãos e Irmãs; disto depende o modo como nos olharmos a nós mesmos e todos os homens, como vivermos esta nossa humanidade!

Exprime-o também o profeta Isaías quando proclama na primeira Leitura de hoje: "Deus tornou-Se a minha fortaleza" (Is 49,5). E na segunda Leitura São Paulo dirige-se aos Coríntios — e de igual modo indirectamente a nós — como àqueles "que foram santificados em Jesus Cristo, chamados à santidade" (1Co 1,2).

Pensemos em nós, à luz destas palavras! Cada um de nós pense também em si — e assim reciprocamente pensemos uns nos outros! E, de facto, ainda o recente Concílio recordou-nos a vocação de todos à santidade. Esta é precisamente a nossa vocação em Jesus Cristo! E é dom essencial do Nascimento temporal de Deus. Nascendo como homem, o Filho de Deus confessa a dignidade do ser humano — e ao mesmo tempo inscreve nele uma nova chamada, a chamada à santidade!

4. Quem é Jesus Cristo?

705 Aquele que nasceu na noite de Belém. Aquele que foi revelado aos pastores e aos Magos do Oriente. Mas o Evangelho do hodierno domingo ainda uma vez conduz-nos às margens do Jordão, onde, após trinta anos do nascimento, João Baptista prepara os homens para a Sua vinda. E quando vê Jesus que "vinha ter com ele" diz: "Ai está o Cordeiro de Deus, que vai tirar o pecado do mundo" (Jn 1,29).

João afirma no Jordão que "para Ele — Jesus de Nazaré — Se manifestar a Israel é que eu vim baptizar em água" (Jn 1,31).

Estamos habituados às palavras: "Cordeiro de Deus". E no entanto estas palavras são sempre maravilhosas, misteriosas, palavras poderosas. Como podiam entendê-las os ouvintes imediatos de João — que conheciam o sacrifício do cordeiro em conexão com a noite do êxodo de Israel da escravidão do Egipto!

O Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo!

Os versículos seguintes do hodierno Salmo responsorial explicam mais perfeitamente isto que se revelou no Jordão através das palavras de João Baptista, e que já iniciara na noite de Belém. O Salmo dirige-se a Deus com as palavras do Salmista, mas indirectamente cita a palavra do eterno Filho que se fez homem: "Não quisestes sacrifícios nem oferendas, mas abristes-me os ouvidos: não exigistes holocausto nem vítima pelo pecado. Então eu disse: 'Eis que eu venho; no rolo do livro, está escrito de mim: fazer a Vossa vontade, ó meu Deus, é o que me agrada'" (Ps 39,7-9).

Assim fala, com as palavras do Salmo, o Filho de Deus que se fez homem. No Jordão, a mesma verdade é entendida por João, quando ao apontá-1'O exclama: "Aí está o Cordeiro de Deus, que vai tirar o pecado do mundo" (Jn 1,29).

5. Assim, caros Irmãos e Irmãs, fomos "santificados em Cristo Jesus". E somos "chamados à santidade com todos os que, em qualquer lugar, invocam o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo" (1Co 1,2).

Jesus Cristo é o Cordeiro de Deus que diz de Si mesmo: "Fazer a Vossa vontade, ó meu Deus, é o que me agrada, porque a Vossa lei está no íntimo do Meu coração" (Ps 39,9).

Que é a santidade? É exactamente a alegria de fazer a vontade de Deus.

Esta alegria vem experimentada pelo homem por meio de um constante trabalho sobre si mesmo, mediante a fidelidade à lei Divina, aos mandamentos do Evangelho. E também não sem as renúncias.

Esta alegria é participada pelo homem sempre e exclusivamente por obra de Jesus Cristo — Cordeiro de Deus. Quão eloquente é o facto que ouvimos as palavras pronunciadas por João no Jordão, quando deve-mos aproximar-nos para receber Cristo nos nossos corações com a Comunhão eucarística!

706 Vem a nós Aquele que traz a alegria de fazer a vontade de Deus. Aquele que traz a santidade.

A Paróquia, como viva parcela da Igreja, é a comunidade na qual escutamos constantemente as palavras: "Eis o Cordeiro de Deus, que tira os pecados do mundo". E ouvimos constantemente o apelo à santidade. A Paróquia é uma comunidade, cuja principal finalidade é fazer daquele comum apelo à santidade, que nos vem em Jesus Cristo, o caminho de cada um e de todos, o caminho de toda a nossa vida — e ao mesmo tempo de todos os dias.

6. Jesus Cristo traz-nos o apelo à santidade e continuamente nos dá a força da santificação. Dá-nos sempre "o poder de nos tornarmos filhos de Deus", como proclama a hodierna Liturgia no canto do Aleluia.

Este poder de santificação do homem, poder contínuo e inexaurível, é o dom do Cordeiro de Deus. João ao apontá-l'O no Jordão diz: "Este é o Filho de Deus" (
Jn 1,34), "é Aquele que baptiza no Espírito Santo" (Jn 1,33), isto é, nos introduz naquele Espírito que João viu, enquanto baptizava, "descer do Céu como uma pomba e permanecer sobre Ele" (Jn 1,32). Este foi o sinal messiânico. Neste sinal Ele mesmo, que está cheio de poder e do Espírito Santo, revelou-se como causa da nossa santidade: o Cordeiro de Deus — o autor da nossa santidade.

Deixemos que Ele opere em nós com o poder do Espírito Santo! Deixemos que Ele nos guie nos caminhos da fé, da esperança, da caridade — no caminho da santidade! Deixemos que o Espírito Santo — Espírito de Jesus Cristo — renove a face da terra através de cada um de nós!

Deste modo, toda a nossa vida ressoa com o cântico do Natal.



Homilias JOÃO PAULO II 697